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SÍNDROME CORONARIANA AGUDA SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST - resumo Harrison

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SÍNDROME CORONARIANA AGUDA SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST (Angina instável e infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST) – Harrison capítulo 294
Os pacientes com cardiopatia isquêmica são classificados em dois grandes grupos: os com doença arterial coronariana (DAC) crônica que se apresentam com mais frequência com angina estável e aqueles com síndromes coronarianas agudas (SCA). Esse último grupo inclui pacientes que apresentam infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IMCEST) no eletrocardiograma e aqueles com síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST (SCA-SEST). Esse último grupo inclui pacientes com infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST (IMSEST), os quais, por definição, apresentam evidência de necrose de miócito e aqueles com angina instável (AI) que não têm essa condição. A incidência relativa de IMSEST comparada com a IMCEST parece estar aumentando.
Fisiopatologia:
A SCA-SEST costuma ser causada por um desequilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio, o qual resulta de uma oclusão parcial do trombo que se forma em uma placa coronariana aterotrombótica rompida ou de uma erosão do endotélio da artéria coronariana. A isquemia grave ou necrose do miocárdio pode ocorrer como consequência à redução do fluxo sanguíneo coronário causado pelo trombo e embolização distal de agregados plaquetários e/ou resíduo aterosclerótico. Outras causas de SCA-SEST incluem (1) obstrução dinâmica (p. ex., espasmo, como ocorre na angina variante de Prinzmetal); (2) obstrução mecânica grave devida à aterosclerose coronária progressiva; e (3) aumento da demanda de oxigênio do miocárdio produzida por condições como febre, taquicardia e tirotoxicose na presença de obstrução coronária epicárdica fixa. 
Apresentação Clínica: 
Diagnóstico: 
O diagnóstico de SCA-SEST é, em sua maioria, baseado na apresentação clínica. Em geral, o desconforto torácico é grave e possui pelo menos um de três aspectos: (1) ocorre em repouso (ou com esforço mínimo), durando mais de 10 minutos; (2) é de início relativamente recente (i.e., nas últimas duas semanas); e/ou (3) ocorre com um padrão crescente (i.e., distintamente mais grave, prolongada ou frequente do que episódios anteriores). O diagnóstico de IMSEST é estabelecido se o paciente com esses aspectos clínicos desenvolver evidência de necrose do miocárdio, como refletido pelos níveis anormalmente elevados dos biomarcadores de necrose cardíaca. 
Anamnese e Exame Físico:
O desconforto torácico, muitas vezes grave o suficiente para ser descrito como dor forte, costuma estar localizado na região do subesterno ou, algumas vezes, no epigástrio, e se irradia para o braço esquerdo, ombro esquerdo e/ou pescoço. “Equivalentes” da angina, como dispneia, desconforto epigástrico, náusea ou fraqueza podem ocorrer em vez da dor torácica e parecem ser mais frequentes em mulheres, idosos e pacientes com diabetes melito. O exame físico se assemelha àquele de pacientes com angina estável e pode ser normal. Se o paciente possui uma grande área de isquemia do miocárdio ou um IMSEST grande, os achados físicos podem incluir diaforese; pele pálida, fria; taquicardia sinusal; terceira e/ou quarta bulhas; estertores basais e, em alguns casos, hipotensão.
Eletrocardiografia: 
A depressão do segmento ST ocorre em 20 a 25% dos pacientes; ela pode ser transitória em pacientes sem evidência de biomarcador de necrose do miocárdio, mas pode ser persistente por vários dias na IMSEST. As mudanças nas ondas T são comuns, mas são sinais menos específicos de isquemia, a menos que sejam novas e inversões profundas da onda T (≥ 0,3 mV).
Biomarcadores cardíacos:
Pacientes com IMSEST apresentam biomarcadores elevados de necrose, como troponina cardíaca I ou T, que são específicas, sensíveis e os marcadores preferidos da necrose do miocárdio. A isoforma MB da creatina-quinase (CK-MB) é uma alternativa menos sensível. Os níveis elevados desses marcadores diferenciam os pacientes com IMSEST dos portadores de AI. Há aumento e queda temporal característico da concentração de plasma desses marcadores e uma relação direta entre o grau de elevação e mortalidade. Em pacientes com uma história duvidosa, pequenas elevações da troponina, em especial se forem persistentes, podem não ser diagnósticas de uma SCA.
