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Universidade Federal de Lavras Departamento de Medicina Veterinária SETOR DE PATOLOGIA VETERINÁRIA PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR Prof. Flademir Wouters – 2015 1. ANATOMIA E HISTOLOGIA O coração é um órgão muscular que se contrai ritmicamente, impulsionando o sangue no sistema circulatório. É constituído de quatro câmaras: átrio e ventrículo direitos, que recebem o sangue da grande circulação através das veias cavas e o impulsionam até os pulmões através das artérias pulmonares; átrio e ventrículo esquerdos, os quais recebem sangue da circulação pulmonar pelas veias pulmonares e o impulsionam à circulação sistêmica através da aorta. O aporte arterial para a parede cardíaca é feito pelas artérias coronárias. A parede cardíaca é constituída de três camadas: pericárdio, miocárdio e endocárdio. O pericárdio divide-se em parietal e visceral (ou epicárdio) e é constituído de epitélio pavimentoso (mesotélio), apoiado numa delgada camada de tecido conjuntivo. O miocárdio é constituído por fibras musculares estriadas cardíacas dispostas em várias direções, tendo como irrigação uma rede de capilares altamente anastomosados com uma relação de 1:1 (fibra : capilar) . Essas fibras não sofrem mitose, exceto em fetos e animais neonatos, o que significa que o músculo cardíaco perde a capacidade de regeneração após o nascimento. Além das fibras musculares estriadas cardíacas existem fibras musculares especializadas, ricas em sarcolema e pobres em miofibrilas. Estas fibras constituem o sistema de condução cardíaco, cujos componentes são: nodo sinoatrial, situado em nível de junção de veia cava cranial e átrio direito; nodo atrioventricular, localizado por baixo do folheto septal da valva tricúspide; feixe atrioventricular ou feixe de His, que se origina no nodo atrioventricular atravessando a porção inferior do septo atrial até a porção superior do septo ventricular; ramos direito e esquerdo do feixe, que descem a cada lado do septo ventricular ramificando-se distalmente, onde recebem o nome de fibras de Purkinje. O endocárdio é semelhante à íntima dos vasos, constituído de endotélio apoiado sobre camada delgada de tecido conjuntivo. As válvulas cardíacas (semilunares aórtica e pulmonar, tricúspide e mitral) são constituídas de porção central de tecido conjuntivo e revestidas por endotélio. As válvulas não são vascularizadas; sua nutrição é feita por difusão do sangue que passa pelas câmaras. 2. EXAME DO CORAÇÃO O pericárdio parietal deve ser cortado no ápice do coração para observação da presença de líquido (hidropericárdio) ou sangue (hemopericárdio), lembrando que uma pequena quantidade de líquido deve estar presente - ela é responsável pela lubrificação das serosas relacionadas. O pericárdio visceral, o miocárdio e o endocárdio (valvular e mural) devem ser examinados conforme descrito no polígrafo da técnica de necropsia. Na suspeita de lesão miocárdica devem ser feitos vários cortes no miocárdio. Quando há suspeita de insuficiência cardíaca deve se observar o tamanho das câmaras cardíacas, bem como espessura de paredes cardíacas. Fetos e neonatos apresentam espessura de paredes semelhante entre os ventrículos, a 2 qual em poucos meses atinge a espessura normal, isto é, espessura da parede ventricular esquerda livre aproximadamente três vezes maior que a do ventrículo direito. Hemorragias subendocárdicas sob a forma de sufusões e equimoses são frequentemente encontradas em equinos e ruminantes. Não são um achado específico e devem ser diferenciadas de embebição hemoglobínica. Nesta, o endocárdio apresenta-se difusamente castanho- avermelhado, e o líquido do saco pericárdico também fica avermelhado e tende a estar mais volumoso em animais autolisados. Após a morte todo o sangue coagula no sistema circulatório, inclusive nas câmaras cardíacas. Com o rigor mortis o sangue do ventrículo esquerdo é expulso, provocando seu esvaziamento. Assim, o achado de coágulos grandes no ventrículo esquerdo sugere insuficiência cardíaca. É importante diferenciar coágulos de trombos. Os coágulos, apesar de ficarem entremeados nas válvulas e cordas tendíneas, são facilmente destacados e deixam a superfície lisa, sem erosões. Isso não ocorre com os trombos. A coagulação pós-morte pode produzir coágulos vermelhos (cruóricos) e/ou amarelados (lardáceos). Os últimos, que possuem poucos eritrócitos, ocorrem em anemias e fases agônicas prolongadas. Coágulos lardáceos são achados comuns em equinos, pois essa espécie tem rápida sedimentação dos eritrócitos após a morte. É importante a interpretação de alguns achados no miocárdio e no pericárdio. Áreas pálidas e irregulares são frequentemente observadas no miocárdio, podendo representar lesão (miocardite ou necrose) ou apenas distribuição irregular do sangue (alteração pós-mortal, resultante da ação de diferentes gradientes de pressão sobre o órgão/partes dele). Os vasos linfáticos do pericárdio devem ser diferenciados de necrose. Esta se aprofunda na superfície de corte. Um pequeno foco hemorrágico no pericárdio visceral pode ser derivado de injeção para eutanásia. Neste caso o histórico clínico é importante. Pontilhado semelhante a pó de giz na superfície endocárdica ocorre pela cristalização de medicamentos utilizados na eutanásia como por exemplo tiopental. À gordura pericárdica flácida e edemaciada dá-se o nome de atrofia serosa da gordura. Sua presença indica desnutrição ou caquexia. O miocárdio pode apresentar coloração bronzeada em animais velhos, alteração esta conhecida como atrofia parda (acúmulo de lipofuscina em cardiomiócitos). 3. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA É a situação em que o coração não tem mais capacidade de bombear sangue suficiente para atender a demanda hemodinâmica do organismo. A insuficiência cardíaca se estabelece quando os mecanismos compensatórios já foram exauridos e estão presentes manifestações clínicas e lesões características. • Mecanismos compensatórios: - dilatação cardíaca (insuficiência cardíaca aguda), em que o diâmetro transversal é maior ou igual ao diâmetro longitudinal, deixando o coração globoso. - hipertrofia cardíaca (insuficiência cardíaca crônica) - aumento da frequência cardíaca (mediado pelo sistema nervoso simpático) - vasoconstrição periférica (mediada pelo sist. nervoso simpático e pela angiotensina II) - aumento da volemia (mediado pela aldosterona, com liberação estimulada por angiotensina II) - policitemia (eritropoese estimulada por hipóxia renal, a partir da síntese de eritropoetina). Todos estes mecanismos num primeiro momento mantêm, até certo limite, as condições do animal de maneira satisfatória, no entanto, ultrapassando esse limite acabam agravando o quadro de insuficiência cardíaca, gerando um círculo vicioso. Insuficiência cardíaca aguda ou síncope 3 É a expressão aguda da doença cardíaca caracterizada por colapso, perda da consciência e extrema alteração da frequência cardíaca e da pressão sanguínea. Causas: tamponamento cardíaco, necrose miocárdica (principalmente do sistema de condução), oclusão súbita da aorta ou da artéria pulmonar, ruptura cardíaca ou de grandes vasos, choque, anóxia, intoxicações, como por Palicourea marcgravii e Amorimia (Mascagnia) ssp. em bovinos. Lesão cardíaca: pode estar ausente ou haver dilatação do ventrículo direito. Lesões sistêmicas extra-cardíacas: dependendo do tempo decorrido até a morte, podem ser encontrados congestão sistêmica e/ou pulmonar, edemas e fígado em noz-moscada. Porém, se a morte for rápida, podem não ser observadas lesões na necropsia. Insuficiência cardíaca crônica ou insuficiência cardíaca congestiva(ICC) Causas: miocardite, pericardite, endocardite, endocardiose, anomalias cardíacas congênitas, cardiomiopatias degenerativas tóxicas e nutricionais, lesões pulmonares difusas e graves (“Cor pulmonale”). Lesão cardíaca: como o coração tem tempo para adaptar-se ocorre hipertrofia cardíaca, que pode ser concêntrica ou excêntrica. Hipertrofia concêntrica: há hipertrofia do miocárdio associada à diminuição da câmara cardíaca, ou seja, o espessamento da parede ocorre para dentro da câmara. Esta condição ocorre em resposta a um impedimento ao fluxo durante a sístole como, por exemplo, na estenose