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Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 58 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DISCIPLINA DE MICROECONOMIA I Prof. Maurício Vaz Lobo Bittencourt Parte 2: A Teoria da Demanda 2.1 – Preferências e escolhas Existem 2 arbordagens distintas para modelar o comportamento da escolha individual do consumidor. A primeira trata as preferências e gostos dos consumidores, sumarizadas (incluídas) em suas “relações de preferência”. Essa abordagem implica na imposição de axiomas de racionalidade nas preferências dos consumidores, analisando as conseqüências destas preferências no comportamento da escolha. A segunda abordagem trata a escolha individual como uma característica primitiva, e seu procedimento inclui pressuposições que estão diretamente ligadas a este comportamento. A principal pressuposição desta abordagem inclui o axioma fraco da preferência revelada (WARP), o qual impõe um elemento de consistência no comportamento de escolha, em paralelo à racionalidade da abordagem baseada nas preferências. 2.2 – Relações de preferência Na abordagem de gostos e preferências, os objetivos dos indivíduos ou consumidores podem ser sintetizados através de uma “relação de preferência” ( ~ f ). Suponha que X é um conjunto de cesta de bens disponível. Assim, se Xyx ∈, , podemos ter que yx ~ f . Esta relação pode ser interpretada como “x é ao menos tão bom quanto y”. Assim temos: i) A relação de preferência estrita (f ) é definida por: Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 59 yxyx ~ ff ⇔ ¬ xy ~ f (ou seja, “x é preferido à y” se e somente se “x é ao menos tão bom quanto y”, mas não o inverso). ii)A relação de indiferença (~), é definida por: yxyx ~ ~ f⇔ e xy ~ f (ou seja, “x é indiferente à y” se e somente se “x é ao menos tão bom quanto y” e “y é ao menos tão bom quanto x”). A hipótese de racionalidade é definida por duas pressuposições básicas: As relações de preferências devem ser completas e transitivas. Definição: A relação de preferência ( ~ f ) é racional se a mesma apresenta as seguintes propriedades: (i) Ser completa: para yx,∀ ∈ X, temos que xy ~ f ou yx ~ f ou ambos (indiferença). (ii) Transitiva: para zyx ,,∀ X∈ , se temos que yx ~ f e zy ~ f , então zx ~ f . (i) implica que o indivíduo tem uma preferência bem definida entre 2 possíveis alternativas. (ii) É uma forte pressuposição. Adicionalmente, temos que se ~ f é racional, então: a) f é irreflexiva ( xx f não é possível), e transitiva; b) ~ é reflexiva (x ~ x ∀ x), transitiva (se x ~ y e y ~ z, x ~ z) e simétrica (se x ~ y, então y ~ x); c) Se zyx ~ ff , zx f . 2.3 – Funções Utilidade As funções utilidade descrevem as relações de preferência. Uma função utilidade u(x) atribui um valor numérico para cada elemento de X. Isso cria um ranking dos elementos de X, de acordo com as preferências individuais. Definição: Uma função u: x → ℜ é uma função utilidade representando a relação de preferência ~ f se, Xyx ∈∀ , , temos: ( ) ( )yuxuyx ≥⇔ ~ f . Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 60 u(x) não é única, e qualquer função estritamente crescente f: ℜ→ℜ, v(x) = f(u(x)) é uma nova função utilidade representando as mesmas preferências que u(.). Apenas o “ranking” das alternativas é que importa. As propriedades de u(x) que são invariantes a qualquer transformação crescente são chamadas ordinais. As transformações que modificam as propriedades de u(x) são chamadas de cardinais. ⇒ A relação de preferência ( ~ f ) pode ser representada por uma função utilidade u(x) somente se esta é racional. Prova: se u(.) existe, esta deve ser transitiva e completa. Completa: Como u(.) é uma função definida em X, esta deve ser tal que qualquer Xyx ∈, resulta em u(x) ≥ u(y) ou u(y) ≥ u(x). Mas como u(.) é uma função utilidade representando preferência, isto implica que yx ~ f ou que xy ~ f . Assim, ~ f deve ser completa. Transitividade: suponha que yx ~ f e zy ~ f . Porque u(.) representa ~ f , devemos ter u(x) ≥ u(y) e u(y) ≥ u(z). Assim, u(x) ≥ u(z). Como u(.) representa ~ f , isto implica que x ~ f z . Assim, mostramos que yx ~ f e zy ~ f implicam em zx ~ f , e a transitividade é estabelecida. 2.4 – Regras de escolha Na 2ª abordagem da teoria da tomada de decisão, o comportamento da escolha do consumidor é representado por meio de uma estrutura de escolha, (β, C(.)). Esta consiste de dois ingredientes: i) β é uma família (conjunto) de subconjuntos de X; ou seja, cada elemento de β é um conjunto XB ⊂ . Por analogia à teoria do consumidor a ser vista mais tarde, chamamos os elementos de B ∈ β de “conjuntos de orçamento”. ii) C(.) é uma “regra de escolha”, onde C(B) ⊂ B para todo β∈B . Quando C(B) apresenta apenas um elemento, esta é apenas uma das muitas alternativas de escolha que estavam contidas em β . Assim, ( )BC pode ser entendido como a única alternativa viável para o consumidor. Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 61 O axioma fraco da preferência revelada (WARP) (Samuelson, 1938) O WARP é uma das restrições impostas quando utilizamos as estruturas de escolha para modelar o comportamento individual. O WARP reflete a expectativa de que as escolhas individuais observadas mostrarão uma certa consistência, mas sem pressupor racionalidade. Em outras palavras, o WARP diz que se x é escolhido quando y está disponível, então não pode existir orçamento contendo ambas alternativas, onde y é escolhido e x não o é. Definição: dada a estrutura de escolha (β, C(.)), uma relação de preferência ( * ~ f ) ou (R) é definida por: ⇔yx * ~ f existe algum β∈B tal que Byx ∈, e ( )BCx ∈ . ou (x R y) Lê-se que “x é revelado preferível a y”, ou que “x é revelado ser no mínimo tão bom quanto y”, se existe algum B∈β tal que x,y ∈ B, x ∈ C(B), e y ∉ C(B), isto é, se x é escolhido mesmo quando ambos são viáveis. Notar que esta * ~ f não necessita ser nem completa nem transitiva. “Se x é revelado tão bom quanto y, então y não pode ser revelado perferível a x”. Referência: Marcel Richter. “Revealed Preference Theory. Econometria (1966). Vol. 34(3): 634-45. (WARP) : x R x’ (onde R ⊂ ℜn x ℜn) (revelado preferível a ...) ⇒ ¬ x’P x (onde P = revelado estritamente preferível a ...) Ou seja, x’P x ⇔ (∃B)[x∈C(B) e x’∈ B\C(B)] WARP diz que se uma cesta de bens é revelada preferível à outra, então esta última não pode se revelar estritamente preferível à primeira. Assim, WARP diz que: x R x’ e x ≠ x’ ⇒ (∀B) [x’∈C(B) → (x∉B ou x∈ C(B))] Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 62 2.5 - Escolha do Consumidor Considere um vetor de commodities (ou cestas) x: ⋅ = Lx x x x . . 2 1 ; esta lista faz parte do “espaço de commodities” (ℜL). Conjunto de consumo Este é um subconjunto de ℜL, e é denotado como Lx ℜ⊂ , o qual contém cestas de bens ou vetores de commodities que os indivíduos podem consumir, dado restrições físicas determinadas pelo ambiente. Tais restrições podem ser: leis, no de horas de lazer, contrato de trabalho, consumo de um produto em locais diferentes, duração do dia, etc. O conjunto de consumoé dado por: { 0: ≥ℜ∈=ℜ= + lLL xxx }Ll ,...,2,1=∀ L +ℜ é convexo, isto é, se 2 cestas x e x’são elementos de L+ℜ , então a cesta x’’ = αx + (1- α) x’ também é um elemento de L+ℜ para qualquer α∈[0,1]. Boa parte da teoria do consumidor é desenvolvida sob o pressuposto geral de conjuntos de consumos convexos. Muitos dos resultados são válidos sem esta pressuposição (ver MWG (1995), página 20). 2.6 - Orçamentos Competitivos Como o consumidor enfrenta muitas restrições físicas, estas não são as únicas. Uma importante restrição é a financeira: seu poder de compra ou restrição orçamentária. Suponha que exista um vetor preços para cada x como: Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 63 = Lp p p p . . . 2 1 ; onde Lp +ℜ∈ e p >> 0 Assume-se que p seja dado. Ou seja, o poder de compra do consumidor depende de p e da renda w. Assim, o valor total das commodities adquiridas deve atender à restrição orçamentária. A cesta de consumo x ∈ L+ℜ é aquela pela qual: wxpxpxppx LL ≤⋅++⋅+⋅= ...2211 onde w>0 Se essa relação é válida, e combinada com lx +ℜ∈ , temos o conjunto orçamentário (Bp,w) dado por: { }wpxxB lwp ≤ℜ∈= + :, , ou seja, este é o conjunto de orçamentos competitivos ou walrasiano, que é o conjuntos de todas as cestas viáveis aos preços P e renda W. O problema do consumidor consiste, então, na escolha de x do conjunto Bp,w. No caso de L=2, temos que o consumidor escolhe a quantidade de x1 e x2 de acordo com a sua renda disponível. Assim, temos: Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 64 { }wpxx L ≤ℜ∈ + : → hiperplano orçamentário Para qualquer x’ que esteja no hiperplano orçamentário, temos que px’ = p x = w. Assim, p∆x = 0 para ∆x = (x’- x ’), como mostra a figura abaixo: O conjunto orçamentário é convexo, ou seja, se as cestas x e x’ são elementos de Bp,w, então a cesta x’’ = αx + (1-α)x’ também o é. Como px ≤ w e px’≤ w, temos que px’’ = α(px) + (1-α)(px’) ≤ w. Assim, x’’∈ Bp,w = {x∈ L+ℜ : px ≤ w}. Bp,w é convexo, sempre que L+ℜ seja convexo. Bp,w x2 x1 ( 2211 , xpxp ++ ) p x' x P( )21, xx ∆x = (x'- x ) Bp,w x2 x1 { }wpxx L =ℜ∈ + : w/p2 w/p1 Inclinação = - p1/p2 Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 65 2.7 - Funções de Demanda e Estática Comparativa Função de demanda é o valor único da correspondência de demanda x(p,w), dado o par p e w. Assume-se que x(p,w) seja HDG “0” e que a renda seja totalmente consumida. (Lei de Walras). Mas se a correspondência (ou função) da demanda atende o WARP e a viabilidade orçamentária, x(p,w) é HDG “0”, em p e w. Ou seja, x(αp,αw) = x(p,w) para qualquer p,w e α > 0. HDG “0” ⇒ ( ) ( )wpxwpx ,, =αα wpwp BB αα ,, = Lei de Walras implica em: px = w 0>>∀x ( )wpxx ,∈ A lei de Walras diz que o consumidor gasta toda a sua renda. Esta lei significa também que o consumidor gasta totalmente seus recursos por todo o seu ciclo de vida, ou seja, permite um orçamento intertemporal (poupar hoje para gastar amanhã). A HDG “0” implica que pode-se normalizar pl = 1 ou w =1 para um dos L+1 argumentos do conjunto x(p,w). Considerando que x(p,w) seja sempre de valor único, podemos escrever: ⋅ = ),( . . ),( ),( ),( 2 1 wpx wpx wpx wpx L Estática comparativa Efeito renda Para p fixos, a função da renda x( p ,w) é chamada de função de Engel. Sua imagem em L +ℜ , ( ){ }0:, >= wwpxEp , é chamada de “caminho de expansão da renda”. Assim temos: Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 66 Onde: w< w’< w” ( ) ⇒ ∂ ∂ w wpxl , Efeito renda para a l-ésima cesta de bens Alguns casos: (L=2) 1) x2 x x’ x1 x2 x1 wpB , ',wpB ",wpB caminho de expansão Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 67 ( ) 0.1 > ∂ ∂ w x ( ) 0.2 > ∂ ∂ w x x1 e x2 são bens normais 2) ( ) 0.1 > ∂ ∂ w x ( ) 0.2 = ∂ ∂ w x x1 é normal e x2 é neutro 3) ( ) 0.1 = ∂ ∂ w x ( ) 0.2 > ∂ ∂ w x x1 é neutro e x2 é normal x2 x x’ x1 x2 x x’ x1 Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 68 4) ( ) 0.1 > ∂ ∂ w x ( ) 0.2 < ∂ ∂ w x x1 é normal e x2 é inferior Assim, temos que: ( ) ( ) ( ) L l w w x w x wpxD ℜ∈ ∂ ∂ ∂ ∂ = . . . . . , 1 Efeito preço Computa-se: ( ) 0, > ∂ ∂ k l p wpx ou ( ) 0, < ∂ ∂ k l p wpx Bens substitutos só existe na demanda hicksiana. ( ) 0. > ∂ ∂ l l p x → Bem de Giffen (sendo que neste caso o bem deve ser inferior) x2 x x’ x1 Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 69 Temos: ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ = L LLL L p p x p x p x p x p x p x p x p x wpxD . ... . . ................................ ................................ ................................ ............ . . . ... . . , 21 2 2 1 2 1 2 1 1 1 Referência: Deaton e Muellbauer (1980) Implicações da homogeneidade e lei de Walras nos efeitos renda e preços HDG “0” → ( ) ( ) ( ) ( ) 0,, ,, =−∴ = wpxwpx wpxwpx αα αα A partir desta relação, temos a seguinte relação de Euler: ( ) ( ) ∑ = =⋅ ∂ ∂ +⋅ ∂ ∂L k l k k l w w wpxp p wpx 1 0,, Ll ,...,2,1=∀ ou Esta expressão pode ser reescrita em termos de elasticidade, como: Ou seja, uma mesma mudança em todos os preços e renda leva a nenhuma mudança na demanda. ( ) ( ) 0,, =+ wwpxDpwpxD wp ( ) ( )∑ = =+ L k lwlk wpwp 1 0,, εε Ll ,...,2,1=∀ Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 70 Onde: Se x(p,w) atende à exaustão de renda (lei de Walras), temos wp,∀ : 1) Lk ,...,2,1=∀ (propriedade de Cournot) 1) implica que a despesa total não muda quando os preços mudam. 2) (propriedade de agregação de Engel) 2) implica que a despesa total deve mudar na mesma proporção que mudanças na renda. 2.8 – WARP e a Lei de Demanda (seção 2.F de MWG (1995), páginas 28 – 36) 2.9 - Teoria Clássica da Demanda Seguindo a abordagem baseada nos “gostos e preferências”, assume-se que as preferências sejam racionais, resultando de funções preferências completas e transitivas. Agora iremos discutir 2 propriedadesdas ~ f : monotonicidade e convexidade. Relações de preferências: propriedades básicas ( ) ( ) ( )wpx p p wpx wp l k k l lk , , , ⋅ ∂ ∂ =ε ( ) ( ) ( )wpx w w wpx wp l l lw , , , ⋅ ∂ ∂ =ε ( ) ( )∑ = =+ ∂ ∂ ⋅ L l k k l l wpxp wpxp 1 0,, ( ) ∑ = = ∂ ∂ ⋅ L l l l w wpxp 1 1, Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 71 Preferências monotônicas se referem ao fato dos consumidores “preferirem mais a menos”. (Varian segue a mesma definição, ao contrário do Kreps). Definição: ~ f em X é monotônica se Xx ∈ e xy >> implica xy f . ~ f é fortemente monotônica se y ≥ x e y ≠ x implica que xy f . Definição: ~ f é localmente não-saciada em X se para Xx ∈∀ e todo 0>ε , existe y ∈ X tal que ε≤− xy e xy f . Conseqüências imediatas da não-saciedade local: i) O consumidor vai sempre esgotar a sua renda disponível, ou seja, ele/ela vai sempre escolher seu consumo na fronteira Bp,w. ii) Não-saciedade local elimina a possibilidade de existir curvas de indiferença “espessas”. Convexidade: Como as ~ f são convexas, as mesmas determinam as trocas dos diferentes bens que o consumidor deseja fazer. Definição: ~ f é convexa em X se Xx ∈∀ o conjunto de contorno superior { }xyXy ~ : f∈ também é convexo. Ou seja, se xy ~ f e xz ~ f , então ( ) xzy ~ 1 fαα −+ , para [ ]1,0∈α . x2 x y ε x1 Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 72 A convexidade de X implica na existência de taxas marginais de substituição (TMS) decrescentes entre as cestas. Convexidade ≅ diversificação de consumo, pois uma combinação entre x e y não pode ser pior que x ou y. Obs.: No caso da não-convexidade, a maioria dos resultados obtidos aqui também são válidos; a não-convexidade pode ser incorporada sem problemas na demanda agregada. Definição: uma relação preferência monotônica em Lx +ℜ∈ é homotética se todos os conjuntos de indiferença estão relacionados pela mesma expansão proporcional, isto é, yx ~ , ou yx αα ~ para qualquer 0>α . x2 x1 x y yα xα x2 x1 x y z ( )zy αα −+ 1 X {y∈ℜL+: y ~ f x} Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 73 Preferência e utilidade A existência de uma ~ f contínua, isto é, o conjunto de contorno superior { }xyXy ~ : f∈ e o conjunto de contorno inferior { }yxXy ~ : f∈ são ambos fechados, implica na existência de uma função utilidade u(.) que representa ~ f . Obs.: A partir de agora, assumimos que a relação de preferência do consumidor é contínua e pode ser representada por uma função utilidade contínua. Como já foi visto, a u(.) que representa a relação preferência ~ f não é única. Qualquer transformação estritamente crescente de u(.), digamos v(x) = f(u(x)) também representa ~ f . Se ~ f é contínua, existem algumas funções utilidade contínuas representando ~ f , apesar de nem todas as u(.) que representam ~ f serem contínuas. 2.10 - O problema da maximização da utilidade (PMU) Vamos, agora, estudar o problema da maximização do consumidor. Assume-se, apartir de agora que o consumidor tem uma relação de preferência ( ~ f ) racional, monotônica, localmente não-saciada, e contínua, onde u(.) representa estas preferências. Assume-se que o conjunto de bens é dado por LX +ℜ∈ . O PMU consiste em: MAX u(x) w >0; p >>0 x ≥ 0 s.a. p.x ≤ w O consumidor escolhe uma cesta de bens no conjunto orçamentário { }wxpxB Lwp ≤⋅ℜ∈= + :, de modo a maximizar o nível de utilidade. Definição: Se u(.) é contínua (e p >>0), então o PMU tem solução única. A correspondência ou função demanda marshaliana (walrasiana ou ordinária) O conjunto de vetores ótimos de consumo no PMU, para cada para (p, w) >>0, é dado por ( ) Lwpx +ℜ∈, , e é chamado de correspondência de demanda Walrasiana. Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 74 Exemplo: L=2 Quando x(p,w) apresenta um valor único para todo (p,w), nos referimos a esta como função demanda walrasiana. x2 x1 ( )wpx , ( ).u x x’ x’’’ x’’’’ x’’ ⇒ Correspondência de demanda x2 x1 ( )wpx , wpB , ( ){ }uyuy L ~: =ℜ∈ + ( ) ( )( ){ }wpxuyuy L ,: =ℜ∈ + ⇒ Função de demanda )),((~ wpxuu < Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 75 As propriedades da correspondência de demanda ( )wpx , são: i) HDG “0” em (p,w), ou seja ( ) ( )wpxwpx ,, =αα para qualquer p,w e 0>α ; ii) Lei de Walras: wxp =⋅ ),( wpxx ∈∀ ; iii) Convexidade Se ~ f é convexa, e u(.) é quase-côncava, então ( )wpx , é um conjunto convexo. Além eeedisso, se ~ f é estritamente convexa, e u(.) é estritamente quase-côncava, então yy ( )wpx , apresenta apenas um elemento. Se u(.) é contínua e diferenciável, existe uma cesta de consumo ótima ( )wpxx ,* ∈ a qual pode ser obtida das CPO do PMU. As consições de Kuhn-Tucker (necessárias) dizem que se x* é a solução para o PMU, então existe um multiplicador de lagrange 0≥λ tal que, para todo l =1,2,...,L,temos: ( ) l l p x xu ⋅≤ ∂ ∂ λ * Com igualdade se 0* >lx . Assim temos que: ( ) ( )[ ] 0** * =⋅−⋅ ⋅≤∇ pxux pxu λ λ Para um ótimo interior, onde x* >> 0, temos: ( ) pxu ⋅=∇ λ* Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 76 Exemplo: L=2 Assim temos: x2 x1 ( )wpx , wpB , 2 1 p pinclinação −= p ( )*xu∇ SOLUÇÃO DE CANTO 12MRSinclinação −= x2 x1 ( )wpxx ,* ∈ wpB , ( ) ( ) 2 1 12 2 1 . . x u x u MRS p pinclinação ∂ ∂ ∂ ∂ −=−=−= p ( )*xup ∇=⋅λ SOLUÇÃO INTERIOR ( ) ( ) ( )*,* * xMRS p p x xu x xu kl k l k k l l ⇒= ∂ ∂ ∂ ∂ Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 77 No caso do gráfico representando a solução de canto, temos que para x*2 = 0, MRS12(x*) > p1/p2, ou seja, esta desigualdade se dá porque o consumidor não pode reduzir x2* além de zero (ou aumentar x1*). λ nos dá o valor marginal, ou sombra, de se relaxar a restrição no PMU. Assim, λ = valor da utilidade marginal da renda (riqueza) no ponto de ótimo. Considere o caso onde ( )wpx , é uma função diferenciável e ( ) 0, >>wpx . Pela regra da cadeia, a mudança na utilidade de um incremento marginal em w é dada por: ( )( ) ( )wpxDwpxu w ,, ⋅∇ , onde: p⋅λ .: ( ) λλ =⋅ wpxDp w , Condição de agregação de Engel (Mas-Collel pp. 55) (função demanda derivada de uma função utilidade Cobb-Douglas) Pois: p.x(p,w) = w é válido para todo w (lei de Walras) e, assim, p.Dwx(p,w) = 1. Assim, a mudança marginal na utilidade como conseqüência da mudança na renda é igual a λ (utilidade marginal da renda). Função indireta de utilidade Para cada (p, w) >>0, o valor da utilidade do PMU é definido por ( ) ( )( )wpxuwpv ,, *=ℜ∈ , para qualquer ( )wpxx ,* ∈ . ( )wpv , é a chamada “função indireta de utilidade”.Propriedades: i) HDG “0” em (p,w); ii) Estritamente crescente em w e não-crescente em p; iii) Quase-convexa, ou seja, o conjunto ( ) ( ){ }vwpvwp ≤,:, é convexo para qualquer v ; iv) Contínua em p,w. Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 78 2.11 - O problema da minimização de despesa ou do dispêndio (PMD) O PMD, dado que p >>0 e u>u(0), é dado por: MIN p.x 0≥x s.a: u(x)≥ u CPO: Para algum 0≥λ → ( )( )[ ] =∇− ∇≥ 0** * xupx xup λ λ PMU é um dual do PMD. No PMU computa-se o máximo nível de utilidade que pode ser obtido dado o nível de renda w; no PMD obtém-se o mínimo nível de renda necessária para atingir o nível de utilidade u. Sendo u(.) contínua, e que esta representa uma ~ f não-saciada (monotônica), *x representa a cesta de bens mais barata possível, de modo que se possa atingir o nível de utilidade u. Assim, tem-se: i) Se *x é ótimo no PMU, dado que w >0, então *x também é ótimo no PMD quando u(x*). O nível de dispêndio é mínimo no PMD, e vale w. x2 x1 *x { }*2 : xxpx =⋅ℜ∈ + u 'u ( ){ }uxux ≥ℜ∈ + :2 Primeira condição de Kuhn-Tucker Segunda condição de Kuhn-Tucker Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 79 ii) Se *x é ótimo no PMD quando o nível de utilidade requerido é u >u(0), então *x é ótimo no PMU, quando *xpw ⋅= . Assim, o nível máximo de utilidade no PMU é exatamente u. Função dispêndio ( ( )upe , ) Para p >>0 e u >u(0), o valor do PMD é dado por ( )upe , , e é chamado de “função dispêndio”. Seu valor é dado por: , onde *x é a solução do PMD. As propriedades de ( )upe , são: i) HDG “1” em p; ii) Estritamente crescente em relação à utilidade, e estritamente não-decrescente em p; iii) Côncava em p; iv) Contínua em p e u. $ p2 *px ( )upe , 2p ( ) *, xpwpe ⋅= Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 80 Para qualquer p >>0, w >0, e u>u(0), temos: Estas condições implicam que, para um vetor p , ( ),.pe e ( ),.pv são inversas uma da outra. Função de Demanda Hicksiana (compensada) O conjunto ótimo de vetores de bens no PMD é denotado por ( ) Luph +ℜ⊂, , e é chamado de “função ou correspondência de demanda Hicksiana ou compensada”. Obs: ( )wpx , demanda marshalliana ( )uph , demanda hicksiana As propriedades de ( )uph , são: i) HDG “0” em p; x2 x1 ( )uph , p’ p ( )uph ,' ( ){ }uxux =ℜ∈ + :2 ( ) wxpupe =⋅= *, ( )( ) wwpvpe =,, ( ) uwpv =, ( )( ) uupepv =,, Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 81 ii) para qualquer x ∈ h(p,u), u(x) = u, ou seja, não existe excesso de utilidade; iii) Convexa e única: se ~ f é convexa, então ( )uph , é um conjunto convexo. Se ~ f é estritamente convexa, então u(.) também é estritamente convexa (= yyestritamente quase-concava), resultando em um único elemento em h(p,u). Devido à equivalência do PMU e PMD, temos que: ( ) ( )wpxuph ,, = (1) ( ) ( )uphwpx ,, = (2) A expressão (1) explica a razão do termo “demanda compensada” para descrever h(p,u), através do que chamamos “compensação da renda de Hicks”, ou seja, à medida que os preços variam, h(p,u) dá precisamente o nível de demanda se a renda do consumidor fosse ajustada (compensada) o suficiente para manter o mesmo nível de u (anterior à variação nos preços). Assim, ( )uph , mantém o nível de u fixo à medida que os preços variam, em contraste com ( )wpx , , a qual mantém a renda fixa enquanto varia o nível de utilidade. x2 x1 ( ) ( )wpxuph ,, = Bp’,w Bp,w ( ) ( ) )),'(,'(,',' upepxwwpxuph HICKS =∆+= u 1p wHICKS∆ p’ >p ( ) ( )),(,, upepxuph = ( ) ( )),(,, wpvphwpx = Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 82 Demanda Hicksiana e a Lei Compensada da Demanda Como h(p,u) satisfaz a lei compensada da demanda, temos que para p’e p”: ''' pp >∴ Prova: Para p>>0, h(p,u) é ótimo no PMD, o que resulta em: ( ) ( )uphpuphp ,''',"" ⋅≤⋅ ( ) ( )uphpuphp ,'',"' ⋅≥⋅ Subtraindo os dois resultados, temos o resultado inicial: ( ) ( ) ( )( ) 0,',''''' ≤−⋅− uphuphpp (Isto pode não ser verdade no caso da demanda marshalliana) 2.12 - Relações entre demanda, utilidade indireta e função dispêndio Demanda Hicksiana e a função dispêndio Vimos que: ( ) =⋅= *, xpupe = w Para todo p,u, h(p,u) é o vetor derivadas da função dispêndio com respeito aos preços: ou para ∀ l =1,2,...,L ( ) ( ) ( )( ) 0,',''''' ≤−⋅− uphuphpp ( )uphp ,⋅ ( ) ( )upeuph p ,, ∇= ( ) ( ) l l p upe uph ∂ ∂ = , , Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 83 Prova: usando a regra da cadeia, temos: ( ) ( ) ( )[ ]uphDpuphupe pp ,,, ⋅⋅+=∇∴ ’ (*) ( )( )uphpp ,⋅∇ Das CPO do PMD: ( )( )uphup ,∇⋅= λ , e sabemos que: ( )( ) 0, =∇ uphu , pois a restrição u(h(p,u)) = u é válida para todo p no PMD. Então: Em (*), temos que o primeiro elemento da soma representa o efeito direto da variação de preços no dispêndio mantendo a demanda fixa. O segundo elemento é o efeito indireto da mudança na demanda, mantendo os preços fixos no dispêndio. Este segundo termo é zero no PMD, pois p.x neste problema é minimizado. As propriedades de ( )uphDp , : i) ( ) ( )upeDuphD pp ,, 2= ; ii) ( )uphDp , é negativa semidefinida; iii) ( )uphDp , é simétrica; iv) ( ) 0, =⋅ puphDp (Euler), pois h(p,u) é HDG “0”. A propriedade (iii) implica que a derivada cruzada de preço compensado entre os bens l e k é simétrica, ou seja, ( ) ( ) l k k l p uph p uph ∂ ∂ = ∂ ∂ ,, . Assim, l e k são substitutos se ( ) 0, ≥ ∂ ∂ k l p uph ; l e k são complementares se ( ) 0, < ∂ ∂ k l p uph . Como ( ) 0, < ∂ ∂ l l p uph , um produto deve ter pelo menos um substituto. ( ) ( )uphupep ,, =∇ Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 84 Funções demanda Marshalliana e Hicksiana Apesar da demanda hicksiana ser não observável (u não é observável), ( )uphDp , não pode ser obtida diretamente da demanda marshalliana ( ( )wpx , ). Para isso, derivamos a chamada “equação de Slutsky”. → Equação de Slutsky: ( )wp,∀ e ( )wpvu ,= , temos: ∀ l,k ou Prova: considere ),( wp e que o consumidor atinge u . Então temos ),( upew = . Sabemos que para todo (p,u), hl(p,u) = xl(p,e(p,u)). Diferenciando esta expressão com respeito a pk e avaliando a mesma em ),( up , temos: ( ) ( ) ( ) k l k l k l p upe w upepx p upepx p uph ∂ ∂ ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ = ∂ ∂ ),(),(,),(,, Como ( ) ( )uphupep ,, =∇ e ( ) ( )uphpupe ,, ⋅= , temos: ( ) ( ) ( ) ),(),(,),(,, uph w upepx pupepx p uph k l k l k l ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ = ∂ ∂ Como ),( upew = e ),()),(,(),( wpxupepxuph kkk == , temos: ( ) ( ) ( ) ),(,,, wpx w wpx p wpx p uph k l k l k l ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ = ∂ ∂ Temos: ( ) ( ) ( ) ( )wpx w wpx p wpx p uph k l k l k l , ,,, ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ = ∂ ∂ ( ) ( ) ( ) ( )',,,, wpxwpxDwpxDuphD wpp ⋅+= user Riscado Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 85 Da equação de Slutsky, temos a matriz de substituição de Slutsky: ( ) = LLLL L L SSS SSS SSS wpS ... .................. .................. .................. ... ... , 21 22221 11211 pl xl ( )wpxl , lp ( )uphl , BEM INFERIOR pl xl ( )wpxl , lp ( )uphl , BEM NORMAL Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 86 Onde: Note que ( )wpS , é computável diretamente da demanda marshalliana observável, ( )wpx , , pois Assim, ( )wpS , deve atender à 3 propriedades: - Simétrica; - Negativa semidefinida; - ( ) 0, =⋅ pwpS Temos: x2 x1 Bp’,w Bp,w ( ) ( )HICKSwwpxuph ∆+= ,,' u=u(x) 1p wHICKS∆ SLUTSKYw∆ ( ) ( ) ( )( )wpepxwpxuph ,,,, == ( ) ( ) ( ) ( )..., kl k l lk x w x p x wpS ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ = ( ) ( )uphDwpS p ,, = ( ) wupewHICKS −=∆ ,' ( ) wwpxpwSLUTSKY −⋅=∆ ,' Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 87 Demanda marshalliana e a função indireta de utilidade Vimos que: mas ( ) ( ) p wpv wpx ∂ ∂ ≠ , , (*) A partir da identidade de Roy, (*) pode ser obtida . Suponha que v(p,w) seja diferenciável em ( )wp, >>0, então a identidade de Roy é dada por: ( ) ( ) ( ) ( ) ( )wpvwpv w wpv p wpv wpx p w , , 1 , , , ∇⋅ ∇ −= ∂ ∂ ∂ ∂ −= Onde ( )wpvw ,∇ é a utilidade marginal da renda (riqueza) ou ∀ l = 1, 2, ..., L Prova: uupepv =)),(,( é válido para todos os preços. Diferenciando em relação à p, e avaliando em p = p , temos: ( ) ( ) 0),(),(,),(, =∇ ∂ ∂ +∇ upe w upepv upepv pp SLUTSKYHICKS ww ∆≤∆ ( ) ( ) ( )upe p upe uph p , , , ∇= ∂ ∂ = ( ) ( ) ( ) w wpv p wpv wpx ll ∂ ∂ ∂ ∂ −= , , , Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 88 Mas como ),(),( uphupep =∇ , tem-se: ( ) ( ) 0),(),(,),(, = ∂ ∂ +∇ uph w upepv upepvp Como wupe =),( , tem-se: ( ) ( ) 0),(,, = ∂ ∂ +∇ wpx w wpv wpvp (Identidade de Roy) Ou, das CPO: ( ) l k L k kl p wpx x wpxu p wpv ∂ ∂ ∂ ∂ = ∂ ∂ ∑ = ),( . )),((, 1 Das CPO do PMU, temos: ( ) ),(),(., 1 wpx p wpxp p wpv l l k L k k l λλ −= ∂ ∂ = ∂ ∂ ∑ = Onde: ),(),(. 1 wpx p wpxp l l k L k k −=∂ ∂ ∑ = e ( ) w wpv ∂ ∂ = ,λ Assim, temos: ( ) ),(.),(, wpx w wpv p wpv l l ∂ ∂ −= ∂ ∂ , o que resulta em: ( ) ( ) ( ) w wpv p wpv wpx ll ∂ ∂ ∂ ∂ −= , , , Para obter a demanda marshalliana, utiliza-se apenas a derivada da função indireta de utilidade com respeito a preços. Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 89 Resumindo, temos: 2.13 – Integrabilidade Se x(p,w) é gerada por preferências racionais, então x(.) deve ser HDG “0”, satisfazer a lei de Walras, e S(p,w) deve ser simétrica e negativa semidefinida em (p,w). Se observamos uma x(p,w) que apresente estas propriedades, podemos achar preferências que racionalizem x(.) ? SIM!! Estas propriedades são suficientes para a existência de preferências racionais. Este problema é conhecido por “problema da integrabilidade”, o qual começou com Antonelli (1886). Seguimos, agora, a abordagem de Hurwicz e Uzawa (1971). Interesse teórico: As propriedades descritas acima são conseqüências necessárias da teoria da demanda baseada nas preferências. Mas estas também são suas conseqüências. À medida que a demanda satisfaz estas propriedades, existe alguma relação de preferência racional que poderia ter gerado esta demanda. Das conexões entre a teoria baseada nas preferências e a teoria baseada nas escolhas, apesar das relações de preferências racionais sempre gerarem demandas com matriz de substituição simétrica, o WARP não precisa. Assim, quando S(p,w) não é simétrica, ( )wpx , ( )uph , ( )wpv , ( )upe , Equação de Slutsky (por derivadas) Problemas “dual” PMU PMD Identidade de Roy ( ) ( )( )upepxuph ,,, = ( ) ( )( )wpvphwpx ,,, = ( )upeuph ,),( ∇= ( ) ( )( )upepvupe ,,, = ( ) ( )( )wpvpewpv ,,, = Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 90 demanda não satisfazendo o WARP não pode ser racionalizada por preferências. Os resultados obtidos aqui dizem que demanda satisfazendo o WARP (mais HDG “0” e lei de Walras) pode ser racionalizada por preferências se e somente se S(p,w) é simétrica. Assim, a única propriedade adicionada às propriedades da demanda pela hipótese de preferência racional, além do WARP, HDG “0”, lei de Walras, é a simetria de S(p,w). Interesse prático: Para tirar conclusões sobre efeitos de bem-estar, precisamos conhecer as preferências do consumidor (ou no mínimo a sua função dispêndio). Em análises empíricas, podem-se especificar várias formas funcionais e estimar funções estatisticamente tratáveis. Mas os resultados obtidos nos mostrarão uma maneira mais fácil. Pode-se começar com a especificação de uma função demanda e depois checar se esta satisfaz as condições necessárias e suficientes que identificamos nesta seção. Não existe, então, necessidade de derivar uma função utilidade. Para maiores detalhes, ler MWG (1995), seção 3.H, págs. 75 – 80. 2.14 - Demanda Agregada Muitas vezes estamos interessados no comportamento agregado de consumidores, e não no comportamento individual dos mesmos. De acordo com Mas-Collel, Whinston e Green (1995), 3 questões podem ser feitas com respeito à demanda agregada: (i) Pode a demanda agregada ser representada como função dos preços e da renda agregada? (ii) Quando a demanda agregada satisfaz o WARP? Ou seja, quando podemos aplicar a teoria estudada até agora na demanda agregada? (iii) Quando a demanda agregada tem implicações de bem-estar? Quando as medidas de bem-estar podem ter algum significado quando computadas de uma função de demanda agregada? As questões acima poderiam ser chamadas de teorias de agregação do econometrista, do teórico positivista e do teórico do bem-estar, respectivamente. No primeiro caso, o econometrista está interessado em como pode impor uma estrutura simples nas funções de demanda agregadas no procedimento de estimação. A dúvida fica no fato de poder modelar a demanda agregada a partir de uma função somente com variáveis agregadas, tais como a renda agregada. Esta preocupação se justifica pela disponibilidade comum de dados na forma agregada.O teórico positivista (ou comportamental) estaria interessado no grau de restrições positivas da teoria da demanda individual que pode ser empregado na demanda agregada. Isto é importante para previsões de equilíbrio de mercado, devido à importãncia da demanda agregada. user Riscado Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 91 O teórico de bem-estar, por sua vez, se interessa pelos aspectos normativos da demanda agregada. A idéia seria a de tratar a demanda agregada como se esta fosse gerada por um “consumidor representativo”, usando as mudanças no bem-estar individual como medida de bem-estar para o agregado. Nos 3 casos, fortes pressupostos são necessários para que as desejáveis propriedades de agregação sejam obtidas. Iremos abordar a primeira e a terceira questões postas. Ou seja, a questão é se a distribuição de renda entre os consumidores importa ou não. Assim, se a distribuição da renda afeta a demanda total por vários bens, não podemos definir a demanda agregada como função de preços e renda agregada. Demanda e Renda Agregada Suponha que existam I consumidores com relações de preferência racionais ~ f i e funções demanda walrasianas xi(p,wi). Em geral, dados os preços Lp ℜ∈ e níveis de renda (w1,...,wI) para os I consumidores, a demanda agregada pode ser escrita como: ∑ = = I i iiI wpxwwpx 1 1 ),(),...,,( Assim, a demanda agregada depende não somente dos preços, mas também dos níveis de renda dos vários consumidores. A questão é se podemos representar a demanda agregada de modo simples tal como x(p,Σiwi), onde a demanda agregada depende só da renda agregada Σiwi. Para que esta propriedade seja válida, é necessário que a demanda agregada seja idêntica pra qualquer duas distribuições do mesmo total de renda para os consumidores. Ou seja, para qualquer (w1,...,wI) e (w1´,...,wI´) tal que Σiwi = Σiwi´, devemos ter ∑∑ == = I i ii I i ii wpxwpx 11 ´),(),( . Para examinar quando esta condição é válida, considere uma distribuição inicial (w1,...,wI), uma mudança diferencial na renda (dw1, ...,dwI) Iℜ∈ que satisfaz Σidwi = 0. Se a demanda agregada pode ser escrita como função da renda agregada, então assumindo que as funções