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Análise jurídica a respeito do filme Doze homens e uma sentença de 1957

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Análise jurídica a respeito do filme 
“Doze homens e uma sentença” de 1957
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar os questionamentos implícitos feitos pelo filme “Doze homens e uma sentença” com relação aos procedimentos processuais penais, frisando as falhas e os acertos do sistema democrático brasileiro e comparando-o, em certos momentos, com o estadunidense. Os temas discutidos são relevantes para a vida em sociedade por ser cada vez mais importante formar cidadãos com capacidade crítica e analítica, a fim de que haja uma melhora ao longo dos tempos dos institutos hoje estabelecidos. Todos devem ter uma noção de como seu país funciona e de como atuam os 03 poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), afinal ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, sendo fundamental que cada um saiba quais as garantias, direitos e deveres definidos.
Palavras-chave:
Processo Penal; Princípio da não-culpabilidade; Tribunal do Júri.
1. Introdução
O filme em questão consiste em uma das melhores obras cinematográficas de todos de tempos, na opinião de críticos da área e de profissionais do Direito. Com base nisso, torna-se mister fazer uma abordagem aprofundada dos vários aspectos relevantes que são levantados no decorrer da composição artística.
Alguns temas, como o Princípio da Presunção de Inocência (ou não-culpabilidade), o poder da argumentação, o sistema de júri e os preconceitos latentes são tratados com maestria em um filme que em nada fica ultrapassado (sendo de 1957), pelo contrário, nos mostra o quanto certas problemáticas continuam fortes mesmo em pleno século XXI.
De tal maneira, é relevante não deixar que tais assuntos sejam esquecidos e deixados sem discussão. Necessário se faz tentar incessantemente conscientizar as pessoas de que elas são as responsáveis pela realidade em que vivem, e se não estão satisfeitas com algo, é preciso lutar, afinal, sem luta não há vitória.
A formação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é reflexo da organização da sociedade, e sem seu apoio não há comunidade que conviva em harmonia. Inicialmente, os diplomas normativos advêm de costumes e princípios criados paulatinamente, como, nesse caso específico, os americanos, já que o filme se passa na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos da América.
Tal cultura impôs, naquele caso concreto, que a pena em caso de condenação seria a morte na cadeira elétrica ao réu condenado por unanimidade pelos doze jurados escolhidos aleatoriamente dentre os cidadãos, que conversam entre si em uma sala reservada e trancada por fora, logo depois das considerações do advogado, do promotor de justiça e das testemunhas, até chegarem a uma conclusão pela inocência ou culpabilidade dos acusados, desde que na forma unânime.
Para esclarecer parte das questões levantadas, será utilizado o método de abordagem indutivo, cujo foco é partir de ideias particulares para constatar verdades generalizadoras, que confirmem e fundamentem as teses. Com o advento do Positivismo esse método foi considerado o mais correto para a análise das ciências sociais. Como técnica de pesquisa tem-se a revisão doutrinária.
2. O contexto do filme
O filme foi dirigido por Sidney Lumet, um cineasta estadunidense que sempre buscou demonstrar como a justiça e a polícia são instituições frágeis. A partir desses conceitos pessoais, ele transformou um programa de televisão da época em um filme de grande sucesso que seria eternizado por conter atores brilhantemente talentosos e cenas feitas de modo a envolver o espectador em todos os minutos (close ups), desenvolvendo até certo suspense.
A obra se inicia com uma breve passagem de imagens do Tribunal (fora e dentro da sala principal), mostrando em alguns minutos o juiz e o réu. Logo após, os jurados se dirigem a uma sala reservada e começam a discutir e votar o destino do jovem rapaz pobre, e porto-riquenho de 18 anos que, teoricamente, havia assassinado premeditadamente o pai a facadas. Praticamente todo o filme se passaria ali, mas na verdade, aquele já era o sexto e último dia de discussões entre o advogado de defesa e o promotor de justiça.
Nos Estados Unidos, onde se passava a obra, aplicava-se a sentença de morte, portanto, para se decidir pela culpabilidade ou inocência de alguém era necessário haver uma unanimidade de opiniões. Diferencia-se do Brasil, por aqui só há previsão de pena de morte em caso de guerra declarada, bem assim o júri deve ser formado por apenas sete pessoas (homens e mulheres) que, inclusive, não podem conversar entre si durante suas reflexões, apenas marcam sim ou não para questionamentos postos em uma folha de papel, de modo secreto.
Em um primeiro momento, sob a presidência do jurado nº 01, uma votação preliminar foi realizada para que fosse verificada a posição de cada um. O resultado foi 11x1. O jurado nº 08, mais tarde identificado como o arquiteto “Davis”, foi o único a levantar dúvidas sobre a real culpa do suspeito. Em nenhum momento ele expôs ter certeza da sua inocência, mas queria discutir com os demais algumas dúvidas razoáveis acerca dos fatos postos.