valvular aórtica ou pulmonar e na hipertensão pulmonar. A parede hipertrófica encontra-se espessada e os músculos papilares e as trabéculas salientes. Hipertrofia excêntrica: há hipertrofia do miocárdio associada à dilatação da câmara. Ocorre quando há aumento do volume diastólico como, por exemplo, nas insuficiências valvulares endocardiose e endocardite, condições em que há refluxo do sangue do ventrículo para o átrio durante a sístole, aumentando o volume diastólico. Em determinadas anomalias congênitas com comunicação entre lado esquerdo e direito há passagem do sangue da câmara de maior gradiente de pressão para a de menor pressão, aumentando o volume sanguíneo nesta. A parede da câmara pode ter espessura normal ou diminuída, e os músculos papilares muitas vezes encontram-se achatados. Lesões sistêmicas: são dependentes da localização da lesão, no coração direito ou no esquerdo. Numa fase mais avançada, a insuficiência do coração esquerdo pode induzir sobrecarga do direito e vice-versa; assim, poderá haver sobreposição de lesões de insuficiência cardíaca direita e esquerda. Lesões na Insuficiência cardíaca direita: ingurgitamento da veia jugular, congestão e edemas generalizados e fígado em noz-moscada. Os edemas são decorrentes tanto do aumento da pressão hidrostática, quanto de origem renal (ativação do sistema renina- angiotensina- aldosterona, com retenção de sódio e, consequentemente, de água). Lesões na Insuficiência cardíaca esquerda: congestão e edema pulmonar, edemas generalizados (edema de origem renal). * Distribuição predominante do edema na insuficiência cardíaca congestiva nas diferentes espécies: - Ruminantes e equinos - subcutâneo de declive (barbela e baixo ventre). - Cães - ascite. - Gatos – hidrotórax. - Suínos – cavitários. 4- ANOMALIAS CONGÊNITAS São alterações cardíacas formadas durante o período pré-natal, muitas vezes sem causa conhecida. Nem sempre provocam alterações clínicas, pois dependem da gravidade da lesão. Especialmente na suspeita de anomalia cardíaca congênita o coração deve ser 4 examinado/aberto, “in situ” (isto é, sem separá-lo dos pulmões) para se observar a relação com os mesmos e facilitar a avaliação dos grandes vasos na base cardíaca. Persistência do ducto arterioso O ducto arterioso é um canal vascular que, durante a vida fetal, desvia grande parte do sangue da artéria pulmonar para a aorta, devido ao não funcionamento pulmonar. Nas primeiras horas após nascimento este ducto se fecha transformando-se no ligamento arterioso, no entanto, potros podem apresentar ducto arterioso pérvio até cinco dias após nascimento, o que é normal. A persistência do ducto arterioso ocorre principalmente em cães, especialmente em Poodles, Collies, Pomerânios, Chihuahua e Maltês e é um dos defeitos cardíacos mais frequentes nesta espécie. É um defeito hereditário. Fisiopatologia: com o ducto pérvio (= viável) após o nascimento o sangue da aorta tende ser desviado para a artéria pulmonar por causa da mudança nos gradientes de pressão por ocasião do nascimento; consequentemente ocorre hipertrofia concêntrica do ventrículo direito decorrente da hipertensão pulmonar, e hipertrofia excêntrica do átrio e do ventrículo esquerdos, devida ao aumento de sangue que retorna do circuito pulmonar. Defeito do septo interatrial Durante a vida fetal existe um forame (forame oval) comunicando os átrios. Em animais recém-nascidos o forame pode ser anatomicamente presente, mas funcionalmente está fechado, devido às diferentes pressões nos átrios. Ruminantes recém-nascidos normalmente apresentam forame oval, o qual se fecha após alguns dias. A patologia pode ser observada em caninos das raças Boxer, Pinscher e Samoyed. Fisiopatologia: um defeito septal atrial pode ser resultante do não fechamento do forame oval ou de um defeito na formação do septo interatrial. Consequentemente, há hipertrofia excêntrica do átrio e do ventrículo direitos. Defeito do septo interventricular É um dos defeitos mais comuns nos animais domésticos. Entre os cães ocorre principalmente em Bulldog inglês. Fisiopatologia: Há hipertrofia dos dois ventrículos, e hipertrofia excêntrica do átrio esquerdo por causa do maior volume de sangue que retorna dos pulmões. Tetralogia de Fallot Ocorre em caninos, mais comum no Bulldog inglês e também em outras espécies animais. Fisiopatologia: consiste de três defeitos primários: defeito septal ventricular; estenose da válvula pulmonar; e dextroposição da aorta, associados a hipertrofia concêntrica compensatória do ventrículo direito, secundária, portanto. Os animais afetados geralmente apresentam manifestações clínicas de fraqueza, crescimento retardado, cianose e policitemia. Estenose valvular pulmonar É mais frequente em cães. Hereditária em Beagle, Bulldog, Chihuahua, Fox-terrier e Schnauzer Miniatura. Fisiopatologia: a lesão na semilunar pulmonar pode ser valvular, subvalvular ou supravalvular. O orifício valvular pode ser pequeno (valvular); um anel fibroso pode formar-se sob a válvula (subvalvular), ou pode ocorrer hipertrofia muscular (supravalvular). Consequentemente, há hipertrofia concêntrica do ventrículo direito e dilatação da base da artéria pulmonar, devido ao fluxo turbulento. Estenose valvular aórtica e subaórtica A estenose subaórtica é mais comum do que a aórtica. Ocorre em algumas raças de suínos (Danish) e caninos (Pastor Alemão, Boxer, Pointer, Golden Retriever). 5 Fisiopatologia: a lesão varia de algumas placas de tecido fibroso a um anel fibroso abaixo da válvula. Ocorre hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo e dilatação pós- estenótica da aorta. Persistência do arco aórtico direito É mais frequente em cães, principalmente em Pastor Alemão e Setter Irlandês, e pode ocorrer também em bovinos. Fisiopatologia: em animais normais a aorta origina-se do 4 o. arco aórtico esquerdo. Dessa forma, a aorta se origina no ventrículo, forma uma curvatura para o lado esquerdo, ficando do mesmo lado que a artéria pulmonar - à esquerda do esôfago e da traqueia. Quando ocorre persistência do 4 o. arco aórtico direito a curvatura da aorta é para o lado direito. Consequentemente, o ligamento arterioso forma um anel envolvendo a traqueia e o esôfago no seu terço médio. A compressão do esôfago leva a obstrução esofágica, que se torna clinicamente evidente quando o animal começa a ingerir alimentos sólidos, ocorrendo então disfagia e megaesôfago. Ectopia cordis Alteração rara da posição do coração, o qual pode ser encontrado na cavidade abdominal ou pré-esternal, no tecido subcutâneo e nem sempre é incompatível com a vida. Em bovinos pode ocorrer no tecido subcutâneo da região cervical ou até mesmo com o saco pericárdico exteriorizado. Hematocistos ou hematomas valvulares Comuns em ruminantes jovens, são cistos de até 1,0 cm de diâmetro, encontrados nas margens das válvulas atrioventriculares. São revestidos por endotélio e contêm sangue. Persistem por poucos meses. Ocasionalmente podemcrescer e persistir por um ano ou mais, sendo que o conteúdo torna-se seroso. Nas espécies ruminantes são apenas achados incidentais de necropsia, sem problemas ao animal, mas em caninos a alteração pode estar associada a manifestações clínicas e lesões de insuficiência cardíaca, e podem ser encontrados em caninos de diferentes idades. 