Avaliação Diagnóstica:
Além do exame clínico, três principais ferramentas não invasivas são usadas na avaliação da SCA-IMSEST: eletrocardiograma (ECG), biomarcadores cardíacos e teste de esforço. A angioTCC é uma opção emergente adicional. Os objetivos são (1) comprovar ou excluir infarto do miocárdio (IM) usando biomarcadores cardíacos, preferivelmente troponina; (2) avaliar isquemia em repouso (usando ECG seriados ou contínuos); e (3) detectar obstrução coronária significativa em repouso com angioTCC e isquemia miocárdica usando teste de esforço. A avaliação de tais pacientes inclui monitoração clínica para a recidiva do desconforto isquêmico e monitoramento contínuo de ECG e marcadores cardíacos, obtidos em geral à internação e 4-6 horas e 12 horas depois da apresentação. Se forem observadas novas elevações nos marcadores cardíacos ou alterações das ondas ST-T no ECG, o paciente deverá ser hospitalizado. 
Estratificação de Risco:
Os pacientes com SCA-SEST documentada exibem amplo espectro de risco (30 dias) imediato de morte, variando de 1 a 10% e um risco de novo infarto de 5 a 15% durante o primeiro ano. A avaliação do risco pode ser realizada por meio de escore do risco clínico, como o desenvolvido a partir de estudos do Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI), o qual inclui sete fatores de risco independentes. 
A presença troponina anormalmente elevada é especialmente importante, uma vez que é o seu pico, que se correlaciona com a extensão do dano ao miocárdio.
Outros fatores de risco são diabetes melito, disfunção ventricular, disfunção renal e níveis elevados de peptídeos natriuréticos cerebrais e proteína C-reativa. Os pacientes com SCA sem níveis elevados de troponina (poucas vezes encontrados com os novos testes de troponina sensíveis) são considerados como tendo AI e apresentam um prognóstico mais favorável do que aqueles com elevações na troponina (IMSEST).
Tratamento Clínico:
Os pacientes devem ser colocados em repouso no leito com monitoração ECG contínua a fim de detectar alterações do segmento ST e arritmias cardíacas. A deambulação é permitida se o paciente não tiver recidiva da isquemia (sintomas ou alterações ECG) nem apresentar elevação de um marcador de necrose ao longo de 12 a 24 horas. A conduta clínica inclui tratamentos anti-isquêmico e antitrombótico simultâneos e consideração de revascularização coronariana.
Tratamento Anti-isquêmico: 
Para aliviar e prevenir a recorrência de dor torácica, o tratamento inicial deve incluir repouso no leito, nitratos, β-bloqueadores e inalação de oxigênio na presença de hipoxemia.
Nitratos: 
Deverão ser administrados por via sublingual ou spray oral (0,3 a 0,6 mg) se o paciente estiver sentindo dor isquêmica. Se a dor persistir após três doses com intervalos de 5 minutos, recomenda-se a nitroglicerina intravenosa (5 a 10 μg/min usando linha venosa e frascos não absorventes). Os nitratos orais ou tópicos podem ser usados após a remissão da dor ou para substituir a nitroglicerina intravenosa quando o paciente estiver sem dor há 12 a 24 horas. A única contraindicação absoluta ao uso dos nitratos é hipotensão arterial ou uso de sildenafila ou outros inibidores da fosfodiesterase-5 nas últimas 24 a 48 horas.
