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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA Clarice Fortkamp Caldin Leitura e literatura infanto-juvenil Governo Federal Presidência da República Ministério de Educação Secretaria de Ensino a Distância Coordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal de Santa Catarina Reitor | Alvaro Toubes Prata Vice-reitor | Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância | Cícero Barbosa Pró-reitora de Ensino de Graduação | Yara Maria Rauh Müller Pró-reitora de Pesquisa e Extensão | Débora Peres Menezes Pró-reitora de Pós-Graduação | Maria Lúcia de Barros Camargo Pró-reitor de Desenvolvimento Humano e Social | Luiz Henrique Vieira da Silva Pró-reitor de Infra-Estrutura | João Batista Furtuoso Pró-reitor de Assuntos Estudantis | Cláudio José Amante Curso de Especialização em Gestão de Bibliotecas Escolares Centro de Ciências da Educação | Wilson Schmidt Chefe do Departamento | Angel Freddy Godoy Vieira Coordenadora de Curso | Magda Chagas Coordenadora de Tutoria | Araci Isaltina de Andrade Hille- sheim Conselho Editorial Clarice Fortkamp Caldin Estera Muszkat Menezes Magda Chagas Projeto Gráfico Coordenação | Laura Martins Rodrigues Thiago Rocha Oliveira Equipe | Maicon Hackenhaar de Araujo Rafael de Queiroz Oliveira Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias | LANTEC/CED Coordenação Geral | Andrea Lapa Coordenação Pedagógica | Roseli Zen Cerny Material Impresso e Hipermídia Coordenação | Laura Martins Rodrigues Thiago Rocha Oliveira Diagramação |Thiago Rocha Oliveira, Grasiele Pilatti, Gregório Bacelar Lameira Ilustrações | Tarik Assis Pinto, Maiara O. Ariño, Ângelo Bortolini, Amanda Woehl, João Antônio A. Machado Revisão gramatical | Clarice Fortkamp Caldin, Estera Muszkat Menezes, Magda Chagas Design Instrucional Coordenação | Isabella Benfica Barbosa Designer Instrucional | José Paulo Speck Pereira Copyright © 2010, Universidade Federal de Santa Catarina CIN/CED/UFSC Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação do Curso de Especialização em Gestão de Bibliotecas Escolares. Catalogação na fonte elaborada por Francisca Rasche - CRB 14/691 C146l Caldin, Clarice Fortkamp Leitura e literatura infanto-juvenil / Clarice Fortkamp Caldin. – Florianópolis : CIN/ CED/UFSC, 2010. 116 p. Inclui bibliografia. UFSC. Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Bibliotecas Escolares na modalidade a distância. ISBN 978-85-62818-11-0 1. Leitura. 2. Literatura infanto-juvenil. I. Título. CDD (22.ed.) – 028 Sumário Apresentação ....................................................... 7 1 Leitura .............................................................. 8 1.1 Definições..................................................................................12 1.2 Modalidades .............................................................................21 1.3 Estratégias ................................................................................28 1.4 Função poética ........................................................................33 Bibliografia Comentada ........................................................43 Síntese ........................................................................................44 2 Literatura infanto-juvenil .............................46 2.1 Características ........................................................................53 2.2 Funções ......................................................................................61 2.2.1 Função pedagógica ........................................................................62 2.2.2 Função social ....................................................................................66 2.2.3 Função terapêutica ......................................................................... 70 2.3 Histórico ....................................................................................75 2.4 A Literatura infanto-juvenil no Brasil ..............................87 2.5 Tipologia das histórias ...........................................................92 Bibliografia Comentada ..................................................... 108 Síntese ..................................................................................... 109 Referências ....................................................... 110 Currículo da Autora ........................................ 116 Apresentação Bem-vindo à disciplina Leitura e literatura infanto-juvenil! Inserida na temática 4: Mediação e serviços em bibliotecas es- colares, com 30 horas/aula, essa disciplina tem por objetivo otimizar suas competências e habilidades na gestão da leitura e da literatura infanto-juvenil. Você gosta de ler? Aprecia a literatura infanto-juvenil? Se a resposta for um enfático SIM, estudará com prazer as principais definições de leitura; conhecerá as diferentes mo- dalidades e estratégias de leitura; enfocará o ato da leitura na biblioteca como uma função poética; observará as caracterís- ticas e as funções da literatura infantil e juvenil; acompanhará a trajetória da literatura infanto-juvenil desde o século XVII até nossos dias; entenderá a tipologia das histórias. Isso é apenas uma parte: o construto teórico. Mas a teoria é estéril sem a prática. Assim, espera-se que você aprenda a aplicar as estratégias de leitura no ensino infantil e funda- mental para realizar atividades prazerosas de incentivo à lei- tura, e a selecionar textos literários pelo viés da literariedade. Gostou da proposta? Está animado? Então, vamos começar! 8 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil 1 Leitura Esse capítulo tem por objetivo propiciar ao aluno do Curso de Especialização em Gestão de Bibliotecas Es- colares o entendimento do fenômeno da leitura, suas definições, modalidades, estratégias e a função poética. Essa compreensão é necessária para que a biblioteca atue como espaço incentivador do ato de ler. 9Leitura Na sociedade ocidental, ao longo das eras, a leitura é en- tendida de maneira diferente, de acordo com as necessidades humanas. A história da leitura perpassa pelo valor concedi- do ao registro escrito como veículo da democracia (na pólis grega), da religião (na Idade Média), da economia (na Idade Moderna), da política (a partir da Revolução Francesa) e da educação (desde o século XIX). Ao descrever as práticas de leitura no ocidente, Cavallo e Chartier (1998-1999) apontam as diferentes formas de ler da Antiguidade aos dias atuais. É baseado no livro História da leitura no mundo ocidental (cuja leitura recomendamos), or- ganizado por esses dois historiadores, que se delineia o texto que segue. Conquanto a leitura pública fosse uma prática da vida so- cial grega a serviço da democracia ateniense (dos cidadãos livres, excluídos as mulheres e os escravos), da retórica, da escola e da preservação da memória, há relatos da leitura si- lenciosa, como forma de entretenimento. Na Roma Antiga, a leitura ficava circunscrita aos sacerdotes e aos nobres, sempre referente ao sagrado ou ao jurídico, inspirada no modelo gre- go, cujas bibliotecas eram despojos de guerra. Na Idade Média, o ideal de leitura era o da meditação, pre- ferencialmente das Escrituras Sagradas, sempre mediada pelos processos de decifração dos textos (identificando as letras, sí- labas, palavras e frases), pronunciação em voz alta (observan- do a pontuação), correção do texto escrito (exigência necessá- ria pela má qualidade de alguns manuscritos), comentário (do vocabulário, das figuras literárias), interpretação (do conteú- do), e avaliação (das qualidades estéticas, morais e filosóficas do escrito);mesmo a leitura ligada ao lazer era concentrada, atenta e murmurada. Já no século XII, em virtude do aumento da quantida- de de obras disponíveis e do despontar das universidades, a meditação cedeu lugar à utilidade: aparecem os resumos de A pólis, ou Cidade-Estado, era o núcleo da vida social e política da Grécia Antiga, espaço do ci- dadão para debate e participação nos assuntos e negócios comuns. A Idade Média, iniciada com o colapso do Império Romano Oci- dental e marcada pelo feudalismo, teve a religião como preservadora da cultura clássica e o clero como representante intelectual. A Idade Moderna, período marcado pelo Renascimento artístico, foi palco da Revolução Comercial, passagem de uma economia estática para um capitalismo mercantil. A Revolução Francesa, no século XVIII, ao aca- bar com a monarquia absolutista, propiciou a ascensão da burgue- sia e dos governos liberais, cons- titucionais e representativos. No século XIX e XX, com a difusão da educação primária gratuita, gene- ralizada e obrigatória, a leitura foi fator decisivo para a educação das massas e, no século XXI, a leitura tomou novas feições em virtude das tecnologias; importa agora não apenas erradicar o analfabetismo, mas também diminuir o número dos iletrados informacionais. 