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63 Sepse Décio Diament Murillo Santucci Cesar de Assunção André Villela Lomar (in memoria) CONCEITO Do grego, sepsis (putrefação de matérias ou tecidos orgânicos). É a resposta inflamatória sistêmica exacerbada (desregulada) à infecção grave decorrente de qualquer tipo de microrganismo (bactérias, vírus ou fungos) levando a disfunção orgânica ameaçadora a vida. Não se deve mais usar o termo septicemia, porque não descreve adequadamente a gravidade da condição, restringindo o processo patológico à circulação sanguínea, quando na realidade os tecidos também participam ativamente do processo. A comprovação da existência de um foco inicial ou da presença de microrganismos também não é condição necessária à definição, uma vez que havendo a presunção de um foco, que acarrete em resposta inflamatória sistêmica com desenvolvimento de disfunção orgânica, faz-se o diagnóstico de sepse. A bacteremia, que se define como a presença de bactérias viáveis no sangue, constitui uma condição predisponente, mas nem sempre suficiente, para a existência de sepse, uma vez que os produtos tóxicos bacterianos podem levar a quadros semelhantes àqueles causados pelas bactérias integras. As bacteremias, às vezes, podem ser apenas transitórias, tal como ocorre em seguida a procedimentos invasivos (dentários, urinários, entre muitos outros), em que o número de bactérias recuperadas em hemoculturas é pequeno; ocasionalmente, também podem ocorrer bacteremias transitórias e recorrentes, provenientes de foco infeccioso localizado (pneumonias pneumocócicas, endocardite bacteriana, pielonefrite aguda etc.). Em outras ocasiões, as bacteremias são prolongadas e podem dar origem a “infecções generalizadas”, que evoluem para a sepse. “Infecções generalizadas” é a linguagem que o leigo utiliza para referenciar ao quadro grave associado as disfunções orgânicas com risco aumentado de morte, definido pela sepse. Outros termos como fungemia, parasitemia e viremia descrevem, respectivamente, a presença de fungos, parasitas e vírus no sangue. Outras doenças graves, como traumatismos de grande porte, pancreatites e queimaduras extensas, podem desencadear- reações sistêmicas inflamatórias indistinguíveis, daquela decorrente da sepse com desenvolvimento de disfunções orgânicas. Para evitar a confusão, essas condições são descritas como Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (Sistemic Inflammatory Response Syndrome – SIRS) exacerbada não causada por micro-organismos. Dentro desse contexto pode-se considerar a sepse como uma SIRS decorrente de infecção acarretando disfunção orgânica ameaçadora a vida. Entretanto, alguns indivíduos podem apresentar somente disfunções orgânicas decorrentes de infecção, sem SIRS, e também terão diagnóstico de sepse. A sepse é uma condição médica definida pela presença de foco infeccioso que esteja desenvolvendo disfunção orgânica, a qual avaliada pelo Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) (Tabela 63.1) score apresenta pontuação maior ou igual “2”. A situação de maior gravidade na sepse é o choque séptico, o qual é definido por como um quadro de sepse que apresenta distúrbio circulatório sobrejacente a alterações celulares e metabólicas, que associadas levam a um risco maior de morte do que somente a sepse (Tabela 63.2). Tabela 63.1 – Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) score Órgão/Sistema Variável Pontos 0 1 2 3 4 Respiratório PaO2/FiO2 >400 ≤400 ≤300 ≤200* ≤100* Renal Cr (mg/dl) ou Débito urinário <1.2 1.2- 1.9 2.0- 3.4 3.5-4.9 ou <500 ml/d ≥5 ou <200 ml/d Hepático BTF (mg/dl) <1.2 1.2- 1.9 2.0- 5.9 6.0-11.9 ≥12 Cardiovascular Hipotensão ou uso droga vasoativa Sem hipotensão PAM <70 mmHg Dopa ≤5 ou Dobuta (qq dose) # Dopa>5, ou Adrenalina ≤0.1, ou Nora ≤0.1# Dopa >15, ou Adrenalina >0.1, ou Nora >0.1# Hematológico Plaquetas (x103/mm3) >150 ≤150 ≤100 ≤50 ≤20 Neurológico Glasgow§ 15 13-14 10-12 6-9 <6 *Com suporte ventilatório (invasivo ou não invasivo); #Drogas adrenérgicas administradas por pelo menos uma hora (dose em µg/kg/min; §Para pacientes sedados considerar o valor da escala de coma de Glasgow antes da sedação. TABELA 63.2 Critérios para o diagnóstico e definição de sepse e choque séptico.