Bloqueadores β-adrenérgicos e outros agentes:
Os β-bloqueadores constituem a base do tratamento anti-isquêmico. Eles podem ser iniciados por via intravenosa em pacientes com isquemia grave, mas isso é contraindicado na presença de insuficiência cardíaca. Recomenda-se o uso de β-bloqueadores orais com o objetivo de manter a frequência cardíaca entre 50 e 60 bpm. Os bloqueadores dos canais de cálcio que reduzem a frequência cardíaca, como verapamil ou diltiazem, são recomendados para os pacientes comsintomas persistentes ou sinais ECG de isquemia depois do tratamento com doses plenas de nitratos e β-bloqueadores, bem como pacientes com contraindicações a qualquer classe desses agentes. A terapia clínica adicional inclui os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou, se eles não forem tolerados, bloqueadores de receptores de angiotensina. A administração inicial de inibidores da hidroximetilglutaril-coenzima A (HMG-CoA) redutase intensivos (estatinas), como atorvastatina 80 mg/dia antes da intervenção coronariana percutânea (ICP) e continuada depois, tem reduzido as complicações do procedimento e as recidivas de SCA.
Terapia Antitrombótica:
Essa é a segunda base principal de tratamento. Existem dois componentes de tratamento antitrombótico: fármacos antiplaquetários e anticoagulantes.
Agentes antiplaquetários:
O tratamento inicial deve começar com o ácido acetilsalicílico, inibidor da cicloxigenase plaquetária. A dose inicial sugerida é de 325 mg/dia e doses mais baixas posteriormente. As contraindicações são sangramento ativo ou intolerância ao ácido acetilsalicílico. Na ausência de alto risco de sangramento, os pacientes com SCA-SEST, independentemente se uma estratégia invasiva ou conservadora selecionada, devem receber um bloqueador do receptor P2Y12 plaquetário para inibir a ativação plaquetária. A tienopiridina clopidogrel causa bloqueio irreversível do receptor P2Y12 plaquetário. Esse esquema deve continuar por pelo menos um ano em pacientes com SCA-SEST, em especial naqueles com um stent revestido (farmacológico), para prevenir a trombose por stent. Bloqueadores P2Y1 2 alternativos, como o prasurgel ou ticagrelor usados com ácido acetilsalicílico, devem ser considerados em pacientes com SCA-SEST que desenvolvem um evento coronário enquanto recebem clopidogrel e ácido acetilsalicílico ou são hiporreativos ao clopidogrel. Um segundo bloqueador P2Y12, prasurgel, também uma tienopiridina, atinge um início mais rápido e um nível mais alto de inibição plaquetária do que o clopidogrel. Ele deve ser administrado a uma dose de ataque de 60 mg, seguido de 10 mg/dia por até 15 meses.
Anticoagulantes:
Quatro opções estão disponíveis para que terapia com anticoagulantes seja adicionada aos agentes antiplaquetários: (1) a heparina não fracionada (HNF) é a base da terapia; (2) a heparina de baixo peso molecular (HBPM), enoxaparina, que mostrou em vários estudos ser superior à HNF na redução dos eventos cardíacos recorrentes; (3) a bivalirrudina, um inibidor direto da trombina que é equivalente em eficácia à HNF ou HBPM, mas causa menos sangramento e é usada antes e/ou durante ICP; e (4) o inibidor indireto do fator Xa, fondaparinux, que é equivalente em eficácia à enoxaparina, mas parece apresentar um risco menor de sangramento importante. O sangramento excessivo é o mais importante efeito adverso de todos os agentes antitrombóticos, incluindo agentes antiplaquetários e anticoagulantes. Portanto, a atenção deve ser direcionada para as doses dos agentes antitrombóticos, respeitando o peso corporal, a depuração de creatinina e uma história prévia de sangramento excessivo, como uma maneira de reduzir o risco de sangramento. Os pacientes que tiveram AVE apresentam risco mais alto de sangramento intracraniano com agentes antiplaquetários potentes e combinações de fármacos antitrombóticos.
Estratégia Invasiva x Conservadora: 
Múltiplos estudos clínicos demonstraram o benefício de uma estratégia invasiva precoce para os pacientes de alto risco. Nessa estratégia, depois do tratamento com agentes anti-isquêmicos e antitrombóticos, a coronariografia é realizada em cerca de 48 horas de internação, seguida da revascularização coronariana (ICP ou cirurgia de revascularização miocárdica), de acordo com a anatomia das artérias coronárias. Nos pacientes de baixo risco, os resultados obtidos com uma estratégia invasiva são semelhantes aos conseguidos com a estratégia conservadora, consistindo em medicação anti-isquêmica e antitrombótica, seguida de “observação cuidadosa” e a coronariografia é realizada apenas se a dor em repouso ou as alterações do segmento ST reaparecerem, um biomarcador de necrose tornar-se positivo, ou houver evidência de isquemia importante na prova de esforço.