10 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil doutrinas (tanto bíblicas, quanto aristotélicas) e a leitura dos originais é substituída por textos fragmentados e compila- ções literárias. Dessa feita, estudantes e professores, seja pela dificuldade na compreensão dos autores, seja pela coerção econômica (o pergaminho e os copistas titulados eram uma despesa significativa), priorizavam as coletâneas, o emprésti- mo de manuscritos, a reprodução de versões corrigidas pelas autoridades acadêmicas. A tendência à simplificação causou, então, um empobrecimento das matérias escolares, pois os flo- rilégios não substituem a leitura da obra original, limitam a criatividade e transformam as coleções de citações (utilizadas fora do contexto) em deformações da fala do autor; enfim, de instrumentos de trabalho, passam à condição de um fim em si. O leitor humanista, por outro lado, selecionava o texto de- sejado e o interpretava – tanto para alívio das pressões cotidia- nas, quanto para resolver questões práticas. Escribas, gráficos e pintores de iluminuras eram contratados por empresários e co- merciantes: cresce a economia da atividade editorial, que aten- de a um público cada vez mais exigente – os intelectuais da Re- nascença. Nesse período, proliferam as lojas dos livreiros, pois há uma demanda por folhas e cadernos que o humanista usará para copiar o texto original, uma vez que considera o escrever uma forma de leitura e a melhor maneira de apreciar os bons autores. Anotações criteriosas e referências cruzadas exigiram a criação de diversos aparatos para facilitar esse trabalho lite- rário; assim é que no final do século XVI surge a roda de livros. A invenção da imprensa no século XV, a Reforma Protes- tante e a Contra-Reforma no século XVI, impulsionaram o co- mércio livreiro, com a publicação de Bíblias, obras litúrgicas e panfletos de propaganda ou contrapropaganda confessionais. Muito embora o clima fosse religioso e não se estimulasse a lei- tura popular, entre os artesãos, lojistas, pequenos comerciantes e as elites das aldeias, prevalecia o gosto pelos romances de ca- Roda de livros “Uma grande roda vertical, com en- grenagens para fazer com que virasse lentamente e parasse sempre que ne- cessário. Ela movia os livros colocados em pequenas estantes rotativas. [...] O humanista que fosse dono de tal apa- relho poderia permanecer tranquila- mente sentado, enquanto consultava uma biblioteca de textos.” (CAVALLO; CHARTIER, 1999, v. 2, p. 37-38). 11Leitura valaria, principalmente na Espanha. Mesmo proibida pelas au- toridades castelhanas, a literatura de ficção, tida como perigosa fuga da realidade, agrada a população não-letrada e mesmo os analfabetos dela desfrutam, pois a prática é da leitura oraliza- da: um leitor lê em voz alta para um público de ouvintes. E no século XVIII, na Europa central, sur- giu o que foi chamado de febre de leitura, epidemia de leitura: o povo lê – telha- dores, artesãos, criados, soldados, mu- lheres, jovens, crianças. Muito embora fosse considerada uma “leitura selva- gem”, quer dizer, não voltada para fins eruditos ou úteis, sem reflexão e, na maior parte, realizada em voz alta, tal leitura contribuiu para formar as identidades corporativa, social, cultural e política. Isso se evidencia, principalmente, pelo incremento, depois da Revolução Francesa, dos jornais, partilhados por toda a po- pulação (lendo ou ouvindo) como veículo de informação e de cons- cientização política. Paralelo a eles, disputam a preferência do público leitor os romances, as histórias policiais, os livros de cozinha, os contos de fadas, as fábulas e as histórias de aven- turas. Esse fenômeno, que poderia ser chamado mais apropria- damente de “revolução da leitura” foi possível graças à dimi- nuição da jornada de trabalho, da eletricidade, de bibliotecas de empréstimo e das sociedades literárias não-comerciais, das reformas educacionais e da modernização do mercado edito- rial. Essa “fúria” de leitura foi orientada e supervisionada pela ideologia da classe dominante, vista com certa reserva pelos mais conservadores, apresentou discretamente traços feminis- tas, e suavizou as tensões sociais. Figura 1: A Bíblia foi a primeira obra que Gutenberg produziu em série com sua máquina de tipos móveis (que ficou conhecida como “prensa de Guten- berg”). Centenas de obras passaram a ser produzidas a partir de então, o que influenciou, ao lado de outros fatores, a alfabetização das classes mais baixas da população, em diversos países. Ideologia A palavra possui diferentes interpre- tações. Uma delas é a seguinte: “Con- junto articulado de idéias, valores, opiniões, crenças, etc., que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social (classe, partido político, grupo religio- so, etc.) seja qual for o grau de consci- ência que disso tenham seus portado- res.” (FERREIRA, 1999, p. 1072). 12 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Você observou como a leitura sempre esteve presente nas sociedades letradas? Em voz alta, murmurada, silenciosa, pú- blica, individual, pragmática, literária, meditada ou impen- sada, a leitura participou da vida das elites e das massas ao longo dos séculos, preservando o conhecimento registrado e disseminando novas idéias. Por esse motivo, a leitura tem sido objeto de muitas defini- ções, atreladas ao contexto social. Na impossibilidade de listar todas, apresentaremos as mais significativas e pertinentes ao nosso estudo. É possível que você discorde de algumas, sur- preenda-se com outras ou eleja uma como favorita. É possí- vel, também, que resolva acrescentar novas definições às aqui elencadas. Isso significa que, qualquer que seja sua reação, você se envolveu! Em outras palavras: não ficou apático ao tema, não se comportou como mero espectador do texto, mas como participante na construção de uma definição da leitura – aquela que tocou sua sensibilidade, instigou seu intelecto e partiu de sua vivência profissional. 1.1 Definições Quando falamos em leitura, pensamos em: decifrar o escrito (decodificar as palavras), entender o conteúdo (compreender o que o autor disse), interpretar o assunto (desvelar o texto), in- formar-se (apropriar-se do acervo de conhecimentos da huma- nidade), viajar no imaginário (por meio das personagens ficcio- nais). Assim, associamos sempre a leitura à escrita. Mas é bom lembrar que, no cotidiano, fazemos leitura de gestos, olhares, paisagens, quadros, fotografias, música, tempo, espaço. Talse dá porque a leitura tem múltiplos aspectos e inter- faces. A informação (dados dotados de relevância e sentido, organizados e comunicados) pode estar registrada em diver- sos suportes (papel, corpo humano, camadas de terra, vestí- 13Leitura gios de civilizações desaparecidas, mapas, banco de dados, por exemplo). A leitura, enquanto objeto de estudo, presta-se a uma abordagem multidisciplinar, cujo enfoque é dado dependendo da área do conhecimento. Destarte, a leitura é entendida como ato social, lingüístico, pedagógico, terapêutico, psicológico, cognitivo, neurológico, fenomenológico, entre outros. De modo geral, quando discorremos sobre a leitura na es- cola, o recorte é dado à leitura de material didático, com vis- tas à assimilação de informações (extrair o sentido do texto) ou literário, objetivando o entretenimento (atribuir sentido ao texto). Quase sempre fica obliterado que tanto a leitura informacional quanto a leitura poética é muito mais do que um processo ascendente (em que a compreensão vai-se acu- mulando gradativamente) ou um processo descendente (em que o leitor, com sua consciência imaginante, vai desvelando o texto apoiado no conhecimento prévio do mundo); a leitura é, acima de tudo, intencionalidade – quer dizer o leitor tem determinado objetivo a ser alcançado. Intencionalidade é “a qualidade de estar dirigido para algo, ou de ‘ser’ acerca de algo, qualidade esta que é pos- suída por muitos, se não todos, os estados conscientes.” Ou seja, “nossos pensamentos, crenças, anseios, sonhos e desejos são acerca de coisas.” Do mesmo modo, “as pa- lavras que usamos para exprimir essas crenças, e outros estados mentais, são sobre coisas. A intencionalidade tor- na-se, assim, uma característica da linguagem, e não uma peculiaridade metafísica ou ontológica do mundo mental.” (BLACKBURN, 1997, p. 206-207). 14 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Leffa (1996, p. 17) lembra que “a intencionalidade é uma característica exclusiva do ser humano”, pois uma máquina, conquanto possa “ser programada para resumir ou parafrasear um texto, detectar anomalias semânticas e até responder per- guntas implícitas”, não tem a intenção de lazer, não tem a in- tenção de obter informações, e não tem a intenção de realizar uma leitura crítica de obra literária. O que significa isso? Que intencionalidade implica desejo, motivação. Aplicando-se a noção de intencionalidade à leitu- ra, podemos dizer, então, que o ser humano lê quando se sen- te motivado para tal, quando foi despertado nele esse desejo. Como proceder, na escola e na biblioteca, para que o exer- cício da leitura seja desejante? Qual a responsabilidade dos professores e bibliotecários em propiciar o desenvolvimento da leitura intencional? São perguntas que merecem resposta, não é mesmo? Mas essas respostas serão dadas por você que realiza esse curso co- nosco, que partilha das preocupações acerca da leitura praze- rosa, instigante, intencional. Aqui, serão apontados caminhos. Cabe a você a resolução de enveredar por eles, explorá-los, socializá-los. E lembrar, como Morais (1996) o fez, que o ato de ler oscila em torno de um desafio, um prazer pessoal e um problema social. Desafio, porque arte de ler tem sido reduzida a operações automatizadas, sem a reflexão necessária. Prazer pessoal, porque já foi comparada ao sonhar, ao pastar, e ao digerir por autores como Fernando Pessoa, Roland Barthes e Nietzsche. Um problema social, porque a demanda da socie- dade é por pessoas leitoras e letradas e a leitura ainda é mal compartilhada, mesmo nos países desenvolvidos. E então, vamos dar conta desse desafio? Vamos fazer da lei- tura um prazer pessoal? Vamos diminuir esse problema social? Veremos, a seguir, como diversos autores definem a leitura. Cada definição se apresenta como oportunidade para você re- fletir, opinar e aplicar no seu local de trabalho. 