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A ECONOMIA-MUNDO CAPITALISTA: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES HISTÓRICO-
ESPACIAIS1 
 
Magda Holan Yu Chang2 
 
INTRODUÇÃO 
 
 O objetivo deste capítulo é apresentar as principais ideias sobre o capitalismo como 
sistema mundial, revisando algumas das principais abordagens teóricas relevantes ao 
assunto e tendo em vista delinear algumas ferramentas de análise úteis à compreensão da 
evolução do panorama econômico ao longo do período definido como objeto desta pesquisa 
e à avaliação da inserção da economia brasileira no desenrolar da conjuntura internacional. 
 Para isso, há que primeiramente se atentar a certos cuidados metodológicos visando 
a identificar e evitar anacronismos e ambiguidades, como o estudo diacrônico e 
contextualizado dos conceitos e ideias, a questão da definição da unidade de análise 
adequada à investigação científica, e outras considerações essenciais de ordem histórico-
geográfica. Tendo em vista tais cuidados, faz-se útil buscar as ideias de Braudel (1996) sobre 
o capitalismo e as economias-mundo e relacioná-las às de Wallerstein (2000) sobre a 
economia-mundo capitalista – as quais são, por sua vez, amplamente criticadas pela análise 
marxista de Brenner (1977). Complementarmente, busca-se então situá-las nas tentativas de 
síntese do funcionamento do capitalismo como sistema cíclico mundial de acumulação de 
capital de Arrighi (1996) e da teoria geopolítica do capitalismo de Harvey (2005). 
Destarte, o desenvolvimento deste capítulo teórico-introdutório se desenrolará em 
mais cinco partes. Na primeira, pretende-se delinear algumas preocupações acerca do uso 
dos termos e conceitos necessários à construção de qualquer análise científica sobre 
 
1
 Versão preliminar, concluída em 29 de março de 2012, do primeiro capítulo da Dissertação de Mestrado “O 
Desenvolvimento Brasileiro e os seus Padrões de Inserção Econômica Internacional (1950-2010): o Papel da 
Política Econômica e da Política Externa em Perspectiva Histórica”, sob orientação do Prof. Dr. Alexandre de 
Freitas Barbosa (IEB-USP). 
2
 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em “Culturas e Identidades Brasileiras” do Instituto de Estudos 
Brasileiros-USP. 
 2 
 
sistemas com duração e espaço, sem desligá-los dos seus agentes e ambientes histórico-
geográficos. Neste sentido, as referências intelectuais consistem nos argumentos de 
Koselleck (2006) e de Skinner (1969), também sendo abordadas as visões pautadas no 
“ponto de vista da totalidade” e da “longa duração histórica” desenvolvidas por Braudel 
(1996) e Wallerstein (2000). 
 A segunda parte pretende elaborar melhor a visão de Braudel (1996) e trazer sua 
definição do capitalismo como o lugar da alta acumulação do capital, para em seguida ser 
complementada pela terceira seção, em que a estrutura conceitual referente à “economia-
mundo capitalista” desenvolvida por Wallerstein (2000) é exposta. Visando adicionar ao 
debate, a quarta parte vem expor as falhas e contradições do construto teórico de 
Wallerstein (2000) por meio da abordagem marxista de Brenner (1977), que enfatiza o papel 
central das estruturas sociais para as origens e o funcionamento da dinâmica capitalista. 
Ainda antes do fechamento do capítulo, as contribuições de Arrighi (1990, 1996 e 2008) 
trazem, na quinta parte, um abrangente esforço de síntese deste prolífero conjunto de 
ideias e argumentos, que juntamente com as ideias de Harvey (2005) levantam destacadas 
conclusões de cunho geopolítico. 
 Em posse destas importantes referências, busca-se apreender a estrutura e dinâmica 
do capitalismo, reunindo e confrontando os diversos elementos estudados por esses 
diferentes pensadores. Por fim, a título de conclusão, a última parte busca lapidar as 
categorias trabalhadas visando transformá-las em instrumentos teóricos de análise para 
fundamentar a investigação proposta nos capítulos subseqüentes. 
 
1. CONCEITOS, SISTEMAS SOCIAIS E SEUS CONTEXTOS 
 
 As palavras podem permanecer sempre as mesmas, mas os seus sentidos se alteram 
conforme o contexto, o agente, o lugar, a época ou a cultura. Da mesma forma, os conceitos 
podem possuir diversas nuances e mudar de conteúdos – de tal sorte que sua compreensão 
e uso adequado requerem a apreensão dos ambientes histórico-sociais em que o conceito 
surgiu e evoluiu, por quem foi usado, e com quais finalidades. Ou seja, os conceitos unem 
experiências - passadas, presentes e possíveis -, revelando estruturas com referencial 
 3 
 
empírico e duração3 e justificando assim a necessidade de se atentar à sua aplicação para 
compor a análise histórica. 
 Segundo Koselleck (2006), apesar de tanto as palavras quanto os conceitos refletirem 
contextos extralinguísticos, enquanto todo conceito é expresso por uma palavra, nem toda 
palavra é um conceito. Isso porque um conceito é mais do que uma palavra, na medida em 
que concretiza em si uma generalização e contém diversos significados que independem do 
seu uso em um momento especifico. Já as palavras têm seu significado determinado pela 
sua utilização, só virando conceito quando todos os seus empregos forem incorporados a 
ela. Ou seja, os conceitos já trazem “embutidos” em si contextos e conteúdos. 
 A bem da verdade, assim como os conceitos fundamentam-se em fatores já 
existentes, eles também podem ser usados como indicadores de transformações em curso, 
por meio de processos de “re-significação” dos termos e de criação de neologismos. Desse 
modo, Koselleck (2006) considera que toda historiografia age em dois níveis: ou examina 
fatos já articulados linguisticamente ou reconstrói eventos ainda não articulados4. Assim, os 
conceitos carregam uma temporalidade de conjunturas que é de grande valor à ciência 
investigativa, pois abre as possibilidades de revelar 
“um ponto de vista polêmico orientado para o presente, assim como um 
componente de planejamento futuro, ao lado de determinados elementos 
de longa duração da constituição social originados no passado (...). Na 
multiplicidade cronológica do aspecto semântico reside, portanto, a força 
expressiva da história.” (Koselleck, 2006, p. 101) 
 
 
3
 Esta é a ideia básica por trás da “História dos Conceitos”, campo multidisciplinar desenvolvido por Koselleck 
(2006) que visa a estudar a semântica histórica dos conceitos (Begriffsgeschichte) e sublinhar a necessidade de 
se deter sobre os diferentes significados associados a um termo ao longo da História. Ou seja, é o estudo da 
história da terminologia relevante à investigação histórica, na medida em que esta usa textos e documentos 
para averiguar e deduzir as circunstâncias em que ocorreram os fatos e as estruturas históricas. 
4 Na realidade, Koselleck (2006) identifica três processos principais de evolução dos significados de um 
conceito: os tradicionais, cujos significados permaneceram ao longo do tempo; os que, apesar de manterem o 
mesmo vocábulo, mudaram de significado tão radicalmente que só podem ser entendidos historicamente; e os 
neologismos, criados para expressar processos inéditos. 
 
 4 
 
Alternativamente, Skinner (1969) também reconhece a riqueza denotativa dos 
conceitos e sublinha a relevância da compreensão dos ambientes e fatos que os envolvem. 
Porém, sua qualificação vai mais além ao criticar as abordagens pautadas no estudo de 
“conceitos fundamentais”, ideias cuja perenidade e universalidade a elas atribuídas trazem 
implícitas uma suposta independência dos seus contextos temporais, intelectuais e sociais. 
Destarte, tal abrangência absoluta acaba por gerar uma tendência a imputar intenções e 
significados inexistentes a autores e obras,que não os tiveram, nem poderiam ter tido, em 
seus ambientes de origem. 
Conceitos e argumentos tomados sem a devida consideração dos significados 
originalmente idealizados pelos seus autores e usuários podem acabar por resultar no que 
Skinner (1969) considera serem absurdidades, narrações de pensamentos inexistentes, erros 
por ele chamados de “mitologias” históricas5. Para o autor, a impossibilidade de se delinear 
pensamentos sem definir critérios conhecidos, abordar fenômenos sem contaminá-los com 
pré-conceitos e expectativas, ou conectar as manifestações de um evento sem identificar 
semelhanças com experiências anteriores vem a exacerbar o problema. “Nós precisamos 
classificar para entender, e só podemos classificar o desconhecido em termos do que é 
familiar.” (Skinner, 1969, p. 58). 
Deste modo, Skinner (1969) aponta dois requisitos metodológicos mínimos: nenhum 
pensador pode ter dito ou querer ter dito algo que era impossível no seu tempo e contexto; 
e a pesquisa não pode ser reduzida a uma atividade padronizante, pois não se trata de 
simplesmente manipular ideias. Ou seja, para o autor, as generalizações carregam consigo o 
perigo latente de não corresponderem adequadamente aos eventos individuais que 
pretendem representar, pois 
“qualquer discurso é inescapavelmente a expressão de uma intenção 
particular, em uma ocasião particular, direcionada à solução de um 
problema particular, e, portanto específico ao seu contexto (...) não existem 
 