demanda sejam diferenciáveis, temos: 0),( 1 = ∂ ∂ ∑ = i I i i ili dw w wpx para todo l. Isto pode ser válido para todas as redistribuições (dw1, ...,dwI) que satisfazem Σidwi = 0 e qualquer distribuição de renda inicial (w1,...,wI) se e somente se os coeficientes de diferentes dwi são iguais; isto é: Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 92 j jlj i ili w wpx w wpx ∂ ∂ = ∂ ∂ ),(),( para todo l, qualquer 2 indivíduos i e j, e todo (w1,...,wI), lembrando que isso só é válido localmente. Assim, para qualquer vetor de preços fixos p, e qualquer bem l, o efeito renda deve ser o mesmo seja quem for o consumidor e quanto for a sua renda. Deste modo, mudanças na demanda individual como redistribuição da renda entre os indivíduos se cancelam. Geometricamente, a invariância da demanda agregada à redistribuição de renda implica caminhos de expansão da renda paralelos entre os consumidores. Um caso especial desta propriedade é ilustrado quando todos os consumidores têm idênticas preferências que são homotéticas, ou quando todos os consumidores têm preferências que são quase-lineares com respeito ao mesmo bem. Em termos gerais, essas duas situações são ilustradas pela proposição: Uma condição necessária e suficiente para o conjunto de consumidores para exibir caminhos de expansão da renda paralelos e retos a cada vetor de preços é que as preferências admitam funções indiretas de utilidade no formato de Gorman com os mesmos coeficientes em wi para todo consumidor i. Isto é: iii wpbpawpv )()(),( += Maiores detalhes nesta discussão, ver Deaton e Muellbauer (1980). Preferências Quase-Lineares Como esta proposição implica em fortes restrições às demandas individuais, a questão se resume a se existem condições menos restritivas. Por exemplo, a demanda agregada pode depender de ambas média e variância da distribuição estatística da renda ou mesmo de toda a distribuição estatística. Esta condição também é restritiva, pois implica que a demanda agregada depende somente de quantos ricos e pobres existem, sem se importar Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 93 com quem é pobre e rico. Maiores discussões nesse tópico ver Deaton e Muellbauer (1980), Lau (1982) e Jorgenson (1990). Em muitas situações os níveis de renda individuais podem ser gerados por algum processo que restringe o conjunto de níveis de renda individuais que podem surgir e, sendo esse o caso, pode-se escrever a demanda agregada como função dos preços e da renda agregada. Por exemplo, em modelos de equilíbrio geral, a renda individual é gerada pelas ações individuais das firmas e pela posse de estoque fixo de bens. Assim, os níveis reais individuais de renda são determinados pelo vetor de preços vigente. Alternativamente, níveis de renda individuais podem ser determinados em parte por vários programas governamentais que redistribuem renda entre consumidores. Sendo que estes programas podem limitar o conjunto de distribuições de renda possíveis que podem aparecer. Como um caso extremo, suponha que o nível de renda individual seja gerado por um processo que pode ser descrito como função dos preços p e da renda agregada w, wi(p,w). Isto foi verdadeiro no exemplo de equilíbrio geral. Do mesmo modo, o programa do governo pode basear os impostos individuais na taxa de salários e na renda total da sociedade. Chamamos uma família de funções (w1(p,w),..., wI(p,w)) com Σiwi(p,w) = w para todo (p,w) de regra de distribuição de renda. Quando os níveis individuais de renda são gerados por uma regra de distribuição de renda, podemos sempre escrever a demanda agregada como uma função x(p,w) = Σixi(p,wi(p,wi)), e então a demanda agregada depende somente dos preços e da renda agregada. Resumindo, se preferimos utilizar a demanda agregada ou não somos capazes de obter a demanda individual (por problemas de dados), a definição anterior é mesmo problemática. Existem várias formas funcionais para a utilidade que não têm o formato de uma representação de Gorman. Ao mesmo tempo, existem várias abordagens que podem ser usadas: 1. Podemos enfraquecer a exigência de que a demanda agregada depende somente da renda total. Por exemplo, se permitimos que a demanda agregada dependa da distribuição empírica da renda mas não da identidade dos indivíduos que tenham renda, então a demanda pode ser agregada quando os consumidores têm a mesma função utilidade. 2. Exigimos que a demanda agregada fosse escrita como função da renda total e dos preços para qualquer distribuição inicial de renda. Entretanto, na realidade seremos capazes de definir limites para o que seriam as distribuições de renda iniciais. Assim, poderemos definir a demanda agregada como função de preços e da renda agregada quando restringimos a distribuição de renda inicial. Uma situação na qual sempre será possível definir a demanda agregada como função dos preços e da renda agregada é quando existe uma regra que diz, dados os preços e a renda agregada, qual deveria ser a renda de cada indivíduo. Isto é, se Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 94 para cada consumidor i, existe uma função wi(p,w) que a partir de p e w define a renda individual wi. Tal regra existiria se a renda individual fosse determinada por políticas governamentais que dependem somente de w e p. Chamamos este tipo de função deregra de distribuição de renda a. Uma importante implicação do item 2 é que sempre faz sentido pensar na demanda agregada quando o vetor de renda individual é mantido constante. Assim, se estamos interessados nos efeitos de mudanças de preços, é razoável pensar sobre os efeitos agregados. (Pois wi(p,w) = w iw ) Agentes Representativos A questão final é se a curva de