15Leitura Comecemos por Marcel Proust. Sabe quem foi ele? Um pa- risiense que entre 1871 e 1922, frequentou a sociedade bur- guesa da Terceira República Francesa1. De saúde frágil, afas- tou-se dos salões da época para dedicar-se à escrita da obra em treze volumes Em busca do tempo perdido, considerada por alguns uma autobiografia, por outros um ensaio à memó- ria e ao tempo, mas tida por todos como uma grande realiza- ção literária. Quando sair de férias, porque não leva consigo um dos volumes e aprecia sua escrita magistral? Pois bem, esse literato escreveu também um ensaio sobre a leitura, um trabalho que merece ser examinado, haja vista que discorre sobre a importância da leitura na infância: [...] o que as leituras da infância deixam em nós é a ima- gem dos lugares e dos dias em que as fizemos. Não esca- pei ao seu sortilégio: querendo falar delas, falei de outras coisas diferentes de livros, porque não é deles que elas me falaram. Mas talvez as lembranças que elas me trouxeram tenham elas mesmas sido despertadas nos leitores, condu- zindo-os pouco a pouco – retardando-se nesses caminhos floridos e enviezados – a recriar em seu espírito o ato psi- cológico original chamado Leitura, com força suficiente para poder seguir agora como que dentro dele mesmo as reflexões que me restam a apresentar. [...] Na medida em que a leitura é para nós a iniciadora cujas chaves mági- cas abrem no fundo de nós mesmos a porta das moradas onde não saberíamos penetrar, seu papel na nossa vida é salutar. (PROUST, 1991, p. 24-25, 35, grifo do autor). Você observou que na citação a leitura é descrita como um ato psicológico e considerada uma disciplina que favorece a saúde? Você concorda com essa definição e descrição? Por quê? Passemos a Jean-Paul Sartre, outro parisience. Nascido em 1905 e falecido em 1980, foi novelista, teatrólogo, filósofo existencialista e premiado com o Nobel de Literatura em 1964. Figura 2: Marcel Proust (1871-1922). 1 A Terceira República (1870-1940), foi criada após a captura e o exílio de Na- poleão III (sobrinho de Napoleão Bona- parte) e a derrota francesa na guerra franco-prussiana. 16 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Você já leu algum livro dele? Se não, recomendamos que o faça, principalmente Que é a literatura?, de onde extraímos essa definição de leitura: [...] a leitura é um pacto de generosidade entre o autor e o leitor; cada um confia no outro, conta com o outro, exige do outro tanto quanto exige de si mesmo. Essa con- fiança já é, em si mesma, generosidade; ninguém pode obrigar o autor a crer que o leitor fará uso da sua liberda- de; ninguém pode obrigar o leitor a crer que o autor fez uso da sua. É uma decisão livre que cada um deles toma independentemente. Estabelece-se então, um vaivém dia- lético; quando leio, exijo; o que leio, então, desde que mi- nhas exigências sejam satisfeitas, me incita a exigir mais do autor, o que significa: exigir do autor que ele exija mais de mim mesmo.[...] devemos lembrar que o escritor, como todos os artistas, procura dar a seus leitores certa afeição a que se costuma chamar prazer estético e que, de minha parte, eu preferiria designar como alegria estética. (SARTRE, 2004, p. 46, 47). A leitura, se entendida como um pacto, um contrato en- tre duas ou mais pessoas, não pode ser forçada. Você notou o destaque à liberdade e ao prazer da leitura? O que pensa sobre isso? Está disposto a apresentar a leitura na biblioteca da escola como um acordo de generosidade, de cumplicidade, não apenas entre o escritor e os leitores, mas também entre professor e alunos, bibliotecário e usuários da biblioteca? Vejamos o que pensa outro francês: Maurice Merleau-Pon- ty, que teve vida curta (1908-1961), mas ativa: estudou filoso- fia, lecionou Psicologia da criança e Pedagogia na Universi- dade Sorbonne e Filosofia no Collège de France, foi editor da revista Tempos Modernos (que pretendiasuscitar entusiasmo pela reconstrução da Europa) e participou ativamente da cor- rente de pensamento chamada fenomenologia2. Figura 3: Jean-Paul Sartre (1905-1980). 2 “Uma corrente da filosofia que não faz distinção entre o papel atuante do sujeito que conhece [...] e a influ- ência do objeto conhecido. [...] Para a fenomenologia não existe objeto em si destacado de uma consciência que o conhece. O objeto é um fenômeno”. (CARMO, 2000, p. 21, grifo do autor). 17Leitura A fenomenologia se preocupa com o cotidiano, é uma fi- losofia que rejeita o dualismo mente/corpo e prioriza a ex- periência. Assim, é sob uma abordagem fenomenológica que Merleau-Ponty (2002, p. 35, 35) define a leitura: A leitura é um confronto entre os corpos gloriosos e im- palpáveis de minha fala e da fala do autor. [...] Mas esse poder de ultrapassar-me pela leitura, devo-o ao fato de ser sujeito falante, gesticulação lingüística, assim como minha percepção só é possível por meu corpo. Essa man- cha de luz que se marca em dois pontos diferentes sobre minhas duas retinas, vejo-a como uma única mancha à distância porque tenho um olhar e um corpo ativo, que tomam diante das mensagens exteriores a atitude conve- niente para que o espetáculo se organize, se escalone e se equilibre. Do mesmo modo, passo direto ao livro através da algaravia, porque montei dentro de mim esse estranho aparelho de expressão que é capaz não apenas de inter- pretar as palavras segundo as acepções aceitas e a técni- ca do livro segundo os procedimentos já conhecidos, mas também de deixar-me transformar por ele e dotar-se por ele de novos órgãos. Você percebeu a importância que Merleau-Ponty concedeu ao corpo? Segundo ele, a leitura é corporal, posto que per- passa pelo corpo do autor e do leitor; é uma disputa sobre a primazia no texto literário entre autor ou leitor; há um en- trelaçamento entre a visão e a percepção. Medite um pouco sobre essas afirmações do filósofo. Compare com a Declaração dos direitos da criança leitora (e algumas disposições sobre as crianças e a literatura), disponível em: < www2.estacio.br/gra- duação/pedagogia/literarte/ Literarte06/artigos.htm>. Passemos agora a um literato alemão: Wolfgang Iser (1926- 2007). Esse teórico da Estética da Recepção3 se volta para o estudo das atividades imaginativas e perceptivas do leitor frente ao texto literário e define o processo da leitura como: Figura 4: Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). 3 Iniciado na Universidade de Constan- ça, sul da Alemanha, em 1967, o mo- vimento literário conhecido como Es- tética da Recepção se preocupou com a recepção da literatura e seus efeitos no leitor. 18 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil [...] interação dinâmica entre texto e leitor. Pois os signos lingüísticos do texto, suas estruturas, ganham sua fina- lidade em razão de sua capacidade de estimular atos, no decorrer dos quais o texto se traduz para a consciência do leitor. [...] O autor e o leitor participam portanto de um jogo de fantasia; jogo que sequer se iniciaria se o texto pretendesse ser algo mais do que uma regra de jogo. É que a leitura só se torna um prazer no momento em que nossa produtividade entra em jogo, ou seja, quando os textos nos oferecem a possibilidade de exercer as nossas capacidades. (ISER, 1999, v.2, p. 11). Iser defende: a interação entre texto e leitor (cabe ao leitor, estimulado pelo texto, atualizá-lo pelos atos de sua consciên- cia imaginante); o ponto de vista em movimento (o leitor apre- ende o texto em fases consecutivas da leitura na medida em que se movimenta dentro dele); os correlatos de consciência produzidos pelo ponto de vista em movimento (o texto per- mite que o leitor, por meio de suas memórias e expectativas, agrupe os signos textuais, identifique suas relações e produza um novo sentido; a leitura é um jogo (deve produzir prazer no momento em que o leitor converte o livro em objeto estético). Você entendeu? Vamos dizer o mesmo em outras pala- vras: o texto literário não é completo em si mesmo; é elabo- rado pelo autor com vazios que permitem a intromissão do leitor; assim, além do registro da reação do autor ao mundo, necessita da experiência do leitor que, ao interpretá-lo, in- fere novos sentidos ao lido; na medida em que o leitor se envolve com o texto, ele desenvolverá uma atitude estética. Figura 5: Wolfgang Iser (1926-2007). 