5. ALTERAÇÕES CIRCULATÓRIAS DO CORAÇÃO Hemorragia Petéquias, equimoses e sufusões subepicárdicas e subendocárdicas são frequentes em ruminantes e equinos, sendo geralmente agônicas. Neste caso seu achado não contribui muito para a investigação da causa da morte. Hemorragias múltiplas podem, no entanto, indicar patologias importantes como septicemia, e são frequentemente bem evidentes em doenças virais como a peste suína e a hepatite infecciosa canina. Na intoxicação aguda de bovinos por samambaia-do-campo (Pteridium aquilinum, recentemente reclassificada como Pteridium arachnoideum) as hemorragias constituem os achados de necropsia mais importantes. A deficiência de vitamina E e selênio em suínos, enfermidade denominada Doença do coração de amora, caracteriza-se por microangiopatia, ocorre principalmente em animais de 2 a 4 meses de idade e em excelentes condições corporais, e se manifesta sob hemorragias subepicárdicas, subendocárdicas e miocárdicas acentuadas, daí a denominação da doença; associadas a hidrotórax, hidropericárdio contendo flocos e filamentos de fibrina, além de congestão e edema pulmonares. Trombose, embolia e infarto Em humanos trombose e infarto do miocárdio frequentemente estão associados a arteriosclerose, mais especificamente a aterosclerose, relacionada à hipercolesterolemia. No entanto, em animais domésticos infarto do miocárdio associado a aterosclerose não é uma condição espontânea frequente, nem importante. Êmbolos sépticos podem desprender-se das valvas tricúspide e pulmonar em animais com endocardite séptica no coração direito e embolizam para os pulmões. Pode levar à morte por 6 insuficiência cardíaca aguda, ou, se o animal sobreviver por mais tempo, levar a abscessos pulmonares, por embolização de bactérias aos pulmões. Se trombos envolvem as valvas mitral e/ou aórtica, podem, através das artérias coronárias, embolizar para o miocárdio causando infarto(s) e abscesso(s), estes em caso de trombos sépticos. Em cães embolia e infarto do miocárdio mais frequentemente estão relacionados a uremia, situação em que é comum endocardite do átrio esquerdo, com trombose e suas consequências. Em equinos é relatado infarto dom miocárdio relacionado a migração de larvas de Strongylus vulgaris até o coração com trombose e embolia em artérias coronárias, mas a infecção por este helminto tem diminuído em frequência e intensidade nos últimos anos. MIOCÁRDIO 1. DOENÇAS COM ALTERAÇÕES DEGENERATIVAS E NECRÓTICAS NO MIOCÁRDIO Existem numerosas causas de degeneração e necrose do miocárdio, tais como plantas miotóxicas, deficiências nutricionais, isquemia, medicamentos e lesões no sistema nervoso central que causam vasoconstrição em nível de miocárdio, consequentemente isquemia e necrose. Ao exame macroscópico as lesões miocárdicas são constituídas por áreas pálidas, amareladas ou brancacentas (quando associadas a calcificação). Podem ser focais, multifocais ou difusas. Para sua verificação são necessários cortes seriados do miocárdio na necropsia, com especial atenção para parede do VE e músculos papilares. Ao exame histológico variam de degeneração vacuolar a necrose hialina (fibras eosinofílicas, com perda de estriações e núcleos com picnose/cariólise). Dependendo do curso da doença, pode ocorrer infiltração de neutrófilos, macrófagos e fibrose. Miocardiopatias Miocardiopatias primárias e secundárias representam doenças miocárdicas generalizadas importantes, com causas idiopáticas ou conhecidas. As miocardiopatias primárias ou idiopáticas resultam em doença cardíaca progressiva. Cardiomiopatia hipertrófica primária ou idiopática ocorre com mais frequência em felinos, geralmente machos de 1 a 4 anos de idade. Apresentam insuficiência cardíaca congestiva e 10 a 20 % deles tem paresia posterior relacionada a concomitante tromboembolismo de aorta abdominal (Trombose em sela), esta decorrente de trombose em átrio esquerdo. Em gatos persa e pelo curto americano tem caráter hereditário. Em cães, de modo geral, afeta mais raças de grande porte. Na necropsia é observado coração aumentado de volume, com hipertrofia acentuada de ventrículo esquerdo e septo interventricular. Cardiomiopatia dilatada ou congestiva é causa importante de insuficiência cardíaca congestiva em felinos e caninos de raças de grande porte, como Dobermann, Dinamarquês e Fila. Nos felinos é relacionada a níveis de taurina nos tecidos e na dieta dos animais afetados, e a suplementação de rações comerciais de felinos com taurina tem reduzido o número de casos de cardiomiopatia dilatada. Mais frequentemente são afetados machos de meia idade. Alguns animais desenvolvem tromboembolismo aórtico. Na necropsia são observados coração globoso com dilatação de ambos os ventrículos com diminuição da espessura ventricular, além de endocárdio espessado e esbranquiçado. Alterações histológicas e ultra-estruturais são inespecíficas, podendo ser discretas ou ausentes e incluem fibrose intersticial e alterações degenerativas nos cardiomiócitos. Cães com hipotireoidismo podem apresentar alterações cardiovasculares pela diminuição do metabolismo corporal. Com diminuição da frequência cardíaca, aterosclerose, dilatação cardíaca bilateral e palidez do miocárdio pelo acúmulo de gordura entre os cardiomiócitos. 7 Há ainda a Cardiomiopatia do Boxer, doença familiar e comum em cães da raça Boxer, uma cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito. A partir de uma inicial lesão de arritmia os cães podem apresentar morte súbita ou desenvolverem uma insuficiência cardíaca congestiva bilateral pela ocorrência de cardiomiopatia dilatada. Comumente são identificados dilatações cardíacas, ascite, hidrotórax, edema pulmonar e um fígado noz-moscada. Deficiência de vitamina E e selênio (Doença dos músculos brancos) A vitamina E e o selênio são anti-oxidantes que participam da manutenção da integridade das membranas celulares, protegendo-as da ação de radicais livres. A deficiência desses elementos induz lesões nos músculos cardíaco e esqueléticos (Doença dos músculos brancos), fígado (Hepatose dietética dos suínos), vasos sanguíneos (Doença do coração de amora dos suínos) e encéfalo (Encefalomalácia das aves). As duas formas da deficiência nos suínos geralmente não estão associadas. A doença dos músculos brancos ocorre principalmente em bovinos e ovinos, e mais raramente em equinos, cães e gatos, aves, e suínos. Acomete animais jovens - recém-nascidos e animais em crescimento. Ocorre em animais que apresentam ótima condição corporal. Pode estar relacionada à deficiência de selênio no solo, deficiência de vit. E e/ou Se na ração, e ainda pode estar relacionada ao uso de rações com níveis elevados de ácidos graxos insaturados. No caso do solo, como a absorção de Se pelas plantas forrageiras é favorecida em pH mais alcalino, nas pastagens de solo com pH baixo ou com níveis elevados de enxofre é que a deficiência de Se pode ocorrer, e vale lembrar que solos ácidos são frequentes no Brasil. O selênio é componente da glutationa peroxidase, que neutraliza radicais livres. Quanto à patogenia, há alteração de membranas celulares pelos radicais livres, permitindo a entrada de níveis elevados de íons Ca + , que se depositam nas mitocôndrias afetando a respiração celular e, consequentemente,induzem necrose de miofibras. Nos ruminantes a doença se apresenta sob a forma cardíaca, com predomínio de lesões no miocárdio, ou músculo- esquelética, predominando lesões em músculos esqueléticos. A deficiência manifesta-se alguns meses após a introdução da alimentação deficiente nos referidos elementos, uma vez que há reserva de Se e vitamina E no organismo. A forma cardíaca predomina nos animais mais jovens, como recém-nascidos. Caracteriza-se clinicamente por mortes súbitas ou fraqueza associada a dificuldade respiratória, seguida de morte em algumas horas. Na necropsia o miocárdio apresenta estrias ou áreas extensas esbranquiçadas e opacas, com aspecto de giz, o qual dá o nome à doença. No exame histológico observa-se necrose de miofibras associada a calcificação intensa. Intoxicação por Palicourea marcgravii (“cafezinho”, “erva de rato”). Planta perene, arbustiva da Família Rubiaceae, mais frequente em locais parcialmente sombreados, principalmente beiras de matas, cujas folhas glabras, esmagadas apresentam odor característico de salicilato de metila (“Vick”). As flores são amarelo-avermelhadas até arroxeadas. Ocorre em extensa área do Território Nacional, exceto Região Sul e Mato Grosso do Sul, é planta palatável para bovinos, tem toxidez elevada e efeito cumulativo de até cerca de 5 dias. É importante causa de mortalidade de bovinos, constituindo a planta tóxica mais importante da Região Amazônica. Quanto a etiopatogenia da doença, a planta contém ácido monofluoracético, o qual interfere no ciclo de Krebs, afetando assim o funcionamento cardíaco, induzindo insuficiência cardíaca aguda, com fibrilação ventricular ou estimulação excessiva do SNC levando à morte. Os bovinos intoxicados caem ao solo, especialmente após serem movimentados, apresentam tremores musculares e movimentos de pedalagem, morrendo em poucos minutos, o que é denominado morte súbita. Na necropsia não há alterações significativas, e na avaliação histológica os achados são pouco constantes, sendo o mais importante degeneração hidrópica do epitélio dos túbulos contorcidos distais. Outras espécies de Palicourea ocorrem no Brasil, algumas tóxicas, mas com distribuição geográfica limitada, e algumas espécies não tóxicas, cujas folhas também apresentam o odor de salicilato de metila. 