A partir daí cada personagem foi revelando uma personalidade distinta, nenhum deles tinha o nome relevado durante os trabalhos, mas isso não impedia que fossem caracterizados. Alguns eram irresponsáveis, não tinham compromisso com a vida humana que ali estava em jogo. Cada um queria cuidar da sua própria vida, ficavam com má vontade e se utilizavam do senso comum para decidir. Além disso, o dia era extremamente quente, o que gerou ainda mais tensão/incômodo. Apesar disso, o jurado nº 08 propôs fazer uma sucinta reconstituição de uma das cenas do crime, o que fez com que ainda mais dúvidas surgissem e mais jurados ficassem intrigados sobre a possível inocência do rapaz.
Com base nisso e nos vários outros calorosos debates realizados em toda a trama, que relativizaram tudo o que foi dito no Tribunal, a cada votação mais e mais integrantes do júri acreditavam que não havia a comprovação da autoria do crime, razão pela qual, ao final, apesar de toda relutância, todos foram éticos e se conseguiu o 12x0 em prol da inocência.
3. O Princípio da Presunção de Inocência (ou não-culpabilidade) no ordenamento jurídico brasileiro
Para que se possa situar o estudo, se faz necessária uma referência histórica ao pensamento iluminista do século XVIII e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[2], promulgada no início da Revolução Francesa, em meio à inclinação ao Absolutismo Político. Nessa época, a mesma pessoa que fazia as leis julgava os acusados, era um poder concentrado nas mãos de poucos. Apesar disso, desde tais primórdios, vigorava o Princípio da Presunção de Inocência.
O Princípio da Presunção de Inocência está entre as principais garantias constitucionais e é expressamente trazido pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal[3] “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, assegurando o Estado Democrático de Direito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos elaborada pela Organização das Nações Unidas em 1948 também o prevê em seu artigo 11[4]. Com base nessa premissa, ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença, pelo contrário, deve ser tido como inocente e lhe ser assegurado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Em regra, o réu deve responder ao processo em liberdade, por ser este um bem individual amplamente tutelado no Brasil, só abaixo do direito à vida. A exceção é quando há forte interesse processual, perdurando a prisão até que sejam cessados seus motivos. Configura o duelo entre o jus libertatis do cidadão e o jus puniendi do Estado, sendo preciso preservar o equilíbrio.
Nas palavras de José Andrade da Silva[5]:
As garantias constitucionais configuram-se como princípios supra-legais que devem sempre ser observados na aplicação da legislação, tendo em vista se orientarem diretamente à Carta Magna e às bases de formação do Estado Democrático de Direito. Issoporque o papel central encontra-se nas ideias positivadas como princípios e direitos fundamentais, os quais almejam uma concepção de justiça e igualdade.
Como é de se prever, tal princípio influencia decisivamente na atuação do Direito Processual Penal. Os operadores do Direito não podem atuar fora dos limites fixados pelo legislador nos diplomas normativos a fim de que não haja o desrespeito à Dignidade da Pessoa Humana, nem sejam aplicadas sanções injustas.
Isso tudo ocorre hoje porque o Direito Penal, em tempos remotos, era utilizado com má-fé, como instrumento de perseguição pelos que estavam no Poder, de modo que pessoas eram condenadas por causa de interesses particulares, por simples boatos etc.
Eis o entendimento de José Nabuco Filho[6]:
Assim, surge uma questão de grande valor e importância que diz respeito quanto a capacidade do ser humano em compreender o fato de poder afirmar a existência de uma verdade, sendo que a imperfeição humana pode levar a uma interpretação errônea da realidade. E tais erros conduzem à dissonância entre o juízo que se faz de um fato, e como este fato foi realmente praticado. Motivo este que levam a inúmeros erros judiciários com enorme repercussão, nos quais a sociedade tinha certeza de estar punindo o autor de um fato. No entanto, essas certezas causaram os maiores erros judiciários. Mesmo que o crime praticado seja considerado repugnante pela coletividade, este fato não implica que o acusado perderá seus direitos concedidos pela Constituição Federal. Todavia, o suspeito pela prática do crime poderá ser considerado inocente ao final da persecução penal. Não pode ser deixado de lado a hipótese de um erro judiciário. Ou seja, o réu pode ser condenado pela prática de uma infração penal que não cometeu.
Por isso é que foram criados os recursos, para que possa haver a revisão de tais decisões, a fim de os erros judiciários sejam diminuídos, já que os seres humanos são tão falhos.
Todavia, e quando a pena de morte é admitida, como em alguns Estados dos EUA?
A chance de erro é atrelada à terrível possibilidade de que se retire a vida de um inocente pela falta de comprometimento ou poder de análise minuciosa dos fatos por parte do corpo de jurados. Consiste em um dilema institucional.
O Código de Processo Penal de 1941[7], ao longo de seu artigo 386, traz as hipóteses em que o juiz deva absolver o acusado. Relativo ao tema em debate, vejamos o caput e seu inciso VI:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...)
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).
Concernente à parte final do dispositivo citado, pode-se observar a previsão da dúvida razoável acerca da materialidade ou da autoria do fato típico, esta última exatamente a que ocorreu no filme, razão pela qual o indicado a fazer é absolver o réu, pois da pior das hipóteses é melhor libertar um culpado do que condenar um inocente. É a configuração do in dubio pro reo (na dúvida, interpreta-se a favor do réu).
