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CA M IN HO S P AR A UM A CO NV IV ÊN CI A SA UD ÁV EL N A PE RS PE CT IV A DA SA ÚD E Realização Apoio Convênio 3122/05 Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal Ministério da SaúdeNúcleo de Estudos e Programas para os Acidentes e Violências Esta publicação, com uma linguagem simples e acessível a públicos variados, compartilha olhares de diversos autores, estudiosos e experientes no assunto relativo à violência contra crianças, adolescentes, mulheres, homens e idosos. A sua finalidade primordial é contribuir para o paradigma da prevenção primária da violência nas unidades de saúde, principalmente no âmbito da Atenção Básica, bem como na Educação, Assistência, entre outras áreas que lidam com tais grupos sociais. Dada a complexidade da violência em nossa sociedade, a efetiva prevenção passa pela compreensão do fenômeno e por ações que possam interferir em suas circunstâncias e seus eixos desencadeadores. À frente desta proposta está o Núcleo de Estudos e Programas para os Acidentes e Violências – NEPAV – da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, com a incumbência de apontar caminhos para diferentes profissionais, sempre com o intuito de apoiar a promoção da convivência saudável nos diversos ciclos de vida. CAMINHOS PARA UMA CONVIVÊNCIA SAUDÁVEL NA PERSPECTIVA DA SAÚDE Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal Brasília, 2009 CAMINHOS PARA UMA CONVIVÊNCIA SAUDÁVEL Na PersPectiva da saúde SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte Organização do Projeto Laurez Ferreira Vilela Grupo de Trabalho Técnico Ana Lúcia Correa e Castro Eliane Figueiredo Souza Jardim Corrêa Laurez Ferreira Vilela Marcelle Passarinho Mori Tânia Mara Campos de Almeida Vanessa Canabarro Dios Edição, discussão e informações SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL Subsecretaria de Atenção à Saúde Diretoria de Assistência Especializada Gerência de Recursos Médico Hospitalares Núcleo de Estudos e Programas para os Acidentes e Violência SIA Sul Quadra 4C Lotes 02/07 Sobreloja do BRB CEP: 71200-040 Tel.: (61) 3905 4635 Fax: (61) 3905 4637 E-mail: nepavses@gmail.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) NAU/BCE/FEPECS Caminhos para uma convivência saudável na perspectiva da saúde. / Laurez Ferreira Vilela (Org.). – Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, 2009. 128 p. il. ISBN 85-89439-50-x 1. Prevenção da violência contra crianças e adolescentes. 2. Prevenção da violência contra mulheres. 3. Promoção da saúde do homem versus violência. 4. Prevenção da violência contra a pessoa idosa. 5. Novas possibilidades de relações. 6. Atividades Preventivas. I. Vilela, Laurez Ferreira. CDU 316.48:614 Apresentação 5 I – Módulo – Prevenção da violência contra crianças e adolescentes 7 A importância do desenvolvimento saudável da criança e do adolescente 8 Negligência – estratégias preventivas 13 Caminhos para educar sem castigo físico 19 Prevenção da violência sexual na infância e na juventude 23 A prevenção do trabalho infantil e a proteção do adolescente no trabalho 30 Bullying Escolar – conhecer para enfrentar 35 Prevenção da violência psicológica 38 Prevenção à violência na juventude 44 Aprendendo a conviver para prevenir a violência 48 Grupo de Instrumentalização de Pais – GIP 52 II – Módulo – Prevenção da violência contra mulheres 55 Orientações para a prevenção da violência contra as mulheres 56 III – Módulo – Promoção da saúde do homem x violência 64 IV – Módulo – Prevenção da violência contra a pessoa idosa 67 Prevenção primária da violência contra o idoso 68 V – Módulo – Novas possibilidades de relações 73 Assédio moral no trabalho: é possível prevenir 73 No caminho pedagógico da paz nas águas 78 Resiliência 84 VI – Módulo – Atividades preventivas para fortalecer grupo 100 Dança maluca ...............................................................................................................102 Construção coletiva da PAZ ............................................................................................102 Atravessando um rio ......................................................................................................102 O varal da violência – conhecer para prevenir ................................................................. 103 Definindo violência psicológica ......................................................................................104 Convivência familiar ......................................................................................................104 Roda de conversa – cuidando do corpo ..........................................................................105 sumário Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 4 Empoderamento – acreditando no seu potencial ............................................................105 Prevenção de situações de risco na adolescência ...........................................................106 Textos de apoio..............................................................................................................106 Todo mundo já teve a primeira vez menos eu .................................................................106 Estudo de caso ..............................................................................................................107 Prevenção do Bullying ......................................................................................................................107 Atividades com mulheres ...............................................................................................108 Técnicas para trabalhar relações de poder e gênero .......................................................109 Tempestade de idéias ....................................................................................................109 Pessoas e coisas ............................................................................................................109 O que é ‘gênero’? ...........................................................................................................110 Risco e violência: as provas de coragem .........................................................................111 Prevenção da violência contra o idoso ............................................................................112 Sentimentos ..................................................................................................................112 Trabalhando preconceitos ..............................................................................................113 Juntos somos mais ........................................................................................................113 Técnicas para utilização em metodologias participativas – realização de Oficinas ...........114 Desenho do nome ..........................................................................................................115 Mãozinhas .....................................................................................................................116 Salada de frutas ............................................................................................................116 Passando a bola ............................................................................................................117 Balão na roda ................................................................................................................118 Projeto de vida ..............................................................................................................119Texto de apoio ...............................................................................................................120 Música: Tente Outra Vez .................................................................................................121 Anexos 122 Locais na Rede de Saúde que realizam acompanhamento especializado às vítimas de violência ...................................................................................................122 Telefones Úteis do Distrito Federal ...................................................................................123 COSE’s – Relação dos Centros de Orientação Socioeducativa ...........................................125 CREAS – Relação dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social ..................127 aPreseNtaÇÃo O Núcleo de Estudos e Programas para os Acidentes e Violência – NEPAV – da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, cujo objetivo é reduzir a morbimortalidade por acidentes e violências, implantou como estratégia para desenvolver ações locais os Programas de Prevenção e Atendimento às Vítimas de Acidentes e Violência – PAVs – nas regionais de saúde do DF. Diante da dificuldade em realizar a prevenção primária da violência a equipe desse Núcleo elabo- rou