8 Intoxicação por Mascagnia sp. Amorimia (Mascagnia) sp., cipó ou arbusto escandente da Família Malpighiaceae, sem nome popular, foi identificado como causa de “morte súbita” em bovinos no Litoral do Estado de Santa Catarina, com grandes prejuízos nesta Região, principalmente para pequenos criadores. No Estado do Rio Grande do Sul foi diagnosticada em vários municípios. Há espécies tóxicas também no Sudeste, em Goiás, parte de Mato Grosso do Sul. Na mata, os ramos de Amorimia (Mascagnia) sp. estendem sobre a copa das árvores, ficando fora do alcance do gado. Os bovinos ingerem as folhas da planta quando ela ocorre em capoeiras onde a vegetação é baixa ou em fase de brotação. Parece não haver condições especiais para que ocorra a intoxicação por Amorimia sp. A simples presença da planta no pasto é suficiente, pois, ao que tudo indica, os animais ingerem as folhas indiscriminadamente, em qualquer período do ano; porém as mortes ocorrem mais frequentemente no período de escassez de pastagem (inverno), em virtude dos bovinos estarem mais sujeitos a invadirem as capoeiras nesta estação. O dado mais importante para o diagnóstico é o quadro clínico-patológico da doença, caracterizado por evolução superaguda (morte súbita). O princípio tóxico da Amorimia (Mascagnia) sp. é ainda desconhecido, porém deve atuar no Ciclo de Krebs como na intoxicação da Palicourea marcgravii. A alteração histológica mais importante foi a degeneração hidrópica do epitélio nos túbulos contorcidos distais do rim e necrose de cardiomiócitos observada microscopicamente. Há evidências que Amorimia exotropica em alguns casos também induza lesões crônicas no miocárdio e insuficiência cardíaca congestiva crônica. Existem ainda no Brasil algumas outras plantas com efeitos semelhantes aos da intoxicação por Palicourea marcgravii e Amorimia sp. tais como Arrabidaea spp. e Pseudocalymma elegans, ambas da Família Bignoniaceae. Intoxicação por Tetrapterys spp. (cipó-ruão, cipó-preto, cipó-vermelho) Planta de porte baixo e caule maleável, um cipó cujas folhas são cardiotóxicas para bovinos, ocorre em campos nativos na Região Sudeste do Brasil, principalmente leste do Estado de Minas Gerais, e também Espírito Santo, São Paulo (Vale do Paraíba), Rio de Janeiro, preferindo áreas de morro. A intoxicação ocorre principalmente de agosto a outubro, período seco na Região Sudeste, mas a planta está em plena brotação. A doença geralmente tem curso subagudo a crônico e caracteriza-se por edema de barbela e baixo ventre, veia jugular ingurgitada com pulso venoso positivo, fraqueza, arritmia cardíaca. Na necropsia observam-se áreas e estrias pálidas no miocárdio, que se caracterizam microscopicamente por necrose hialina de miofibras e fibrose. Fígado em noz-moscada e edemas cavitários são também observados. A planta é também abortiva, sendo que os abortos ocorrem em decorrência de lesões cardíacas semelhantes nos fetos de vacas que ingerem a planta, as quais também podem morrer. Intoxicação por Ateleia glazioviana (Timbó, cinamomo bravo, maria-preta). É uma importante planta tóxica para a região oeste de Santa Catarina e noroeste do Rio Grande do Sul. Ela é uma leguminosa arbórea de até 15 m de altura, presente em grande parte da Região Sul do Brasil, cuja ingestão de folhas e brotações provoca alterações clínicas e lesões cardíacas em que predominam alterações reparativas (fibrose) sobre as degenerativo-necróticas no miocárdio. O consumo desta planta pode ocasionar o aborto ou o nascimento de bezerros fracos que acabam morrendo em pouco tempo. Quadro neurológico também é identificado em bovinos, pela ocorrência de vacuolização da substância branca. Animais com forma cardíaca podem apresentar sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva (edema de peito, cansaço, dispnéia e ingurgitamento da jugular), porém alguns animais apresentam morte súbita quando 9 num maior esforço cardiopulmonar. Macroscopicamente são identificadas áreas pálidas difusas principalmente nas coronárias e no septo interventricular Áreas pálidas que correspondem na histologia ao acúmulo de tecido conjuntivo fibroso, vacuolização de cardiomiócitos e com poucas células cardíacas normais. Intoxicação por Senna occidentalis (Cassia occidentalis - fedegoso) É uma leguminosa arbustiva com folhas de odor desagradável e flores amarelas, comum em beiras de estrada e pastagens, e frequentemente ocorre como invasora de lavouras de soja, milho e sorgo, pois prefere solos férteis. Sob condições naturais intoxica bovinos, suínos e equinos. A doença pode ocorrer pela ingestão de cereais ou feno contaminados com sementes, e em bovinos ocorre também em pastejo, quando a disponibilidade de pasto está reduzida, como em palhadas (restos culturais, restevas) com lotações elevadas e grande quantidade da planta. Em geral a doença se manifesta 2 a 4 dias após a ingestão da planta, e os animais intoxicados apresentam diarreia, fraqueza muscular, dificuldade e relutância em andar, tremores musculares, quedas, pode haver mioglobinúria, decúbito esternal, depois lateral, e morte. Na necropsia observam-se estriações branco-amareladas ou grandes áreas pálidas em massas musculares esqueléticas, que correspondem a degeneração e necrose. No coração as lesões, na maioria das vezes, são muito discretas, por vezes imperceptíveis a olhonu. Podem também ocorrer dilatação do ventrículo esquerdo e presença de coágulos no ventrículo esquerdo, indicando insuficiência cardíaca. Outras lesões de insuficiência cardíaca eventualmente observadas são congestão e edema pulmonares e fígado em noz-moscada. Intoxicação por antibióticos ionóforos Os antibióticos ionóforos são medicamentos adicionados à ração dos animais, principalmente como coccidiostáticos (frangos de corte, perus jovens, bovinos) e como promotor de crescimento (ruminantes). Há vários tipos de ionóforos: monensina (o mais frequentemente usado), salinomicina, narasina, lasalocid e maduramicina. A intoxicação ocorre quando o medicamento é utilizado em doses acima das recomendadas por erros na mistura da ração, uso do produto em espécies não-alvo (equinos, coelhos, ovinos, suínos, cães, aves de postura, perus adultos, avestruzes), introdução de partida de ração com quantidades desconhecidas do medicamento. Clinicamente a intoxicação manifesta-se de forma superaguda, aguda, subaguda ou crônica, dependendo da dose e do tempo de ingestão, e geralmente na forma de surtos. São observados anorexia, diarreia, tremores musculares, ataxia, fraqueza muscular, arrastar de pinças, atonia rumenal, mioglobinúria, sinais de insuficiência cardíaca como edema pré-esternal, pulso venoso positivo da jugular em bovinos. Caracteriza-se por lesões degenerativas e necróticas no coração e em músculos esqueléticos, que são decorrentes de alterações no transporte de membranas celulares. Dependendo da espécie afetada, há predominância de lesões cardíacas ou em músculos esqueléticos, sendo que em bovinos e equinos geralmente predominam lesões cardíacas; em coelhos e suínos predominam lesões músculo-esqueléticas, enquanto que em ovinos e galinhas as lesões tendem a ter intensidade similar no miocárdio e nos músculos esqueléticos. As lesões cardíacas variam em intensidade, podendo ser imperceptíveis na necropsia. Pode haver focos pálidos e lineares, ou áreas difusamente branco-amareladas que podem ser vistas através do epicárdio. Lesões de insuficiência cardíaca congestiva são observadas principalmente em animais que sobrevivem por mais de uma semana. Nesses casos há, macroscopicamente, dilatação cardíaca, edemas cavitários, congestão e edema pulmonares e viscerais. Intoxicação por gossipol Caroço de algodão é utilizado como fonte protéica e energética na alimentação de ruminantes e suínos, in natura ou sob a forma de torta, que é um subproduto da extração do óleo das sementes. O caroço contém a substância chamada gossipol que é tóxica, e que pode também estar presente em níveis tóxicos na torta de algodão quando a extração de óleo não é 10 adequada. Ruminantes jovens e suínos são altamente sensíveis. A intoxicação ocorre 2 a 3 meses após início da ingestão de ração contendo concentrações elevadas de gossipol (mais de 9%). Os animais apresentam dispneia, edema pré-esternal, fraqueza, anorexia, taxa de crescimento reduzida em animais jovens, ou mesmo morte súbita. Na necropsia observam-se lesões decorrentes de insuficiência cardíaca, como hidrotórax, hidropericárdio, ascite, congestão e edema pulmonares, congestão hepática e renal. O coração apresenta dilatação e, nos casos mais crônicos, hipertrofia. Na microscopia observam-se degeneração e necrose de miofibras cardíacas, entremeadas por fibras hipertróficas, e fibrose nos casos crônicos. 