5
 Para ilustrar o argumento, Skinner (1969) destaca três “Mitologias”: a “das doutrinas”, em que a doutrina 
domina e determina a investigação histórica, levando a erros como atribuí-la a um autor ou texto que não 
poderia tê-la concebido ou abordado; a “da coerência”, em que a falta de consistência nas idéias de um 
pensador são vistas como inconcebíveis, levando a uma busca exaustiva por uma coerência inexistente; e a “da 
prolepse”, em que a expectativa de encontrar um significado específico determina a análise, levando a 
entender o sentido esperado em vez do sentido efetivo. 
 5 
 
problemas perenes na filosofia. Existem apenas respostas individuais a 
questões individuais...” (p. 88) 
 
Braudel (1996b), em contraste, desenvolve uma abordagem de certa forma oposta à 
defendida por Skinner, pelo menos no que diz respeito às regularidades científicas. Apesar 
de também destacar a importância de se situar as realidades humanas conforme seu espaço 
e duração, o autor dá um peso especial em sua investigação à identificação dos padrões 
recorrentes no tempo e espaço, dos ciclos sistêmicos que se repetem ao longo da História e 
das regularidades tendenciais que caracterizam os fenômenos. 
Na realidade, todos esses autores reconhecem os equívocos e ambiguidades 
potenciais do uso inadequado dos conceitos e enfatizam a importância do estudo dos seus 
contextos de gestação e desenvolvimento. Como Skinner (1969) e Koselleck (2006), Braudel 
(1996b) também destaca a necessidade da análise do surgimento e da evolução histórica dos 
conceitos a serem empregados na pesquisa científica: “as palavras-chave do vocabulário 
histórico só devem ser utilizadas depois de interrogadas... De onde vêm elas? Como 
chegaram até nós?” (p. 201). 
Porém, Braudel (1996b) aponta que deve haver laços e continuidades entre passado 
longínquo e tempo presente, defendendo que “a história tem todas as vantagens em 
raciocinar por comparações, em escala do mundo – a única com validade...” (p. 9). É neste 
sentido, persuadido do valor explicativo do longo prazo, que se coloca a sua escolha pela 
análise de “longa duração”. Confiar nos amplos recursos da História, no seu desenrolar 
cronológico e nas suas temporalidades, seria uma tentativa de “recorrer à prova das provas 
para confirmar ou infirmar as investigações” (Braudel, 1996b, p. 7), porque só a História 
pode apresentar evidências que constituam: 
“uma explicação – uma das mais convincentes – e uma verificação, na 
verdade a única situada fora das nossas deduções abstratas, das nossas 
lógicas a priori, fora até das armadilhas que o bom senso não para de 
montar para nós” (p. 7). 
 
 6 
 
 É também neste sentido que Wallerstein (2000) busca empreender sua investigação 
científica, por meio de uma abordagem histórica de “longo prazo” semelhante à “longue 
durée” de Braudel. Para Wallerstein (2000), a ciência social não deve perder contato com a 
perspectiva histórica, pois só esta permite apreender as estruturas humanas e suas 
mudanças6, nem as partes devem ser isoladas do inteiro que as integra – defendendo, assim, 
um “ponto de vista da totalidade”, indispensável ao estudo das humanidades. Tendo em 
vista que a ciência social a-histórica e descontextualizada constitui uma fonte abundante de 
anacronismos, Wallerstein (2000) constrói todo um arcabouço teórico baseado no que 
chama de “totalidades históricas”, propondo um modelo alternativo para realizar a análise 
comparativa dos fenômenos sociais. 
Portanto, esses autores nos ensinam que a prevenção de enganos e controvérsias na 
análise das humanidades requer alguns cuidados metodológicos essenciais. A investigação 
exaustiva e restrita dos termos e conceitos não resolve: a compreensão mais completa só é 
possível com informação externa a eles, pois seu significado e uso podem mudar conforme o 
espaço e o tempo. É necessário ultrapassar a análise do significado do que está escrito e 
buscar a intenção por trás: por que, quando, para quem e por quem foi escrito? Ou seja, os 
termos e as ideias não devem perder contato com seus autores, contextos e públicos, nem 
com as questões que procuravam responder quando foram concebidas. Deste modo, 
reforça-se a relevância do estudo da evolução das circunstâncias históricas dos conceitos, 
pois ao revelar possíveis disjunções entre significados e fatos relacionados ao mesmo 
vocábulo, são descobertas as camadas de significados, a estrutura e a profundidade histórica 
de um conceito7. 
 
2. O CAPITALISMO COMO LUGAR: A VISÃO DE BRAUDEL 
 
 
6
 Aqui, Wallerstein (2000) amplia a problemática para criticar a disseminação de modelos abstratos e 
quantitativos que visam explicar o todo social sem abordá-los historicamente, mostrando que suas falhas são 
prontamente evidenciadas pela realidade empírica da História. 
7
 É neste sentido que Koselleck (2006) aponta que, se a História dos Conceitos inicia pela análise sincrônica 
como estudo dos usos e significados contemporâneos do conceito (história do conceito propriamente dito), é 
apenas com a análise diacrônica que ela se completa, com o estudo da duração e transformação dos 
significados em paralelo ao da duração e transformação do panorama político-social. 
 7 
 
Tendo em vista a importância de atentar aos usos e significados dos termos e 
conceitos, especialmente quanto a sua evolução histórica, contextos, agentes e suas 
intenções, Braudel (1996b) realiza uma detida investigação acerca dos vocábulos-chaves que 
no geral permeiam as análises sobre o capitalismo. Ele pondera que, apesar de uma análise 
dos termos relacionados ser bastante esclarecedora, pode-se apenas pretender um modesto 
resumo de um universo, pois todas as civilizações tiveram suas trocas e relações 
econômicas, realizadas de modos e em escalas diferentes – tendo criado vocábulos diversos 
para definir essas atividades, que podem ter evoluído e se deformado no tempo, até mesmo 
mudado de concepção. 
“Cada ciência requer uma língua própria porque cada ciência tem idéias que 
lhe são próprias. Parece que se deveria começar por fazer essa língua; mas 
começa-se por falare escrever e a língua fica por fazer” (Condillac, 1872, 
apud Braudel, 1996b, p. 202). 
 
A iniciar pelo termo central aos propósitos deste capítulo, capitalismo, aponta 
Braudel (1996b), é uma palavra tão “ambígua, pouco científica e usada a torto e a direito” 
(p. 199), que seu uso só não seria eliminado pela falta de substituto melhor. Assim, sua 
controvérsia justifica o estudo da evolução histórica de duas palavras anteriores e 
intimamente relacionadas: capital e capitalista. A primeira, capital8, parece ter adquirido o 
sentido de “fundos de bens ou dinheiro que rendem juros” na Itália entre os séculos XII e 
XIII, tendo incorporado lentamente a definição de “soma de dinheiro, de dívida ou 
empréstimo”. Já capitalista teria surgido no século XVII relacionado a indivíduos com 
recursos, e aos poucos foi ganhando a conotação de “manipuladores ou fornecedores de 
dinheiro”, pessoas providas de recursos e prontas a usá-los para obterem mais. Porém, nota 
Braudel (1996b), mesmo logo após a Revolução Francesa o vocábulo ainda não era usado 
para designar o empresário, o agente que detém capitais e os investe na produção. 
 Por fim, capitalismo é o mais recente dos três termos. Apesar de no século XIX a 
palavra já ter sido usada com o sentido de “apropriação do capital por uns com exclusão dos 
outros” (Blanc, 1850 apud Braudel, 1996b, p. 206), seu emprego era raro, sendo mesmo 
ignorada por Marx em 1867. Teria sido no início do século XX que o vocábulo adquiriu sua 
 
8
 Palavra derivada do latim caput, significando cabeça. 
 8 
 
nuance política9, sendo invocado como antônimo para socialismo – a partir de então, 
Braudel (1996b) aponta que o termo vai ficando cada vez mais carregado de sentidos, 
ambigüidades e contradições. 
“De todos, os historiadores foram os mais seduzidos pela palavra nova (...). 
Sem se preocuparem com anacronismos, abriram-lhe todo o campo da 
prospecção histórica, a antiga Babilônia e a Grécia helenística, a China 
antiga, Roma (...). Os maiores nomes da historiografia recente... estão 
implicados nesse jogo que viria a desencadear uma autêntica caça às 
bruxas.” (Braudel, 1996b, p. 206) 
 
Não há dúvidas, portanto, que se trata de um termo que foi incorporando 
conotações econômicas, sociais e políticas. Para Braudel (1996b), é certo se tratar de um 
regime centrado no capital – conceito que na concepção do autor, a evidência empírica da 
História demonstra poder ser considerado tudo aquilo que entra nos circuitos para regressar 
trazendo mais de si mesmo, independente de estar relacionado ou não às esferas 
produtivas. Ou seja, seria todo bem usado para estimular trocas comerciais, pagar aluguéis, 
insumos e salários utilizados no processo produtivo, e quaisquer outros usos, desde que 
visasse a multiplicar o capital inicial aplicado. Tendo em vista esta visão de capital, Braudel 
(1996b) situa o capitalismo como o lugar da alta reprodução de capital e do investimento. 
Destarte, o capitalismo assim definido teria existido desde tempos muito remotos - mesmo 
na época pré-industrial, apesar de ocupar então uma modesta parte da vida econômica e 
constituindo um mundo diferente e estranho à globalidade socioeconômica que o rodeava. 
Para Braudel (1996b), uma comum identificação do capitalismo com o modo de 
produção industrial teria sido amplamente difundida por análises reduzidas a uma 
“ortodoxia pós-marxiana”, segundo a qual não teria havido capitalismo antes da Revolução 
Industrial. Apesar de reconhecer a visão de Marx e Dobb do “capitalismo como o sistema em 
que ocorre a mercantilização do trabalho”, relacionada ao capital integrado à esfera da 
produção sobre relações de trabalho assalariado, Braudel (1996b) considera ser este apenas 
um dos vários momentos e manifestações do capitalismo, além de não considerar suas 
 
