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Fichamento-LEAL-Victor-Nunes-Coronelismo-Enxada-e-Voto - Coronelismo: fenômeno que “envolve um complexo de características da política municipal” (p. 19). - Origem do termo: autênticos ou falsos coronéis da Guarda Nacional. Esse tratamento passou pelos sertanejos a ser dado a qualquer chefe político das áreas rurais. - Coronelismo como “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. Uma adaptação, uma “forma peculiar” de manifestação do poder privado em um “regime político de extensa base representativa” (p. 20). - Coronelismo como um “compromisso”: “troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras” (p. 20). - Fenômeno ligado à estrutura agrária brasileira e ao sistema representativo de sufrágio amplo -> maior parte do eleitorado nacional da época era formado por trabalhadores rurais (p. 25, nota 9) -> assim, “o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de dependência ainda é incontestável” (p. 20). - Características secundárias do sistema coronelista: mandonismo, filhotismo, falseamento do voto, desorganização dos serviços públicos locais. - O aspecto da liderança. Não só coronéis de fato, mas muitos “doutores” como chefes políticos municipais. Em algumas partes, doutores e padres atuando como líderes intelectuais, aliados dos coronéis. Rivalidades familiares na política (entre sogros, genros, filhos, cunhados, etc.): mais aparentes que reais, pois, muitas vezes, servem apenas para “atender às circunstâncias, a liderança passa de um para outro, continuando substancialmente inalterada” (p. 22). - Absenteísmo: chefes políticos que se consolidam e obtém cargos de deputados estaduais ou federais ou outros cargos na administração e negócios e retornam ao município apenas de tempos em tempos (para fins partidários). Embora se afastem, podem conservar a chefia política do município, deixando representantes (“lugares-tenentes”). - Coronel -> força eleitoral e prestígio político, consequências de sua “privilegiada situação econômica e social de dono de terras” -> “comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto” (p. 23). - Esfera de influência -> o coronel “resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais” –> jurisdição, funções policiais -> papel da capangagem e do cangaço auxiliando o coronel e, depois, das forças policiais. - A ascendência do coronel resulta de sua condição de proprietário rural, em contraposição à “massa humana que tira subsistência das suas terras [e] vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono” (p. 24). - Porém, em geral, os fazendeiros do Brasil nesse período são apenas “remediados”, isto é, vivem com relativo conforto, mas não são propriamente ricos, embora assim sejam vistos pelos trabalhadores, dadas as condições de pobreza, analfabetismo, falta de assistência médica em que estes vivem -> situação de dependência: o trabalhador rural vê o patrão como um “benfeitor” e dele recebe favores -> de tal organização econômica rural resultam os votos de cabresto. - Brasil, anos 1940: concentração fundiária. - Maior frequência da pequena e média propriedade -> explicação de Caio Prado Jr. para São Paulo - 5 fatores explicativos: 1) colonização oficial, cujo principal objetivo seria formar uma reserva de mão de obra para os fazendeiros; 2) colonização particular, que junto com a oficial, procuravam atrair correntes migratórias; 3) pequenas propriedades nos arredores das fazendas como “depósitos de braços para a grande lavoura”; 4) decomposição das fazendas pelo esgotamento da terra e crises econômicas; 5) abastecimento dos centros urbanos (gêneros alimentícios incompatíveis com a agricultura extensiva). - Explicação de Prado Jr. para o país: correntes imigratórias como fator primordial para a criação da pequena propriedade, especialmente no sul. No entanto, em São Paulo esse fator não teve tanta importância, já que a lavoura cafeeira absorveu grande parte dos imigrantes. Outros fatores: necessidade de produzir gêneros para abastecimento dos centros urbanos e decadência das fazendas (ambos não só em São Paulo, mas também em outros estados). - Contradição: “apesar do aumento numérico das pequenas propriedades no Brasil, a expressão percentual da concentração da propriedade rural não tem diminuído” (p. 27). - Para Leal (1986), as condições de permanência das grandes propriedades são cada vez mais desfavoráveis a não ser que surjam novos fatores (novas culturas, técnicas mais avanças, pecuária, etc.) para recompor ou as impedir o desmembramento das propriedades. - Censo agrícola de 1940: os pequenos proprietários (propriedades de 5 a 50 ha) e ínfimos proprietários (minifúndios de até 5 ha) representam cerca de 75% dos donos de terras, porém, suas terras correspondem a apenas 11% da área total das propriedades agrícolas do país. Por outro lado, pouco mais de 73% da área total das propriedades está nas mãos dos grandes proprietários (200 ha ou mais), que são somente cerca de 8% dos proprietários de terra. - Mais de 21% dos proprietários de terra do país são donos de minifúndios, mas suas terras não passam de 0,55% da área total agrícola do país -> pequenos e ínfimos proprietários enfrentam grandes dificuldades, dada a pouca produtividade do