2. MIOCARDITE Geralmente tem origem hematógena, acompanhando doenças sistêmicas, ocorrendo, com frequência, por extensão de endocardite ou pericardite, de forma que a miocardite raramente é primária. As lesões são, em geral, constituídas por áreas pálidas, focais ou multifocais que, muitas vezes, passam despercebidas na necropsia. Classificação * Supurativa: origem embólica de processo supurativo em outro tecido ou de endocardite valvular esquerda. Ex.: infecção por Arcanobacterium pyogenes, Streptococcus spp, Actinobacillus equuli. * Necrosante: há predomínio da necrose sobre a inflamação, sendo as lesões comumente multifocais. Ex.: infecção por Toxoplasma gondii. * Necro-hemorrágica: ocorre, ocasionalmente, em associação com as lesões musculares esqueléticas do carbúnculo sintomático. O carbúnculo sintomático, doença aguda que causa morte em 12 a 36 h, é causada por Clostridium chauvoei, e comumente denominada “Manqueira”. Mais frequentemente ocorre em bovinos de 6 meses a dois anos, principalmente aqueles de melhores condições corporais. O bacilo esporula no ambiente, em que fica viável por longos períodos. É ingerido, permanecendo de forma latente na musculatura dos animais, e causa doença quando passa para a forma vegetativa, condição essa relacionada a anaerobiose no tecido, quando são produzidas toxinas. Clinicamente manifesta-se por apatia, anorexia, hipertermia, claudicação acentuada e aumento de volume com crepitação em grandes massas musculares (estes nem sempre observados clinicamente). Na necropsia as massas musculares afetadas apresentam coloração vermelha escura e/ou aspecto de cozidas, bolhas de gás e odor butírico (odor de ranço). A doença deve ser diferenciada de gangrena gasosa, também causada por clostrídio, na qual há, obrigatoriamente, solução de continuidade na pele com inoculação direta do agente, e pode ocorrer em qualquer faixa etária. * Linfocitária: caracterizada por infiltrado inflamatório mononuclear intersticial, com graus variáveis de degeneração e necrose de miofibras. Ex.: infecções virais como febre aftosa em bezerros, e encefalomiocardite em suínos, parvovirose canina. Miocardite não supurativa tem sido observada em caninos relacionada a infecção por Trypanosoma cruzi, conhecida como Doença de Chagas. A infecção ocorre por ingestão de formas infectantes do protozoário (tripomastigota metacíclico) liberadas por triatomíneos (= barbeiro) e que contaminam alimentos, por ingestão de triatomíneos ou de reservatórios silvestres, como gambás. Quanto à evolução clínica geralmente há morte súbita. Na necropsia há aumento de volume cardíaco, coração com formato globoso e múltiplas áreas pálidas no miocárdio. Ao exame histológico tem sido observado infiltrado inflamatório não-supurativo difuso acentuado, predominantemente linfocitário e, nas fibras miocárdicas, pseudocistos repletos de formas amastigotas de Trypanosoma cruzi. * Eosinofílica: predominância de eosinófilos no infiltrado inflamatório. Ex.: Sarcocystis spp. Consequências da miocardite: resolução ou formação de cicatrizes. Quando a lesão é acentuada e progressiva há morte por insuficiência cardíaca aguda ou crônica. 11 3. PARASITAS As formas larvais de determinados cestódeos podem formar cistos no miocárdio. Em geral são achados de necropsia, sem associação com manifestações clínicas. Cysticercus bovis: é a forma larvária de Taenia saginata, cujos hospedeiros definitivos são os humanos. A ingestão dos ovos eliminados nas fezes de humanos induz a formação de estruturas císticas de cerca de 0,5 cm no coração e em músculos esqueléticos, pulmão, fígado e linfonodos de bovinos. Cysticercus cellulosae: é a forma larvária da Taenia solium do homem. Esta cisticercose ocorre em suínos, eventualmente em cães e humanos que ingerem ovos da referida tênia, sendo as lesões são semelhantes às descritas para C. bovis. Cisto hidático: forma larvária de Echinococcus granulosus dos carnívoros, pode localizar-se no miocárdio, mas é bem mais frequente em fígado e pulmões. Ocorre em ruminantes, suínos, equinos e no homem. * Cistos de Sarcocystis sp. são encontrados com frequência em cortes histológicos de coração de bovinos, ovinos, equinos e suínos, mas não tem importânciacomo causa de doença, na prática apenas uma espécie; Sarcocystis neurona, tem importância em Medicina Veterinária por causar uma doença neurológica em equinos, a Mieloencefalite por protozoário (MEP), estudada com as patologias do Sistema Nervoso Central. 4. NEOPLASIAS CARDÍACAS Rabdomioma e rabdomiossarcoma: neoplasias benigna e maligna, respectivamente, de músculo estriado. São raras, ocorrendo o rabdomiossarcoma somente de forma metastática no coração. Formam nódulos acinzentados no miocárdio. Schwanoma: pode envolver nervos cardíacos de bovinos. Aparece como nódulos esbranquiçados ao longo dos nervos do epicárdio, também no plexo braquial. Hemangiossarcoma: mais comum em cães. Pode ser primário do coração ou secundário (ex.: do baço). Mais comumente observado na superfície epicárdica do átrio direito como massa vermelho-escura contendo sangue. Linfossarcoma: neoplasia maligna de linfócitos e linfoblastos comum em bovinos e caninos, que frequentemente atinge também o coração. Nos bovinos adultos é importante a Leucose Enzoótica Bovina, caracterizada por ser multicêntrica e mais frequente em vacas leiteiras. É causada por um Retrovírus que contém a enzima transcriptase reversa, a qual permite copiar o RNA viral em DNA. Esta cópia pode ser inserida no genoma de linfócitos B, causando sua transformação neoplásica. A transmissão é geralmente horizontal, por transferência de linfócitos infectados entre animais em inóculos de sangue como em agulhas contaminadas, transfusões sanguíneas, práticas de premunição, palpações retais, cirurgias (descornas, castrações) e possibilidade de transmissão por artrópodes hematófagos. Ocorre também transferência de linfócitos infectados de vacas portadoras para seus bezerros através de colostro. Animais infectados podem permanecer portadores assintomáticos, apresentar linfocitose persistente ou desenvolver linfossarcoma (este ocorre em 1 a 5% dos animais infectados). A neoplasia acomete principalmente linfonodos, parede abomasal e coração. Neste localiza-se primariamente no átrio direito, podendo daí estender-se para outras partes do miocárdio. Pode ocorrer também infiltração do canal vertebral (região lombossacral), além de outras localizações, como região retrobulbar, ovários, rins, útero. As manifestações clínicas dependem da localização da infiltração neoplásica, como manifestações de insuficiência cardíaca congestiva, melena, paralisia posterior, aumento de volume de linfonodos superficiais, exoftalmia. Na necropsia são observadas massas brancacentas, com aspecto lembrando toucinho, nos locais de infiltração neoplásica. Outras formas de apresentação da Leucose bovina são a multicêntrica juvenil, a cutânea e a tímica juvenil, todas esporádicas. Nenhum agente etiológico é até agora associado a estas formas da leucose. 