(1, 2) Diagnóstico Definição Sepse Infecção desenvolvendo disfunção orgânica pontuda >2 pelo SOFA score É a resposta inflamatória sistêmica exacerbada (desregulada) à infecção grave decorrente de qualquer tipo de microrganismo (bactérias, vírus ou fungos) levando a disfunção orgânica ameaçadora a vida Choque séptico É definido como uma sepse que apresenta distúrbio circulatório sobrejacente alterações celulares e metabólicas, que associadas levam a um riso maior de morte do que somente a sepse SOFA score - Sequential Organ Failure Assessment EPIDEMIOLOGIA Pelo fato de não ser uma doença de notificação compulsória, existem poucas estimativas confiáveis que possam refletir a real incidência da sepse na população em geral. Nos Estados Unidos, algumas estimativas de 20 a 25 anos atrás, relatavam a ocorrência de 300 a 500 mil casos por ano, com uma letalidade entre 30 e 50%. A tendência tem sido de aumento da incidência com o tempo, passando de 7,06 episódios por 1.000 admissões hospitalares, em 1965, para 12,75 episódios em 1974, com um número de fatalidades também crescente. De 1979 a 1987 a incidência de sepse naquele país aumentou em 139%, passando de 73,6/100.000 pacientes para 175,9/100.000, sendo que o maior crescimento foi na faixa etária maior que 65 anos. A tendência de crescimento do número de casos no estudo epidemiológico de Angus et al (2001) estimou a ocorrência de 751 mil casos por ano nos EUA, sendo que mais da metade apresentavam comorbidades subjacentes, e 21% eram em pacientes cirúrgicos. Este estudo utilizou metodologia de buscar o diagnostico de sepse pelo CID 9 no banco de dados do Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS). Assim conseguiu avaliar cerca de 1995 prontuários do CMS de vários estados dos EUA. A estimativa do aumento de casos por ano foi de 1,5%. Utilizando de técnica semelhante para buscar o diagnostico de sepse, porém com critérios de infecção mais restritos, Martin et al acessaram o National Hospital Discharge Survey (NHDS) of the Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e encontraram crescimento em média de 8,7% ao ano de 1979 a 2000. Dombrovskiy et al avaliando os dados do National Inpatient Survey (NIS) of the Healthcare Cost and Utilization Project encontrou incremento semelhante de 1993 a 2003, com aumento na incidência de sepse de 8,4% ao ano nos EUA. Importante ressaltar que tanto NHDS quanto o NIS não contemplam todas as internações nos EUA. Com várias técnicas de busca sobre a incidência de sepse, Gaiesk et al demonstraram a variabilidade que se encontra de acordo com a técnica utilizada para avaliar os bancos de dados. Eles encontraram valores do crescimento da incidência igual ou maior a 13%, e mostrou o quanto é difícil ajustar os parâmetros de codificação para realizar a busca assertiva do diagnóstico de sepse. Esta variabilidade dependente da técnica que se utiliza e do banco de dados adotados para avaliar a incidência, faz com que se estime entre 850.000 e 3.000.000 casos anualmente. Ao inferir a incidência mundial de sepse, a única estimativa global disponível resultou em 19.4 milhões de casos sepse ao ano, que é extrapolada a partir da estimativa dos casos tratados em países desenvolvidos. Este valor deve ser subestimado devido a falta de dados provenientes de países em desenvolvimentoe subdesenvolvidos, nos quais o impacto das doenças infecciosas é maior. Rhee C et al demonstraram que o valor mais próximo da realidade foi encontrado pela análise de dados de prontuários eletrônicos, evidenciando a sepse como um problema de saúde publica nos EUA, mas pode se dizer que o problema é mundial. Os dados encontrados sugerem que em 2014 houve aproximadamente 1,7 milhões de internações hospitalares devido a sepse e 270.000 mortes relacionadas a sepse nos EUA. Isto representa mais se 10% das 2,63 milhões de mortes reportadas aquele ano naquele país. Apesar destes números, a incidência de sepse entre 2009 e 2014 não apresentou aumento significativo. Diferente dos dados relatados no início dos anos 2000, tanto por Angus et al quanto por Martin et al, que apontavam um aumento em torno de 8,5% ao ano. Provavelmente, a maior especificidade da definição de sepse, tenha contribuído para limitar o aumento da incidência anualmente (Figura 63.1). As faixas etárias extremas continuam sendo as mais suscetíveis, apesar de todos os esforços para evitar o desenvolvimento da doença. Os recém-nascidos têm maior acometimento pela imaturidade do sistema imunológico e; os idosos, pela condição de senescência. A maior proporção de casos ocorre após a sexta década de vida, e a incidência é muito baixa em pacientes jovens, com menos de 40 anos de idade. Assim, no estudo americano, a incidência também foi maior nos extremos de idade, variando de 5,3/1.000 habitantes nos menores de 1 ano, passando por incidências de 0,2/1.000, na faixa etária entre 5 e 14 anos, e crescendo novamente até 5,3/1.000, na faixa entre 60 e 64 anos, e aumentando ainda mais, para 26,2/1.000 nos maiores de 85 anos. A incidência média é de 3/1.000 habitantes ou 2,26/100 saídas de internações hospitalares. O número de casos é