solo e as dificuldades para obter financiamentos -> esse quadro dos proprietários rurais mostrado no Censo de 1940 é uma demonstração da enorme pobreza dos habitantes do meio rural. - Censo de 1940: pirâmide censitária da sociedade rural – análise de Costa Pinto. Cinco categorias/classes: empregadores, empregados, autônomos, membros da família, de posição ignorada. - As categorias de “autônomos” (proprietários de pequenos tratos de terra e colonos ou rendeiros) e “membros da família” (exercem atividade em benefício de familiares ou como colaboradores dos autônomos, mas sem perceberem salário fixo ou por tarefa) suscitam dificuldades de interpretação. -> 1o) devem existir “membros da família” não só entre os “autônomos”, mas também entre os “empregados”, ainda que em número proporcionalmente menor; 2o) há diferença considerável entre o número de médias e grandes propriedades e o número de “empregadores”, o que pode ser explicado pela presença de médios proprietários que não têm empregados e por grandes proprietários que possuem mais de uma propriedade. - O autor cruza os dados sobre as propriedades e as categorias censitárias do Censo de 1940 e conclui: 66,95% da PEA ocupada em atividades agropecuárias é de não- proprietários (empregados e parceiros) e somando-se a estes os pequenos proprietários, tem-se 90, 12% da população do campo vivendo em condições precárias. Pouca diferença de condições de vida há entre empregados, parceiros e pequenos proprietários rurais. - Para o autor, esses dados revelam a situação de dependência dos habitantes das áreas rurais e explicam os votos de cabresto. - Questão das despesas eleitorais: a maior parte do eleitorado é de munícipiosdo interior, cidades em que a zona rural predomina sobre a urbana -> “São, pois, os fazendeiros e chefes locais quem custeiam as despesas do alistamento e da eleição. Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não faria o menor sacrifício por isso” (p. 35). - “O velho processo do bico de pena reduzia muito as despesas eleitorais. Os novos códigos, ampliando o corpo eleitoral e reclamando a presença efetiva dos votantes, aumentam os gastos. É, portanto, perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe é completamente indiferente” (p. 36). - O autor observa que já em 1945 e 1947 esse quadro começa a se alterar, com “traições” dos empregados aos fazendeiros, devido, provavelmente, à difusão do rádio pelo interior, os transportes ferroviários e o êxodo da população para as cidades. - Para Leal (1986), é preciso relativizar a ideia de que falta espírito público ao político local, já que as principais melhorias da localidade são obtidas por ele (escolas, estradas, postos de saúde, etc.). Através dessas obras é que “o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança” (p. 37). - Para o autor, a mentalidade municipal predomina nas eleições. - “(...) o ‘coronel’, como político que opera no reduzido cenário municipal, não é melhor nem pior que os outros, que circulam nas esferas mais largas. Os políticos ‘estaduais’ e ‘federais’ – com exceções, é claro – começaram no município, onde ostentavam a mesma impura falta de idealismo, que mais tarde, quando se acham na oposição, costumam atribuir aos chefes locais” (p. 38). - Outros fatores que explicam a liderança municipal: * Paternalismo e favorecimento de amigos: prestação de favores pessoais (arranjar emprego público, emprestar dinheiro, contratar advogado, conseguir médico, influenciar jurados, etc.), muitas vezes em uma linha tênue entre o legal e o ilícito. Considera-se que a única vergonha é perder nas eleições. * Filhotismo: colocar agregados trabalhando na administração municipal e utilizar dinheiro, bens e serviços públicos nas disputas eleitorais. * Mandonismo: “outra face do filhotismo [...], que se manifesta na perseguição aos adversários” (p. 39). Hostilidades entre o chefe local e seus adversários políticos. As tensões se agravam nos períodos próximos às eleições, mas nos outros momentos as rivalidades se atenuam e podem surgir acordos e facção dominante ganhar mais adeptos. Também há “convencimento” por meio do emprego da violência. Como os compromissos não são assumidos por princípios políticos propriamente, mas pela obtenção de coisas concretas, os pactos só duram por uma ou poucas eleições. - A “rarefação” do poder público no interior contribui para manter o status do coronel, que acaba exercendo “extra-oficialmente, grande número de funções do Estado em relação aos seus dependentes” (p. 42). No entanto, essa situação tende a mudar, com o avanço dos meios de comunicação e transportes. - Embora os partidos não possam dispensar a intermediação do fazendeiro junto aos eleitores, os coronéis não podem ser “rebeldes” e se contraporem ao poder estadual, pois, se isso funcionava no período Colonial, em meados do século XX poderia significar o enfraquecimento de sua influência. Se mantiver boas relações “entre o seu poder privado e o poder instituído, pode o ‘coronel’ desempenhar, indisputadamente, uma larga parcela de autoridade pública” (p. 43). - Outro aspecto importante do coronelismo: o sistema de reciprocidade. Enquanto os coronéis e chefes municipais conduzem os eleitores, o grupo político dominante no Estado dispõe de dinheiro