Estes são os dizeres de Juarez Maynart Pereira e Dora Maynart Pereira[8]:
O mestre italiano Luigi Ferrajoli, por sua vez, menciona que a presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, mesmo que isto acarrete na impunidade de algum culpado, pois, ao corpo social, basta que os culpados sejam geralmente punidos, sob o prisma de que todos os inocentes, sem exceção, estejam a salvo de uma condenação equivocada.
A culpabilidade é o elemento mais importante do crime. É o juízo derivado de uma conduta tida como típica e antijurídica que recai sobre a pessoa acusada. Nesse sentido, existem discrepâncias entre a culpa presumida e a culpa materialmente comprovada. Presumir a culpa de um indivíduo é relativamente fácil diante do encontro de simples indícios, mas para se condenar alguém é preciso mais, é imprescindível que a acusação, por meio do Ministério Público, demonstre forte comprovação material do que afirma.
4. O poder da argumentação e sua relação com a falha na defesa técnica e no depoimento das testemunhas
Normas e princípios sempre devem ser interpretados de maneira conjunta mediante o caso concreto, razão pela qual é constituída a Hermenêutica Jurídica. Um fator de suma relevância em um julgamento entre a defesa (advogado privado ou público) e a acusação (Ministério Público) é o jogo de argumentos dentro do âmbito desse ampliado rol de interpretação possível.
É substancial que se tenha poder de convencimento/persuasão nas palavras, a fim de que o juiz singular, na primeira instância; os juízes de instâncias elevadas; ou o Tribunal Popular, se convençam do que é defendido.
Contudo, ao retornarmos ao filme em questão se observa é que os argumentos que mais geravam dúvida sobre a culpabilidade do réu deixaram de ser apresentados pelo advogado e foram levantados apenas pelo júri popular, que não são especialistas no assunto.
Vamos a eles: 01. O Ministério Público alegou ser difícil encontrar o tipo de faca utilizada no homicídio em tela. No entanto, o jurado nº 8 adquiriu uma idêntica para demonstrar o quanto é fácil ter acesso a um instrumento daquele modelo; 02. Algumas testemunhas acharam estranho que o acusado não se lembrasse do filme que assistiu no período da autoria do crime, nem de seus atores. Os jurados chegaram à conclusão que a grande pressão enfrentada pelo acusado pode fazer com que o mesmo se esquecesse dessa vulgaridade; 03. Uma das principais testemunhas era um idoso que disse ter chegado até a porta da frente em torno de 13 segundos após ouvir um barulho e presenciou o rapaz em fuga. Mas uma vez, os jurados chegaram ao entendimento que um idoso não conseguiria realizar tal deslocamento nesse período, até porque o idoso já havia sofrido um derrame e possuía uma grande dificuldade de deslocamento; 04. Outra testemunha, “a mulher”, mencionou que no momento do crime estava deitada, pronta para dormir, quando olhou pela janela e viu o rapaz cometendo o crime entre os vagões do trem que passavam naquele momento. Novamente, os jurados chegaram a um entendimento de que seria difícil existir certeza, pois a mesma não estava usando óculos naquele momento e que fica difícil reconhecer alguém à distância e entre vagões. Enfim, estes e outros argumentos levantados por alguns dos jurados foram cruciais para a decisão final.
No Brasil, as testemunhas, em regra, têm o dever de depor, de comparecimento, de comunicar alteração de endereço por um ano e de prestar o compromisso de dizer a verdade. Porém, este último requisito é puramente formal, não existe nada que garanta que o indivíduo não minta perante a autoridade, a não ser sua própria consciência.
Não existem verdades absolutas, situações fáticas podem ser distorcidas dependendo do ponto de vista e do momento vivido por cada um. Isso não acontece necessariamente por má-fé do indivíduo, mas simplesmente pelos seres humanos estarem longe de serem perfeitos. Pessoas erram e testemunhos são falhos. A memória é um mecanismo em que é difícil confiar. Na seara penal, como é de se imaginar, esse assunto é ainda mais delicado de se lidar. Eis a fala de Guilherme Rosa[9]:
Nos últimos anos, uma série de estudos se debruça sobre a forma como recordações ilusórias podem incriminar pessoas inocentes. Pesquisadores mostraram que o trabalho de policiais e juízes pode influenciar o depoimento das vítimas de crimes a ponto de elas fabricarem memórias falsas, acreditarem nas mesmas e incriminarem inocentes.
No Brasil, recentemente foi realizada uma pesquisa por uma psicóloga chamada Lilian Stein[10], através do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ouvindo policiais, juízes, defensores públicos e privados e promotores de justiça, que constatou o seguinte:
Os dados mostraram que 90,3% deles dãomuita importância ao testemunho durante a condução dos processos, enquanto 69,2% preferem privilegiar o reconhecimento dos criminosos. Esse desequilíbrio, afirma a psicóloga, pode levar os oficiais da lei a se basearem nas falsas recordações que eles mesmos ajudaram a criar.
Para compreender melhor esta realidade, vejamos as informações a seguir[11]:
Nos Estados Unidos, a organização Innocence Project se dedica a inocentar pessoas presas injustamente por causa de erros na condução da investigação. O grupo usa exames de DNA que comparam o material genético dos acusados com o material encontrado na cena do crime. Até hoje, a organização já liberou 333 detentos. Desses, 20 estavam no corredor da morte e seriam executados se a organização não provasse sua inocência.