9
 Tal conotação foi lançada nos meios científicos pelo livro de Werner Sombart (1902) “Der moderne 
Kapitalismus”. Braudel (1996) nota que, mesmo assim, a palavra foi depois incorporada de tal modo ao modelo 
marxista, que muitos consideraram “escravismo, feudalismo, capitalismo” como etapas definidas por Marx. 
 9 
 
relações com os demais níveis da economia. Em sua concepção, o “modo de produção 
industrial” ou o trabalho livre e assalariado não são as particularidades essenciais e 
indispensáveis do capitalismo, mas sua concentração no “lugar do investimento e da alta 
taxa de produção de capital”. Se o capitalismo permanecia restrito a determinadas 
atividades específicas antes de sua fase industrial, não estendendo sua influencia para o 
resto da economia, era porque faltavam oportunidades de lucro mais atrativas para tal se 
suceder. 
Porém, diante da difusão desta visão “pós-marxista”, ele pondera se de fato ocorreu 
uma mutação no conteúdo da palavra capital (e capitalismo) relacionada ao advento da 
Revolução Industrial. Com estes fins, ele resgata a pesquisa de Simon Kuznets, segundo o 
qual não houve mudança brusca da taxa de poupança na era moderna (suposta 
incentivadora da expansão industrial) 10. Se a resposta para o salto na dinâmica de 
acumulação do capital após o século XVIII não estava no lado da poupança, talvez estivesse 
no do investimento – e aí uma realidade crucial das economias antigas é apontada por 
Braudel (1996b): uma boa parte da sua formação de capital bruto não era durável (as 
construções eram poucos resistentes, as ferramentas frágeis e a fertilidade das terras 
efêmera), decorrendo assim em uma formação de capital líquido muito menor do que nas 
sociedades modernas. Em consequência, a taxa de reprodução do capital teria sido muito 
modesta na Europa pré-industrial, o que leva Braudel (1996b) a considerar que a Revolução 
Industrial representou 
“... uma mutação do capital fixo, um capital desde então mais caro, porém 
muito mais duradouro e aperfeiçoado, que mudará radicalmente as taxas 
de produtividade.” (p. 215) 
 
 
10
 Kuznets foi um economista especializado no crescimento das economias nacionais a partir do fim do século 
XIX. Ele estendeu sua pesquisa ao passado por meio de quantificações restropectivas, fundamentando-se nas 
correlações que acreditava existirem entre os períodos subsequentes ao longo da história. Segundo ele, a taxa 
de poupança nunca parece ultrapassar um limite máximo, mesmo em países de renda alta. Como o nível de 
renda e a sua distribuição social estão entre os principais determinantes da poupança, e no geral as elites 
sempre concentraram a maior parte da renda enquanto a maioria das populações recebeu menos do que a 
renda média per capita, a poupança só pôde se formar nas partes privilegiadas das sociedades - uma realidade 
que permanece verdadeira até hoje. 
 10 
 
Essa “fragilidade” das máquinas e equipamentos teria tido importantes implicações 
setoriais na história, relegando certas atividades – como a produção manufatureira e 
agrícola – a uma modesta formação de capital. Assim se explica, para Braudel (1996b), 
porque o capitalismo do passado foi essencialmente “mercantil” e “não industrial”, e porque 
alguns setores capitalistas do passado viveram em sistemas fechados e acabaram 
entesourando o capital líquido neles acumulado. O problema-chave - por que um setor da 
sociedade de ontem, que era capitalista, viveu em sistema fechado e não pôde expandir-se? 
– seria solucionado pela constatação de que faltava ocasião de lançá-lo em alguma atividade 
mais profícua. Talvez esta fosse a condição para sua sobrevivência, pois poucos setores 
permitiam uma relevante formação de capital, os demais sendonão rentáveis. Destarte, 
Braudel (1996b) aponta que em alguns sistemas restritos o capitalismo “se sentia em casa”, 
mas ficava sempre atento a oportunidades em outros segmentos, podendo sair a qualquer 
momento para investir em outros lugares mais rentáveis. 
“recusar admitir esta dicotomia da economia de ontem, a pretexto de que o 
‘verdadeiro’ capitalismo dataria do século XIX, é renunciar a compreender o 
significado... do que se poderia chamar a topologia antiga do capitalismo”. 
(Braudel, 1996b, p. 207). 
 
Em sua tentativa de compreender as lógicas capitalistas, suas estruturas e 
funcionamento, Braudel (1996c) propõe um vocabulário teórico visando a situar as 
realidades econômicas conforme seu espaço e duração. Enquanto a duração refere-se à já 
justificada escolha pela abordagem de longo prazo, o espaço explica-se por colocar “em 
causa ao mesmo tempo todas as realidades da história, todas as partes envolvidas da 
extensão: os Estados, as sociedades, as culturas, as economias...” (12). Destarte, Braudel 
(1996c) propõe o conceito de economia-mundo, definida como uma parte economicamente 
autônoma do planeta, uma soma de espaços capaz “de bastar-se a si própria e no qual suas 
ligações e trocas internas conferem certa unidade (...) é a mais vasta zona de coerência, em 
determinada época, em uma região determinada do globo...” (p. 12-13). Esta coesão 
relaciona-se especificadamente à vida econômica, podendo as economias-mundo abarcar 
sociedades, culturas e soberanias políticas diferentes e independentes, transcendendo as 
 11 
 
fronteiras demarcadas entre civilizações e criando uma unidade de integração no seu 
espaço. 
Porém, esta unidade econômica não é homogênea, nem necessariamente se reflete 
em todas as atividades econômicas que ocorrem em seu interior, no qual podem coexistir 
formas muito diferentes como o capitalismo e a economia de mercado. Aliás, uma 
ambigüidade recorrente é a identificação entre as duas, que na verdade não se confundem. 
Enquanto, na definição de Braudel (1996a), o capitalismo é o local da rápida reprodução de 
capital, a economia de mercado é o sistema de trocas que abrange os mercados de uma 
determinada zona onde há flutuação e consonância de preços entre seus mercados. 
Braudel (1996a) resgata que a palavra mercado (assim como capitalismo) é muito 
usada equivocadamente, por ser aplicada em um sentido bastante amplo a todas as formas 
de troca - e às vezes até mesmo a um sistema de trocas, a economia de mercado. De certo 
modo, tal se deve à visão comum do mercado autorregulador e promotor do crescimento, 
que por meio de suas trocas racionais iria englobando e interligando as diferentes regiões, 
assegurando o equilíbrio das atividades econômicas e regulando a divisão do trabalho. O 
problema desta concepção é que o mercado nem é um fenômeno endogenamente 
determinado e imune a influências externas, nem corresponde ao conjunto de todas as 
atividades econômicas em sua tendência a criar uma unidade mundial. 
Ademais, para Braudel (1996a), essa visão tende a distinguir dois tipos de trocas: as 
“sociais” (não dependentes de comportamentos “econômicos”) e as “legitimamente 
econômicas”, que comporiam o “verdadeiro mercado autorregulador” constituinte da 
“economia de mercado” e do “capitalismo”, tidos como sinônimos. Na realidade, o autor 
realiza uma crítica da tese desenvolvida por Polanyi (1944) que, para Braudel (1996a), peca 
pela sua definição da economia como um subconjunto histórico da vida social, formado por 
mercados e trocas não dependentes de comportamentos “econômicos”, e que só com a 
“explosão do capitalismo” no século XIX teria assumido suas verdadeiras dimensões e 
subjugado o social até então dominante com seu mercado “autorregulador”. 
 No entender de Braudel (1996a), essa tese deriva de uma grave omissão da realidade 
concreta e diversificada da história, pois o mercado e as suas trocas são, e sempre foram, 
realidades econômicas e sociais, envolvendo diálogos entre agentes que podem sofrer 
 12 
 
pressões (do governante, dos mercadores, dos bancos, entre outros), além de obedecerem 
aos imperativos da oferta e da procura. 
“É demasiado fácil batizar de econômica uma forma de troca e de social 
outra. Na realidade, todas as formas são econômicas, todas são sociais. 
Houve, por séculos a fio, trocas socioeconômicas muito variadas que 
coexistiram...” (Braudel, 1996, p. 195) 
 
No entanto, esta é uma pobre interpretação do rico estudo realizado por Polanyi 
(1944) sobre o quê consistiu a “revolução liberal” ocorrida no mundo ocidental no século 
XIX, especialmente no seu aspecto econômico (a emergência da “economia de mercado”), e 
suas consequências. Na realidade, o autor busca negar os pressupostos liberais de que a 
busca pelo enriquecimento individual é característica "natural" humana e que o mercado é 
autossuficiente e independente das condições sociais que o permeiam. Fundamentando-se 
em uma extensa pesquisa histórica e antropológica, ele mostra que os seres humanos nunca 
foram meros maximizadores de utilidade, os mercados sempre foram acessórios da vida 
econômica, e esta sempre esteve integrada na sociedade, fortalecendo os laços sociais entre 
as pessoas, a cultura e identidade coletivas. Ou seja, a economia sempre teria exercido uma 
função social, sendo parte componente da sociedade como um todo. 
Polanyi (1944) demonstra que só na era moderna teria ocorrido a “primazia do 
econômico e do mercado”, com a “economia de mercado liberal” (o mercado 
autorregulável) sendo criada graças à ação do poder político durante o advento da 
Revolução Industrial no fim do século XVIII11. Neste período, teria ocorrido uma separação 
entre economia e sociedade, revertendo a ordem das coisas: a sociedade tornou-se 
acessória da economia, e as pessoas e a terra passaram a ser elementos constituintes do 
processo econômico, comprados e vendidos como meras mercadorias, apesar de não o 
serem. A autopromoção tornou-se então preponderante para as pessoas, que passaram a se 
 