12 Em caninos dificilmente se confirma a etiologia viral do linfossarcoma. Ocorre em animais de diferentes idades, sendo os achados mais frequentes acentuado aumento de volume do baço, muitas vezes também do fígado, de linfonodos, e infiltração em parede atrial direita. Tumor de corpo aórtico: o corpo aórtico é um órgão quimiorreceptor situado na base do coração. Os tumores de corpo aórtico são massas esbranquiçadas e firmes, que podem comprimir os grandes vasos e os átrios. Cães braquicefálicos são mais comumente afetados. * Neoplasias metastáticas. Ocasionalmente são observadas metástases de neoplasias como carcinomas e mastocitomas cutâneos, adenocarcinoma de mama, no coração. PERICÁRDIO 1. LESÕES NÃO-INFLAMATÓRIAS Hidropericárdio: é o excesso de fluido claro ou ligeiramente amarelado no saco pericárdico. Pode ocorrer coagulação quando da exposição ao ar se contém níveis elevados de proteína, incluindo fibrinogênio. É observado nas toxemias de origem clostridial, na Doença do Edema e do Coração de Amora em suínos. Está associado a anasarca de diferentes etiologias, caquexias, insuficiência cardíaca congestiva, tumores e inflamações granulomatosas na pleura com irritação do pericárdio. O volume de fluido acumulado é variável, sendo este menos importante do que a velocidade de acúmulo. Hemopericárdio: é o acúmulo de sangue puro no saco pericárdico. A morte do animal normalmente é rápida devida ao tamponamento cardíaco. Está associado a punções cardíacas, hemangiossarcoma em cães, ruptura da aorta intrapericárdica em equinos atletas, ruptura atrial devida a endocardiose e endocardite ulcerativa por uremia em cães. Hemorragia pericárdica idiopática, de patogenia desconhecida, pode ocorrer em cães de raças grandes, com evolução lenta, levando a insuficiência cardíaca. Atrofia serosa da gordura pericárdica: é observada como um depósito gelatinoso acinzentado relativamente translúcido no local da gordura pericárdica. Microscopicamente os lipócitos são atróficos e substituídos por fluido proteináceo com concomitante aumento do fluido intersticial. Esta alteração é devida à mobilização da gordura após um período de anorexia, inanição ou caquexia. 2. PERICARDITES Pericardite fibrinosa É o tipo mais comum nos animais. Usualmente resulta de infecção hematógena, mas pode ser devida a permeabilidade linfática a partir de um processo inflamatório em tecidos adjacentes. Doenças específicas com pericardite nas diferentes espécies são: * Bovinos: maneimiose pneumônica, carbúnculo sintomático, hemoglobinúria bacilar, septicemia neonatal por coliformes. * Suínos: Doença de Glasser, pasteurelose, pneumonia enzoótica suína complicada e, ocasionalmente, infecção de leitões por salmonela e estreptococos. * Ovinos: pasteurelose. * Equinos: infecção por estreptococos. Macroscopicamente a superfície parietal do pericárdio é separada da visceral por exsudato, conferindo-lhe um aspecto de “pão com manteiga”. A resolução depende da velocidade com que a fibrina é removida e o mesotélio regenerado. Dependendo do tempo e da quantidade de fibrina o exsudato pode ser organizado e ocorrer cicatrização, resultando em aderência focal ou difusa entre as superfícies pericárdicas, restringindo os movimentos cardíacos. Pericardite purulenta ou fibrinopurulenta 13 Geralmente denota a presença de bactérias piogênicas como patógenos primários ou oportunistas em pericardites fibrinosas. Ocorre quase que somente em bovinos, como resultado de reticulopericardite traumática (corpos estranhos perfurantes provenientes do retículo que perfuram a parede do retículo e o diafragma atingindo o saco pericárdico, introduzindo neste os agentes infecciosos). Os animais com frequência apresentam sinais de insuficiência cardíaca congestiva, com edema de barbela, jugular ingurgitada e pulsando, gemidos ao descer rampa e nas provas de dor (prova do bastão), permanência em pé por longos períodos (evitam deitar por causa da dor). Macroscopicamente há exsudato purulento opaco, liquefeito a cremoso, e podendo haver massas de fibrina no saco pericárdico. Esse exsudato pode ser amarelado, esverdeado ou acinzentado, dependendo da presença de bactérias da putrefação. O volume é variável, podendo chegar a 4 litros ou mais. Dificilmente ocorre resolução, e a organização do exsudato leva a lesões que provocam constrição do coração, induzindo insuficiência cardíaca congestiva. Normalmente o animal morre antes da organização completa do exsudato. ENDOCÁRDIO Fibrose subendocárdica: pode ser focal ou difusa, congênita ou adquirida. Fibrose difusa é observada em casos de dilatação cardíaca por períodos prolongados. Lesões focais são vistas no endocárdio atrial sujeito a fluxo sanguíneo turbulento ou em jatos, associado a lesões valvulares atrioventricularescongênitas ou adquiridas. Mineralização: Ocorre como placas esbranquiçadas, firmes e rugosas no endocárdio e na íntima das artérias. Está associada a intoxicação por vitamina D ou intoxicação por plantas calcinogênicas que contêm substância análoga à vitamina D (Solanum glaucophyllum e Nierembergia veitchii no Brasil, e Solanum torvum, Cestrum diurnum e Trisetum flavescens), bem como ocorre em cães que se recuperam de endocardite ulcerativa por uremia, e acompanhando fibrose subendocárdica em dilatações cardíacas e em animais com doenças debilitantes. Endocardiose: é a lesão cardiovascular mais frequente em cães sendo, mais comumente, um achado incidental de necropsia. Apenas os casos mais avançados produzem manifestações clínicas de insuficiência cardíaca congestiva. Os termos morfológicos mais apropriados para a condição são degeneração valvular mucoide e transformação mixomatosa das válvulas atrioventriculares. A prevalência da doença aumenta com a idade. A lesão é mais frequente na válvula mitral que na tricúspide e é infrequente nas outras válvulas cardíacas. As válvulas afetadas têm seus folhetos encurtados, espessos difusamente ou nodulares e de superfície lisa, o que não ocorre na endocardite. A lesão pode resultar em insuficiência valvular com subsequente dilatação atrial e “lesões por jato”. Outras complicações ocasionais são ruptura da cordoalha tendínea e ruptura da parede do átrio esquerdo. A causa da endocardiose não é conhecida, podendo ser geneticamente influenciada. Endocardite: É uma das alterações mais significativas do endocárdio. A etiologia da endocardite valvular geralmente é bacteriana; ocasionalmente parasitária, como na migração de Strongylus vulgaris em equinos, e pode ocorrer em infecções micóticas sistêmicas, e decorrente de reticuloperitonite traumática nos bovinos. Mais frequentemente a lesão envolve as válvulas (endocardite valvular), mas a parede cardíaca também pode apresentar lesão (endocardite mural), por extensão de lesões valvulares ou do miocárdio. Macroscopicamente são observadas grandes massas friáveis amarelo-acinzentadas, sem brilho, aderidas que, removidas, deixam superfície ulcerada. Essas massas são denominadas vegetações, e podem ocluir o orifício valvular. Microscopicamente há acúmulo de fibrina entremeado por colônias bacterianas sobre zona de infiltrado leucocitário e tecido de granulação. 14 Muitas bactérias podem induzir endocardite valvular aguda. Em bovinos Arcanobacterium pyogenes é o patógeno mais comum, sendo que um foco primário de infecção pode estar presente em outro local, como abscessos hepáticos, metrite, mastite, lesões de casco, reticuloperitonite. Em suínos Erysipelothrix rhusiopathiae e estreptococos são os mais comuns; em equinos Streptococcus equi, Actinobacillus equuli, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Candida parapsilosis, e em cordeiros Streptococcus sp. associado a poliatrite. Em cães endocardite bacteriana é mais frequente em válvula mitral, ocasionalmente presente também em válvula semilunar aórtica, e tem sido associada a infecções da cavidade oral, como periodontites e faringites e lesões de pele como miíases, mas em muitos casos não se detecta lesão primária que serviria de porta de entrada para as bactérias formadoras da endocardite. A patogenia da endocardite não está completamente elucidada. Os animais afetados geralmente têm infecção extra-cardíaca pré-existente, que resulta em um ou mais episódios de bacteremia. Com debilidade do endotélio, agravada pelo trauma de aposição das válvulas, que são avasculares, ocorre adesividade, instalação e proliferação bacteriana iniciando o processo inflamatório, com subsequente formação de trombos. A endocardite valvular comumente é fatal. Manifestações clínicas muitas vezes são detectadas tardiamente na doença - os mais frequentes são pirexia, fraqueza e murmúrios cardíacos, além de manifestações de insuficiência cardíaca congestiva. Outras sequelas são aquelas resultantes do dano valvular e de embolias