esta publicação com uma linguagem positiva, que aponta alternativas a profissionais que lidam com a população de todas as áreas, principalmente para os que atuam na Atenção Básica à Saúde para desenvolver um trabalho de multiplicação sobre promoção da saúde e prevenção das diversas formas de violência. Aponta ações possíveis no espaço da saúde, educação, igrejas, instituições, co- munidade, em ambientes que reúnam grupos de crianças e adolescentes, mulheres, adultos e idosos. Considera-se prevenção primária as medidas de promoção à saúde e proteção específica, cujo objetivo é evitar que a violência se manifeste. Para isso deve-se atuar nos fatores de risco, visando reduzir a exposição de grupos populacionais, bem como atuar nos mecanismos protetores. Dessa forma, buscamos proporcionar alguns caminhos e possibilidades para uma convivência saudável. Sabe-se que as violências se reproduzem de forma naturalizada, invisível e simbólica em nosso cotidiano. Elas atingem parcela importante da população e repercutem de forma significativa sobre a saúde física e mental das pessoas a ela submetidas, independente de idade, sexo, raça, religião, nacionalidade, escolaridade ou classe social. A violência também configura um problema de Saúde Pública relevante que provoca mortes e adoecimento. Tal situação aumenta o número de atendimentos hospitalares, causa debilidade físi- ca, sofrimento e transtornos mentais, reduz a qualidade e o tempo de vida, abala a autoestima e o bem-estar da população. Fenômeno complexo, a violência envolve fatores sociais, ambientais, culturais, econômicos e polí- ticos, constituindo-se em um desafio para profissionais e gestores do Sistema de Saúde e parceiros. Para seu enfrentamento, necessita-se de ações interdisciplinares, transdisciplinares e intersetoriais, além de comprometimento profissional e comunitário para juntos atuarem na formação de redes de prevenção e atendimento. Abordaremos as várias formas de violência, pois algumas pessoas não percebem seus atos agressivos. É indispensável dar visibilidade ao fenômeno e suas consequências para mudança do padrão de comportamento. Situações opressoras ainda são aceitas, pois estão alicerçadas em crenças e costumes familiares e culturais repassados de modo praticamente automático e que, portanto, não são questionados por nós nem nos são conscientes.No entanto, esses valores, preconceitos e julgamentos autoritários violam nosso direito a uma vida autônoma e feliz. Por isso, é preciso uma auto-reflexão constante para identificar valores conservadores, a influência destes padrões no cotidiano e se nos dispomos a romper com ideologias impostas que causam prejuízos e restringem possibilidades de uma exis- tência plena. Independente de a pessoa vivenciar ou não situações de violência, devemos apontar ou facilitar o caminho para que o/a usuário/a do serviço desfrute de uma melhor existência, autonomia, boa saúde física e mental e tenha noção plena de seus direitos a uma vida sem violência. Para tal consecução, esta publicação está dividida em seis módulos. Contempla os seguintes temas: Prevenção da violência contra crianças e adolescentes Prevenção da violência contra mulheres Promoção da saúde do homem versus violência Prevenção da violência contra a pessoa idosa Novas possibilidades de relações: no trabalho, com a água e estratégia de superação/resiliência Atividades preventivas para fortalecer grupos 5 Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 6 A proposta é atuar em favor de mudanças no padrão de sentimentos, pensamentos e compor- tamentos do sujeito, da família e da comunidade, o que sabemos não ser nada fácil, além de exigir respeito e esforço árduo de todos envolvidos no processo. É imprescindível a ação intersetorial para alcançarmos uma cultura de paz, para o resgate de valores essenciais para a boa convivência como o respeito ao próximo e às diferenças de raça, idade, gênero, orientação sexual, classe social e outros. A escola é uma parceira indispensável na prevenção da violência, seguida das unidades de saúde, assistência social, igrejas, associações comunitárias, de bairro, prefeituras, mídia, dentre outros. Equipes interdisciplinares com formação específica para acompanhar famílias em situações de violência, possibilitando intervenção qualificada e resolutiva, também são fundamentais nesse enfrentamento. Destaca-se a importância de realizar o diagnóstico da violência local a partir das notificações da Saúde e órgãos envolvidos com a mesma temática, divulgar os dados na comunidade para que juntos – comunidade, instituições e/ou órgãos, possam buscar estratégias de prevenção e promoção da qualidade de vida da população. Sem a intenção de responder todas as questões relacionadas à violência e muito menos propor receitas prontas, a equipe do NEPAV acredita que este material possa apoiar profissionais de todas as áreas, pais e responsáveis, na busca por relações mais harmoniosas, igualitárias e prazerosas em suas famílias e em sua comunidade, promovendo, assim, uma convivência saudável. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde Na nossa sociedade a família é o espaço ideal para o desen- volvimento físico, mental e social de suas crianças e adolescen- tes. A comunidade e o Estado são corresponsáveis por legitimar e contribuir com esse pleno desenvolvimento, principalmen- te no fortalecimento das competências familiares, para que possam cuidar adequadamente de sua prole, na busca da pro- teção integral. Esse módulo visa apontar alternativas positivas para educação de crianças e adolescentes, abordando aspectos relacionados ao estabelecimento de limites, resgate da autoridade dos pais e cuidadores, ritmo com disciplina e reconhecimento dos direitos básicos. Além de estimular a reflexão acerca das necessidades para o crescimento e o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes. É dirigido aos profissionais da Atenção Básica à Saúde e a todos os outros que lidam com essa população. Será abordada a importância de se conhecer as fases de desenvolvimento da criança e do adolescente, além de relações de respeito e afeto, diálogo e bons exemplos de pais, responsáveis, profissionais e educadores. Os cuidadores desempenham um papel crucial na formação do indivíduo, pois é a partir da construção do vínculo, do sentimento de pertencimento e do suporte de modelos adultos positivos que ocorre o desenvolvimento. Destaca-se a importância de vivenciar o lúdico na infância para o desenvolvimento de capaci- dades e habilidades, e também a compreensãodo período da adolescência com suas mudanças biopsicossociais que necessitam ser compreendidas dentro de seu contexto. Assim, discute-se a necessidade de um ambiente familiar e social que lhes propicie condições saudáveis e que inclua estímulos positivos, equilíbrio, vínculo afetivo, momentos lúdicos, diálogo, o resgate de valores, o incentivo ao projeto de vida, entre outros aspectos. Alguns contornos serão traçados para a compreensão da violência familiar. Na nossa sociedade, a família é um dos espaços onde ocorrem os fatos mais expressivos da vida das pessoas: a desco- berta do afeto, da subjetividade, da sexualidade, experiências de vida extremamente significativas, socialização, a formação da identidade pessoal e social, dentre outras construções emocionais. Nesse meio realizamos o primeiro aprendizado sobre os significados dos afetos e sobre represen- tações, opiniões, valores, esperanças e frustrações. Geralmente, a família é o porto seguro, sendo considerada por seus membros a referência primária e espaço de proteção e segurança. Nela, procuram refúgio sempre que ameaçados. No entanto, há vários casos em que, no núcleo familiar, acontecem situações extremamente dolorosas, que modificam para sempre a vida de um indivíduo, deixando marcas em sua existência. A violência física, psicológica, sexual e a negligência, que muitas vezes é vista como forma natural de educação, podem causar prejuízos à saúde física e emocional. Um ambiente familiar hostil e estressante afeta seriamente não só a capacidade de aprendizagem da criança e do adolescente, como o desenvolvimento físico, mental, social e emocional de todos. Portanto, realizar a prevenção de todas as formas de violência e encaminhar os casos de violação de direitos para a Rede Intersetorial para que haja uma intervenção multidimensional é um compro- misso profissional. Tal Rede é composta por várias instituições governamentais e não-governamentais que realizam proteção, responsabilização e atendimento às vítimas. Espera-se que ações de prevenção e a educação de crianças e adolescentes voltada para o afeto, o vínculo e o respeito ao próximo venha possibilitar a construção de relações mais saudáveis em nossa sociedade. módulo i PreveNÇÃo da violÊNcia coNtra criaNÇas e adolesceNtes 7 8 a imPortâNcia do deseNvolvimeNto