11
 O autor considera que os mercados são instituições importantes, porém, ele estabelece uma distinção entre 
mercados e o sistema de mercado “autorregulável”: este é um fenômeno moderno e a fonte de sua 
preocupação por ser um mercado não determinado pela sociedade. 
 13 
 
definir pela luta por melhoras materiais, resultando em uma devastação social, de um novo 
egoísmo e uma nova solidão12. 
De derta forma, talvez possamos traçar um paralelo com a visão de Braudel (1996c), 
segundo a qual a economia de mercado foi se formando aos poucos ao longo do tempo (ele 
lembra que desde a Antiguidade há flutuação de preços entre mercados), sem abarcar toda 
a economia e tendo sempre coexistido com outras formas econômicas, entre elas o 
capitalismo. Em suas economias-mundo, a convivência da economia de mercado com o 
capitalismo sempre existiu, ligados por relações dinâmicas e variáveis ao longo da história13. 
Segundo o autor, ao longo do tempo, economias locais relativamente autônomas foram se 
organizando em cadeias de mercados regionais, pouco a pouco interligadas em redes que 
foram constituindo economias de mercado. Estas, por sua vez, tendiam a acabar se voltando 
para um mesmo centro de atração e dinamismo, que se empenhava em tomar essas redes 
de mercados, remodelando-as conforme suas necessidades e integrando-as à sua própria 
dinâmica14: 
“é como se a centralização e a concentração de recursos... se processassem 
necessariamente a favor de certos lugares de eleição da acumulação. (...) 
Essa apropriação é o processo, o 'modelo' que preside à construção de 
qualquer economia-mundo, comos seus monopólios evidentes” (Braudel, 
1996c, p. 26). 
 
12
 Polanyi (1944) se apoia no pensamento de Robert Owen, para quem o capitalismo causou não só o 
empobrecimento material dos trabalhadores, mas também o seu desligamento da cultura ética à qual antes 
pertenciam e pela qual definiam a sua identidade, destruindo o autorreconhecimento cultural das pessoas. 
Polanyi (1944) não nega que o capitalismo explora os trabalhadores, mas concentra-se nas suas consequências 
culturais desumanizantes: para ele, o mercado desregulado afasta as pessoas da sua matriz sociocultural ao 
isolar a economia da sua base social e criar uma alienação cultural generalizada entre os trabalhadores, com 
indivíduos isolados e competitivos, rompendo os laços de solidariedade social. 
13
 Por exemplo, Braudel (1996c, p. 197) aponta que essa coexistência é de certo modo também abordada por 
Galbraith em seus estudos sobre a justaposição das pequenas empresas (“sistema de mercado”) com as 
grandes empresas (“sistema industrial”); e Lenin ao diferenciar o “simples capitalismo” (“concorrencial”) do 
“capitalismo de monopólios” (“imperialismo”). Essas visões tendem a identificar o capitalismo (“organisation” 
ou “imperialismo”) como um “poder acrescido na produção”, devido ao prodigioso enriquecimento de grandes 
grupos e organizações capitalistas, como as multinacionais que enfraquecem os mercados e governos pela sua 
capacidade de influir nos preços, e até de fixá-los arbitrariamente. 
14
 Para Braudel (1996c), o passo essencial foi a anexação desses mercados por um grande mercado urbano ao 
qual não bastavam os campos próximos, sendo abastecido de longe e dominando longas cadeias econômicas. 
 14 
 
 
Destarte, na concepção de Braudel (1996c), o capitalismo escolhe “locais” de intenso 
dinamismo econômico que satisfaçam sua necessidade de reprodução sempre crescente de 
capitais, interligando as diferentes partes da economia-mundo em torno das suas atividades 
“de eleição”. Nesta estrutura da economia-mundo, além da “economia de mercado” e do 
“capitalismo” haveria ainda um terceiro setor enorme, chamado por Braudel (1996c) de “a 
não-economia”. Esses três setores da economia-mundo teriam gradualmente se ordenado 
no espaço em uma hierarquia de poder econômico, tendo o capitalismo como o topo à 
frente das ligações com os demais setores, a economia de mercado como o miolo, e a não 
economia como a enorme base. E assim, a definição de economia-mundo de Braudel (1996c) 
se completa, como “um universo em si, um todo (...) construída a partir de cima, a partir das 
cidades dominantes” (p. 12). 
Sob sua concepção de que as economias-mundo existem desde os tempos remotos, o 
autor propõe fazer comparações entre elas, aproximar fases e processos evolutivos comuns, 
visando a desenvolver uma “tipologia” das economias-mundo e deduzir regras tendenciais 
para esclarecer seu funcionamento. Com esses fins, ficou evidente que a primeira 
regularidade se dá na íntima relação das economias-mundo com o seu espaço, que envolve 
os seus limites físicos15 e a sua estrutura interna, construída gradualmente de forma 
hierarquizada, regionalizada e especializada. Dada essa disposição espacial, Braudel (1996c) 
aponta duas regras tendenciais das economias-mundo: primeiro, há sempre uma hierarquia 
entre zonas desiguais de economias pobres e ricas, com só uma mais próspera no centro, 
polarizando as demais, cujos funcionamentos acabam por se ajustar à logística econômica da 
metrópole. Segundo, o núcleo capitalista dominante (no geral cidades de alto dinamismo e 
longo alcance econômico) está sempre em competição com outros aspirantes à liderança, de 
modo que os centros não o são eternamente, sendo substituídos ao longo do tempo16. 
Também não foram sempre do mesmo tipo e estrutura, tendo tido entre si diferenças 
relativas tanto nos seus arsenais de dominação econômica (controle mercantil, bancário, 
 
15
 No geral são fronteiras inertes, pouco animadas economicamente, muitas vezes barreiras físicas e acidentes 
geográficos naturais, em cujo interior se estabelecem, crescem e evoluem as economias-mundo. 
16
 Esses núcleos de dominação foram sendo substituídos por diversas razões, até mesmo não econômicas. No 
geral suas implicações vão além do econômico e são sempre significativas, revelando as fragilidades do 
equilíbrio anterior e rompendo as cadeias de dependências da economia-mundo. 
 15 
 
creditício, da navegação, de colônias, entre outros) quanto política (cidades-Estado, cidades 
imperiais, entre outros). 
Para Braudel (1996c), há sempre pelo menos esses três “setores” das economias-
mundo: o centro restrito de capitalismo dominante, a economia de mercado composta de 
regiões secundárias razoavelmente bem desenvolvidas, e a enorme periferia: “Essa geografia 
discriminatória ainda hoje logra e explica a história geral do mundo” (p. 29). No que diz 
respeito às zonas “secundárias”, muitas visavam ascender ao centro, sendo comum o uso do 
mercantilismo como estratégia visando a alterar sua posição inferior17, em uma relação de 
tensão e complementação, pois o núcleo dominante também delas se aproveitava. E na 
periferia estariam as colônias de populações escravas, ou os Estados não coloniais cujas 
economias eram dominadas por grupos ligados ao centro estrangeiro (chamados por 
Braudel de “falsos governos”). 
Tendo em vista que o espaço de uma economia-mundo é compartilhado por outras 
ordens além da esfera econômica, estas mesmas realidades são vividas nos âmbitos 
políticos, sociais e culturais, que apesar de terem seus próprios desenvolvimentos e 
domínios, influenciam-se recíproca e dinamicamente. Assim, Braudel (1996c) aponta que no 
geral os Estados que integram uma economia-mundo também surgem divididos em três 
zonas: a capital, as províncias e as colônias. E para além de seus territórios soberanos 
nacionais, há sempre um Estado forte e temido polarizando os demais, dado que sua posição 
central econômica exige e prove recursos para um governo também dominador, capaz de 
impor seus interesses interna (disciplinando e garantindo as atividades econômicas) e 
externamente (por meio da influência, força ou coerção)18. Analogamente, as formas sociais 
também teriam se formatado em uma geografia diferencial, se adaptando lenta e 
duradouramente à estrutura da economia-mundo conforme as necessidades econômicas 
 
17
 Em consonância, no geral os sucessivos centros das economias-mundo foram abertos à livre concorrência 
quando consolidados, só tendo sido mercantilistas nos momentos de percepção de perigo ou de processo de 
ascensão a centro. 
18 Segundo Braudel (1996c), as cidades-Estado lideradas por mercadores ocuparam o centro das economias-
mundo na Europa até o século XVIII, tendo os Estados territoriais se constituindo muito lentamente. Mesmo 
entre os séculos XV e XVIII ainda estavam longe de preencher todo o espaço social, carentes de meios para tal – 
e passam rapidamente ao domínio dos mercadores. 
 16 
 
locais ditadas pela dinâmica central.19 Desse modo, a distribuição de tarefas na estrutura da 
economia-mundo teria aos poucos construído uma divisão internacional do trabalho, 
sempre controlada pelo centro da economia-mundo e desde muito cedo caracterizada por 
lutas e conflitos de classes. 
Portanto, uma economia-mundo é “um imenso invólucro”, que apesar de suas 
grandes desigualdades internas, conserva uma unidade de coesão em todo o seu espaço que 
gira em torno do dinamismo e atração do seu centro. Braudel (1996c) aponta ainda que a 
estruturae funcionamento da economia-mundo implicam na coexistência tensa entre zonas 
econômicas, de tal modo que os atritos não podem se anular para não ameaçar o poder 
central que orquestra a dinâmica do conjunto. Ele pondera que essas desigualdades não são 
fruto de “vocações naturais”, mas expressam a consolidação de situações lenta e 
historicamente estabelecidas, em uma cadeia de subordinações e relações de força 
desiguais.20 De certo modo, como será visto adiante, tal visão difere da posição de 
Wallerstein (2000), para quem as desigualdades são raiz e causa do desenvolvimento 
capitalista, indispensáveis à manutenção da economia-mundo capitalista. 
 