Existem inúmeros casos assim no mundo todo, de inocentes na cadeia, seja por falha nas investigações, nos testemunhos, na defesa técnica ou em todas essas perspectivas conjuntamente. Às vezes o defensor, atarefado demais, não tem o devido cuidado ao analisar os autos e tempo suficiente para procurar soluções eficientes ao problema vivido. Talvez até por nem acreditar na inocência de seu cliente.
5. Os preconceitos implícitos e explícitos no julgamento humano
As pessoas que têm mais chances de serem presas são as que têm um “estereótipo” pré-determinado pela sociedade, aplicado em quase todo o mundo. A maior parte dos presos são pobres e negros, mas não impreterivelmente porque são os que mais cometem infrações penais, e sim porque são facilmente apontados na rua como suspeitos. Do percentual de pessoas inocentes que o projeto citado no final do tópico anterior retirou das prisões dos Estados Unidos, 70% (setenta por cento) eram negros e latinos. Não pode ser coincidência.
No filme, fica claro o preconceito que alguns jurados tinham com as características do jovem suspeito. Um jovem rapaz latino (nascido em Porto Rico), pobre, advindo de um cortiço, ficando entregue à marginalização, se tornando um “selvagem”, segundo as suas próprias palavras.
O problema de quem é xenofóbico[12], racista[13] ou detém qualquer outro “pré-conceito”[14] concebido é não compreender o ser julgado como ele realmente é em seu interior, nas suas peculiaridades, e pensar que ele pode ser resumido a um modelo universal sem nenhum fundamento científico, afirmando que são seres inferiores.
Tal situação constitui um problema somente do preconceituoso, talvez este não tenha uma vida feliz, provavelmente tem problemas psicológicos e precisa de ajuda, pois ofender os outros nunca deve ser considerado normal. Quem é do bem quer viver em paz.
Além do exposto, o acusado também sofria com a violência doméstica advinda de seu próprio pai, sendo agredido fisicamente de forma recorrente, o que podia tê-lo levado, ou não, a decidir planejar a morte do pai.
Em algumas culturas essa forma de “educar” é considerada válida, é plenamente aceita pela comunidade, principalmente quando se refere a crianças e adolescentes, como uma maneira de tentar controla-los. Um dos participantes do júri chegou a comentar “que se tivesse um filho assim também o faria”.
Desse modo, tanto na ficção, quanto na realidade, verifica-se como a sociedade, como um todo, ainda é injusta, condena algumas atitudes ou características e aceita outras que deveriam ser repugnantemente reprovadas, deixando de denunciar, porém é substancial recordar que a prática de tortura é equiparada aos crimes hediondos.
Importante frisar o entendimento de Patrícia Janaína Hornburg[15]:
Justificamos nossa postura utilizando as crenças, os escritos antigos, desfavorecendo nossa vivência como seres humanos, o olhar o outro como olhas a ti perde força, e como não sabemos lidar com o diferente passo a segregá-lo, como sempre foi na história e será até o momento pelo qual a forma como lido, sinto e ajo mudar, quando perceber que o outro é para a vida tão importante quanto eu mesmo e tão necessário para que entendamos a nós mesmos, pois tudo o que enxergo no outro e conceituo já existe ou existiu em mim mesmo. Justamente esta parte inaceitável em mim gera a segregação do outro a nível inconsciente, me reconheço nele.
Como um meio de alertar as pessoas do quanto é arriscado fazer um julgamento precipitado sobre qualquer assunto, a obra cinematográfica trouxe em meio à cena um ventilador que estava aparentemente quebrado em um dia muito quente, o que fez com que parte dos jurados quisessem encerrar rapidamente a votação e consequentemente votassem pela condenação.
Sucede-se que, mais ao final do filme, quando já escurecia, ligaram as luzes da sala, quando então o ventilador também começou a funcionar. Ou seja, ele não estava quebrado, só precisava ser descoberto como seria feito para liga-lo (o que não era muito claro), como o próprio caso em julgamento. O diretor quis com isso mostrar o quanto as aparências enganam.
Nesse diapasão, conclui-se que[16]:
O magistrado não pode deixar-se contaminar pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por meio de seus representantes.
O preconceito se torna um tormento tão grande que nas últimas cenas da obra, ao ouvirem o discurso do jurado nº 10, todos os outros membros se levantam e se viram de costas para ele, recusando qualquer argumento de tão baixo nível. Essa exclusão dos preconceituosos deveria ser adotada por todas as pessoas sábias até que aqueles entendam que todos são iguais perante a lei de Deus e que não faz nenhum sentido pregar qualquer perfil de diferenciação.
No Brasil, segundo a estudiosa Maíra Streit[17] acontece o seguinte fenômeno:
O respeitado sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) costumava dizer que os brasileiros têm “preconceito de ter preconceito”, no sentido de que existe um esforço maior em negar o preconceito no País do que, efetivamente, em buscar soluções para combatê-lo.
Tal maneira de pensar e agir do brasileiro não resolve em nada a situação, somente “varre para debaixo do tapete” a sujeira que deveria ser jogada para bem longe dos lares dos cidadãos de qualquer país, antes que mais pessoas fossem prejudicadas física e/ou psicologicamente.