19Leitura Ficou mais fácil? Que tal apresentar a leitura na biblioteca como um jogo? Concorda que as crianças e os jovens aprecia- riam muito mais a leitura por prazer do que a leitura por dever? Agora, examinemos o que pensa um professor brasileiro a respeito da leitura: Ezequiel Theodoro da Silva. Esse educador está bem vivo e atuante em prol do desenvolvimento da leitu- ra no Brasil e, provavelmente, não gostaria que citássemos sua idade. Preocupado inicialmente com a leitura como a decodifi- cação de símbolos e, depois, com a compreensão do texto, em seus últimos trabalhos defende a leitura como a interpretação do texto. Assim é que afirma: “A leitura é uma forma de en- contro entre o homem e a realidade sócio-cultural” e ler é “um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.” (SILVA, 1981, p. 41, 45). Atento à realidade educacional brasileira, o Autor aponta a leitura como essencial para o ser humano situar-se no mun- do, compreender o mundo e participar ativamente no mundo. Seu direcionamento a respeito da interpretação do texto escri- to volta-se para a criticidade como fundamental no processo educativo e, então, prioriza a leitura de textos informativos, conquanto não despreze a leitura de textos ficcionais. E você? Considera o ato de ler um processo dinâmico? Concede espaço para que a criança e o adolescente executem a leitura como uma compreensão do mundo? Permite e incen- tiva a crítica dos textos? Na leitura, devemos levar em conta os fatores não-cogniti- vos (emoções, atitudes, interesses, personalidades) que inter- ferem na interpretação do escrito. Mas os fatores cognitivos são importantes também! Compreender um texto exige certas habilidades e competências que a escola desenvolve: a) o conhecimento lingüístico: pronúncia correta da lín- gua vernácula, reconhecimento do vocabulário, uso das 20 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil regras de sintaxe, processamento do texto (agrupamen- to das letras em palavras, das palavras em frases, das frases em parágrafos, a fim de construir significados); b) o conhecimento textual: a estrutura narrativa (o porquê e o tempo da história, as personagens, o cenário, a com- plicação e a resolução da trama); a estrutura expositiva (ênfase nas idéias e não nas ações, causa e efeito dos acontecimentos relatados na história); a estrutura des- critiva (relação de qualidades ou características de algo ou alguém). Isso é o que ensina a professora titular da Universidade Es- tadual de Campinas, Doutora em Lingüística Aplicada, Angela Kleiman, que atua nos seguintes temas: leitura, formação do professor de língua materna e letramento. Mas ela aponta ou- tro fator: A compreensão de um texto é um processo que se ca- racteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento ad- quirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento do mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um pro- cesso interativo. (KLEIMAN, 1999, p. 13, grifo da autora). Você notou que o conhecimento do mundo tem papel fun- damental na compreensão do texto? Que as vivênciasauxi- liam na elaboração dos significados? Entretanto, esse fato foi obliterado por algumas teorias da leitura, que criaram alguns modelos de leitura. É o que veremos a seguir. 1.2 Modalidades 21Leitura Modelo pode ser entendido como o que serve para ser imi- tado, e é imitado porque se mostrou bom ou útil. Modalidade, a seu turno, significa um aspecto ou uma maneira diferente das coisas. Ocorre, entretanto, que certas modalidades acabam virando modelos, ou seja, a visão de um indivíduo transforma- se em visão de muitos, e a percepção individual é partilhada de modo entusiasta. Tem-se, então, um originador de idéias e os seguidores que propagam o pensamento de seu mestre. Quando um modelo perdura por muito tempo (resiste às argu- mentações contrárias), diz-se que ele é clássico. Determinados modelos clássicos de leitura partem da psi- cologia organísmica, quer dizer, tem o ser humano como um organismo adaptável a diferentes ambientes. Outros, são me- canicistas, baseados em uma visão positivista do homem. Silva (1981) lista alguns: a) com base na teoria dos fatores subjacentes da leitura: parte do pressuposto que o ato de ler exige o agrupa- mento de células cerebrais, consideradas subsistemas; b) fundamentado em considerações neurológicas: a leitura depende de transmissões sinápticas adequadas; c) como um rol de competências acionadas sincronica- mente no momento da leitura: percepção da palavra, compreensão do lido, reação às idéias apresentadas, as- similação do texto; d) como um elenco de habilidades do intelecto humano: a leitura é o resultado do cruzamento entre as operações e os produtos do intelecto, que vão desde o conheci- mento e informações até o pensamento crítico; e) credita valor à velocidade da leitura: apresenta a agili- dade como uma função da flexibilidade do leitor e da natureza do texto; Sinapse A sinapse é uma região de contato muito próximo entre a extremidade de um neurônio e a superfície de outras células. As membranas das células que fazem sinapses estão muito próximas, mas não se tocam. Há um pequeno es- paço entre as membranas celulares (o espaço sináptico ou fenda sináptica). Nesses espaços são liberadas substân- cias químicas, que funcionam como comunicadores, que vão desencadear o impulso nervoso. 22 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil f) tem a leitura como um processo seletivo da mente do autor: memória, pistas gráficas, imagem perceptual, es- colhas semânticas, decodificação e sentido; g) classifica os níveis cognitivos da compreensão, dispon- do-os hierarquicamente: reconhecimento, memória, re- organização, inferência, avaliação e apreciação; h) enfoca a competência de leitura: verifica a habilidade global de leitura e a correlação entre leitura oral e si- lenciosa. Para Silva (1981), tais modelos de leitura são reducionistas e se preocupam apenas com a quantificação e o controle do ato de ler; separam sujeito e objeto como se a mente humana reagisse da mesma forma que o computador. Ele, entretan- to, concebe a leitura como um fenômeno, e, assim, apresenta um modelo com ênfase na dimensão psicológica do ato de ler. Para tanto, esquematiza uma estrutura fenomenal, em que os elementos da comunicação deixam de ser apenas o emissor, a mensagem e o receptor, mas se configuram como uma supe- restrutura em que contam uma multiplicidade de elementos significativos, organizados, dinâmicos, relacionais entre si e à existência humana. Eis a estrutura fenomenal – a situação de comunicação da leitura, como a entende Silva (1981): a) estrutura do sujeito (emissor): o ser humano é um ser- no-mundo-com-os-outros, sua experiência é intersub- jetiva, histórica e cultural; b) estrutura da mensagem: a mensagem é a expressão de um sujeito, estruturada por um código lingüístico e porta significados; 23Leitura c) estrutura do código: entendido como um campo de co- municação, o código representa o mundo, é um sistema que permite a reconstrução; d) estrutura do mundo: para a fenomenologia, o mundo é histórico e cultural, portanto, humano; destarte, o ato de ler é vivido por um sujeito que se imbrica no mundo, que realiza o diálogo existencial. O modelo de leitura, na concepção de Silva (1981), não pode seguir padrões funcionalistas, experimentais ou natura- listas; há que se basear em uma visão fenomenológica, o que implica ser direcionado a um determinado tipo de leitura: a crítica, geradora de significados. Segundo ele, é esse tipo de leitura, questionadora, que deve ser implementada na escola, visto que gera a expressão – a criação de um novo texto. Vimos que Silva (1981) considera o ato de ler como parte integrante da vida humana; tal se dá porque o homem intera- ge com o mundo por meio de significados sígnicos, em dife- rentes tipos de linguagem (oral, escrita, musical, corporal, en- tre outras). Além disso, advoga: o mundo cultural conta com o código escrito, o que leva o homem da condição de ouvinte à condição de leitor; a apreensão da leitura propicia a inserção nas sociedades letradas; a leitura é um objeto do discurso e, como tal, inesgotável na ação de atribuição de significados; a presença do ato de ler no projeto humano admite a intencio- nalidade – o direcionamento para o objeto, com vistas seja à compreensão (do mundo, de si), seja à interpretação (descon- textualizar um texto para recontextualizá-lo). Conclui seu pensamento com as palavras: o ato de ler “sempre envolve apreensão, apropriação e transformação de significados, a partir de um documento escrito” e “leitura sem compreensão e sem recriação do significado é pseudoleitura.” (SILVA, 1981, p. 96). 24 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Reflita um pouco sobre os modelos clássicos de leitura e sobre o modelo fenomenológico. Reparou como os modelos clássicos priorizam apenas os fatores cognitivos? Segundo Pinto e Richter (2009), existem três modelos básicos de leitura, embasados por fatores cognitivos: o modelo descendente, defendido por Goodman; o modelo ascendente, defendido por Gough; e o modelo interativo, defendido por Rumelhart. Examinemos cada um deles. O primeiro modelo, descendente, implica o processamento de predições progressivas sobre pequenas unidades do texto, em contraste com o conhecimento prévio do leitor. Significa que o leitor vale-se de seu conhecimento prévio para interpre- tar o texto e que, na verdade, é o leitor quem constrói o texto a partir de adivinhações e hipóteses que vai desenvolvendo ao longo da leitura. O segundo modelo, ascendente, advoga que a leitura é linear: parte das letras para sons, palavras, sentenças e, no fim, para significado. Significa dizer que as letras devem ser consideradas individualmente pelo leitor que, dessa maneira, partindo das partes para o todo, terá condições de assinalar o significado de cada uma, depois, de pequenas unidades textu- ais, e culminar com a compreensão de todo o texto. O terceiro modelo, interativo, salienta a importância de uti- lizar de forma simultânea ou de forma alternada os modelos precedentes. Significa aceitar a idéia de um leitor maduro, há- bil, que trafega com tranqüilidade pelo texto, ora partindo do geral para o particular, ora do particular para o geral. A com- preensão, nesse caso, advém da percepção e da cognição do 25Leitura leitor ativadas pelo movimento da retina, e termina com sua idéia sobre a intenção do autor do texto. A pesquisa de Pinto e Richter (2009) oferece, como su- gestão, a aplicação intercalada dos três modelos de leitura, levando em conta o conhecimento prévio, o conhecimento lingüístico, o vocabulário e os esquemas mentais do leitor, e, também, os aspectos formais do texto. Mas o assunto não se esgotou. Vamos adiante! Kato (1990, p. 40), em uma abordagem psicolingüística, es-clarece que o leitor que privilegia o processo descendente é aquele “que apreende facilmente as idéias gerais e principais do texto, é fluente e veloz”, mas, por outro, lado “faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-las com os dados do texto, através de uma leitura ascendente.” Pode-se dizer, então, que esse tipo de leitor vale-se exaus- tivamente do conhecimento prévio, não se atendo muito na informação fornecida pelo texto. Quanto ao leitor que utiliza o processo ascendente, que constrói o significado com “base nos dados do texto, fazendo pouca leitura nas entrelinhas, que prende detalhes detectando até erros de ortografia”, mas que, “ao contrário do primeiro tipo, não tira conclusões apressadas”, Kato (1990, p, 40-41) chama de leitor “vagaroso e pouco fluente”, com “dificuldade de sintetizar as idéias do texto por não saber distinguir o que é mais importante do que é meramente ilustrativo ou redun- dante.” Assim, Kato (1990, p. 41) põe em evidência um terceiro tipo de leitor, que nomeia de “maduro”, posto que “usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois processos com- plementarmente”. Claro está que, nesse último caso, esse leitor já é proficien- te e tem um histórico de leituras. Não se trata do leitor inicial, para quem as dificuldades de decodificação, entendimento do 26 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil texto e atribuição de sentidos ao texto se apresentam como desafios. De qualquer maneira, os modelos descendente, ascendente e interativo, conquanto apresentem pontos positivos, são alvo de crítica. Vejamos o porquê. Martins e Niza (2009) esclarecem que o modelo descen- dente é criticado porque carece de explicações sobre: como são realizadas e testadas as predições do leitor, porque os tem- pos de leitura são maiores nas predições do que no reconheci- mento de palavras, o comportamento de leitores experientes, e a importância concedida à via visual no processo da leitura. Além disso, mostram que o modelo ascendente também apre- senta problemas, pois, além da falta de flexibilidade (considera a linguagem escrita uma decodificação da linguagem oral, e a leitura, a transformação dos grafemas em fonemas), esque- ce que o contexto influencia a leitura. Dessa feita, existiria apenas uma estratégia de leitura para atingir o significado do texto, o que implica dizer que são desprezadas as relações semânticas entre as palavras. Por outro lado, o modelo intera- tivo, mesmo assumindo a intermediação entre os dois primei- ros, não pode ser chamado de completo, haja vista que não explica as fases iniciais de aprendizagem da leitura. Assim, as Autoras apresentam modelos de aprendizagem da leitura baseados em estágios, os quais tentam caracterizar as várias fases de aquisição da leitura na infância. O primeiro desses modelos divide a aprendizagem da leitura em quatro estágios: a) adivinhas lingüísticas (reconhecimento de pala- vras partícipes do vocabulário visual, por meio da percepção visual e pela leitura de algumas palavras tendo como base o contexto extra-linguístico); b) rede de discriminação (tenta- tiva de leitura de palavras cuja base principal é o contexto, seguida da primeira letra da palavra que funciona como ín- dice gráfico); c) decodificação seqüencial (leitura de palavras Grafema “É a unidade fundamental ou mínima de um sistema de escrita.” (WIKIPEDIA, 2009). Fonema “É a unidade mínima no sistema de sons de uma língua.” (BLACKBURN, 1997, p. 156). 27Leitura por meio de decodificação e correspondência entre letras e sons, privilegiando as palavras irregulares com antecipações baseadas no contexto em que estas aparecem); d) decodifica- ção hierárquica (a decodificação e a correspondência entre as letras e os sons levam em conta os valores posicionais das le- tras). Surgiram outros modelos, na mesma linha dos estágios, mas tanto o primeiro quanto os últimos também são alvo da crítica, pois estudos recentes detectaram que a aquisição da leitura permite vários percursos, várias estratégias. Tais estra- tégias, pela flexibilidade embutida e consentida, permitem que a criança chegue à compreensão do texto e que venha, então, ser um bom leitor. (MARTINS; NIZA, 2009). Lembra o que Leffa (1996), falou a respeito da intenciona- lidade de ler? Esqueceu? Então volte algumas páginas e veri- fique a importância do desejo e da motivação no exercício da leitura. Por isso, ele afirma que os modelos ascendente e des- cendente conduzem a definições restritas da leitura porque o primeiro se prende à extração pura e simples do significado do texto e o segundo, à atribuição de significado ao texto. Ambos valorizam ou o texto ou o leitor e esquecem que a intenção de ler se prende a determinados objetivos que somente serão atingidos se o leitor interagir com o texto. Em outras palavras: os fatores não-cognitivos se fazem presentes na leitura, pois a mesma é transcendental e intersubjetiva. Você percebeu a preocupação dos educadores com os mo- delos de leitura? Temos certeza de que essa também é uma preocupação sua! No meio de tantos, qual escolher? Leia de novo esse subtópico, reflita sobre ele, converse com seus pa- res, verifique qual modelo utilizam, se estão obtendo bons re- sultados, que sugestões oferecem. Lembre-se de que você, como leitor adulto, já dispõe de uma bagagem de experiência e se encontra em situação de vantagem em relação à criança, cujas vivências são incipien- 28 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil tes, mas que interferem no processo de aprendizagem da lei- tura. Por esse motivo, as teorias apresentadas o ajudarão a conduzir esse processo e a valer-se de estratégias de leitura que permitam à criança extrair os significados do texto, atri- buir significados ao texto e interagir com o texto. É o que estudaremos a seguir. 1.3 Estratégias Estratégia, em sentido estrito, refere-se à arte militar que trata das operações e movimentos de um exército para vencer o inimigo. Na rotina diária, usamos o termo como meio de aproveitar determinadas condições para atingir certos objeti- vos. Ora, é certo que estamos empenhados em uma guerra: vencer o desânimo que afeta crianças e jovens quando se de- frontam com a dificuldade da leitura. Mas é certo também que canalizamos nossos esforços no sentido de, dia-a-dia, paulati- namente, pacientemente, esperançosamente, desbloquear es- sas frustrações e inseri-los no rol de pessoas leitoras. Não é apenas o educador que se vale de estratégias da lei- tura. O leitor faz uso delas. Sempre. Qualquer leitor: desde a criança em fase de alfabetização, até o leitor proficiente. Comecemos com o leitor aprendiz. Kato (1990), baseada em várias pesquisas, mostra que as crianças no início da aprendizagem da leitura valem-se de: a) estratégias de inferência: operam com segmentos de palavras conhecidas, e, por dedução, concluem as ca- deias de letras. Usam o raciocínio. b) ilustração como texto: não diferenciam a função do texto e a função da ilustração. É a fase pictográfica. 29Leitura c) valor icônico à escrita: acreditam que objetos grandes são representados por palavras grandes. É a etapa pré- silábica. d) análise e síntese: pelo crescimento do léxico visual e da familiaridade com os segmentos mais freqüentes da lín- gua, fazem previsões mais significativas; a decodifica- ção do estímulo visual não necessita da mediação foné- tica ou fonológica. É a leitura sem vocalização. Entretanto, lembra Kato (1990, p. 11-12): Vimos até aqui que as pesquisas e teorias especulativas sobre a aquisição da escrita supõem etapas seqüenciais caracterizadas por diferentes concepções e por diferentes comportamentos. Mas há evidências também que apontam para a possibilidade de haver: a) regressões de comporta- mentos e b) superposições de concepções. Assim, umalei- tura mais linear e menos preditiva pode ocorrer mesmo em leitores altamente proficientes, quando o grau de novidade do texto ou sua complexidade estrutural diminuem sua le- gibilidade e exigem, para sua compreensão, operações de análise-síntese a nível de unidades menores do que o leitor está acostumado a utilizar. Há momentos em que até a vocalização ou a subvocalização se faz necessária. Ora, isso significa que não apenas a criança, mas também o adulto, ao se deparar com uma palavra nova, pode aproximar a escrita da fonética, mesmo tendo consciência de que esse não é o caso na língua pátria. Um outro fenômeno que pode ocorrer é a troca de uma letra por outra, baseada no uso da situação átona; é o caso, por exemplo, de escrever ou ler previlégio em vez de privilégio. Tal se dá porque o leitor não tem certeza da forma correta da palavra e generaliza a hipótese de que o som de i é equivalente à letra e. Assim, mesmo nós, adultos, educa- 30 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil dores, temos de nos policiar para não cairmos em regressões ou superposições de concepções. Outro fator que merece análise é o mencionado por Fer- reiro (1991, p. 64-65): “Estamos tão acostumados a conside- rar a aprendizagem da leitura e escrita como um processo de aprendizagem escolar” que “se torna difícil reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito antes da escolarização” e “os educadores são os que têm maior difi- culdade em aceitar isso”, mas “felizmente, as crianças de todas as épocas e de todos os países ignoram esta restrição”, pois “nunca esperaram completar 6 anos e ter uma professora à sua frente para começarem a aprender. Desde que nascem são construtoras de conhecimento” e “no esforço de compreender o mundo que as rodeia, levantam problemas muito difíceis e abs- tratos e tratam, por si próprias, de descobrir respostas para eles.” Assim, as crianças se valem de estratégias de apren- dizagem: as informações retiradas do seu cotidiano são interpretadas por meio de um esquema conceitual que constroem a fim