3. A ECONOMIA-MUNDO CAPITALISTA: A CONTRIBUIÇÃO DE WALLERSTEIN 
 
 A mesma ênfase no longo prazo, que fundamenta a divisão do tempo do mundo em 
extensos períodos por Braudel (1996), justifica a definição de Wallerstein (2000) das 
“totalidades históricas” como as unidades de análise adequadas aos interesses da pesquisa 
social. Para o autor, só a História pode fornecer as causas, fontes e condições reais das 
mudanças sociais, criticando o baixo poder explicativo dos estudos a-históricos e métodos 
comparativos despidos de considerações de tempo e espaço. 
 
19 Por exemplo, segundo Braudel (1996c), no centro da economia-mundo européia do século XVIII, a 
predominância do trabalho assalariado dava a medida do seu grau de modernidade, enquanto nas zonas 
secundárias estendia-se a servidão, e nas periferias a escravidão. 
20 É neste sentido em que critica a explicação de David Ricardo sobre as trocas entre Inglaterra e Portugal - são 
desiguais porque Portugal encontrava-se em posição de inferioridade, tendo o tratado de Methuen sido ditado 
por relações de força, não de “interesses comuns”. 
 
 17 
 
É neste sentido que o autor aponta a delimitação de partes de um todo social em 
unidades de análise independentes e autossuficientes como um dos maiores problemas 
decorrentes das pesquisas sobre fenômenos sociais, especialmente se aplicada para 
fundamentar estudos comparativos. Ele ressalta que, apesar de nas análises de longos 
períodos ser necessário dividir o horizonte temporal para observar as mudanças estruturais 
de um segmento a outro, não se pode jamais perder o “ponto de vista da totalidade”. Isso 
porque as partes não são discretas, mas contínuas, constituindo fases de um processo cuja 
evolução não pode ser determinada a priori, mas só pode ser percebida a posteriori. Ou seja, 
as fases não fazem sentido abstraídas de suas irmãs e do seu todo, só sendo compreensíveis 
se vistas dentro do conjunto do qual fazem parte, devendo ser analisadas como segmentos 
interligados de uma unidade total. 
Analogamente, Wallerstein (2000) aplica o mesmo raciocínio ao estudo dos 
integrantes de um sistema internacional, como países ou regiões específicas, defendendo 
que suas origens e funcionamento não podem ser adequadamente entendidos isolados da 
dinâmica regional ou internacional em que estão inseridos. Destarte, ao designar fases ou 
estudar países e regiões, estes devem ser sempre abordados como partes de totalidades, 
que para Wallerstein (2000) são os sistemas sociais. E o que define um sistema social, em 
sua concepção, é a existência de uma divisão de trabalho própria, entendida como a menor 
“rede” de atividades econômicas que atende às necessidades da maioria dos agentes deste 
sistema, independente de entidades ou forças externas – uma lógica que pode existir sem 
uma unidade política comum, e até mesmo sem uma cultura comum21. 
Ademais, Wallerstein (2000) ressalta que seu método baseado na análise de 
“sistemas sociais” é uma proposta alternativa a dois métodos opostos de análise - o 
nomotético e o idiográfico. Enquanto o primeiro tende à generalização, defendendo a noção 
de que devem existir leis que expliquem os fenômenos como regularidades e não produtos 
do acaso; o segundo busca o significado de fenômenos contingentes, sob o pressuposto de 
que tudo está sempre mudando, impossibilitando repetições e generalizações. A 
 
21
 De certa forma, Braudel (1996c) aproveitou essa visão para conceber a sua “zona de coesão econômica”, que 
é bastante similar às economias-mundo de Wallerstein (2000), também podendo realizar trocas não essenciais 
com elementos externos e não necessariamente implicando em uma homogeneidade sócio-politica-cultural. 
 18 
 
metodologia proposta por Wallerstein (2000) seria uma “via intermediária” entre esses dois 
métodos, por investigar: 
... quadros sistêmicos, bastante longos no espaço e no tempo para conter 
as ‘lógicas’ que determinam a maior parte das suas trajetórias, enquanto 
simultaneamente reconhece-se que esses sistemas têm início e fim, não 
sendo, portanto, fenômenos ‘eternos’. (p. 136) 
 
Deste modo, na concepção de Wallerstein (2000), a unidade básica de análise é o seu 
conceito de sistema social, que possui partes estruturais e fases evolutivas. É só neste 
quadro analítico que seria válido fazer estudos comparativos, dos inteiros e das partes do 
inteiro. O autor aponta ser comum que a falsa identificação das unidades de análise a serem 
comparadas conduza a falsos conceitos e problemas. Como exemplo, ele aponta que se a 
unidade de comparação apropriada não forem os países, mas um sistema social mais 
abrangente, então o problema do “desenvolvimento nacional” perderia o sentido. Cada país, 
ou mesmo região, não poderia ser considerado uma “unidade de análise” com seu próprio 
modo de produção e dinâmica de desenvolvimento se constituir parte integrante e 
dependente de um sistema social, pois partilharia do modo de produção e dinâmica de 
desenvolvimento dessa “totalidade”22. 
 Destarte, ressaltando os problemas de não se analisar as totalidades, e dentro dos 
seus objetivos de melhor compreender o sistema social capitalista, Wallerstein (2000) 
construiu um modelo teórico alternativo para realizar a análise comparativa. Propondo 
como unidades de análise as estruturas sistêmicas localizadas no tempo por ele definidas 
como “sistemas sociais”, Wallerstein (2000) identifica alguns tipos de sistemas conhecidos 
pela humanidade, diferenciados pela sua estrutura (“ciclos” ou “ritmos”) e padrões de 
 
22
 Uma falha enfatizada por Wallerstein (2000) é a comum identificação entre industrialização e capitalismo, 
também abordada por Braudel. Ela imediatamente cai por terra quando se considera a industrialização da ex-
USSR ou o modo de produção europeu predominante entre os séculos XVI e XVIII (antes da Revolução 
Industrial) – apesar de que, aponta o autor, muitos o consideram uma “fase de transição” não capitalista, pois 
no geral a força de trabalho não era proletária nem separada dos meios de produção, e o dono do capital era o 
mercador (que sem o controle da produção, seria um “não capitalista”). Porém, se o capitalismo for o conjunto 
de atividades em que capitais são empregados visando à obtenção de mais capitais, isso já ocorria antes da 
Revolução Industrial - não como produção industrial, mas como agrícola. Assim, Wallerstein (2000) pondera se 
em parte tal ambiguidade talvez se deva ao fato do debate intelectual entre liberais e marxistas ter se dado na 
era da Revolução Industrial. 
 19 
 
transformação interna (“tendências seculares”). Em seu arcabouço de conceitos, ele 
identifica terem existido dois tipos de sistemas sociais na História: os minissistemas e os 
sistemas-mundo. Enquanto os minissistemas foram caracterizados por um sistema cultural 
único23, os sistemas-mundo podiam apresentar múltiplos sistemas culturais,dividindo-se em 
dois subtipos: os impérios-mundo e as economias-mundo, cuja principal diferença é a 
presença de um sistema político comum no primeiro, e a sua ausência no segundo. 
Para Walllerstein (2000), o capitalismo sempre foi, desde suas origens, um sistema 
social de economia-mundo, não limitado a nações-Estado ou regiões. Mais importante 
ainda, ele aponta que desde o século XIX, a “economia-mundo capitalista” é o único sistema-
mundo existente - os minissistemas não existiriam mais, e os ‘impérios-mundo’ teriam 
dominado todas as economias até o período moderno. A condição para o estabelecimento 
dessa hegemonia sistêmica teria sido o fim dos impérios-mundo, com a eliminação de suas 
enormes burocracias corruptoras de superávits para gastos não produtivos que 
enfraqueciam e impediam a dinâmica do desenvolvimento econômico, permitindo a 
expansão do comércio mundial, a especialização regional e ao aumento da eficiência do 
sistema. Destarte, a economia-mundo é composta por vastas estruturas de produção 
integradas, apesar de distribuídas por múltiplas unidades políticas, e sua lógica é a 
distribuição desigual do excedente acumulado em favor daqueles capazes de alcançar 
monopólios temporários nos mercados. 
 Esta seria, para Wallerstein (2000), a principal característica da economia-mundo 
capitalista: uma divisão internacional do trabalho em expansão, impulsionada pelo objetivo 
de vender a produção nos mercados mundiais visando a maximizar lucros. À medida que as 
diferentes regiões fossem sendo incorporadas aos mercados mundiais, diferentes modos de 
produção seriam nelas desenvolvidos em atividades especializadas conforme a distribuição 
local de recursos humanos e naturais para melhor adequá-las às demandas da economia-
mundo capitalista, em uma forte tendência à especialização regional. Assim teria se 
originado uma estrutura de regiões desigualmente poderosas que determinou um processo 
de acumulação no núcleo e um ciclo de atraso na periferia. Isto teria incentivado “trocas 
desiguais” entre Estados fortes (“núcleo”) e áreas fracas (“periferia”), havendo uma 
 