6. O funcionamento do sistema de jurados (Tribunal do Júri)
Há um grande dissenso doutrinário sobre a origem de tal sistema processual penal, mas majoritariamente é dito que ele remonta ao século XVII, na Inglaterra. O que se sabe com convicção é que se fazia um ritual para invocar a presença de Deus naquele momento, a fim de que a decisão tomada fosse a mais acertada.
No Brasil, ele foi instituído no ano de 1822, durante o período imperial, inicialmente para julgar crimes relacionados à imprensa. Hoje, o júri popular é adotado pelo Código de Processo Penal para julgamento de crimes dolosos contra a vida, e reconhecido no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1988, mediante as seguintes características[18]: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
A advogada Adriana Hagemann[19] faz considerações indispensáveis ao presente estudo:
Por estar inserido como direito e garantia individual na Carta Magna de 1988, o Tribunal do Júri não poderá ser suprimido nem por emenda constitucional, podendo apenas ser modificado, constituindo, assim, verdadeira cláusula pétrea, estando inserido no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição Federal.
O Conselho de Sentença no Brasil é um órgão de 1º grau da Justiça Comum, Estadual ou Federal, formado pelo Juiz de Direito e por 25 (vinte e cinco) membros temporários (homens e mulheres), escolhidos dentre os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos e de notória idoneidade moral daquela população, dosquais 07 (sete) são sorteados antes da abertura de cada julgamento para que ocupem seus lugares. Os outros são liberados da sessão.
Ao final dos debates entre o advogado de defesa e o representante do Ministério Público, em votação secreta, deverão preencher cédulas que perguntam “sim” ou “não” para questionamentos feitos pelo magistrado, conforme o artigo 483 do Código de Processo Penal.
Nos dizeres de Raygson André Pereira Gomes[20]:
A ordem dos quesitos está presente no Art. 483 que são questionados sobre a materialidade do fato e se o acusado deve ser absolvido. A resposta negativa por mais de três jurados aos incisos I e II deste artigo, encerra a votação com a absolvição do acusado, em prol do sigilo da votação. Por se tratar de matéria de direito o juiz presidente deve responder sobre as agravações ou atenuantes. Depois da votação dos crimes contra a vida se inicia o julgamento pelos crimes conexos a ela. Por fim todo o processo deve registrado em ata e lavrados pelo juiz.
Com tal procedimento, o magistrado pode, em caso de condenação, fixar a pena-base ou, em caso de absolvição, libertar o réu, revogar as medidas restritivas etc., dependendo das circunstâncias.
Diferentemente é o que acontecia nos Estados Unidos à época do filme. Os 12 (doze) jurados (apenas homens) se reuniam em uma sala para conversarem entre si e decidirem por unanimidade pela condenação ou pela absolvição do acusado. Significativo frisar que somente os homens tinham esse direito/dever, as mulheres não eram “aptas” para o serviço.
Nos dias de hoje, nos Estados Unidos da América, tanto as causas de natureza penal quanto as de natureza civil são processadas e julgadas pelo Tribunal do Júri. A quantidade de membros no corpo de jurados varia entre 06 (seis) e 12 (doze) pessoas e a votação continua sendo unânime, a depender do Estado, pois em alguns é admitida a decisão por maioria de 2/3 (dois terços) dos votos. A exceção se dá quanto aos júris federais, que sempre devem ter 12 (doze) julgadores e proferir veredicto por unanimidade.
No Brasil, não se pode ficar preso por mais de 30 (trinta) anos, seja qual tenha (m) sido o (s) crime (s). Nos Estados Unidos, os crimes dolosos contra a vida ainda são punidos com pena de morte em alguns Estados, entretanto, em outros ela já foi abolida.
Chama atenção no filme como o julgamento de alguns é feito com base na íntima convicção de cada um, utilizando-se de experiências próprias de vida, como o jurado nº 03, um pai psicologicamente abalado com o menosprezo do filho, constantemente gritando. Ele julga o réu como se fosse o seu próprio filho. Nessa realidade há de existir a necessária imparcialidade, sob pena do cometimento de graves injustiças por falta de equilíbrio e autocontrole.
A falta de capacitação técnica faz com que o julgador fique mais vulnerável à emotividade, ao caráter social da conduta e isto de certa maneira é bom, pois ele está ali representando o cidadão comum, a vontade do povo, sendo uma forma de exercer a democracia, mas de outro ângulo não é positivo, afinal ele desconhece como funciona a máquina estatal desde o momento em que o indivíduo foi indiciado e se instaurou o inquérito policial na Delegacia de Polícia Civil ou Federal, de modo que, em regra, não tenha noção dos institutos que rondam o direito que está lidando, a não ser o que ligeiramente lhes é contado durante a sustentação oral do advogado de defesa e do promotor de justiça.
7. Dos equívocos cometidos pelos Tribunais do Júri
O caso considerado como o maior erro judiciário do Brasil foi o dos irmãos Naves, iniciado em 1937, na cidade de Araguari-MG. Um dos irmãos se chamava Sebastião, de 32 anos, o outro era Joaquim, de 25 anos, ambos compravam e vendiam cereais através de negócios realizados com o primo Benedito Caetano, o qual misteriosamente desapareceu após receber certa quantia em dinheiro. A partir daí os problemas começaram[21].