demanda agregada pode ser usada para mensurar bem- estar. Em outras palavras, quando podemos tratar a demanda agregada como se ela fosse gerada de um “consumidor representativo” fictício? Quando mudanças no bem-estar deste consumidor corresponde à mudanças de bem-estar da sociedade como um todo? A primeira parte desta questão é: quando temos uma relação de preferência racional ~ f tal que a função de demanda agregada corresponda à função demanda walrasiana (ordinária) gerada por estas preferências? Se tal preferência existe, dizemos que existe um consumidor representativo positivo. A primeira condição necessária para a existência de um consumidor representativo é que ele faça “sentido” para a demanda agregada. Ou seja, os consumidores devem ter funções indiretas de utilidade da forma de Gorman (ou a renda deve ser distribuída de acordo com a regra de distribuição de renda). Adicionalmente, a demanda deve corresponder àquela derivada da maximização de alguma relação de preferência racional. Também necessitamos de uma matriz de Slutsky semi-definida negativa. Uma questão adicional é se as preferências do consumidor representativo positivo captam o bem-estar da sociedade como um todo. Isto depende se o consumidor representativo positivo também é normativo. Por exemplo, suponha que existe uma função de bem-estar social (Bergson-Samuelson) W(u1,..., uI) que contém níveis de utilidade para os I consumidores, sendo que quanto maiores são os seus valores, melhor seria para os consumidores. Assim, W(.) é uma função utilidade para toda a sociedade. Vamos supor agora que para cada nível agregado de renda nós definimos renda para os consumidores de modo a maximizar W. Assim, w1,...,wI é a solução para: MAX W(v1(p,w1),..., vI(p,wI)) w1,…,wI s.a. ww I i i ≤∑ =1 Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 95 O que corresponde a um ditador benevolente que distribui renda na sociedade de modo a maximizar o bem-estar social. Isto define a regra de distribuição de renda, de modo que sabemos que a demanda agregada pode ser representada como função de preços e renda total. No caso em que a renda é distribuída desta forma, não somente a demanda pode ser escrita como x(p,w), como também estas demandas são consistentes com a existência de um consumidor representativo positivo. Além disso, se as funções de demanda agregadas são geradas pela solução do problema de maximização descrito, elas têm significado de bem-estar e podem ser usados para fazer julgamentos de bem-estar. Uma função importante de bem-estar é a função de bem-estar utilitarista. Esta diz que a função de bem-estar social é a soma das utilidades dos consumidores individuais na economia. Agora, vamos assumir que todos os consumidores tenham funções indiretas de utilidade na forma de Gorman. Usando a função de bem-estar utilitarista, temos o problema de maximização de bem estar definido por: ( )i I i i wpvMax , 1 ∑ = s.a. ww I i i ≤∑ =1 Que pode ser reescrito como: ( ) ∑∑ == + I i i I i i wpbpaMax 11 )( s.a. ww I i i ≤∑ =1 Ou seja, qualquer regra que distribua toda a renda, Σiwi(p,w) = w, pode ser a solução para esse problema. Resultado: quando os consumidores têm função indireta de utilidade na forma de Gorman (com o mesmo b(p)), a demanda agregada pode ser sempre tratada como sendo gerado por um consumidor representativo normativo com função indireta de utilidade v(p,w) que representa a função de bem-estar social utilitarista. Na verdade, pode ser demonstrado que quando as preferências dos consumidores têm a forma de Gorman, então v(p,w) é uma função indireta de utilidade para um consumidor representativo normativo independente do tipo de função de bem-estar social. No entanto, isso não é verdade se as preferências não têm a forma de Gorman. Além disso, se as preferências são representadas na forma de Gorman, v(p,w) é independente da regra de distribuição de renda adotada. . Isso também não é verdade se as preferências não têm a forma de Gorman. Microeconomia I Prof. Maurício V. L. Bittencourt PPGDE/UFPR 96 Concluindo, devemos tomar cuidado quando trabalhamos com agregados. Algumas vezes eles fazem sentido, mas nem sempre. 2.15 - Agregação de Bens A separabilidade está relacionada à habilidade de agregar variáveis em análise econômica. Por exemplo, é razoável agregar 2 ou mais tipos de vegetais quando se analisa demanda por alimentos. Ou podem as horas de trabalho de homens e mulheres serem agregados para uma análise de produtividade. A separabilidade está relacionada em como a taxa de substituição entre 2 bens ou fatores é afetada pelos níveis de outros bens ou fatores. Por exemplo, a taxa de substituição entre carne bovina e de porco pode ou não ser afetada pelo montante consumido de queijo. Se esta taxa não é afetada pelo consumo de queijo, então alguns tipos de agregação de carne bovina e de porco podem ser possíveis. Se carne bovina e de porco não podem ser separáveis do consumo de queijo, talvez eles possam separáveis do consumo por roupas. Separabilidade é particularmente importante para a análise agregada onde os insumos tendem a vir em “pacotes” genéricos como trabalho, capital e materiais, e bem tendem a vir em “pacotes” tais como habitação, comida, transporte, entretenimento, etc. Definição Diferencial de Separabilidade: considere a função f dependendo de n variáveis, sendo f duplamente diferenciável e 0> ∂ ∂ ix f . Assim, as variáveis xi e xj são separáveis de xk se e somente se: x x x xf x xf k j i ∀= ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ 0 )( )( O que significa que a taxa marginal de substituição entre xi e xj não depende do nível de xk.
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