23
 O autor demonstra terem sido sociedades muito simples, agrárias ou caçadoras, não mais existentes, tendo 
sido no geral anexadas a um sistema-mundo e deixado de existir como “sistemas sociais” independentes. 
 20 
 
apropriação do excedente da economia-mundo inteira por certas regiões que formavam seu 
“núcleo”24. 
 Destarte, o autor aponta que foi se consolidando uma hierarquia tripartite na 
economia-mundo, à semelhança de Braudel (1996c), em que sob o primado do núcleo 
ficavam dois estratos, o das regiões secundárias relativamente desenvolvidas e o da enorme 
periferia atrasada e explorada. Essa desigualdade teria se reproduzido no interior de cada 
uma dessas regiões, pois em meio às zonas centrais também havia zonas atrasadas, como 
“manchas” destoantes do dinamismo em torno. Além disso, ela foi se solidificando e ficando 
cada vez mais enraizada, alimentada pelas “forças de mercado”: “...são as operações das 
forças do mercado mundial que acentuam as diferenças, as institucionalizam, e as fazem 
impossíveis de contornar no curto prazo” (Wallerstein, 2000, p. 89). 
Tendo em vista que, nesta visão, a estrutura da economia-mundo capitalista envolve 
uma distribuição desigual dos rendimentos, com a transferência da maior parte do 
excedente gerado pela maioria para a minoria, por que os primeiros não se revoltavam 
contra os últimos? Wallerstein (2000) aponta que a História mostra terem sido raras as 
insurreições generalizadas, apesar do persistente descontentamento. Para ele, a explicação 
está no papel da semiperiferia, uma “terceira categoria” que “significa que o estrato 
superior não enfrenta a oposição unificada de todo o resto, pois o estrato médio é 
simultaneamente explorado e explorador” (Wallerstein, 2000, p. 91). Em sua concepção, a 
função da semiperiferia na economia-mundo é mais que um requisito ao seu 
funcionamento, é uma condição à sua sobrevivência25, cuja essencialidade é mais política 
que econômica, pois uma economia-mundo funcionaria economicamente sem uma 
 
24
 No caso da economia-mundo europeia do século XVI, Wallerstein (2000) levanta duas razões do porque os 
Estados do centro teriam se fortalecido mais que os da periferia: primeiro, porque na periferia os interesses 
dos proprietários de terras divergiam dos das burguesias comerciais, enquanto no centro eles convergiam; 
segundo, porque a força dos Estados do centro era função direta da fraqueza dos da periferia, se reforçando no 
tempo por meio de guerras, coerção, diplomacia. 
25
 Na verdade, Wallerstein (2000) elenca três mecanismos que possibilitaram aos sistemas-mundo manterem 
uma relativa estabilidade política (na verdade, a sua sobrevivência sistêmica): a concentração do poder militar 
nas mãos das classes dominantes; a existência de um compromisso ideológico das classes dominantes com o 
sistema (identificação dos seus próprios interesses com a sobrevivência do sistema); e o mais importante, a 
divisão da maioria explorada em dois estratos (o baixo e o médio). 
 21 
 
semiperiferia, mas não seria politicamente estável porque não evitaria a polarização 
extremada. 
Isso não significa que não existiam tensões entre grupos sociais, entre nações e 
regiões, mas suas consequências só podem ser entendidas, afirma Wallerstein (2000), tendo 
em vista essa estrutura da economia-mundo capitalista, em que certos grupos buscam seus 
interesses tentando distorcer o mercado e se organizando para pressionar o poder político, 
resultando em alguns mais poderosos do que outros, mas nenhum conseguindo controlar a 
economia-mundo por completo. Destarte, sua economia-mundo capitalista comporta 
contradições intrínsecas, que determinam uma evolução conturbada e cheia de 
descontinuidades, em uma dinâmica sujeita a crises periódicas e renovações sistêmicas. 
 
4. A CRÍTICA MARXISTA DE ROBERT BRENNER 
 
Em contraposição a certos aspectos do construto teórico desenvolvido por 
Walllerstein, a análise de Brenner (1977) sobre as origens do desenvolvimento capitalista 
destaca especialmente o papel das estruturas de classe, enfatizando a ação das relações e 
conflitos sociais na determinação da dinâmica do capitalismo. Dentro dos objetivos da sua 
pesquisa, o autor realiza uma ampla crítica que não se restringe apenas aos argumentos de 
Wallerstein, mas aos de toda uma geração de escritores de tradição marxista cuja produção 
científica foi em grande parte voltada ao objetivo de compreender a persistência do 
subdesenvolvimento em certos países, mesmo após a sua integração ao mercado mundial 
capitalista. 
No geral, estes autores fundamentavam-se no Manifesto Comunista de Marx e 
Engels (1848), segundo o qual o processo de desenvolvimento capitalista seria mais ou 
menos inevitável: a ampliação do comércio e do investimento levaria à eliminação dos 
velhos modos de produção e à sua substituição por relações sociais capitalistas, iniciando um 
processo de acumulação de capital e desenvolvimento econômico. Porém, a História mostra 
uma clara falha da penetração do comércio e investimentos em amplas partes do mundo em 
trazer esse desenvolvimento – erigindo, pelo contrário, barreiras sistemáticas ao avanço 
econômico nessas regiões. 
 22 
 
Este “desenvolvimento do subdesenvolvido” levou à revisão deste prognóstico 
“progressista” da teoria marxista por estes pesquisadores que, conforme Brenner (1977), 
acabaram deslocando a transformação das relações de classe do centro das suas análises. 
Ora, apesar de Marx ter previstoo desenvolvimento capitalista sob a premissa de que a 
expansão do comércio e investimento inevitavelmente levaria à transformação das relações 
de classe pré-capitalistas em capitalistas, Brenner (1977) pondera que essa expansão pode 
não ter destruído os velhos modos de produção, ou criado outros modos não capitalistas - 
resultados perfeitamente possíveis, tendo em vista que a origem e evolução das estruturas 
de classe não são compreensíveis apenas em termos de “forças de mercado”. 
Destarte, o autor ressalta que a mera ampliação do comércio e investimento não 
implica necessariamente no surgimento automático de relações de classe capitalistas26. No 
entanto, aponta Brenner (1977), esta linha de pesquisadores não apenas não prevê esta 
possibilidade, como nem mesmo aborda o papel central das estruturas sociais para a 
compreensão do subdesenvolvimento. Em vez disso, eles buscam negar o resultado de 
equilíbrio e prosperidade econômica previstos pelo modelo de desenvolvimento de Adam 
Smith, em que a expansão do comércio levaria à divisão internacional do trabalho e ao 
desenvolvimento econômico generalizado, construindo argumentações para sustentar que 
esses mesmos processos capitalistas pressupunham também o reforço do atraso 
econômico27. 
O caso de Wallerstein é emblemático para Brenner (1977), por não abordar nem a 
transformação das relações de classe capitalistas, nem o aumento sistemático do excedente 
relativo de trabalho por elas tornado necessário, tido por ele como a característica 
dominante do capitalismo. O autor aponta que Wallerstein troca o mecanismo da 
acumulação visando à inovação pelo da “produção visando a lucros no mercado”, definindo 
 
26
 Brenner (1977) aponta que Marx depois visualizou a possibilidade da solidez de certos modos pré-capitalistas 
representar barreiras impeditivas à adoção de modos de produção capitalistas, como foi o caso dos modos de 
produção pré-capitalistas da Índia e China frente à expansão comercial inglesa. 
27
 Um dos autores citados por Brenner (1977) é André Gunder Frank, para quem: “desenvolvimento e 
subdesenvolvimento econômico são as faces opostas da mesma moeda. (…) são relativos e qualitativos, e cada 
um deles difere do outro, apesar de causado por suas relações com o outro. Porém desenvolvimento e 
subdesenvolvimento são a mesma coisa no sentido em que são o produto de uma única, mas dialeticamente 
contraditória, estrutura econômica e processo capitalista.” (1969, apud Brenner, 1977, p. 28) 
 23 
 
como característica essencial da sua “economia-mundo capitalista” a produção para venda 
visando ao lucro, além de conceber a transformação das relações de classe como resultado 
das necessidades dessa produção voltada a auferir lucros no mercado. 
Ou seja, Brenner (1977) aponta que Wallerstein não incorpora o avanço qualitativo (a 
revolução da produtividade do trabalho) como característica fundamental do capitalismo, 
nem a sua tendência intrínseca a acumular e inovar para garanti-lo. Para ele, a visão de 
desenvolvimento econômico de Wallerstein é quantitativa, baseada em três condições ao 
surgimento da economia-mundo, possibilitadas pelo colapso dos impérios-mundo28: 
“a expansão do tamanho geográfico do mundo, o desenvolvimento de 
vários métodos de controle do trabalho para diferentes produtos e zonas da 
economia-mundo, e a criação de um maquinário estatal relativamente forte 
nos que se tornariam os Estados-núcleo dessa economia-mundo 
capitalista.” (Wallerstein, 1974, apud Brenner, 1977, p. 31) 
 