O processo é bastante tumultuado, depois da denúncia do Ministério Público, ingressa o pai de Benedito, como assistente de acusação. É importante ressaltar que Dona Ana também é acusada, como cúmplice do latrocínio. Tanto os irmãos Naves, quanto sua mãe, ficam presos durante a instrução do processo. As esposas são presas e até mesmo os filhos de Sebastião são presos, privados de alimentação e agasalho, chegando a falecer o menor deles.
Percebe-se a partir desse trecho o quanto o sistema jurisdicional e de polícia era falho no período ditatorial, chegando-se a prender todos os parentes dos suspeitos e deixando-os em condições sub-humanas para forçar os acusados a confessarem o crime, já que a confissão era a rainha das provas.
A fim de obter tal confissão, contra eles era empregada a prática de tortura, algo eminentemente proibido nos dias de hoje, nos termos do inciso III, do artigo 5º, da Constituição Federal que prevê que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”[22], configurando, inclusive, crime hediondo.
O processo seguiu seu trâmite[23]:
Em março de 1939 ocorre o segundo júri, Joaquim foi absolvido por cinco votos a dois e Sebastião, seis a um. Entretanto, cabe novo recurso do Ministério Público, tendo em vista à falta de unanimidade da decisão. Destarte, em julho de 1939, a Câmara Criminal do Tribunal de Apelação de Minas Gerais dá provimento ao recurso, cassando a decisão do júri. Os irmãos são condenados a cumprir pena de 25 anos e 6 meses de prisão, além de pagar multa de 16 ¼ sobre o valor do objeto roubado. A defesa pede revisão criminal, em 1940, que é negada, apesar de a pena ser reduzida para 16 anos e 6 meses. Já em 1942, os réus pedem indulto ao Presidente Getúlio Vargas, que não é atendido. Somente em 1946 conseguem o deferimento do pedido de livramento condicional e voltam para Araguari. Contudo, Joaquim sofre de uma doença grave e morre em 1948 em um asilo da cidade. Cabe a Sebastião provar sua inocência, bem como a do irmão falecido.
Observa-se a série de lutas travadas pelos irmãos, perdendo a maioria delas, algo que nenhum valor indenizatório conseguiria ser suficiente para fazer com que eles não possuíssem profundas cicatrizes na alma. Em 1948, Joaquim falece, sem receber nenhuma indenização e o pior, sem conseguir provar a sua inocência.
Em julho de 1952 o caso deu uma total reviravolta, pois Benedito Caetano reapareceu vivo[24].
Benedito volta a Araguari, onde é quase linchado por conta da ira popular, é preso preventivamente, acusado de apropriação indébita. Fica detido por nove dias, mas já havia decorrido o prazo prescricional da pena do suposto ilícito, e sua prisão é relaxada.
Sebastião e a viúva de Joaquim, então, pleitearam revisão criminal cumulada com indenização. Entretanto, em 1964, sem que nenhum centavo fosse recebido ainda, Sebastião Naves falece. Apenas em 1973 é que a indenização é paga, conforme o trecho a seguir[25]:
Trinta e quatro anos e cinco meses depois do acontecido, o jornal O Globo, de 5-10-73, publicou: “Dois filhos de Joaquim Naves e a viúva de Sebastião Naves, os irmãos vítimas de erro judiciário que os condenou a 16 anos de prisão em 1937, em Minas Gerais, chegaram ontem a Brasília para receber a indenização de Cr$ 62.241,99 por força de decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Uma indenização que além de demorada, foi muito ínfima para reparar o sofrimento passado pela família, já que ambos os irmãos já haviam morrido. No final, nenhum rastro de justiça foi avistado, afinal, uma justiça demorada em sua prestação já configura uma injustiça, mais uma na vida dessa família.
Mais um caso emblemático foi o do ex-mecânico e ex-motorista, o Sr. Marcos Mariano da Silva, preso injustamente durante 19 anos por ter um nome igual ao de um homicida, em 1976. Ficou no presídio Aníbal Bruno, em Recife/PE, conhecido como um dos presídios mais violentos e de condições mais degradantes e desumanas do Brasil.
Dentro da prisão ficou cego, pois se feriu com estilhaços de uma bomba de gás lacrimogênio lançada em uma rebelião. Quando foi finalmente solto ajuizou ação contra o Estadopor danos morais e materiais, ganhou em todas as instâncias, mas o governo sempre recorria para não ter que quitar o valor, até que a causa chegou ao STJ, que determinou o pagamento de R$ 2.000,00 (dois milhões de reais).
Recebeu a primeira parcela e ficou a espera da segunda. Chegou a dar uma entrevista em 2011 dizendo que o que ele mais queria era ter sua visão de volta, que não precisava nem do dinheiro pago pelo Estado se isso acontecesse, pois assim trabalharia para sustentar a si e a sua família. Porém, no mesmo ano faleceu de infarto, antes mesmo de receber a segunda parcela da indenização.