saudável da criaNÇa e adolesceNte Laurez Ferreira Vilela* Toda criança precisa de cuidados desde a sua concepção. Por isso, é necessário evitar que entre em contato com os efeitos danosos do álcool, tabaco e outras drogas, além de um ambiente livre de brigas. A gestante necessita realizar o pré-natal para prevenir danos a ela e ao filho. A participação do pai no momento das consultas, no parto e nos cuidados com a criança também é importante para fortalecer laços afetivos e de responsabilidades. Contar com outras pessoas da comunidade e parentes nos cuidados com a criança, principalmente em situações excepcionais ou imprevistas, permite apoio e segurança para a família. Além destas redes informais, deve-se identificar os serviços existentes em sua comunidade como saúde, educação, assistência social, creche, ONGs e associação de moradores, para ampliar a rede de apoio e garantir seus direitos. Conhecer as fases de desenvolvimento da criança, com suas características, limitações e os cuidados em cada etapa do infante contribui para reduzir atos de violência intrafamiliar. Os adultos muitas vezes esperam que a criança faça ou entenda alguma coisa para a qual não está prepara- da. Outras vezes não percebem que o seu modo de se relacionar com a criança está lhe causando algum dano. Além disso, a família deve reconhecer a necessidade da criança de vivenciar o lúdico, a interação afetiva com seus pais ou responsáveis, vivenciar exemplos construtivos e o respeito para que possam se desenvolver de forma saudável. Por favor, mamãe e papai Minhas mãos são pequenas – eu não derramo meu leite de propósito. Minhas pernas são curtas – por favor, andem devagar, assim eu posso acompanhá-los. Eu amo coisas brilhantes e bonitas, então tenham paciência comigo quando eu tento tocá-las. Por favor, olhem para mim quando eu falo com vocês – eu me sinto muito bem quando eu sei que vocês estão me ouvindo. Eu preciso experimentar coisas novas – me ajudem a fazer erros sem me sentir estúpido. A cama que eu faço ou o quadro que desenhei podem não ser perfeitos – só me amem por tentar. Lembre-se, eu sou uma criança, não um adulto pequeno. Algumas vezes eu não entendo quando vocês estão falando. Eu os amo, me ajude a entender que vocês me amam pelo que sou. In: Vírginia Coalition for Child Abuse prevention Month, 1996 Ao nascermos somos totalmente dependentes e temos necessidades que precisam ser supridas pelos nossos cuidadores, mas nem sempre há um entendimento desses cuidados da maneira mais adequada. Quer seja pela imposição de regras rígidas, quer seja em nome da distorcida “educação do bebê” para que não fique manhoso e dependente de colo, seus responsáveis podem acabar por negligenciar suas necessidades de carinho, de troca de roupa e até mesmo de alimentação. Há crenças comuns como, por exemplo, as que afirmam rigidamente existir “hora ou momento” certo para cada atividade, sem levar em conta o choro compulsivo, o medo ou a insegurança da criança. Assim, devemos rever esses valores distorcidos e proporcionar à criança um desenvolvimento de acordo com as suas particularidades etárias e individuais. * Assistente Social, Especialista em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente, Especialista em Terapia Familiar, Pós gra- duada em Educação Sexual. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 9 CONHECENDO AS CARACTERÍSTICAS DAS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA CARACTERÍSTICAS DAS FASES DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA (0 A 11 ANOS) Nascimento até 2 anos O bebê depende completamente e o tempo todo dos adultos. Uma das formas privilegiadas que ele tem para comunicar-se é o choro. Nessa fase, o contato físico é muito impor- tante para o desenvolvimento do bebê. O colo dá segurança ao bebê. Ele ainda não consegue compartilhar seus brinquedos quando está brincando com outras crianças. Quando o bebê chora, tenha paciência e des- cubra porque ele está chorando. Veja se está com fome, sujo, se sente calor, frio ou dor. Às vezes, ele chora só porque quer estar perto da mãe, do pai ou de outro cuidador. Não deixe o bebê aos cuidados de outra crian- ça, mesmo que seja só por alguns instantes. De um a dois anos, o bebê não entende direito o que você fala, mas percebe claramente quando um adulto fala afetivamente com ele. Dos 2 aos 3 anos A criança começa a manifestar sua vontade e é extremamente curiosa. Nesta fase, a exploração dos diferentes espaços e dos objetos é necessária e importante para o desenvolvimento do conhecimento da criança. Entretanto, é preciso que um adulto esteja sempre junto dela para evitar acidentes. A criança precisa aprender o que pode e o que não pode fazer. Prepare-se para dizer “não” muitas vezes. Ela começa a aprender a controlar seu xixi e cocô e a pedir para ir ao banheiro e já pode começar o treinamento da higiene, abandonando as fraldas aos poucos. Entende várias coisas do que se pede a ela, mas pode se recusar a entender. Evite acidentes. Procure criar um ambiente seguro para as crianças brincarem. Tire do alcance qualquer objeto perigoso (medicamen- tos, produtos de limpeza, coisas que possam quebrar, ser engolidas, que cortem ou com pontas). Cubra as tomadas. Também é preciso impedir que as crianças fiquem sozinhas em locais como banheiro molhado, perto do fogão, perto de janelas ou na porta da rua. Se ela está na creche, procure conhecer bem o local e ascrecheiras e esteja presente e interessado nas atividades da escolinha e do seu filho. Mantenha esses cuidados durante toda a vida escolar. Dos 3 aos 5 anos A criança é muito ativa; fala sozinha; inventa “amigos imaginários”; colabora com seus pais e professores e espera a aprovação deles. Nessa fase ela está testando os limites do que pode e não pode fazer. Costuma tocar seus genitais e fazer per- guntas sobre como nascem os bebês. Explique sempre seus motivos quando disser não. Eduque seu filho por meio de brincadeiras. Brinque sempre com ele. Quando sair com ele, leve algo para distraí-lo, como um brinquedo. Responda às perguntas sobre sexo, na medida em que surgem e de forma bem simples. Dos 6 aos 11 anos As crianças começam a se relacionar em sociedade e podem acontecer situações de conflito na família e na escola. Por outro lado, a criança já é capaz de escutar e entender as razões dos outros. Gostam de se relacionar com outras crian- ças por meio de conversas ou jogos e de explorar o mundo correndo e pulando. Cada vez mais, ela consegue repartir os brinquedos É uma fase de muitos acidentes, brigas com irmãos e também de muita bagunça. Já têm consciência sobre as atitudes que sociedade espera de um homem e de uma mulher. A influência do grupo de amigos começa a ficar mais forte. É o momento para os pais, mães e educado- res apresentarem com clareza os valores e os limites de comportamento que acham impor- tantes, envolvendo mais responsabilidades de acordo com a idade. É sempre bom explicar a importância dos estudos e da rotina. Os pais são tomados como modelos de com- portamento. As atitudes familiares dizem mais que as palavras. Assim como se devem impor limites e chamar a atenção para a importância de se respeitar os outros e as regras, também é necessário valorizar as crianças pelo bom comportamento e elogiá-las por suas conquistas. É importante que a criança participe das deci- sões familiares e que seus desejos e vontades sejam levados em consideração. Os pais devem estar de acordo sobre a edu- cação do filho. Quanto mais velho, mais ele percebe as contradições entre os pais. Fonte: Cuidar sem violência todo mundo pode – Guia Prático para Famílias e Comunidades – Instituto Promundo. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 10 Você sabe como deve proceder para a criança crescer de forma saudável? A televisão é um importante veículo de informação e repasse de valores, mas nem sempre a programação é adequada às crianças. É imprescindível que os pais selecionem os programas que possam contribuir com a formação da criança e do adolescente. No entanto, não podemos deixar que a TV seja a única fonte de entrete- nimento dessa faixa. A música também é um canal de transmissão de valo- res. Os pais devem selecionar o repertório apropriado a cada faixa etária, debater com os filhos as músicas que por ventura estejam ouvindo ou cantando e que tenham cunho pejorativo, para desenvolver senso crítico e des- cartar, por exemplo, as que possuem letras de incentivo à violência contra a mulher. O lúdico adequado a cada idade é crucial no desenvol- vimento de capacidades e habilidades da pessoa humana. Sendo o brincar a principal atividade das crianças, vão vivenciando experiências e internalizando o funcionamento do mundo adulto. Nessa fase de aprendizado acelerado e de descobertas, é importante se relacionar com adultos e com outras crianças. A família deve proporcionar um ambiente seguro e livre de acidentes para que as crianças possam explo- rar, tocar, mexer, cantar, dançar. Além disso, os pais devem reservar um tempo para interagir com os filhos, brincar, estimular a leitura, contar estórias, passear, incentivar novas atividades, elogiar suas pequenas conquistas, monitorar as tarefas escolares. Sabemos que, com a vida agitada no dia a dia, não sobra tempo para essa interação, mas esses momentos lúdicos e de atenção devem ser prioridade. Uma estratégia é buscar atividades que a criança goste e que também agradem ao adulto. Isso faz bem para toda a família. A criança, por ser totalmente dependente de seus responsáveis, fica insegura quando vê seus pais sain- do de casa para o trabalho. Muitas vezes espera o dia inte iro na porta aguardando a volta do pai ou da mãe. Dessa forma, é necessário conversar com a criança e informar que na hora do almoço, jantar ou noite estará de volta para que ela sinta que não foi abandonada. Portanto, além da fantasia, a criança precisa e tem direito de estudar, estar a salvo de todas as formas de opressão, viver em local seguro e protetor, ou seja, crescer em famílias onde estejam livres da violência e te- nham os cuidados que precisam para se desenvolver. A importância do referencial familiar Nosso referencial tem importância na vida de nos- sos filhos, pois existe uma tendência a repetir nossas histórias de vida. Os pais e responsáveis, querendo ou não, são modelos de comportamento para a criança e Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 11 o adolescente. O cérebro apreende mais rápido e com consistência aquilo que vê, de tal modo que as atitudes familiares dizem mais que as palavras, o que exige uma avaliação constante de seus atos. Assim, devemos fazer uma reflexão e verificar quais são os valores e crenças que estamos passando para nossos filhos. A maneira como os pais expressam e administram sentimentos torna-se um modelo que será lembrado por seus filhos em suas vidas. As crianças absorvem tudo que os pais fazem. Assim, quando os pais adotam comportamentos negativos sobre tudo e todos, ensinam a não ver o lado positivo. Um padrão de agressividade na família pode ensinar crianças que esta é uma forma natural de re- solver conflitos. O uso de substâncias químicas, álcool, fumo, auto-medicação ou comportamento ansioso ou discriminatório pode ser uma influência danosa para os filhos. Quando os pais buscam apoio no cônjuge, nos amigos e na família, e em troca proporcionam apoio e afeto, mostram o valor da gratidão e também que precisamos dos outros. Por outro lado, quando resolvem os proble- mas sozinhos sinalizam que somos capazes de buscar a solução, através de forças interiores. Esses modelos fortalecem a criança e adolescente para lidar com adver- sidades no futuro. O reconhecimento do que fazemos bem é uma for- ma de motivação e satisfação pessoal. A família que tem o hábito de elogiar as ações (tarefas domésticas realizadas, contribuição na comunidade, escola, igre- ja), comportamentos (generosidade, responsabilidade, sinceridade) além de êxitos e habilidades (escolares, esporte, artísticos, no trabalho...), possibilita fortalecer a autoestima de seus membros e os vínculos afetivos. A negociação que é estabelecida entre o casal, o compartilhar tarefas domésticas, o respeito nas relações amorosas são legados importantes para a prole, além de modelos para os relacionamentos futuros. Destacamos que a demonstração de afeto para com os filhos exige atitudes. Não basta dizer “amo você”. As palavras precisam ser acompanhadas de gestos de carinho, aceitação, afeição, apreciação e atenção ao que sentem e dizem. Crianças que sentem que são amadas e aceitas estruturam recursos próprios indispensáveis para perseguir seus objetivos, criar laços com outras pessoas, se defender de situações de risco, além de desenvolver respeito por seu valor pessoal. Você conhece os direitos da criança e do adolescente? As crianças e adolescentes não são propriedade dos pais. São pessoas que possuem direitos e precisam ser respeitadas de acordo com suas características e necessidades individuais. Conforme o artigo 227 da Constituição Federal doBrasil, “É dever da família, da sociedade e do Estado asse- gurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivên- cia familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Art. 5° – “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discri- minação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Um instrumento que ajuda a fazer cumprir as leis é o Conselho Tutelar. A sociedade e a família podem recorrer a esse órgão sempre que os direitos das crianças forem desrespeitados. Ressaltamos que ao nascer o bebê tem direito a Certidão de Nascimento. Qualquer Cartório de Registro Civil ou hospital com esse serviço pode emiti-la gratuitamente, garantindo o direito de Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 12 cidadania, que permite o acesso aos serviços de saúde, educação e outros. Nessa fase, a criança deve ser vacinada, conforme o calendário do Cartão da Criança, para prevenir doenças. Portanto, é de suma importância cuidar, conhecer e educar crianças e adolescentes para que possam impulsionar seus direitos e garantir sua proteção. Direitos da criança e adolescente Direito de ser respeitado Direito a dar sua opinião nas decisões da família Direito de mudar de ideia Direito de escolher livremente Direito de viver sem medo Direito de não ser maltratado Direito de sentir raiva pelas palavras que ouve e pancadas que leva Direito de mudar sua situação Direito de pedir e receber ajuda Direito de não estar isolado e de compartilhar seus sentimentos Direito de dizer o que pensa e sente Direito de não ser perfeito Direito de ser diferente. Fonte: Adaptação: Cuidar sem violência todo mundo pode – Guia Prático para Famílias e Comunidades – Instituto Promundo Concluindo, a criação dos filhos exige muito mais que alimentação e vestuário. É necessário aten- ção, amor, proteção, monitoramento, interação com os pais, referencial construtivo, reconhecimento e acesso aos seus direitos para o pleno desenvolvimento, nas suas diversas fases. Referências Bibliográficas PROMUNDO e CIESPI. Cuidar sem violência, todo mundo pode. Fortalecendo as Bases de Apoio e Comunidades para Crianças e Adolescentes. Disponível em www.promundo.org.br. UNICEF. Kit Família Brasileira Fortalecida. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pt/ resources_10178.htm. NOLTE, D.L; HARRIS, R. As crianças aprendem o que vivenciam. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. VILELA, Laurez (coord.). Manual para Atendimento às Vítimas de Violência na Rede Pública do DF. Se- cretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Brasília, 2008. 13 NegligÊNcia – estratégias PreveNtivas Ana Lucia Correa e Castro* “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. Art. 4º do Estatuto do Idoso. “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, maus-tratos, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Artigo 5° do Estatuto da Criança e do Adolescente. “É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal”. Artigo 8° do Estatuto da Criança e do Adolescente A legislação brasileira, no tocante a temas sociais, é tida como uma das mais avançadas do mundo. A Constituição Federal, base de todas as demais legislações, observa no artigo 3º, nos ob- jetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento nacional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (IV) promo- ver o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Fica explícita a busca de uma sociedade onde respeito, cuidado, atenção, proteção, prevenção, assistência das pessoas e, consequentemente, das famílias, fazem parte de um projeto nacional. Neste âmbito, as relações, sejam individuais ou institucio- nais, não toleram qualquer situação que viole o paradigma acima exposto. A violência seja qual for sua expressão, tipo ou intensidade, se constitui uma violação dos direitos do cidadão. Neste contexto se inscreve a negligência, porta de entrada para as demais situações de violência. No âmbito deste trabalho, entende-se negligência como a omissão de responsabilidades da fa- mília, sociedade e/ou Estado em suprir as necessidades básicas, físicas e emocionais, em relação a pessoas em situação de vulnerabilidade em face de idade e/ou situação permanente ou temporária de vida. No tocante a pessoas vulneráveis, pode-se citar crianças, adolescentes, gestantes, puérperas, usuários com patologias graves, acometidos de transtorno mental grave, acidentados, portadores de necessidades especiais, idosos, dentre outros. Conforme a intensidade do dano, uma negligência pode ser enquadrada como moderada ou se- vera. Na primeira, o fato desencadeador e as consequências não geram danos graves e não houve intencionalidade. Na negligência severa, havendo ou não a intenção, configuram-se prejuízos físicos e psíquicos podendo levar a sequelas graves, irreversíveis, inclusive à morte. Também se enquadra nesta categoria família com polireincidência de denúncias ou serviço que, por omissão ou descaso, agrave a situação da pessoa vulnerável. O dano emocional proveniente de negligência tende a causar sequelas, uma vez que o sofrimento psíquico intenso pode desdobrar-se em quadros ansiosos, medo, fobia, delinquência, agressividade, dificuldade na aprendizagem, diversos transtornos, inclusive de comportamento, suicídio e outros. A negligência, familiar ou social, também pode levar à delinquên- cia ou mesmo à criminalidade. * Assistente Social. Terapeuta Familiar. Especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. Especialista em Saúde Mental. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 14 O processo preventivo, apesar de considerar as situações de risco, deve investir na perspectiva das possibilidades, tendo como lócus principal a comunidade, onde famílias sejam escutadas na busca de soluções e participem da promoção e desenvolvimento local. Instituir ambiente social e doméstico que proporcione condições de segurança física e emocional, cidadania, aceitação, autoestima, autonomia, cuidado, atenção, aconchego e demais construções que atendam, pelo menos, a necessidades básicas do ser humano, é um desafio que merece ser enfrentado. Ao se deparar com situação negligente, o profissional precisa estar atento para intervir em situa- ções aparentemente simples, mas que trazem no bojo um olhar de pouca atenção às necessidades para com aquele que está sob sua responsabilidade. Isto é válido para cuidadores de pessoas vulne- ráveis que precisem de supervisão sistemática. Identificados os sinais e sintomas, evite intervir no dano utilizando comparações de uma história de vida com a de outrem, pois causam paralisações e resistência, dificultando mudanças. Na abordagem de negligência simples, busca-se compreender o contexto e, junto com a família, traçar alternativas possíveis de serem implementadas. No tocante à negligência severa ou grave, após a notificação, inserir os responsáveis em programa/atividade direcionado a mudançasna relação doméstica. O prognóstico da vítima pode ser bem reservado, dependendo do comprometimento emocional e/ou físico. É preciso acreditar que, em algum patamar, a intervenção técnica pode chegar à mudança de trajetória, não só para a situação vigente, como também para prevenir nas gerações vindouras. Formas de negligência No campo da Saúde: vacinas em atraso, doenças crônicas não tratadas ou com acompa- nhamento irregular, descaso ou longos períodos sem atendimento médico, padrão de cres- cimento deficiente, obesidade por falta de atenção, perdas constantes do cartão de saúde, desnutrição, descaso no tratamento dentário, não se engajar no pré natal, privação de me- dicamentos, responsáveis não realizam conduta protetiva; não acompanhamento adequado, sendo levado apenas a serviços de emergência, acidentes repetiti- vos, agravo passível de prevenção, danos na pele sem tratamento, por uso de fraldas ou imobilização na cama, etc. Na área de Educação: excesso de faltas escolares, criança/adoles- cente fora da escola, não acompanhamento no andamento escolar, hiper ou hipo-atividade sem cuidado, não matricular no período per- tinente, etc. Desleixo da família: criança com a aparência descuidada e suja, fezes e urina pela casa, ambiente físico muito sujo ou lixo ao redor deste, recusa de acolhimento ou expulsão de crianças/adolescen- tes/idosos bem como a não busca para localizar a pessoa evadi- da, a ausência de documentos, vestuário incompatível com o clima, ausência de rotinas domésticas, roupas, alimentação ou outro indi- cador que traduza tratamento desigual entre os filhos ou mesmo privilegiando os pais, anuên- cia aos menores para o uso de álcool ou drogas, não acesso aos direitos de filiação, convivência familiar, etc. Ausência de supervisão dos responsáveis: crianças pequenas sozinhas em casa ou constante- mente fora de casa, em festas populares, em casa de vizinhos, nas ruas, em abandono, sem cinto de segurança, vestimentas e alimentação ina- dequadas, pedintes nas ruas. Crianças, adolescentes e idosos são muitas vezes deixados sozinhos por di- versos dias ou mesmo por muitas horas, chegando a perecer em consequência de acidentes domésticos, inanição e desidratação; não colocar limites; gravidez precoce; prostituição e indiferença. Acidentes previsíveis como: quedas da cama, berço, janelas, escadas, banheiras, carro, na casa face a tapetes, pisos escorregadios; Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 15 asfixias por objetos pequenos, brinquedos, travesseiros, fios de telefone, saco plástico, peda- ços grandes de alimentos, cordão de chupeta e outros; intoxicações por medicamentos, material de limpeza, veneno de rato, cosméticos, bebida alcoólica, dentre outros; queimaduras no forno quente, tomada, ferro de passar, velas, fósforos, panelas, líquidos quentes, álcool e exposição excessiva ao sol; atropelamentos e afogamentos em piscinas, lagos, praias, banheiras, baldes e vasos sanitá- rios, crianças na garupa de motocicletas ou andando no banco da frente de um carro; Outras formas: conviver com violência a outros familiares, a permissividade, privação de con- tatos sociais, inclusive ao lazer, mãe que protege o marido em detrimento dos filhos, substi- tuição do afeto e proteção por bens de consumo, cuidados por terceiros às vezes desconhe- cidos para os pais, profissional não realizar a notificação e encaminhamentos pertinentes, assistir situação de violência sem buscar socorro, uso de drogas na gravidez. Fatores causais Apesar de ocorrer em todas as classes, a inadequada distribuição de renda e desigualdades sociais gera desemprego, exclusão social e moral, e dificuldades sócioeconômicas da po- pulação desdobrando na pobreza excessiva. Somando-se a este contexto, o pouco acesso a informações interfere no padrão de higiene, cuidado com o ambiente e o corpo, nas escolhas no manejo da alimentação, aumentando a situação de risco para a negligência. Dificuldade de acesso ao registro civil, comum no interior do País. Pouco investimento em estruturas sociais como creches, escolas com qualidade, espaço para o contra-turno escolar, crianças abandonadas, fome, população de rua e similares. Políticas públicas inexistentes ou inadequadas, como valor reduzido dos programas de com- plementação de renda, o parco ou nenhum monitoramento profissional de casos sob respon- sabilidade técnica e ausência de intersetorialidade. Valores, crenças e atitudes culturais e sociais da família sobre o cuidado infantil, atitudes coer- civas de manejo de conflitos e que justifiquem e naturalizem o comportamento negligente; Modelo transgeracional, isto é, conteúdos repassados pelos ascendentes, ex: mãe – incapaci- dade de modelo maternal por ter sido negligênciada por sua mãe. Falta de recursos financeiros e oportunidades de trabalho. Características da família em situação de risco História de negligência quando criança; Familiar ou cuidador dependente químico cria ambiente desprotegido propiciador a diversas violências, inclusive abuso sexual; Presença de grave desorganização de emocional no espaço do cuidado; Espaço doméstico extremamente sujo, produtos de limpeza e medicamentos acessíveis à criança, sem porta no banheiro e/ou quarto do casal sem delimitação; Genitor(a) portador (a) de doença mental severa ou inteligência diminuída; Passividade familiar demonstrando pouca ou nenhuma preocupação com a situação da crian- ça/adolescente, principalmente se apresentam dificuldade no controle do comportamento; Genitor(a) com baixa autoestima, severo desleixo com a higiene e aparência pessoal; Paternidade oriunda da falta de planejamento familiar, gravidez precoce com filhos indesejados; Apatia, desesperança, impulsividade, estresse, depressão, autoritarismo dos pais, bem como rejeição, descuido, desproteção, indiferença, desafeto; Papéis deficitários ou invertidos na família. Por exemplo, quando crianças são cuidadas por menores não existe experiência acumulada para que o cuidado possa ocorrer; Pouca ou nenhuma valorização, expressão de carinho e atenção ao idoso, ao jovem e ao in- fante, inclusive quando é alvo de comentários depreciativos, frieza e distanciamento. Recusa em segurar o bebê, alimentar, amamentar, repulsa pelas secreções e excrementos; Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 16 Patologia/situação crônica em membros familiares que exija atenção cuidadosa e sistemá- tica; Isolamento da família, pois não possibilita trocas e novas perspectivas; Dificuldades da família em utilizar a rede informal e as instituições de sua comunidade; Prole extensa e famílias monoparentais que sobrecarrega o responsável; Descaso em estabelecer limites