por fragmentação e desprendimento dos trombos, levando material séptico para outros locais, dependendo do lado cardíaco envolvido. Em cães ocorre ainda endocardite ulcerativa do átrio esquerdo, associada a insuficiência renal (uremia), sendo a forma mais comum de endocardite mural. Macroscopicamente há ulceração da superfície do endocárdio com formação de trombos e frequentemente também deposição de cálcio sobre o tecido necrótico. A ulceração pode progredir e levar à perfuração da parede do átrio. Se o funcionamento renal é normalizado pode haver cicatrização, formando-se áreas de esclerose e placas mineralizadas recobertas por endotélio intacto. SISTEMA VASCULAR CONSIDERAÇÕES GERAIS O sistema vascular é dividido em sistema arterial, microcirculação, sistema venoso e sistema linfático. O sistema arterial é subdividido em grandes artérias elásticas, artérias musculares médias e pequenas e arteríolas. A microcirculação é o sistema de troca no qual gases, nutrientes e metabólitos são transferidos entre o sangue e o tecido extravascular. Consiste de vasos menores que 100µm de diâmetro; compreendendo arteríolas, arteríolas terminais, capilares, vênulas pós-capilares e vênulas. O sistema venoso é formado por veias e vênulas que têm parede fina em relação ao seu lúmen quando comparadas com artérias, e sua pressão sanguínea é menor. O sistema linfático é composto por capilares linfáticos e vasos linfáticos semelhantes a veias. 1. ARTÉRIAS Doenças degenerativas: Arteriosclerose: literalmente arteriosclerose significa endurecimento das artérias. Pode estar relacionada à idade, relativamente frequente em diferentes espécies animais, mas raramente causa doença clínica. É crônica, degenerativa e proliferativa, cursando com endurecimento, perda da elasticidade e estreitamento luminal. A aorta abdominal é a artéria mais comumente afetada, sendo que a lesão frequentemente ocorre ao redor dos orifícios dos ramos arteriais. A etiologia não está bem definida, porém fluxo sanguíneo turbulento parece ser 15 importante, pelo frequente envolvimento dos locais de ramificação arterial, onde há turbulência. Macroscopicamente são vistas placas brancacentas, firmes e ligeiramente elevadas. Aterosclerose: doença de grande importância na medicina humana, mas de pouca importância prática nos animais domésticos. A principal alteração morfológica é o acúmulo de extensos depósitos de lipídios, especialmente colesterol; tecido fibroso e sais de cálcio na parede das artérias (placa aterosclerótica, ateroma), com risco de estenose luminal e formação de trombos. Estudos experimentais mostram que suínos, coelhos e galinhas são suscetíveis à doença induzida pela ingestão de dietas ricas em colesterol, enquanto que cães, gatos, cabras, bovinos e ratos são resistentes. A aterosclerose como doença de ocorrência natural em animais domésticos pode ser observada em cães e suínos, quase sempre associada a hipotireoidismo, ou diabetes mellitus, situações em que há desenvolvimento de hipercolesterolemia. Mineralização: Ocorre nas artérias dos animais na forma de calcificação distrófica bem como metastática. A calcificação distrófica ocorre em áreas de necrose, inflamação, degeneração e trombose, e a metastática ocorre como resultado de hipercalcemia. A alteração pode ser endêmica em bovinos e ovinos intoxicados por plantas calcinogênicas como Solanum glaucophyllum e Nierembergia veitchii, respectivamente, que contêm substância análoga à forma ativa da vit. D (1,25-diidroxicolecalciferol), a qual estimula a absorção de cálcio e fósforo no intestino, com hipercalcemia e resultantecalcificação metastática de paredes vasculares e de outros tecidos moles. Em equinos e suínos ocasionalmente ocorre mineralização vascular por superdosagens iatrogênicas de vitamina D. Em cães está associada a insuficiência renal crônica com hiperfostatemia e consequente hipercalcemia por hiperparatireoidismo secundário. Ocorre também em animais de idade avançada, especialmente bovinos, e em artéria uterina de éguas velhas, bem como em uma variedade de doenças debilitantes. Ossificação metaplásica pode ocorrer nas áreas mineralizadas. - Intoxicação por Solanum glaucophyllum (espichadeira): S. glaucophyllum é uma planta arbustiva de talos simples e pouco ramificados e flores azul-violáceas da Família Solanaceae que cresce em terrenos baixos e de pouca drenagem da Região Centro-Oeste e no sul do Rio Grande do Sul, bem como na Argentina e no Uruguai. É pouco palatável para os animais, sendo a ingestão principalmente de folhas da planta que caem, acidentalmente ingeridas com a forragem. No Brasil a enfermidade ocorre em bovinos no Pantanal Mato-grossense no período de junho a agosto, que corresponde à época de escassez de forragem, e a doença é regionalmente conhecida como espichamento. Os animais intoxicados apresentam emagrecimento progressivo, andar rígido, abdômen retraído, cifose, dificuldade de locomoção, principalmente dos membros torácicos, os quais podem apresentar-se levemente flexionados; dificuldade em levantar-se e insuficiência respiratória e cardíaca quando movimentados bruscamente. O curso clínico é crônico, ocorrendo a morte em um período de até quatro meses devido a caquexia, se os animais não são retirados do local onde a planta ocorre. As lesões localizam-se principalmente no sistema cardiovascular e nos pulmões. As artérias apresentam-se endurecidas, engrossadas e quebradiças; na íntima há placas esbranquiçadas de tamanhos irregulares e superfície rugosa, podendo também ser uniformes em toda a íntima. A lesão do endocárdio é semelhante à lesão dos grandes vasos, observada em átrio e ventrículo esquerdos. Frequentemente se observa calcificação nos pulmões, rins, tendões, ligamentos e cartilagens articulares, o que leva às manifestações clínicas locomotoras e ao nome comum da doença - Espichamento. Ocasionalmente há também ossificação pulmonar. As paratireoides podem ter seu volume reduzido - Intoxicação por Nierembergia veitchii. É uma planta da Família Solanaceae, rasteira, anual, encontrada em campo nativo no Sul do Brasil, relativamente palatável e que intoxica 16 principalmente ovinos. A enfermidade ocorre de outubro a fevereiro. As manifestações clínicas e as lesões são semelhantes às descritas na intoxicação por Solanum glaucophyllum, porém sua toxidez é menor. Ruptura arterial: Rupturas de artérias causadas por trauma físico são comuns, porém não de forma espontânea. Lesões da aorta produzidas por Spirocerca lupi em cães ocasionalmente levam a ruptura. Ruptura de uma artéria uterina durante o parto é uma causa de hemorragia fatal em éguas velhas, sendo associada a baixos níveis de cobre no soro. Guturocistite micótica em cavalos pode levar à ulceração da carótida interna ou da artéria maxilar, provocando hemorragia na bolsa gutural e epistaxe fatais. A ruptura da aorta em cavalos é bastante conhecida, porém incomum. Ocorre durante períodos de excitação ou atividade física intensa, como na monta e em provas de corrida, e está relacionada ao aumento da pressão intra-aórtica. O resultado mais comum desta ruptura é o hemopericárdio, que provoca tamponamento cardíaco e morte súbita. Ruptura da artéria pulmonar pode também ocorrer, porém é menos frequente. A ruptura arterial pode estar relacionada à formação de aneurismas. Aneurisma: É uma dilatação anormal localizada em qualquer vaso. Tem maior importância quando afeta a aorta, mas é incomum nos animais domésticos, com exceção dos perus. Como induz alteração do fluxo sanguíneo, predispõe à formação de trombos. Quanto à forma pode ser arredondado, sacular, fusiforme ou dissecante. Neste último, o sangue penetra na parede da artéria através de uma fenda na íntima, provocando dissecação da camada média formando-se uma cavidade dentro da parede arterial. Pode ser uma alteração precedente à ruptura da aorta em equinos e caninos. Aneurismas verdadeiros são compostos por todas ou a maioria das camadas da parede dos vasos. A dilatação da artéria mesentérica cranial em equinos associada a Strongylus vulgaris é mais um processo inflamatório do que um aneurisma verdadeiro. * Falsos aneurismas resultam da ruptura de uma artéria ou aneurisma e a formação de hematomas, cercados por tecido conjuntivo que têm comunicação com o lúmen