O desembargador e corregedor Antonio Pessoa Cardoso, em 2012, expôs mais dois casos de injustiça latente, o do advogado Aldenor Ferreira da Silva e o do ex-segurança Wagno Lúcio da Silva[26]:
O advogado Aldenor Ferreira da Silva foi condenado a 24 anos de prisão pelo sequestro, extorsão e assassinato de um homem, fato que se deu em 22/7/1980, na área rural de Sobradinho, DF; Aldenor ficou preso por um ano e sete meses, mas em setembro/2011, o Tribunal de Justiça reconheceu o erro, porque o homem tido como morto foi preso em 1995, em São Paulo. Além disso, observou-se que, no processo não havia atestado de óbito, nem laudo de exame cadavérico.
Verifica-se aqui a falha do sistema, que não havia reconhecido que a “vítima” do caso não estava morta, mas, sim, presa em São Paulo. Foram atribuídos ao Sr. Aldenor Ferreira da Silva três crimes que sequer haviam sido praticados, nem por ele, nem por outra pessoa, um completo absurdo[27].
Wagno Lúcio da Silva foi preso no dia em que comemorava 33 anos, 24/10/1997, acusado de latrocínio em Congonhas/MG, contra o taxista, Rodolfo Cardoso Lobo, assassinado a facadas. Foi condenado a 24 anos de reclusão e ficou mais de oito anos na cadeia. Em 2006, ingressou com ação de revisão criminal que foi julgada procedente e Wagno foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais; depois disso buscou ressarcimento pelos danos físicos e morais sofridos; uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça condenou o Estado a indenizar o ex-segurança no valor de R$ 300 mil, mais dois salários mínimos de danos materiais, correspondente a cada mês em que esteve preso.
Diante de tais acontecimentos, onde fica a confiança no sistema? Para que um Estado funcione é preciso que se tenha credibilidade para com a sociedade. Querer dar uma resposta muito rápida para a população muitas vezes é a causa de uma investigação policial ineficiente. Incompetência/despreparo dos agentes públicos, arbitrariedade estatal etc., são alguns dos problemas da nossa realidade prática que geram equívocos burocráticos.
É clara e reluzente a lacuna existente entre a teoria constante na normatização e a prática empregada, gerando riscos contra a integridade física e moral do cidadão, atingindo sua liberdade e sua dignidade, gerando assim marcas permanentes.
Nenhuma atitude do Estado pode ir contra as ordens da Constituição FederalBrasileira, as quais garantem, entre muitos outros direitos, a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal e o contraditório e a ampla defesa no processo, conforme o artigo 1º, da Constituição Federal[28]:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º (...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O Estado, se for o caso, deverá indenizar o (s) prejudicado (s), consoante o artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal[29]:
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Tal responsabilidade será objetiva, ou seja, não serão analisados os aspectos de dolo ou culpa, conforme o, do artigo, § 6º 37da Constituição Federal:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Para arrematar uma tendência que já vinha acontecendo nos Tribunais, o Superior Tribunal de Justiça prolatou a Súmula n.º 37 que estabelece: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”, dirimindo quaisquer dúvidas acerca do assunto.
Conclusão
A obra passeia por diversos temas para reflexão do público, deixando-o envolvido a cada segundo. Apesar de ter sido elaborada em preto e branco, ser legendada, sem trilha sonora e se passar em praticamente um só cenário, não fica para trás em comparação a nenhum outro filme do gênero.
Durante a trama foram suscitados temas que transcendem o tempo e os lugares e que fazem parte da vida de qualquer comunidade organizada: o princípio da presunção de inocência, que é acarreado como sendo algo essencial ao processo penal; o sistema do júri popular sendo uma expressão da cidadania; o poder de argumentação como um meio de defesa do acusado; a falha na defesa e nos testemunhos como um empecilho ao julgamento justo e em contrassenso à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal e, ainda, os preconceitos difundidos, que, algumas vezes, fazem com que inocentes paguem por ilícitos que não cometeram.
O diretor trabalhou com tanta maestria que deu significação até ao número do único jurado a entender, inicialmente, que o réu poderia ser inocente. O nº 08 remete ao equilíbrio, à justiça e à consistência no que transmite, inegáveis qualidades do Sr. “Davis”, mas que deveriam pertencer a todos.
Tem-se uma lição de cinema e de respeito à vida e aos direitos humanos, os quais devem ser fielmente garantidos.
Importante destacar o posicionamento de Ricardo Brisolla Balestreri[30]:
A “lógica da eliminação” aponta para falsas soluções que, tentadas através dos tempos, praticamente nada realizaram em termos de efetiva Segurança Pública: penalização, banalização do aprisionamento, construção descriteriosa de presídios, enfrentamentos de “guerra”, matanças, tortura, pena de morte em alguns países, apesar de práticas “corriqueiras”, não foram medidas redutoras da violência e da criminalidade. Ao contrário, os cidadãos se encontram cada vez mais encurralados e atemorizados.
O Estado não pode responder a uma violência com ainda mais barbaridades. Não mais existe aquele velho brocardo “Olho por olho, dente por dente”, se não, o mundo se destruiria a curto ou médio prazo. É preciso pregar a paz e o amor que as relações sociais tanto necessitam em meio a tempos de dificuldades econômicas e políticas. Eis as palavras de Ricardo Brisolla Balestreri[31]:
É preciso rigor e firmeza, sim. Mas isso jamais pode confundir-se com emocionalismo barato, amadorismo, truculência, psicopatia auto-justificada. Não se pode combater condutas destituídas de senso moral à partir da abdicação do senso moral. A repressão à práticas socialmente lesivas precisa ser enérgica mas sem perda da própria identidade de valores do sistema democrático e de seus operadores.