e cargos públicos. - “É claro, portanto, que os dois aspectos – o prestígio próprio dos ‘coronéis’ e o prestígio de empréstimo que o poder público lhes outorga – são mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tempo como determinantes e determinados. Sem a liderança do ‘coronel’ – firmada na estrutura agrária do país –, o governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a liderança do ‘coronel’ ficaria sensivelmente diminuída.” (p. 43). - O sistema de reciprocidade opera em todos os graus da escala política. O coronel é base desse sistema. Os funcionários estaduais que vão trabalhar no município ou são escolhidos pelo chefe político local ou devem por ele ser aprovados (professoras, funcionários da saúde, promotor de justiça, coletor, etc.). Se o funcionário estadual entrar em choque com o governo local, costuma ser removido, para que o prestígio do chefe local seja mantido. A influência deste chega à nomeação de cargos federais e das autarquias. - Outro aspecto da reciprocidade: como o Estado costuma dispor de poucos recursos, prefere fazer obras e melhorias em municípios governados por aliados do poder estadual, até por conta dos votos que poderia assegurar. -> “expressão governista” do coronelismo (p. 45). - O patrimonialismo das estruturas políticas: familiarismo e outras formas de nepotismo (quem ocupa um posto de comando na estrutura política-administrativa, leva consigo amigos e parentes para ocuparem outros cargos). (Ver nota 43). - O apoio oficial para o custeio das despesas eleitorais e a utilização do (pouco) dinheiro público do município para apoio dos candidatos governistas. O Estado e a União também prestam apoio financeiro aos candidatos do governo. - O chefe político local também pode fazer o “mal”, com apoio da oficialidade estadual, principalmente com a nomeação do delegado e do subdelegado de polícia. Essas nomeações são “uma das mais valiosas prestações do Estado no acordo político com os chefes locais” (p. 47). A polícia fica sob as ordens do chefe político local e “fecha os olhos” às perseguições sofridas pelos inimigos políticos. -> regra geral: recorrer simultaneamente “ao favor e ao porrete” (uso de ameaças e violência). - Embora a oposição seja desconfortável, existiam casos de coronéis e chefes de facções municipais que não eram aliados do oficialismo estadual. Em geral, as correntes políticas municipais lutam para obter a preferência do governo estadual, para nele se “apoiarem”. - “Essência” do compromisso coronelista: “da parte dos chefes locais, incondicional apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais; da parte da situação estadual, carta-branca ao chefe local governista (de preferência o líder da facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomeação de funcionários estaduais do lugar.” (p. 50). - Problema de falta de autonomia municipal. Momentos de maior autonomia: as câmaras do período colonial (momento em que o sistema escravista e patriarcal estava em seu apogeu) e, depois, brevemente no início da República e 1934. O municipalismo é reconsiderado na constituinte de 1946. Porém, apesar de faltar autonomia legal, os chefes municipais governistas sempre tiveram ampla autonomiaextralegal. - Os candidatos não são eleitos de forma espontânea, a escolha é “mais ou menos forçada” (p. 52). Como os candidatos ao governo municipal apoiados pelo estado são os que têm mais oportunidades de fazer uma melhor administração, o eleitorado acaba condicionado a escolhê-los. - A “vista grossa” que os governos estaduais faziam sobre a administração municipal ou a “carta-branca” que davam aos chefes locais em troca de apoio nas eleições estaduais e federais fazem parte do compromisso coronelista. -> “os cofres municipais eram instrumentos eficazes de formação da maioria desejada pelos governos dos Estados nas eleições estaduais e federais” (p. 52). - A atitude dos legisladores estaduais (deputados): pactuam com o sistema coronelista para continuarem a se manter no Congresso (do Estado ou da República), continuarem na chapa do governo e continuarem a receber votos dos seus municípios de origem. - Relativizar a hegemonia social do dono de terras, pois ela não ocorre em todo o município, mas sim “em relação aos dependentes de sua propriedade, que constituem seu maço de votos de cabresto” (p. 53). Os munícipios são divididos em distritos: o distrito sede (urbano) e os distritos rurais (cada um, por sua vez, compõe-se de várias fazendas). Um só coronel não é dono de um distrito, em geral, os fazendeiros de um distrito se agrupam em torno de um deles, e os chefes dos distritos se agrupam em torno de uma liderança municipal. -> Chefias municipais muitas vezes obtidas pelo nascimento, casamento ou uma amizade protetora. - “Força aglutinadora do governo”: evita conflitos locais, ao predispor o eleitorado a votar nos candidatos governistas. - Complexidade do coronelismo, que é fruto mais da decadência dos senhores de terra do que de sua importância. Assenta-se tanto na fraqueza do senhor de terras, quanto na fraqueza da massa de pessoas desamparadas que dele depende em suas propriedades. E a maior prova da decadência dos senhores rurais é o fato de o coronelismo sacrifica a autonomia municipal para sobreviver.