de transformar tais informações em co- nhecimento. Dessa maneira, as crianças, mesmo fora do controle sistemático da escola, podem aprender a leitura e a escrita. Tal se dá porque acoplamos o conhecimento subjetivo ao objetivo. É como se, desde a infância, cons- truíssemos esquemas para representar o mundo percebido. Leffa (1996, p. 35) explicita: 31Leitura Na interação com o meio, o indivíduo vai percebendo que determinadas experiências apresentam características co- muns com outras. Um almoço em casa com a família pode ser diferente de um almoço com um executivo impor- tante, mas há entre um e outro uma série de elementos comuns que tipicamente caracterizam o acontecimento como almoço: a hora, o uso de talheres, a ingestão de alimentos, etc. Os esquemas são estruturas abstratas, permeadas de variá- veis que caracterizam determinados acontecimentos aos quais inferimos valor. Dessa feita, não são estáticos, mas dinâmicos, mutáveis, admitindo subesquemas que se entrelaçam, como uma rede. Isso significa dizer que, de acordo com a experiência do indivíduo, certos fatos ou certas ações se configuram ora como figura, ora como fundo, ou seja, têm maior ou menor importância em sua vida. Levando para o campo da leitura, podemos dizer que a compreensão de um texto depende das variáveis contidas em um texto e de como realizamos a ligação entre elas. Se as variáveis forem ambíguas para o leitor, ele fica- rá desorientado e acionará os esquemas para por em ordem seu pensamento. Como faz isso? Buscando informações adicionais: a) no título; b) na sequência das frases; c) no contexto do assunto; d) nas suas inferências. 32 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil O leitor maduro aciona com mais facilidade os esquemas, trafega com desenvoltura entre um e outro, realiza inferên- cias com base em suas lembranças e expectativas. O leitor inciante, por outro lado, apresenta algumas dificuldades, seja em virtude de pouco conhecimento prévio, seja pela impossibilidade de elaborar hipóteses. Falta, a esse último, a capacidade de avaliar a relevância, pertinência ou o sen- tido dos dados apresentados. Assim, nem sempre consegue transformar os dados do texto em informações significati- vas. Por conseguinte, não extrai significado do texto, não atribui significado ao texto, não interage com o texto. A criança, se não tiver o necessário conhecimento lingüís- tico, textual e do mundo, enfrentará sérias dificuldades em se tornar leitora assídua, pois a construção dos esquemas se apresentará como uma tarefa penosa. Quando a família não incentiva o diálogo, a troca de experiências (sensíveis, leito- ras), a criança pode se atemorizar ante um texto complexo, não se atrevendo mesmo a formular suposições de sentido, pois há o risco de ser ridicularizada. Por outro lado, a criança que recebe estímulos no lar, sente-se mais segura para organi- zar os esquemas de compreensão de um texto, não se intimi- dando ante os possíveis erros de interpretação. O que pode a escola fazer para ajudar a criança com dificul- dade em utilizar estratégias de leitura? O educador deve lem- brar-se de que obstáculos menores são mais facilmente venci- dos e que cada obstáculo superado gera confiança em superar outros que se apresentarem. Assim, propiciar textos com níveis gradativos de complicações, que façam parte das vivências da 33Leitura criança, que ativem o intelecto e instiguem o imaginário é um bom começo. Para isso, nada melhor do que a leitura literária, ou seja, urge destacar a função poética da leitura. 1.4 Função poética Função é uma ação pecu- liar, uma missão. O poético está sempre associado ao belo, ao deleite, à fruição, à expressão conceitual-sensorial-afetiva. As- sim, a função poética da leitura é aquela atividade especial cuja finalidade é deleitar; consiste na imbricação das idéias contidas no texto com a sensibilidade e experiências emotivas do leitor. Isso implica dizer: a leitura poética é aquela que permite ao texto literário exprimir o universal de cada um. Tal se dá por- que a função poética da leitura é voltada para textos ficcio- nais, e a ficção permite a plurissignificação, a inferência de- corrente de lembranças e expectativas, o ajuste dos esquemas que organizamos para entender o lido, as múltiplas estratégias de compreensão e interpretação da escrita. Podemos ainda dizer que a leitura poética é benfazeja, pois nela contam nossas vivências psíquicas, intelectuais, corporais e lúdicas, indissociáveis no ser humano, que é uno. Um exem- plo disso é a passagem em que Proust (1982, p. 30) recorda a maneira carinhosa de sua mãe ler em voz alta e modulada, junto ao seu leito quando menino: Figura 6: O diálogo e a troca de experiências ajudam as crianças a interpretar os textos que leem. 34 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil [...] dava toda ternura natural, toda a ampla doçura que exigiam, àquelas frases que pareciam escritas para a sua voz e que, por assim dizer, cabiam inteiras no registro de sua sensibilidade. Para atacá-las no devido tom, sabia en- contrar o acento cordial que lhes preexiste e que as ditou, mas que as palavras não indicam: graças a ele, amortecia de passagem toda rudeza nos tempos dos verbos, dava ao imperfeito e ao pretérito perfeito a doçura que há na bondade, a melancolia que há na ternura, encaminhava a frase que ia findando para aquela que ia começar, ora acelerando, ora retardando a marcha das sílabas para fa- zê-las entrar, embora diferissem de quantidade, num rit- mo uniforme e insuflava àquela prosa tão comum uma espécie de vida sentimental e contínua. Você, provavelmente, já leu em voz alta para alguma crian- ça. Preocupou-se em demonstrar ternura, doçura, sensibilida-de, cordialidade, bondade? Fez, da prosa comum, um relato gostoso, ritmado, partilhado? Passou a mão pelos cabelos da criança, tocou de leve seu rosto, sorriu para ela enquanto a leitura a fazia viajar pelos caminhos do imaginário? Lembre-se: o afeto e o toque são componentes impres- cindíveis na leitura poética solidária. O prazer de ler e o pra- zer de ouvir perpassam pela corporeidade da leitura, pela aceitação do outro no nosso campo de presença, pelo des- centramento. Mas a leitura poética permite, ainda, o envolvimento do lei- tor com as personagens literárias. Mesmo que a criança prefira ler sozinha, o texto literário, sendo obra de arte, permite inci- tações, instiga a imaginação e possibilita a identificação com as personagens ficcionais. O efeito estético que a experiência 35Leitura da leitura produz é tal que, ao terminar o livro, o leitor sente- se apaziguado, revigorado, confortado. A presença marcante da personagem ficcional – o corpo do outro – garante que des- frutamos de companhia, que, por alguns momentos que sejam, saímos do centro e permitimos a invasão do outro em nossos pensamentos, dividimos com ele nossas angústias e anseios secretos. É essa intercorporeidade e esse descentramento que permitem que a leitura, mesmo a solitária, seja terapêutica. Claro está que, para que isso aconteça, o ato da leitura deve ser um exercício de liberdade. Liberdade para ler o que quiser, como quiser e quando quiser. Você lembra dos dez di- reitos imprescritíveis do leitor apontados por Pennac (1998)? Eles foram apresentados a você na disciplina Novos rumos da biblioteca escolar. Vamos recordá-los? Vá até a próxima página. Você acrescentaria mais algum direito à criança leitora? Qual? Não sabe? Não se apresse. Reflita um pouco. Conse- guiu? Ótimo! Volte, agora, algumas páginas e releia a definição de Sartre sobre a leitura. O tema da liberdade é o núcleo central do pen- samento sartriano. De fato, para o filósofo, o sentido da obra não está contido nas palavras de um livro, pois o leitor tem a liberdade de inferir a significação que quiser; por outro lado, o autor tem a liberdade de apresentar no texto o que lhe apraz, apostando no envolvimento do leitor e sabendo da possibili- dade de o mesmo contestar o escrito. 36 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Os dez direitos imprescritíveis do leitor O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível) O termo bovarismo vem da personagem Madame Bovary, de Gustave Flaubert: jovem provin- ciana que, por meio das leituras, tinha acesso à vida glamurosa e intensa da corte. Sonhava acordada. Não é bom sonhar? Fugir do cotidiano? Identificar-se com o herói ou o vilão da história? Por instantes, ser o outro? O direito de ler uma frase aqui e outra ali Não é gostoso folhear um livro, e, ao acaso, parar em uma de suas páginas, ler uma frase, um parágrafo? É como se fôssemos a uma loja e, displicentemente, passeássemos entre as prateleiras repletas de novidades e apanhássemos nas mãos um objeto aqui, outro ali, anteci- pando o prazer da compra. Pois é. Com os livros acontece o mesmo. Em uma livraria, fazemos muito isso: folheamos, lemos alguns trechos, até decidir pela compra desse ou daquele título. Permita à criança essa exploração saborosa na biblioteca de sua escola! O direito de calar Nem sempre estamos dispostos a compartilhar nossos pensamentos, a externar o que achamos desse livro ou desse autor. Às vezes ler é um momento de intimidade, um instante que o leitor deseja compartilhar com o autor e mais ninguém. O direito de ler em qualquer lugar Onde está escrito que a leitura deva ser somente em sala de aula? Ou na biblioteca? Ou no quarto? Por que não pode ser no jardim de casa? Ou na sacada do apartamento? Ou no banheiro? O direito de ler em voz alta O prazer de ouvir o som da própria voz, de verbalizar o escrito, de externar o encanta- mento – sua biblioteca propicia isso? Você transforma a Hora do Conto em um exercício lúdico, um espaço de expressão? O direito de reler O direito de não ler Como nós, às vezes a criança não está com vontade de ler. Forçá-la a isso seria transformar a leitura em um ato penoso e desagradável. O direito de não terminar um livro Nem sempre é preguiça ou falta de tempo. Simplesmente pode ser: o livro não agradou. Por que, então, continuar a leitura? O direito de ler qualquer coisa O que seria do vermelho se todos gostassem do amarelo? Pois é, com a leitura isso também é verdade: o livro que acho ótimo, outros podem não gostar. Se considero um texto como não literário, classificando-o como literatura de massa, não é razão para impedir sua leitura. Às vezes, os gibis despertam o prazer de ler. Com o tempo, a criança procurará textos mais densos. O direito de pular páginas Quem, durante sua vida leitora, não pulou as páginas de uma narrativa longa demais? Permitir que a criança “elimine” trechos cansativos da leitura facilita seu entendimento acerca da leitura por prazer e da leitura por dever. Qual tipo de leitura você acha que ela prefere? Agora, a situação se inverte. O livro despertou tamanho interesse que a criança deseja lê-lo mais e mais vezes. Quase sabe a história de cor. Mesmo assim, sente prazer na repetição. Cabe lembrar: cada leitura é ímpar e permite novas descobertas, novos encantamentos. 