Para Brenner (1977), a concepção de Wallerstein de “economias-mundo” em 
contraste com a de “impérios-mundo” são como opostos que distinguem a economia 
moderna (cujo desenvolvimento econômico pode ser sistemático) das economias pré-
capitalistas (cujo desenvolvimento é restrito, pois sua produção é relativamente inflexível, 
expandindo-se apenas dentro de limites definidos). Ele pondera que esta distinção é correta 
no que o capitalismo se distingue dos modos de produção anteriores na sua tendência ao 
desenvolvimento econômico ilimitado. No entanto, aponta ele, a chave desse 
desenvolvimento está na expansão do excedente relativo do trabalho29, que não é abordado 
por Wallerstein. Esse essa expansão é dependente de inovações, as quais historicamente 
 
28
 A raiz do problema na argumentação de Wallerstein se relaciona, segundo Brenner (1977), ao modelo 
supostamente mecanicista de Adam Smith: o aumento da produtividade nasce “naturalmente” da 
especialização regional decorrente da divisão internacional do trabalho, que por sua vez é impulsionada pelas 
forças do mercado. Porém, na concepção de Brenner (1977), o desenvolvimento capitalista depende das 
relações de classe capitalistas historicamente desenvolvidas e conflituosas, que determinam diferentes limites 
e potenciais ao condicionarem demanda, renda, meios de produção e forças produtivas. 
29
 Isso não significa que os métodos de excedentes absolutos do trabalho não eram usados, pois eles o são no 
capitalismo. Aumentos no excedente relativo do trabalho (produtividade) são alcançados quando é produzida 
uma massa de valores de uso maior com a mesma quantidade prévia de trabalho. 
 24 
 
exigem a acumulação de excedentes, que por sua vez tem como fundamento as relações de 
classe capitalistas. Nas palavras de Marx: 
“A produção de valores absolutos de excedente usa exclusivamente a 
duração do dia de trabalho, enquanto a de valores relativos de excedente 
revoluciona os processos técnicos de trabalho e os grupos em que a 
sociedade se divide. Logo, ela requer um modo capitalista específico de 
produção, cujos métodos, meios e condições se originam e desenvolvem 
baseados na submissão formal do trabalho ao capital. Esta submissão 
formal é então substituída por uma submissão real”. (1976, apud Brenner, 
1977, p. 31) 
 
Na verdade, Brenner (1977) demonstra que nenhuma das três condições de 
Wallerstein pode determinar o desenvolvimento econômico. Primeiro, apesar de que, no 
capitalismo, a produção visando ao lucro nos mercados de fato predomina, o oposto não é 
verdadeiro: o seu surgimento não necessariamente sinaliza a existência do capitalismo. A 
produção para a venda é perfeitamente compatível com sistemas não capitalistas em que 
não é necessário ou é impossível investir em melhoras produtivas para obter lucros, onde 
predominam métodos de expansão do excedente absoluto do trabalho, sem o aumento 
sistemático do excedente relativo que caracteriza o desenvolvimento capitalista30. 
Da mesma forma, a especialização produtiva pode permitir maior eficiência e facilitar 
a invenção, porém somente até um ponto, além do qual aumentos adicionais passam a 
depender da cooperação - a integração de atividades relacionadas. Como as estruturas de 
classe pré-capitalistas tendiam a restringir a produção cooperativa, devido ou à produção 
forçada, ou à produção individualizada de pequenos proprietários (com maior interesse no 
trabalho individualizado e diversificado), as tentativas de aumentar o excedente eram na 
maioria enviesadas em favor de incrementos do excedente absoluto do trabalho31. 
 
30
 Eventualmente, nos sistemas pré-capitalistas eram possíveis melhoras produtivas, mas o mercado não 
exercia pressão para a sua revolução contínua. Como ambos os exploradores e trabalhadores eram ligados aos 
seus meios de produção e subsistência, sua sobrevivência não dependia da venda dos seus produtos, não 
havendo pressão para inovarem e adotarem métodos mais produtivos. 
31
 De fato, Brenner (1977) aponta que asrelações servis sob o impacto do comércio tenderam à estagnação e 
regressão. Isto porque o comércio não era externo ao feudalismo, mas foi sua expressão: se havia pouco 
 25 
 
O ponto ressaltado por Brenner (1977) é que aumentos recorrentes de produtividade 
só podem ocorrer se a “produção para a troca” nos mercados expressar relações de classe 
capitalistas - de trabalhadores livres e assalariados, sem a posse dos meios de produção e 
emancipados de qualquer relação direta de dominação (como a escravidão ou servidão). 
Somente nestas condições ambos o trabalho e o capital são livres, tornando necessária sua 
combinação no mais alto nível possível de tecnologia, pois as unidades produtivas individuais 
(trabalho conjugado com meios de produção) serão forçadas a vender para poder comprar, 
comprar para poder sobreviver e se reproduzir, e inovar para conseguir manter sua posição 
frente à concorrência. 
Em outras palavras, se ambos capital e trabalho forem mercadorias (commodities), 
há a necessidade de produzir no tempo de trabalho “socialmente necessário” para garantir a 
sobrevivência, e de incrementar sistematicamente a produtividade para assegurar sua 
continuidade nos mercados. Logo, a dinâmica capitalista requer uma estrutura de classes em 
que a sobrevivência e reprodução de suas unidades produtivas dependem destas 
aumentarem recorrentemente sua produtividade. Em contraste, estruturas de classes pré-
capitalistas determinam que suas unidades produtivas não precisam nem podem fazê-lo 
para sobreviverem e se reproduzirem, se desenvolvendo dentro de limites definidos. 
Portanto, o problema da origem do desenvolvimento capitalista na visão de Brenner 
(1977) é o problema da origem das relações de classes capitalistas – o processo histórico 
pelo qual trabalho e meios de produção se tornaram commodities. O autor aponta que, 
como para Wallerstein é a “produção por lucro no mercado” que determina o 
desenvolvimento capitalista, o problema da sua origem é erroneamente por ele identificado 
com o da origem da expansão do mercado mundial irrestrito pelos impérios-mundo32. Neste 
 
incentivo para investir em melhoras, havia muito para gastos improdutivos em bens de luxo e militares, 
encorajando a extração de excedentes dos trabalhadores para adquiri-los. Isso significou a destruição do poder 
reprodutivo de longo prazo dos servos via extração do seu excedente de curto prazo, produtividade 
decrescente e crises demográficas, restringindo a expansão urbana industrial ao limitar a disponibilidade de 
mão-de-obra e a formação de um mercado de massa. Logo, a expansão comercial determinou novas demandas 
feudais e exprimiu as relações servis, resultando em uma divisão do trabalho que se voltou a si mesma, 
tendente ao autoestrangulamento. 
32
 A incorporação das regiões feudais pelo comércio teria promovido um processo de racionalização econômica 
que teria iniciado o distanciamento da servidão para o trabalho livre assalariado. Ou seja, tudo teria se 
desencadeado de um desenvolvimento comercial historicamente-específico (o estabelecimento primário de 
 26 
 
raciocínio, ambos a origem e o padrão de desenvolvimento capitalista se tornam derivados 
do mesmo processo de estabelecimento de conexões comerciais. O desenvolvimento do 
capitalismo vira o desenvolvimento da divisão internacional do trabalho promovida pela 
expansão do comércio. E qualquer região incorporada à “economia-mundo capitalista” no 
século XVI se tornaria capitalista, qualquer que fosse sua estrutura social-produtiva, de tal 
modo que as regiões servis cessariam de ser menos capitalistas que as regiões de trabalho 
livre assalariado33. Mas conforme Brenner (1977): 
“... na medida em que a ‘economia-mundo européia’ moderna de fato 
corresponde ao conceito de Wallerstein – ou seja, definida por sistemas 
interconectados de produção baseadas na servidão na periferia e no 
trabalho livre no centro – ela permaneceu fundamentalmente ‘pré-
capitalista’: de um tipo de feudalismo renovado, com um escopo maior. A 
falta de um rompimento verdadeiro foi refletida na incapacidade da 
‘economia-mundo moderna’ em prover as estruturas materiais para o 
crescimento econômico industrial continuado na maior parte da Europa no 
período moderno inicial...” (p. 72-73) 
 