e disciplina; Troca constante de parceiros expondo as crianças a valores às vezes antagônicos, como tam- bém a situações de risco para abuso sexual; Desconhecimento dos pais quanto às necessidades infantis e os diferentes estágios de desen- volvimento da criança, bem como habilidades insuficientes no manejo parental. Características de pessoas sob negligência Crianças com crescimento inadequado para sua idade; Comportamento depressivo, infantilizado, apático, submisso, agressivo, destrutivo, delin- quente, apreensivo, medo principalmente quando estão com os cuidadores/responsáveis; Expressões de grave insegurança emocional, de culpabilização, de dificuldade de auto aceita- ção ou autoestima, pouco valor de si, coloca outros como prioritários às suas necessidades; Pouco ou nenhum toque dos familiares com a pessoa vulnerável; Verbalização de autoextermínio, atitudes masoquistas. Mecanismos de proteção As principais ferramentas protetoras são a informação e o acesso. O local maisimportante é a comunidade. Instituir programa que permita o acompanhamento sistemático de famílias que desejem aprendizado nesta temática, bem como famílias em situação de vulnerabilidade social; Montar Grupos de Instrumentalização de Pais – GIP, no mínimo um em cada Regional de Saúde; Ampliar conhecimento das fases do desenvolvimento infanto-juvenil e os cuidados com crianças; Compreender a velhice com suas possibilidades e limites; Compreender os cuidados importantes na gestação e a realização do pré-natal; Garantir um pré-natal de qualidade; Alimentação adequada para as fases de vida; Portadores de necessidades especiais precisam de cuidados específicos. Uma ótima alter- nativa é buscar grupos por especificidades; No atendimento puerperal e perinatal, observar sinais de depressão pós-parto, expressões pejorativas, distanciamento ou repulsa do bebê, irritabilidade, apatia, distanciamento ou rejeição na amamentação para atendimento específico e sistemático monitoramento; Estimular o aconchego, toque como shantala, colo, canções infantis, verbalizando o seu sentimento; Resgatar aspectos culturais, histórias dos idosos; Trabalhar habilidades pessoais, familiares e na interlocução com a rede de apoio; Investir na melhora da situação econômica das famílias, principalmente as numerosas, através da profissionalização dos adultos e adolescentes e da sua capacitação para profissões com melhor remuneração, de forma a que a família possa suprir as necessidades básicas; Construir redes locais, formais e informais, conhecendo os serviços oferecidos e formas de acesso de políticas públicas para construir cenário protetivo às pessoas nos diversos ciclos de vida; Conhecer instituições religiosas ou não que favoreçam o convívio saudável e apoio familiar; Identificar entidades sociais que tenham programas de melhora da moradia ou traçar es- tratégias que favoreçam o mutirão para tal consecução; Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 17 Participar de atividades comunitárias que fortaleçam a autoestima e possibilitem treinamento no cuidado e trocas para construção de alternativas a situações desprotetoras; Instrumentalizar os organismos sociais – escolas, unidades de saúde, igrejas, creches... – para a compreensão do fenômeno, enfrentamento e formas de proteção; Estimular debates na comunidade (escola, saúde, associação de moradores...) sobre o respeito às diferenças e aos diferentes; Disponibilizar anticonceptivos com facilidade para possibilitar o planejamento familiar e prevenir a gravidez indesejada; Trabalhar projeto de vida no espaço escolar e/ou nos COSEs (Centros de Orientação Sócio Educativa); Capacitar para a convivência cotidiana na perspectiva da proteção integral; Grupo de pré-natal com gestantes adolescentes preferencialmente realizados em conjunto com o pai do bebê que possibilite trabalhar as fases da gestação, amamentação, DSTs, a maternagem, paternagem, importância de hábitos saudáveis, estimulação, compartilhar valores, crenças, dentre outros assuntos. Trabalhar a importância do vínculo para a criança. Buscar ampliar a rede de apoio destas jovens. Trabalhar com a família extensa dos jovens com ênfase naquela que irá acolher a jovem e o bebê; Grupo de Crescimento e Desenvolvimento de Crianças nas unidades de saúde, ou similares em outras instituições, que possibilitem a participação do pai e da mãe, principalmente se adolescentes, para conhecer as fases das crianças, favorecer o apoio de rede ampliada, ser espaço de trocas e monitoramento dos profissionais; acompanhar/monitorar puérperas adolescentes com especial cuidado e atenção; Empoderar famílias para que construam novas formas de relações sociais e domésticas a partir das suas habilidades, vínculos, autonomia e apoio social; Prevenção secundária e/ou terciária a partir de plano de intervenção construído em conjunto com a família e, se necessário, com organismos sociais, identificando os atores protetivos (pessoas e instituições) com monitoramento; Trabalhar o enfrentamento a partir de situações cotidianas trazidas pelos comunitários, buscando identificar qual apoio deve ser mobilizado e o paradigma para conseguirem alcançar a qualidade de convivência desejada. Engajar cuidadores e familiares de idosos em capacitações que sirvam também como espaço de trocas; Trabalhar famílias no sentido de revezamento no cuidado de pessoas com pouca ou nenhu- ma autonomia; Para os idosos é importante a segurança na residência evitando tapetes, móveis instáveis, com boa iluminação no ambiente, sem material que possa interferir na circulação domés- tica (fiações no espaço de circulação), vestuário que permita liberdade nos movimentos e sapatos com sola de borracha que calcem facilmente e sem cadarços. Utensílios com alcance facilitado. Barras de apoio, em especial no banheiro; Favorecer a auto-determinação e respeito à privacidade do idoso, espaços de ajuda mútua e atividades de lazer; Campanhas publicitárias que sensibilizem para o tema; Instrumentalizar sobre a qualidade da proteção treinando cenários de enfrentamento co- tidiano; Uso de cinto de segurança mesmo no banco traseiro dos carros e conduções escolares; Estimular para o controle social, onde os conselhos de saúde (gestor, regional, distrital) atendam às demandas reais, fortalecendo o cuidado e atenção da população. Estes são alguns olhares na complexidade que envolve a negligência. Buscou-se compreender as Formas de Negligência, Fatores Causais, Características da Família em Situação de Risco e, por fim, os Mecanismos de Proteção para o enfrentamento e consequente mudança do cenário atual da Negli- gência. Muitas outras formas de prevenção podem ser produzidas a partir de trabalhos comunitários, pois a população tem soluções que demandam escuta para captar as várias formas do cuidar. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 18 “O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro” Leonardo Boff Referências Bibliográficas BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006. _____. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. _____. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. BRASIL; Ministério da Saúde. 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Brasília: Se- cretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, 2008. 19 camiNhos Para educar sem castigo físico Código Penal Brasileiro (Lei nº 2.848 de 07/09/1940) Maus-tratos Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilân- cia, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. § 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) Para se trabalhar prevenção à violência física não se pode falar à comunidade ou a alguém sobre o tema sem ser autêntico. E, para alcançar a autenticidade, temos que acreditar realmente que o caminho para prevenir a agressão física só é trilhado por intermédio da queda de barreiras inter- nas – a começar por nós, ao mesmo tempo em que há o empenho na construção e ampliação do diálogo e respeito ao próximo. Um bom começo operacional para o referido trabalho pode ocorrer pela comunicação e discussão nos grupos onde atuamos e no diagnóstico da violência física levantado pela Saúde e outros órgãos, partindo das notificações da área. Juntos, certamente, encontraremos estratégias e alternativas de solução para a prevenção, a atenção e o encaminhamento mais eficaz dessa problemática. Educar não é uma tarefa fácil. Relacionamento e convivência é um constante aprendizado, par- tindo do princípio de que cada indivíduo é único, o mundo é dinâmico e questões vão surgindo, temos que buscar novas formas de orientação para crianças e adolescentes. O diálogo, a paciência, a orientação respeitosa, a fixação de limites e regras de convivência na família, escola e comunidade e a definição de papéis parentais ainda são alternativas viáveis. Muitos pais e responsáveis buscam formas diversas