arterial. Inflamação das artérias (Arterite) Arterite é o resultado de uma variedade de causas infecciosas, tóxicas e imunológicas. Arterite pode resultar de extensão local de processos inflamatórios supurativos ou necrosantes adjacentes às paredes vasculares. Arterite verminótica: Equinos são frequentemente infectados por estrôngilos, classificados em pequenos e grandes estrôngilos. Desses helmintos, o grande estrôngilo Strongylus vulgaris é o mais patogênico. Seus exemplares adultos localizam-se na luz do intestino grosso, enquanto que as larvas desenvolvem-se no sistema arterial. As larvas ingeridas com o pasto são liberadas no intestino delgado, penetram na mucosa e submucosa atingindo arteríolas da submucosa. Migram então na íntima de arteríolas e artérias alcançando a artéria mesentérica cranial, local de eleição para seu desenvolvimento e, ocasionalmente, a artéria ileocecocólica. Após cerca de 3-4 meses, com 1,0 a 1,8 cm, retornam à luz intestinal. Apesar da prevalência da infecção ter diminuído consideravelmente na última década devido ao uso de anti-helmínticos eficazes, número significativo de equinos, de todas as idades, é infectado por S. vulgaris e apresenta lesões decorrentes da migração larval. Cólicas podem ocorrer em equinos parasitados por S. vulgaris, ocasionando isquemia e infartos na parede intestinal, como consequência do tromboembolismo grave. Caso sejam afetadas extensas áreas do ceco e do cólon, a doença é fatal. À necropsia se observam superfície luminal da artéria mesentérica cranial rugosa e recoberta por trombos com algumas unidades até centenas de larvas. A parede vascular pode estar espessa e rija. Às vezes são encontradas lesões também na aorta, na artéria renal, na artéria celíaca e seus ramos, vasos espermáticos e qualquer ramo da artéria mesentérica cranial. 17 Ocasionalmente ocorrem aneurismas. As consequências da arterite são variadas e dependem de sua localização, mas são relativamente infrequentes, graças à vasta circulação arterial colateral no intestino. * Infecção por Dirofilaria immitis: nematódeo que se aloja no coração direito e nas artérias pulmonares de cães. As fêmeas liberam larvas (L1) na circulação e estas são ingeridas por mosquitos. Parte do desenvolvimento larval ocorre nos mosquitos e, quando estes se alimentam no cão, fecha-se o ciclo. O animal com dirofilariose pode apresentar insuficiência cardíaca, com manifestação de tosse, dificuldade respiratória e cansaço ao exercitar-se. Helmintos adultos são encontrados nas artérias pulmonares, no ventrículo direito e, em infecções mais graves, no átrio direito e na veia cava. Há insuficiência cardíaca direita em consequência da hipertensão pulmonar devida à esclerose de artérias pulmonares e à interferência mecânica dos vermes. Congestão passiva crônica do fígado e, ocasionalmente, ascite, são encontradas na necropsia. Hipertrofia: pode afetar um ou todos os componentes da parede arterial.Em gatos a hipertrofia de artérias está associada à infecção por parasitas como Aelurostrongylus abstrusus, Toxocara sp. e Dirofilaria immitis, embora a lesão frequentemente seja encontrada na ausência dos vermes citados, e a lesão normalmente não está associada a doença clínica. 2. VEIAS Inflamação (Flebite) Flebite é uma lesão vascular comum e frequentemente complicada por trombose (tromboflebite). Pode resultar de infecções sistêmicas, como ocorre, por exemplo, na salmonelose em várias espécies e na peritonite infecciosa felina. Pode ocorrer por extensão local de infecções e de problemas na aplicação de injeções intravenosas. Muitas infecções localizadas, como metrite, hepatite e pneumonia podem estender-se para as paredes dos vasos adjacentes e produzir flebite. Injeções endovenosas de soluções irritantes, falhas na injeção da solução no lúmen ou trauma da íntima provocado por cateter venoso propiciam instalação e proliferação de agentes infeciosos. Isto é bastante comum em equinos, que desenvolvem flebite da veia jugular, muitas vezes fatal. Casos de flebite complicada por trombose podem apresentar risco adicional de embolia séptica e desenvolvimento de endocardite e abscessos pulmonares. Gatos com peritonite infecciosa felina com frequência desenvolvem flebite em vários órgãos abdominais, que parece resultar da deposição de complexos imunes e evolução da inflamação dos vasos afetados. Em bovinos com abscessos hepáticos a infecção pode estender-se para dentro de uma grande veia hepática ou veia cava caudal e resultar na formação de trombo séptico. Pode ocorrer áreas de desvitalização da parede da veia cava com ruptura do abscesso, liberando o conteúdo no lúmen, levando o animal à morte por embolia pulmonar. Em casos não rapidamente fatais pode ocorrer endocardite valvular, mais frequentemente na valva tricúspide. A manifestação clínica mais frequentemente é de hemoptise ou mesmo morte súbita. * Onfaloflebite: inflamação das veias umbilicais, patologia frequente e importante em animais de fazenda, principalmente bezerros. Está relacionada à contaminação bacteriana do umbigo após nascimento, com embolização pelas veias umbilicais. Macroscopicamente há aumento de volume e avermelhamento na região umbilical, muitas vezes com abscedação local. Frequentemente são também observados abscessos hepáticos, septicemia, poliartrite, e panoftalmite nos animais afetados. Quando a alterações vasculares inflamatórias não se limitam a artérias (arterite) ou a veias (flebite) é aplicado o termo vasculite ou angiite. Leucócitos estão presentes na parede dos vasos inflamados e em torno deles, sendo evidentes a deposição de fibrina e/ou necrose de células endoteliais e células musculares lisas. Essas alterações vasculares frequentemente estão 18 acompanhadas de trombose, provocando isquemia e infartos nos locais que deveriam ser irrigados pelo(s) vaso(s) afetado(s). Doenças importantes nas espécies domésticas cursam com vasculite (Quadro 1), afetando principalmente vasos de menor calibre, isto é, da microcirculação, e, em várias delas, é frequente a manifestação clínica de hemorragias múltiplas. Quadro 1. Causas importantes de vasculite nos animais domésticos Causas Doenças Infecciosas Vírus Anemia infecciosa equina* Febre catarral maligna Diarreia viral bovina Bluetongue Peste suína clássica Rinopneumonite equina Peritonite infecciosa felina Bactérias Salmonella spp Erysipelothrix rhusiopathiae Haemophilus suis Haemophilus parasuis Actinobacillus pleuropneumoniae Corynebacterium pseudotuberculosis Mannheimia hemolytica Fungos Mucor sp., Absidia sp. Aspergillus fumigatus Histoplasma farciminosum Sporothrix schenckii Riquétsias Ehrlichia canis Protozoários Encephalitozoon cuniculi Helmintos Strongylus vulgaris Dirofilaria immitis Spirocerca lupi Aelurostrongylus abstrusus Não infecciosas Imunomediada Lupus eritematoso sistêmico Proteínas estranhas (Doença do soro) Não imunomediada Uremia * Anemia infecciosa equina, doença causada por um Retrovírus, transmitida por insetos hematófagos, principalmente tabanídeos e mosquitos, bem como transmissão mecânica. Manifesta-se por febre recorrente, hemorragias multifocais em mucosas, icterícia, fraqueza, anemia, edema das partes baixas, e muitos animais permanecem como portadores assintomáticos por períodos variáveis. Na necropsia destacam-se aumento de volume esplênico e hepático, além das hemorragias e icterícia, dependendo da evolução clínica. Neoplasias: As neoplasias de origem endotelial são classificados como hemangiomas, que são benignos, e os hemangiossarcomas, que são tumores malignos. BIBLIOGRAFIA: LEMOS, R.A.A.; BARROS, N.; BRUM, K.B. Enfermidades de interesse econômico em bovinos de corte. Campo Grande: UFMS, 2002. 292 MAXIE, M.G. Jubb, Kennedy and Palmer’s Pathology of domestic animals. 5.ed. Edinburgh: Elsevier, 2007. 3 v. McGAVIN, M.D Zachary, J.F. Bases da patologia em veterinária. 4.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 1476 p. RIET-CORREA, F.; SCHILD, A.L.; MÉNDEZ, M.C. LEMOS, R.A.A. Doenças de ruminantes e equinos. Santa Maria: Pallotti, 2007. 2 v. SOBESTIANSKY,J., BARCELLOS, D. Doenças dos suínos. Goiânia: Cânone Editorial, 2007. TOKARNIA, C.H., DÖBEREINER, J., PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 310 p.
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