37Leitura Os dez direitos imprescritíveis do leitor O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível) O termo bovarismo vem da personagem Madame Bovary, de Gustave Flaubert: jovem provin- ciana que, por meio das leituras, tinha acesso à vida glamurosa e intensa da corte. Sonhava acordada. Não é bom sonhar? Fugir do cotidiano? Identificar-se com o herói ou o vilão da história? Por instantes, ser o outro? O direito de ler uma frase aqui e outra ali Não é gostoso folhear um livro, e, ao acaso, parar em uma de suas páginas, ler uma frase, um parágrafo? É como se fôssemos a uma loja e, displicentemente, passeássemos entre as prateleiras repletas de novidades e apanhássemos nas mãos um objeto aqui, outro ali, anteci- pando o prazer da compra. Pois é. Com os livros acontece o mesmo. Em uma livraria, fazemos muito isso: folheamos, lemos alguns trechos, até decidir pela compra desse ou daquele título. Permita à criança essa exploração saborosa na biblioteca de sua escola! O direito de calar Nem sempre estamos dispostos a compartilhar nossos pensamentos, a externar o que achamos desse livro ou desse autor. Às vezes ler é um momento de intimidade, um instante que o leitor deseja compartilhar com o autor e mais ninguém. O direito de ler em qualquer lugar Onde está escrito que a leitura deva ser somente em sala de aula? Ou na biblioteca? Ou no quarto? Por que não pode ser no jardim de casa? Ou na sacada do apartamento? Ou no banheiro? O direito de ler em voz alta O prazer de ouvir o som da própria voz, de verbalizar o escrito, de externar o encanta- mento – sua biblioteca propicia isso? Você transforma a Hora do Conto em um exercício lúdico, um espaço de expressão? O direito de reler O direito de não ler Como nós, às vezes a criança não está com vontade de ler. Forçá-la a isso seria transformar a leitura em um ato penoso e desagradável. O direito de não terminar um livro Nem sempre é preguiça ou falta de tempo. Simplesmente pode ser: o livro não agradou. Por que, então, continuar a leitura? O direito de ler qualquer coisa O que seria do vermelho se todos gostassem do amarelo? Pois é, com a leitura isso também é verdade: o livro que acho ótimo, outros podem não gostar. Se considero um texto como não literário, classificando-o como literatura de massa, não é razão para impedir sua leitura. Às vezes, os gibis despertam o prazer de ler. Com o tempo, a criança procurará textos mais densos. O direito de pular páginas Quem, durantesua vida leitora, não pulou as páginas de uma narrativa longa demais? Permitir que a criança “elimine” trechos cansativos da leitura facilita seu entendimento acerca da leitura por prazer e da leitura por dever. Qual tipo de leitura você acha que ela prefere? Agora, a situação se inverte. O livro despertou tamanho interesse que a criança deseja lê-lo mais e mais vezes. Quase sabe a história de cor. Mesmo assim, sente prazer na repetição. Cabe lembrar: cada leitura é ímpar e permite novas descobertas, novos encantamentos. 38 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil A leitura poética, portanto, é um contrato de liberdade entre autor e leitor. Como tal, não deve imposta nem co- brada. A leitura poética é aquele momento especial em que o corpo do texto se entrelaça com o corpo do leitor, a fala do autor se mescla à fala do leitor; dá-se quando o primeiro instiga esse último a transformar as significações conhe- cidas em novas significações. Em outras palavras: o objeto estético, a experiência da leitura, enseja a dimensão criativa do leitor, pois existe o que chamamos de sobre-significação da expressão literária. Na leitura poética é como se acendesse uma faísca. Vejo e, de repente, percebo. Como bem disse Merleau-Ponty (2002, p. 33): ponho-me a ler preguiçosamente, contribuo apenas com algum pensamento – e, de repente algumas palavras me despertam, o fogo pega, meus pensamentos flamejam, não há mais nada no livro que me deixe indiferente. O momento em que o fogo pega é o do descentramen- to: o autor sai do centro e permite a intromissão do leitor; é a relação de cumplicidade entre ambos. Isso significa que a fala literária do escritor teve força suficiente para mover a capacidade criadora do leitor. Dessa feita, a leitura poética é uma retomada: a universalidade estética permite que cada um retome a operação expressiva à sua maneira. Por esse motivo, é transcendente. Isso nos remete aos vazios iserianos do texto literário. Se- gundo Iser (1996-1999), os espaços vazios dos textos literários permitem uma comunicação entre texto e leitor. Assim, o não- dito no texto (o que o autor ocultou) estimula o leitor, mas tal 39Leitura se dá porque o dito (o que o autor mostrou) permite essa esti- mulação. Ou seja, a potência encantatória da literatura instiga o leitor e, assim, a leitura poética é um processo interativo. Mas é também uma atividade sintética, pois exige do leitor ir além dos dados textuais, reconfigurando-os de maneira que se forme um novo texto. E isso o leitor faz com prazer, como se participasse de um jogo. Tal prazer, de acordo com a concepção iseriana (e também barthesiana), não é um elemento do texto, é criado pelo lei- tor no momento em que o mesmo se envolve com a escrita literária. Cabe mencionar que a fruição da literatura tem sido objeto de discórdia entre os teóricos. Segundo Barthes (1999, p. 9, grifo do autor): Se leio com prazer esta frase, esta história, ou esta pala- vra, é porque foram escritas no prazer (este prazer não está em contradição com as queixas do escritor). Mas e o contrário? Escrever no prazer me assegura – a mim, escri- tor – o prazer de meu leitor? De modo algum. Esse leitor, é mister que eu o procure (que eu o “drague”), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado. Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o es- paço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lança- dos, que haja um jogo. O espaço poético, então, permite a fruição da linguagem, a leitura desbravadora, a ruptura de mensagens enclausuradas no pensamento do escritor, a fenda no texto. Podemos mesmo dizer que o espaço poético é a fenda do texto, o corte que o leitor faz pelo viés de sua subjetividade. Essa apropriação “irresponsável” do texto pelo leitor – o prazer do texto – é condenada por alguns críticos. Fontes (2009, p. 149) lembra a fala de Pierre Bourgeade no Colóquio sobre a situação da literatura, em 1976: Figura 7: Roland Barthes (1915-1980). 40 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil A noção de prazer está na moda; o prazer e o desejo [...]. Creio que seria perigoso, para nós, aceitar a noção de pra- zer, que, segundo penso, já é falsa para o escritor, e ainda mais para o leitor: porque essa noção de prazer, no fundo, é a noção sobre a qual se baseia a crítica subjetivista, a crítica mais reacionária; é a noção que justifica tudo. A citação mostra o impacto causado pelo livro de Barthes (cuja primeira edição, em francês, data de 1973). De fato, o debate a respeito do prazer do texto, na época, tinha a ver com questões políticas e ideológicas: era o embate entre a di- reita burguesa, subjetivista (que defendia os valores de prazer e beleza do texto), e a esquerda, marxista, intelectualista, (que combatia o deleite textual, pois achava que o mesmo poderia ser veículo de pensamentos perigosos). Entretanto, o texto barthesiano advogava que acreditar no prazer do texto como sendo uma idéia da direita é uma “mito- logia”, é “o velho mito reacionário do coração contra a cabeça, da sensação contra o raciocínio” e, dos dois lados, persiste “a idéia bizarra de que o prazer é coisa simples, e é por isso que o reivindicam ou o desprezam”, mas o prazer “não depende de uma lógica do entendimento e da sensação”, de fato, “é uma deriva, qualquer coisa que é ao mesmo tempo revolucionária e associal e que não pode ser fixada por nenhuma coletividade, nenhuma mentalidade, nenhum ideoleto.” (BARTHES, 1999, p. 32, 33, grifo do autor). E Fontes (2009, p. 153, grifo do autor) afirma que: esse equívoco reapareceu, nos últimos tempos, em con- textos pedagógicos. [...] Há uma diferença, entretanto, e significativa: na escola, quem reivindica o direito ao pra- zer do texto são as correntes mais progressistas e mais – para usar o estereótipo – à esquerda. Justamente aquelas que procuram inovar e transformar a rotina dos velhos métodos de leitura. 