para educar seus filhos, mas não têm conhe- cimento ou prática de como discipliná-los sem o castigo físico. No entanto, existem aqueles que até conhecem, mas por processo de estresse acentuado, e expectativas irreais sobre o desempenho de seus filhos, não controlam sua raiva, descarregando a tensão com agressões físicas. O castigo físico de crianças e adolescentes é transmitido em nossa cultura, de geração a geração, como método pedagógico, sem considerar que essa prática é danosa e não resolve o problema. A palmada, a surra, o beliscão, o puxão de cabelo e outros atos similares são considerados agres- sões, além de um meio errôneo de educação, e ainda atentam contra os direitos fundamentais da criança e do adolescente à vida, à integridade física e psicológica e à dignidade. Será que bater em nossos filhos resolve?. Quando são castigados fisicamente tendem a repetir o erro de forma velada, demonstrando a falta de resultado desse método e gerando um sentimento de que não são amados. Algumas crianças fogem de casa por não tolerar a agressão daqueles que deveriam protegê-las, ficando expostas a outras violências e ao uso de drogas. Segundo Azevedo e Guerra (1996), o risco da utilização do castigo físico na educação dos filhos é a escalada da violência, além do resultado não ser eficaz como método pedagógico. Hoje você bate na criança, amanhã ela faz a mesma coisa. A reação é bater com mais força e chegar uma escalada para níveis de violência mais elevados. Também afeta negativamente sua autoestima e ainda ensina a resolver os conflitos com agressividade na família, escola e comunidade. Laurez Ferreira Vilela* * Assistente Social, Especialista em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente, Especialista em Terapia Familiar, Pós gra- duada em Educação Sexual. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 20 No entanto, outras crianças e adolescentes reagem de forma contrária ao sofrer castigo físico. Tor- nam-se limitados, inseguros, medrosos e não conseguem reagir ou se defender de agressões. Assim, a agressão física pode levar padrões de agressividade ou passividade e submissão para a vida adulta. Devemos considerar que alguns pais, depois de disciplinarem fisicamente seus filhos, apresentam sentimento de culpa, o que os leva a procedimentos permissivos na orientação de sua prole. Muitas vezes, verificamos que as pessoas têm a tendência a dizer que sofreram punição corporal na infância e que isto não lhes fez mal algum, querendo com isso significar que este tipo de ação não causa dano. Segundo Straus (1992), a razão para que os aspectos danosos desta punição sejam ignorados reside no fato de que muitas pessoas se negam a admitir que seus próprios pais fizeram algo de errado e se negam também a admitir que estão fazendo algo de errado com seus próprios filhos. Caminhos para educar criança e adolescente sem agressão física Fatores de Risco Consequências danosas do castigo físico Caminhos para prevenir a agressão física Famílias monoparentais; traumas; desilusões; iso- lamento; estresse; dificul- dades financeiras; pais e mães com histórico de maus-tratos na infância; Gravidez indesejada; de- pressão na gravidez; au- sência ou pouca mani- festação de afeto entre pai/mãe/filho; Culpar a criança pelos problemas; Fanatismo religioso; Transtorno mental; Uso de drogas. Agressividade ou submissão; Apatia; hiperatividade ou depres- são; tendências auto-destrutivas e ao isolamento; Baixa autoestima; fugas de casa; Medo dos pais; tristeza; uso de drogas; ideação e/ou tentativa de suicídio; problema de aprendiza- do; faltas frequentes à escola; Não estimular a autonomia, nem permitir elaborar normas e crité- rios morais próprios; medo; limitar o comportamento, a criatividade, a inteligência e os sentidos; Ambivalência de amor e ódio em relação os pais/responsáveis agressores; Transgressão para chamar atenção dos pais; Sentimento de injustiça; Sentimento de que não tem apro- vação e nem amor dos pais; Legitimar o abuso de poder dentro das relações familiares. Disponibilizar creches nas comunidades; Buscar apoio na rede primária: amigos e par- entes no cuidado com a criança; Possibilitar o acesso ao planejamento familiar; Incentivar interação de pais e filhosatravés do lazer; Incluir obrigatoriamente crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade em programas de saúde, educação, renda mínima, erradicação do trabalho infantil, cursos de edu- cação profissionalizante, geração de emprego e renda, microcrédito entre outros; Possibilitar o acesso ao atendimento biopsicos- social para pessoas com transtorno mental e usuários de drogas; Capacitar profissionais de educação, saúde, assistência social, esporte, cultura, segurança pública e outros para a prevenção à violência física; Fortalecer as competências familiares para educar sem agressão; Ressignificar o conceito de educação, respeito e integridade física e mental de criança e ado- lescente; Estabelecer com a criança e adolescente limites claros, coerentes e consistentes, para que saibam o que podem ou não fazer; Compartilhar valores com a criança, de acordo com a etapa de seu desenvolvimento, assim ela terá parâmetros para definir entre o correto e o errado; Dizer aos filhos o que eles devem fazer – não apenas o que não devem; Explique suas verdadeiras razões além de mostrar os riscos para eles e/ou para outras pessoas; Esteja pronto para elogiar o comportamento que você gostou, bem como repreender o comporta- mento que você não gostou; Quando eles fazem alguma coisa errada, explique- lhes o que é e de que forma poderão consertá-la; Mesmo quando você não aprecia o comporta- mento de seu filho, nunca sugira que você não gosta dele; Dedicar um tempo do dia para ficar com eles; Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 21 Fatores de Risco Consequências danosas do castigo físico Caminhos para prevenir a agressão física Procurar tomar as decisões junto com crianças e adolescentes, explicando os porquês quando a sugestão da criança ou adolescente não puder ser aceita; Ser flexível, buscar acordos justos à situação; Escutar e respeitar a opinião da criança e esti- mular a sua autonomia; Elogiar o que elas fazem bem e, no caso de uma crítica, falar sobre a ação realizada não como se fosse um problema pessoal; Procurar se colocar no lugar da criança e do adolescente para entender o porquê dela estar agindo ou pensando de uma determinada forma; Passar bons exemplos, pois a tendência é copiar os atos dos pais e responsáveis; Conhecer as possibilidades das crianças em cada uma das faixas etárias e deixá-las assumir responsabilidades segundo suas capacidades; Estabelecer regras dentro da família: Organizar brinquedos, livros, roupas e seu quarto; Ajudar nas tarefas domésticas; Respeitar as diferenças; Respeitar os pais; Respeitar os professores; Respeitar os mais velhos; Respeitar os irmãos; Respeitar os colegas. Falta de Políticas Públicas Investir em Políticas Públicas Educação de qualidade, Cultura, Esporte, Saúde, profissionalização e geração de renda; Garantir verba orçamentária específica para prevenção da violência física; Implementar políticas de creches, de ações sócioeducativas; Realizar capacitação de multiplicadores: lide- ranças comunitárias, Igrejas, profissionais de educação, saúde segurança pública, esporte, cultura, assistência, ONGs para prevenir as várias formas de violência. Ressaltamos que no início não é fácil, mas com o tempo crianças e adolescentes vão aprendendo a respeitar regras e limites. Por isso é necessário paciência, firmeza e respeito nas orientações. Os profissionais da Atenção Básica, após identificar situações de risco para agressão física e outras violências, devem comparti- lhar a situação com a equipe para traçarem estratégias de enfren- tamento. É interessante intervenção de forma coletiva (ex: visita com vários membros da equipe) de forma a configurar a questão técnica e legal, evitando ficar focalizado em um profissional. Inserir outros profissionais da Saúde, Educação, Assistência Social A violência é crime mesmo quando os adultos têm a intenção de educar a criança e o adolescente. Crianças filhas de pais que não utilizam a punição cor- poral são mais fáceis de lidar e se comportam com mais tranquilidade, pois tendem a controlar seu próprio com- portamento com base no que sua consciência informa ser certo ou errado, assim, forma seu próprio senso de responsabilidade. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 22 e outras instituições da Rede de Proteção e sensibilizar a família a buscar apoio na rede primária ampliada – parentes, amigos e vizinhos – como alternativas de proteção da criança e do adolescente e de empoderamento dos pais. Por fim, é imprescindível desenvolver ações educativas em todos os espaços, visando desconstruir a metodologia do castigo físico e construir uma nova forma de educação, uma cultura de respeito aos direitos individuais de crianças e adolescentes. É possível vislumbrar um futuro sem violência se cada um de nós contribuir para novas formas de relações sociais. Referências Bibliográficas ASSIS, Simone Gonçalves de. Crescer sem violência: um desafio para profissionais de educação. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994. AZEVEDO, M. A & GUERRA, V.N.A. A síndrome do pequeno poder. São Paulo: IGLU, 1989. BRASIL Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para prática em serviço. Secretaria de Políticas de Saúde. Brasília, 2001 (Série Cadernos de Atenção Básica; n. 8). CARDOSO, C.M.C. e CASTRO, A.L.C. “Prevenção da Violência – Estratégias e Compromisso”. In Vilela, L. – coord. Enfrentando a violência na rede de saúde pública do Distrito Federal. 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O mais grave é que não se fala, mas se permite, seja por negação de que possa existir um ato tão cruel na sociedade, principalmente dentro da família, seja por medo do agressor, medo de desestruturar a família e de reviver a história pessoalde violência. Nesse emaranhado perpetua-se o sofrimento da vítima e o fortalecimento do agressor. Por isso, é necessário falar desse problema para preveni-lo. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, define que os países signatários devem tomar “todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas” adequadas à proteção da criança, inclusive no que se refere à violência sexual. Educar é a melhor maneira de prevenir. Os pais, responsáveis, profissionais de educação, saúde e outros que lidam com essa faixa etária devem promover contextos de proteção, além de fortalecer as competências familiares para intervir nos fatores de risco, fortalecer os mecanismos protetores e reconhecer formas de violência sexual para evitar maiores danos. Conforme artigo 70 do ECA – “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. Dessa forma, a família, a sociedade e os órgãos governamen- tais e não-governamentais devem atuar na educação e na informação junto a pessoas, grupos e à comunidade em geral. Você sabe o que é violência sexual? É uma situação em que a criança ou adolescente é usado para a gratificação sexual de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseado numa relação de poder, incluindo desde carícias, manipulação da genitália, mama ou ânus, exposição de órgãos genitais à criança, toques, masturba- ção, sexo oral, anal e genital; quando uma pessoa tem prazer em observar a nudez de crianças ou adolescentes, ou ainda, após sua indução, observar os comportamentos masturbatórios ou sexuali- zados de crianças ou adolescentes; uso de linguagem erotizada, em situação inadequada; exploração sexual; pornografia e até o ato sexual com ou sem penetração e com ou sem violência física. Esta forma de violência resulta da falta de fronteiras entre as gerações, predomínio da cultura adultocêntrica, coisificação da infância e adolescência e abuso do poder econômico, da força física e/ou hierarquia. Ressaltamos que a exploração sexual de crianças e adolescentes englobam a prostituição tradi- cional, o tráfico para fins sexuais e o turismo sexual. Geralmente, a criança e o adolescente inseridos na prostituição já foram abusados por algum familiar, sendo também esses os aliciadores diretos ou coniventes com a situação. Além da família, outras pessoas lucram indiretamente com essa prática criminosa: donos de bares próximos onde adolescentes se oferecem, os donos de motéis que permitem sua entrada, os donos de boates que toleram ou incentivam a presença de menores, taxistas, que às vezes fazem a intermediação, entre outros. As causas da exploração são múltiplas: o poder do adulto, a cultura de coisificação da criança e do adolescente, o gênero feminino como objeto sexual, o mercado ascendente para o gênero mascu- lino, a má distribuição de renda, a miséria, desestruturação familiar, falta de acesso a uma rede de educação de qualidade, as migrações, o desemprego, o consumo de drogas e o trabalho precoce. * Assistente Social, Especialista em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente, Especialista em Terapia Familiar, Pós gra- duada em Educação Sexual. Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 24 Dessa forma, faz-se necessária uma intervenção intersetorial para desconstruir os aspectos cul- turais, atuar nas causas socioeconômicas e realizar capacitação para profissionais que lidam com essa faixa etária e prestadores de serviços que toleram essa prática, visando uma mudança nesse quadro. Destacamos que a dominação sexual perversa, exercida contra crianças e adolescentes, pode ser incestuosa ou não, heterossexual ou homossexual. Pode ocorrer em lugares fechados como residências, consultórios,internatos, hospitais, escolas e incluem diferentes e variadas formas de relações abusivas. É incestuosa quando o agressor faz parte do grupo familiar (pai, mãe, avós, tios, irmãos, pa- drasto, madrasta, cunhados, tutor, curador, preceptor ou por qualquer outro título com autoridade sobre ela). Nesse caso, considera-se família não apenas a consanguínea, mas também as famílias adotivas e substitutas. De acordo com a Lei nº 11.106, de 2005, artigo 226, II “A pena é aumentada: I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas; II – de metade, se o agente é ascendente, pai ou mãe adotivos, padrasto ou madrasta, tio, irmão, tutor, curador, preceptor, ou empregador da vítima, ou pessoa que, por qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela.” Sabe-se que a maioria dos agressores sexuais é algum familiar e/ou amigo íntimo da família, pessoas em quem a criança confia. A violência com frequência é cometida dentro ou perto da casa da criança ou do agressor, sendo que a maioria não é denunciada por motivos afetivos, medo de ser causador da discórdia familiar ou medo do agressor. Segundo Azevedo e Guerra (1996), os abusadores sexuais podem ser situacionais quando não há preferência sexual por crianças, mas se aproveitam de oportunidade para cometer o crime, ou pedófilos, onde o desejo sexual é voltado somente por crianças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a Pedofilia consiste na preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos ou meninas. É classificada como transtorno de personalidade que atinge a esfera psicossexual. Pedófilos violentam um número maior de crianças, uma vez que desenvolvem estratégias eficazes para abordar suas vítimas. Muitas vezes fazem parte do círculo de amizade da família e preferem a companhia de crianças a conversar com adultos. Outra estratégia comumente utilizada é usar a internet para ganhar a confiança, pois entram com perfil infantil com assuntos próprios da idade da criança, manifestando interesses a desenhos, jogos, brinquedos e outros. É importante destacar que a criança raramente mente que é molestada. Por isso, é preciso estar atento aos sentimentos envolvidos no momento do relato e desenvolver estratégias para sua proteção e responsabilização do agressor. Conhecendo os fatores de risco para prevenir Segundo a literatura, estima-se que no Brasil 165 crianças ou adolescentes sofrem abuso sexual por dia ou sete a cada hora (ABRAPIA, 2002). A violência sexual ocorre em todas as classes sociais, no entanto as estatísticas indicam que ocorrem com mais intensidade em meninas entre 07 a 14 anos, negras e pardas, das camadas po- pulares menos favorecidas. Cabe aqui uma discussão: se de fato ela é mais frequente nessa parcela da população ou se apenas ela apresenta maior visibilidade, sendo mais notificada e denunciada. Meninos também são alvos de violência sexual e, às vezes, enfrentam preconceito e a acusação de terem uma orientação homossexual. Muitas vezes a violência contra meninos é entendida pela família e outros como sendo uma ex- periência de iniciação sexual importante para o adolescente. Dessa forma, a violência passa a ser negada, dificultando sua visibilidade, seu tratamento e sua prevenção. As mães de classe de menor poder aquisitivo, não raramente, possuem parcas condições de fa- zer a supervisão de suas crianças, pois não contam com creches e outras redes de apoio enquanto trabalham, em geral, os filhos maiores cuidam dos irmãos menores. Essas mulheres muitas vezes Caminhos para uma ConvivênCia saudável na perspeCtiva da saúde 25 têm pouca informação sobre como abordar temas relativos à sexualidade com crianças e adoles- centes. Algumas mulheres dependem emocionalmente ou possuem maior grau de dependência da con- tribuição financeira do companheiro/marido. Sendo estes os maiores agressores fica difícil para elas denunciar o abuso. Essa omissão tem raízes na cultura, pois até pouco tempo o homem detinha o poder familiar, mas com a luta do movimento feminista e consequente
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