Além disso, conforme Brenner (1977), a tese de Wallerstein permite chegar à 
conclusão que o desenvolvimento e subdesenvolvimento capitalista são derivados do 
mesmo processo, sendo direta e mutuamente determinados por serem ambos resultantes 
de uma transferência de excedentes da periferia ao centro. Porém, aponta ele, nenhum dos 
dois pode ser diretamente dependente e causado pelo outro, pois cada um resulta de uma 
evolução específica de relações de classe34. Ademais, nessa visão de Wallerstein, o 
capitalismo vira um sistema baseado na extração do excedente absoluto de trabalho, 
 
rotas comerciais pelas grandes viagens de descobrimento), sob o impulso da “maximização do lucro” e 
“competição no mercado” - pressupondo uma racionalização capitalista já existente. 
33
 O argumento de Wallerstein é que os modos de produção são escolhidos pela classe dominante frente aos 
incentivos do mercado e dadas as características de sua região. 
34
 O autor ressalta ainda que esse raciocínio comporta outros problemas: um é a necessidade de uma 
“acumulação original de riqueza” externa ao centro (na periferia), que pressupõe uma inexplicada 
impossibilidade de reunião desse capital no centro. Outro é que nada assegurava que o capital transferido ao 
núcleo seria de fato usado para fins produtivos, como investimentos em melhorias e inovações, e não em 
despesas com bens de luxo ou militares. 
 27 
 
substituindo sua tendência inerente a desenvolver forças produtivas e acumular capital pela 
extração de uma “acumulação primitiva” na periferia. 
No entanto, um dos principais problemas desta tese é que ela se baseia na convicção 
de que a especialização das diferentes regiões interligadas pelo comércio daria-se conforme 
suas “vantagens naturais” para desenvolver certos tipos de produção, levando a uma 
hierarquia produtiva em que certas produções requerem mais habilidade técnica e capital 
do que outras, desenvolvendo mais alguns locais do que outros. Coforme ressalta Brenner 
(1977), esse pensamento desconsidera os limites e potencialidades dados pela estrutura de 
classes da região, sendo o nível das forças produtivas da região que determina as atividades 
produtivas possíveis, e não o inverso. 
Portanto, na concepção de Brenner (1977), não é possível aceitar que o 
subdesenvolvimento capitalista em certas regiões resultou da sua incorporação ao mercado 
mundial, delegando um papel dependente à periferia e a transferência de seu excedente ao 
centro. Em sua visão, nem o desenvolvimento no centro nem o subdesenvolvimento na 
periferia foram determinados pela transferência de excedente, ainda que esta seja 
importante e tenha ocorrido. Esses são importantes aspectos do subdesenvolvimento, mas 
precisam ser explicados, especialmente com base nas estruturas de classe da periferia35. 
Segundo o autor, o desenvolvimento foi um processo qualitativo que envolveu a 
contínua acumulação de riqueza, revolução das técnicas e desenvolvimento da 
produtividade do trabalho, graças a uma estrutura de classes em que os extratores de 
excedente eram obrigados a usar métodosprodutivos que correspondiam às necessidades 
de desenvolvimento das forças produtivas (incremento do excedente relativo). Em 
contrapartida, o subdesenvolvimento baseou-se em uma estrutura de classes fundamentada 
na extração do excedente absoluto do trabalho, determinando uma disjunção entre os 
requisitos para o desenvolvimento das forças produtivas e os objetivos de extração de 
 
35
 Brenner (1977) aponta também que o conceito de “troca desigual” de Arghiri Emmanuel não pode ser usado 
para explicar esse processo de transferência de excedente, por ter a livre mobilidade do capital (ausente nas 
economias servis) como pré-requisito de validade. Este conceito se refere às trocas de produtos entre regiões 
com diferentes taxas salariais e livre mobilidade do capital, de modo que as taxas de lucro se equalizavam, mas 
as taxas salariais não, levando à deterioração dos termos de troca entre países de salário mais baixo e de 
salário mais alto. É verdade que no longo prazo houve transferência de excedentes da periferia, mas sua 
origem esteve em outra dinâmica: nas estruturas de classe que privilegiavam a extração de excedente absoluto 
do trabalho, determinando um mercado de bens de consumo limitado, pouco investimento na indústria 
doméstica e a concentração de gastos em bens de luxo, incapazes de aumentar a capacidade produtiva. 
 28 
 
excedentes, desencorajando o uso do capital fixo, do trabalho cooperativo e o 
desenvolvimento de habilidades36. 
Em suma, na concepção de Brenner (1977) as origens do desenvolvimento capitalista 
estão nos processos históricos pelos quais as estruturas de classe pré-capitalistas anteriores 
foram dissolvidas e redefinidas em estruturas capitalistas, que são compreensíveis apenas 
como processos conflitantes de transformação e luta de classes, expressão das contradições 
das sociedades pré-capitalistas. 
 
5. DOIS ESFORÇOS DE SÍNTESE: ARRIGHI E HARVEY 
 
Assim como Wallerstein e Braudel, Arrighi (1996) também insiste na definição da 
longue durée como o horizonte temporal adequado para empreender o estudo da origem e 
expansão do capitalismo como sistema mundial, tendo em vista que suas tendências e 
conjunturas no século XX – os motivos originais de sua análise - talvez refletissem estruturas 
e processos em curso desde o século XVI37. Destarte, sua pesquisa visa a identificar os 
padrões evolutivos que acredita terem permeado o desenvolvimento histórico do 
capitalismo mundial, e as condições sistêmicas em que esses processos se desenvolveram no 
tempo. 
Em muitos aspectos, a análise de Arrighi (1996) se fundamenta no pensamento de 
Braudel para explicar o funcionamento do capitalismo mundial, segundo o qual as 
características essenciais do capitalismo em toda sua existência foram a “flexibilidade”, a 
 
36
 Para Brenner (1977), o maior problema de localizar as fontes do desenvolvimento e do subdesenvolvimento 
em um processo abstrato de integração ao mercado mundial, sem especificar o papel das estruturas de classe, 
é possibilitar perspectivas mal fundadas. Se a incorporação no mercado mundial automaticamente semeia o 
subdesenvolvimento, a solução lógica não seria o socialismo, mas o isolamento deste mercado. Se o 
capitalismo desenvolve certas regiões pela exploração de outras, os oponentes deveriam ser centro versus 
periferia, e não um proletariado internacional unificado versus a burguesia internacional. Ou seja, aberturas às 
“burguesias nacionais” e falsas revoluções anticapitalistas. Um exemplo seria a “industrialização via 
substituição de importações”, realizada sob um discurso de antidependência, nacionalismo e anti-imperialismo, 
mas que dificilmente pode trazer desenvolvimento porque sua razão de ser são salários baixos e trabalho 
reprimido. 
37
 O autor identifica o início da “mundialização” do capitalismo na Europa no fim da Idade Média, quando 
diversos processos históricos impeliram as nações europeias à conquista territorial do mundo, iniciando assim 
a formação de uma economia mundial capitalista. 
 29 
 
“capacidade de mudança e adaptação” e o “ecletismo” para transitar pelas mais diversas 
atividades econômicas conforme suas oportunidades de lucro - e não as formas específicas e 
concretas assumidas em diferentes lugares e momentos. Assim, apesar de em certos 
períodos o capitalismo parecer ter “se especializado” (como a industrialização no século 
XIX), na verdade a sua concentração em certa atividade deve ser entendida como a escolha 
do “local” de maior dinamismo econômico que naquele momento permitia a mais alta 
reprodução do capital. Tais “locais” estiveram sempre sujeitos a serem trocados por outros 
de maior rentabilidade, em um movimento de “mudança com continuidade”. 
 Arrighi (1996) aponta ainda que, no pensamento de Braudel, o capitalismo está 
sempre mudando por causa da flexibilidade do capital para se deslocar pelas atividades 
econômicas conforme as oportunidades de lucro, em uma relação instrumental do 
capitalismo com os modos de troca e produção. Quando essa relação não mais atende ao 
objetivo de acumulação, ocorrem as expansões financeiras, sinalizando a maturidade de um 
ciclo de expansão produtiva que permitiu uma forte acumulação de capitais, mas que se 
exauriu. Assim, a predominância do “capital financeiro”38 é vista como uma tendência 
sistêmica do capitalismo, indicando a crise de um ciclo produtivo e sua reestruturação: 
“[Todo] desenvolvimento capitalista desse tipo, ao atingir o estágio de expansão financeira, 
parece anunciar em certo sentido, a sua maturidade” (Braudel, 1984, apud Arrighi, 1996, p. 
6). 
Para Arrighi (1996), este raciocínio também pode ser expresso pela clássica fórmula 
de Marx, DMD’, segundo a qual na lógica capitalista o capital-dinheiro D (liquidez) pode ser 
investido em qualquer atividade produtiva M (rigidez), mas sempre visando à ampliação do 
capital-dinheiro inicial D’ (liquidez acrescida), e não à produção propriamente dita. Isto iria 
de encontro ao pensamento de Braudel, pois significa que a produção é apenas um meio em 
que a liquidez é empregada para conseguir mais liquidez, de modo que quando este meio 
produtivo se esgotasse, poderia haver um retorno à liquidez até que outro meio mais 
rentável fosse encontrado. Destarte, o autor aponta que um padrão histórico do capitalismo 
 
38
 No caso da crise dos anos 1970, um de seus aspectos principais foi de fato a “financeirização” do capital, 
tendo sido amplamente anunciado como o último e mais avançado estágio do capitalismo mundial. Porém, a 
expansão do capital financeiro não é nem uma etapa do capitalismo mundial, nem o seu estágio mais avançado 
- ele é recorrente ao capitalismo desde o seu início, assinalando a destruição de “antigos” regimes de 
acumulação em escala mundial e a transição a “novos” regimes. 
 30 
 
mundial pode ser identificado, em que épocas de expansão produtiva - ou “mudanças 
contínuas” (DMD’) - se alternam com épocas de crise, de relações puramente financeiras e 
de reestruturação - ou “mudanças descontínuas” (DD’). E de fato, o autor mostra que a 
evolução histórica do capitalismo mundial sempre alternou momentos de expansão 
produtiva com períodos de crise e reestruturação, em que os segundos foram tão típicos 
quanto os primeiros, mas sempre foram mais longos e resultaram em reorganizações do 
capitalismo sobre bases novas e mais amplas39. 
 Fundamentando-se nessa concepção das expansões financeiras como fases finais dos 
grandes desenvolvimentos capitalistas, Arrighi (1996) decompõe a história do capitalismo 
mundial em quatro unidades de análise chamadas “ciclos