Manejo em longo prazo:
A ocasião da alta hospitalar é um “momento de orientação” para o paciente com SCASEST, quando o médico pode revisar e aperfeiçoar o tratamento clínico. A modificação dos fatores de risco é fundamental, devendo o profissional de saúde conversar com o paciente acerca da importância de abandonar o tabagismo, atingir o peso ideal, praticar exercícios diariamente, controlar a pressão arterial, seguir uma dieta apropriada, controlar a hiperglicemia (em diabéticos) e normalizar os lipídeos, conforme de recomendação aos pacientes com angina estável crônica. 
Existem evidências demonstrando o benefício do tratamento em longo prazo com cinco classes farmacológicas voltadas para os diferentes componentes do processo aterotrombótico. Os β-bloqueadores, as estatinas e os inibidores da ECA ou bloqueador de receptor de angiotensina são recomendados para a estabilização das placas em longo prazo. O tratamento antiplaquetário, que atualmente recomenda a combinação de ácido acetilsalicílico de baixa dose e inibidor P2Y12 (clopidogrel, prasurgel ou ticagrelor) por um ano, com a manutenção do ácido acetilsalicílico após essa data, previne ou reduz a gravidade de trombose no caso de uma placa romper.
Angina Variante de Prinzmetal:
É causada por espasmo focal de uma artéria coronária epicárdica, causando isquemia miocárdica transitória grave e, às vezes, infarto. A causa do espasmo ainda não foi bem explicada, mas pode se relacionar com a hipercontratilidade da musculatura lisa vascular causada por vasoconstritores adrenérgicos, leucotrienos ou serotonina. 
Manifestações clínicas e angiográficas:
Os pacientes com angina variante de Prinzmetal em geral são mais jovens e têm menos fatores de risco coronarianos (exceto o tabagismo) do que os pacientes com SCA-SEST. O diagnóstico clínico da angina variante é efetuado pela detecção da elevação transitória do segmento ST com dor em repouso. Alguns pacientes também apresentam vários episódios de elevação assintomática do segmento ST (isquemia silenciosa). Elevações discretas da troponina podem ocorrer em pacientes com crises prolongadas. A angiocoronariografia mostra o espasmo transitório das coronárias como principal achado diagnóstico da angina variante de Prinzmetal. Placas ateroscleróticas em pelo menos uma artéria coronária proximal ocorrem em cerca de 50% dos pacientes e, nesses casos, o espasmo geralmente ocorre a 1 cm da placa. O espasmo focal é mais comum na artéria coronária direita e pode ocorrer em um ou mais segmentos do mesmo vaso ou em várias artérias simultaneamente. A hiperventilação ou acetilcolina intracoronariana tem sido usada para provocar estenose coronariana focal na angiografia ou para provocar angina em repouso com elevação do segmento ST para estabelecer o diagnóstico.
Tratamento:
Os nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio são os principais agentes terapêuticos. O ácido acetilsalicílico pode, em determinados casos, agravar os episódios isquêmicos, possivelmente como um resultado da sensibilidade extraordinária do tônus coronário para mudanças modestas na síntese da prostaciclina. A resposta aos β- bloqueadores é variável. A revascularização coronária pode ser útil em pacientes que também apresentam lesões obstrutivas fixas proximais, discretas, limitantes de fluxo.
Prognóstico:
Alguns pacientes com angina variante de Prinzmetal passam por uma fase aguda de atividade, com episódios frequentes de angina e eventos cardíacos durante os primeiros seis meses após a apresentação. A sobrevida em cinco anos é excelente. Os pacientes sem lesões obstrutivas ou com obstrução coronariana leve e fixa tendem a mostrar evolução mais benigna do que os indivíduos com lesões obstrutivas graves associadas. Os IM não fatais ocorrem em até 20% dos pacientesao longo de um período de cinco anos. Os pacientes com angina variante de Prinzmetal que apresentam arritmias graves durante os episódios espontâneos de dor correm maior risco de morte súbita cardíaca.

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