Tal problemática, que atinge a coletividade de países de governo democrático, demonstra a fragilidade da justiça, onde decisões podem ser tomadas erroneamente a todo o momento e lesar permanentemente pessoas de bem.
Referências
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[1] Título original: 12 Angry Men. Lançado no ano de 1957.
[2] A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 é um documento criado no início da Revolução Francesa que prevê direitos individuais e coletivos universais aos seres humanos. Prega três ideais internacionais: liberdade, igualdade e fraternidade.
[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
[4] Art. 11, Declaração Universal dos Direitos Humanos/48. “1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume–se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido”.
[5] SILVA, José Andrade da. O Princípio da Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo, 2016. Disponível em:. Acesso em 05 de abril de 2016.
[6] NABUCO FILHO, José. Importância da presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, v. 01, n.54, p. 94-95, out. 2010.
[7] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Brasil, DF: Senado Federal, 1941.
[8] PEREIRA, Juarez Maynart; PEREIRA, Dora Maynart. O princípio constitucional da presunção de inocência, o in dubio pro reo e a aplicação do in dubio pro societate na decisão de pronúncia. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, 2013. Disponível em:. Acesso em 05 de abril de 2016.
[9] ROSA, Guilherme. Como um Monte de Gente Inocente É Presa por Causa de Memórias Falsas no Brasil. [S. L.], 2015. Disponível em:. Acesso em 06 de abril de 2016.
[10] ROSA, Guilherme. Como um Monte de Gente Inocente É Presa por Causa de Memórias Falsas no Brasil. [S. L.], 2015. Disponível em:. Acesso em 06 de abril de 2016.
[11] ROSA, Guilherme. Como um Monte de Gente Inocente É Presa por Causa de Memórias Falsas no Brasil. [S. L.], 2015. Disponível em:. Acesso em 06 de abril de 2016.
[12] Xenofobia é a aversão a pessoas ou coisas estrangeiras.
[13] Racismo se trata da convicção de que uma “raça” humana seja superior à outra, baseado em diferenças físicas e biológicas.
[14] Pré-conceito é o juízo pré-concebido feito pelas pessoas, normalmente com base na primeira impressão que elas tiveram sobre algo ou alguém.
[15] HORNBURG, Patrícia Janaína. A exclusão velada. [S. L.], 2015. Disponível em:. Acesso em 07 de abril de 2016.
[16] FERRARI, Rafael. O princípio da presunção de inocência como garantia processual penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, 2012. Disponível em:. Acesso em 05 de abril de 2016.
[17] STREIT, Maíra. Racismo na infância: as marcas da exclusão. [S. L.], 2013. Disponível em:. Acesso em 07 de abril de 2016.
[18] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
[19] HAGEMANN, Adriana Gualberto. A história do tribunal do júri no mundo e sua evolução no Brasil ao longo das constituições. Santa Catarina, 2011. Disponível em:. Acesso em 08 de abril de 2016.
[20] GOMES, Raygson André Pereira. Tribunal do Júri. Maranhão, ano. Disponível em:. Acesso em 08 de abril de 2016.
[21] AQUINO, Bel; BAYER, Diego Augusto. Da série “Os maiores erros judiciários brasileiros": o Caso dos Irmãos Naves. [S. L.], 2014. Disponível em:. Acesso em 20 de abril de 2016.
[22] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
[23] AQUINO, Bel; BAYER, Diego Augusto. Da série “Os maiores erros judiciários brasileiros": o Caso dos Irmãos Naves. [S. L.], 2014. Disponível em:. Acesso em 20 de abril de 2016.
[24] AQUINO, Bel; BAYER, Diego Augusto. Da série “Os maiores erros judiciários brasileiros": o Caso dos Irmãos Naves. [S. L.], 2014. Disponível em:. Acesso em 20 de abril de 2016.
[25] AQUINO, Bel; BAYER, Diego Augusto. Da série “Os maiores erros judiciários brasileiros": o Caso dos Irmãos Naves. [S. L.], 2014. Disponível em:. Acesso em 20 de abril de 2016.
[26] CARDOSO, Antonio Pessoa. Erros judiciais causam danos a inocentes. Bahia, 2012. Disponível em:. Acesso em 21 de abrilde 2016.
[27] CARDOSO, Antonio Pessoa. Erros judiciais causam danos a inocentes. Bahia, 2012. Disponível em:. Acesso em 21 de abril de 2016.
[28] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
[29] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
[30] BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Por que, no Brasil, a defesa dos Direitos Humanos é rejeitada, por muitos, como “defesa de bandidos”? [S. L.], ano. Disponível em:. Acesso em 10 de abril de 2016.
[31] BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Por que, no Brasil, a defesa dos Direitos Humanos é rejeitada, por muitos, como “defesa de bandidos”? [S. L.], ano. Disponível em:. Acesso em 10 de abril de 2016.

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