41Leitura Assim, há que se deixar de lado a política e a ideologia e se concentrar no essencial: despertar o prazer de ler, apresentar o ato de ler como um gozo. Tenha em mente que a função poética da leitura permite que autor e leitor usufruam do fe- nômeno estético, compartilhem da fantasia, brinquem com o texto. Mas essa função alcança outro patamar. É o que des- tacam Yunes e Pondé (1988, p. 41): a “leitura, para a criança, bem mais do que um meio de evasão ou de socialização, é um modo de representação do real” e, “desse modo, o texto ajuda- a a reelaborar o real, sob a forma do jogo e da ficção.” Assim, a leitura poética permite não apenas sonhar (eva- são) e compartilhar idéias (socialização), mas também uma transposição dos elementos da realidade para o universo ficcional (representação do real), uma composição, um fin- gimento, uma invenção da realidade (reelaboração do real sob a forma do jogo e da ficção). Isso não é pouco! Muito mais do que decifrar o código es- crito, entender a “mensagem” do livro (fundir-se com o autor) ou dele se dissociar (pelo processo de interpretação), a leitura poética é uma recriação. Implica atividade imaginante, ebuli- ção das emoções e sensações, identificação com as persona- gens ficcionais, reflexão sobre o real. Como uma brincadeira estimulante, produz a catarse4: a harmonia dos humores cor- porais, das emoções e paixões, do prazer proporcionado pela expressão artística. De fato, a leitura poética tem esse mister: provoca, instiga, perturba. Mas, em seguida, produz o balan- ço necessário ao bem-estar, transformando a perturbação em alegria serena. É lúdica. 4 O conceito de catarse, bem como sua relação com a leitura, serão aprofun- dados na seção 2.2.3 Função terapêu- tica, deste livro. 42 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil Mesmo sendoum jogo, não prescinde de um texto coeren- te, de tessitura leve, porém não apenas ornamental. O discurso literário, conquanto privilegie a apreensão criativa do texto, não dispensa o uso correto da gramática, da sintaxe, do voca- bulário, enfim. É que o mostra Vásquez Rodriguez (2000), na Declaração dos direitos da criança leitora: Artigo 4: Nós crianças não somos estúpidos. E discorda- mos daqueles que nos tratam como incapazes. Daí exi- girmos da parte dos adultos uma linguagem normal sem diminutivos ridículos e sem frases de efeito. Artigo 9: Nós crianças, exigimos nos livros preferencial- mente feitos para nós, imagens menos óbvias e menos bobas. Não queremos em nossos livros ilustrações supér- fluas. Parágrafo: é mentira que dos livros só as imagens nos interessam. Artigo 13: A nós crianças encanta-nos a ação e o movi- mento. Gostamos do que salta e pula, e do que sonha e brilha. [...] um livro que nos atrai é aquele que pode fazer parte de nossas brincadeiras. Parágrafo: Somos fantásti- cos, mas por excesso de realismo. Artigo 20: Nós crianças gostamos de encontrar nos livros que lemos palavras raras, desconhecidas, sonoras, miste- riosas. Por isso mesmo são ofensas para nós os “glossá- rios” e “vocabulários” postos ao final ou abaixo dos tex- tos. Declaramos que nós crianças não somos retardados ou incapazes de entender a língua. Os “Dicionários para crianças” não têm valor para nós. Assim, um livro permeado de eufemismos, com finais pre- visíveis, e recheado de ilustrações desnecessárias, não cativa a criança. Ela exige um texto com o mesmo cuidado estilístico e gramatical que é ofertado ao adulto. Ora, isso implica dizer: a 43Leitura leitura poética mostra a capacidade que o texto tem de sedu- zir e encantar. Em outras palavras: tem força suficiente para envolver o leitor com a literatura, sem a intervenção de outros recursos lúdicos como a narração, a dramatização, o desenho após a história, brincadeiras, representações plásticas e musicais a partir do conteúdo do livro – o que Perrotti (2009, p. 135) chama de “tecnologia da leitura” e “nova pedagogia da leitura.” Isso não significa condenar sumariamente o uso de tais atividades posteriores à leitura literária. O que se condena é seu uso constante, como se fosse obrigatório valer-se sempre delas para que a leitura seja prazerosa, como se o projeto de recepção do texto literário infantil e juvenil estivesse vincula- do a folguedos exteriores à escritura. Ora, isso seria diminuir o potencial fruidor do texto em si, da leitura em si. Para concluir: a elaboração de um esquema conceitual, o conhecimento prévio e as estratégias de leitura, presentes na leitura poética, concedem a essa o mesmo status que a leitura informativa, didática ou curricular. Por esse motivo, deve ser incentivada nas escolas e na biblioteca. Está fazendo isso? Bibliografia Comentada AGUIAR, Vera Teixeira de; MARTHA Alice Áurea Penteado (Org.). Territórios da leitura: da literatura aos leitores. São Paulo: Cultura Acadêmica; Assis: ANEP, 2006. O livro é uma coletânea de pesquisas apresentadas no Sim- pósio Travessias: o leitor, a leitura e a literatura, que inte- grou o IX Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), no ano de 2004, em Porto Alegre. Apresenta reflexões sobre: a literatura como manifestação cultural, a melhor maneira de avaliar uma 44 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil obra literária, o fazer poético, o feminino na narrativa, a le- gitimação do livro infantil, a percepção do contexto da obra literária, o papel do leitor no processo da leitura, a leitura da literatura na escola, a presença do escritor nas aulas de literatura, as livrarias e escolas como espaços de mediação da leitura, a importância da leitura de textos poéticos, os caminhos da leitura literária no Brasil, e o caráter dinâmico da biblioteca na escola. TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. Acusa a falta de leitura de romances, contos e poemas en- tre os alunos dos cursos de Graduação em Letras das uni- versidades, futuros professores de Português. Isso, como conseqüência, afeta os alunos dos ensinos fundamental e médio, que carecem do contato maior com o texto literário, desconhecendo, assim, seu poder de conexão com o mundo real. Apresenta a obra literária como necessária ao proces- so educacional, como veículo de formação cultural do in- divíduo, como potência encantatória e como um caminho à reflexão. Síntese A leitura é um processo intencional, com objetivo e moti- vação; é um desafio, um prazer pessoal (mas ainda um pro- blema social). É também considerada ato linguistico, psico- lógico, cognitivo, neurológico, fenomenológico, pedagógico, terapêutico, corporal, descentrado. A função poética da lei- tura admite a liberdade de inferências, o diálogo com o texto, a fruição literária, a reflexão; desperta o pensamento criador; permite a brincadeira com as palavras e as imagens; é trans- cendente. 46 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil 2 Literatura infanto-juvenil Esse capítulo tem por objetivo apresentar informações e reflexões em torno da literatura infanto-juvenil. As- sim, o aluno do Curso de Especialização em Gestão de Bibliotecas escolares perceberá a necessidade de apri- morar suas leituras desse gênero literário para melhor atender os usuários. 47Literatura infanto-juvenil A literatura, como produto cultural, permite vários enten- dimentos. Observa-se que a sociedade, ao fazer um julgamen- to de valor sobre textos literários e não-literários, legitima as normas e os valores segundo seu quadro de referências, sen- do, portanto, histórica e, assim, parcial. E, como os valores e os modelos são mutáveis, o texto pode, em um contexto e momento diferentes, ser considerado ou não literário. Assim é que os estudiosos dessa área do conhecimento manifestam cautela em expressar seus pontos de vista ao conceituar a arte literária, ajuizando algumas hipóteses, tímidas assertivas e muitos exemplos. Wellek e Warren ([197-], p. 21, 22, 23,) afirmam não haver muita clareza no distinguir Literatura do que não é Literatura, mas por definição primeira, Literatura poderia ser “tudo o que se encontra em letra de forma” ou tudo o que se encontra “nos grandes livros”, porém uma e outra mostram-se inefi- cazes; o próprio termo Literatura é insuficiente, limitado “à literatura escrita ou impressa”, excluindo a oral. Para os Auto- res, a linguagem literária é conotativa, expressiva e persuasi- va. Contudo, concordam que a linguagem cotidiana possui as mesmas características. A diferença repousa na quantidade do uso dos recursos de linguagem que, na Literatura, são explo- rados de forma deliberada e sistemática; uma distinção mais nítida dá-se ao considerar como texto literário as obras nas quais predomina a função estética. Um outro teórico, Todorov (1980, p. 11, 16), confessa a di- ficuldade de “decidir entre o que é literatura e o que não o é”, ao afirmar não existir de fato um abismo entre a obra literária e produções não literárias, visto que essa fronteira levantada entre elas é uma convenção da sociedade; concebe o texto li- terário, entretanto, como “linguagem sistemática que chama a atenção sobre si própria.” Segundo ele, o texto literário é, aci- 48 Leitura e Literatura Infanto-Juvenil ma de tudo, ficção, e os gêneros literários são possibilidades do discurso humano. A mesma problemática da natureza da Literatura é aborda- da por Culler (1999, p. 27, 35-40), ao argumentar que tanto as narrativas literárias quanto as narrativas da História utilizam o narrar, tanto os relatos psicanalíticos quanto as obras filosófi- cas adotam a metáfora, o quer torna difícil “a distinção entre o literário e o não-literário; contudo apresenta