maior nos indivíduos acima de 65 anos (58,3%). A idade média dos atingidos é de 63,8 anos, e 49,6% são do gênero masculino. Nas mulheres as infecções mais frequentes são aquelas do trato geniturinário, e nos homens são as respiratórias. A B Figura 63.1 – A - Incidência ajustada de sepse de acordo com a codificação para a busca na base de dados. Explícitos – relacionados ao CID 9 para sepse ou choque séptico. Implícito – quando utilizado um código de infecção e associado a um código referente a disfunção orgânica aguda. Critérios clínicos - considerados como explícitos. B – Mortalidade de sepse intrahospitalar ajustada. Modificado de Rhee C et al. A mortalidade geral é de 28,6%, correspondendo a 9,3% de todas as mortes ocorridas naquele país, em 1995. A taxa de mortalidade para o gênero masculino é de 29,3%, um pouco mais alta que a do gênero feminino, que é de 27,9%. Nos pacientes portadores de doenças preexistentes a letalidade é maior, assim como nos pacientes clínicos e naqueles internados, em centros de terapia intensiva, certamente por serem de maior gravidade. Os extremos de idade têm maiores taxas de mortalidade, sendo que nas crianças ela é de 10%, enquanto nos idosos acima de 85 anos, a taxa sobe para 38,4%. A letalidade também aumenta nos casos com maior número de disfunções orgânicas. O tempo de permanência médio em hospitais é de 19 a 20 dias, com um custo médio estimado em cerca de 22 mil dólares americanos por paciente (US$ 22.000,00), resultando em uma estimativa de gastos anuais de mais de 15 bilhões de dólares americanos, nos Estados Unidos. Pacientes com doenças cirúrgicas permanecem mais tempo internados e o tratamento custa mais caro, assim como os mais idosos, os não sobreviventes e os pacientes portadores de comorbidades. Com a presença de disfunções orgânicas secundarias a infecção a mortalidade aumenta significativamente. Nas infecções não complicadas a mortalidade se encontra entre 10% e 20%, e ao desenvolver sepse, ou seja, associar disfunção orgânica, a letalidade atinge taxas entre 20% a 40%, sendo que na sua forma mais grave, o choque séptico pode atingir valores entre 40% a 80%. Nos EUA a sepse aumenta o tempo de permanência hospitalar em 75% a mais do que outras condições. Nos casos mais graves, aqueles com choque séptico, podem atingir 16.5 dias em média, enquanto os casos de sepse e infecção não complicada, apresentam em média 6,5 dias e 4,5 dias, respectivamente. No tocante ao custo, é intuitivo pensar que de acordo com maior tempo de permanência seja maior o valor a ser pago, assim como nos casos que apresentam maior gravidade. Nos EUA, a sepse é a condição com maior custo, e atinge US$24 bilhões, com média de US$18.244. No Brasil, o estudo BASES (Brazilian Sepsis Epidemiological Study) mostrou pela primeira vez, dados epidemiológicos mais consistentes, porém a população estudada foi restrita a hospitais de dois estados brasileiros. Apesar deste estudo ter estas limitações importantes e não representar o real cenário da sepse no país, foi o primeiro a chamar a atenção para o problema de saúde publica que acomete o estado brasileiro. Ao considerar sepse como infecção cursando com disfunção orgânica, que seria próximo a definição pelos critérios do Sepse 3.0, a incidência de sepse entre os pacientes que permaneceram mais de 24 horas internados foi de 27,3%, sendo que 23% deles apresentavam choque séptico. Nesta de população de pacientes a letalidade de sepse e choque séptico foi 46,9 e 52,2%, respectivamente. A mortalidade era maior conforme aumentava o número de disfunções orgânicas, conforme apurado pelo escore de morbidade SOFA. Os pacientes sépticos, no primeiro dia de internação, apresentavam pontuações em mediana de SOFA 8 para sepse e 11 para choque séptico (pontuação máxima = 24). Após 13 anos, foi realizado novo estudo epidemiológico no Brasil, este mais robusto, com as diversas regiões brasileiras representadas em número de pacientes, além de ter uma distribuição entre instituições publicas e privadas distribuídas por todo o país e não concentrada em apenas dois estados. A distribuição da prevalência por raça varia entre países, havendo, naqueles com predomínio da raça caucasiana, maior frequência de casos em indivíduos de raça branca em relação às demais. A incidência de casos hospitalares varia de acordo com o tipo de clínica que o paciente foi internado, sendo maior nas enfermarias de cirurgia geral e clínica geral. Nas clínicas de cirurgia cardíaca, a incidência anual vem crescendo. Pacientes portadores de neoplasias e doenças degenerativas, submetidos a tratamentos imunossupressivos, politraumatizados em suporte ventilatório e pacientes com deficiências imunológicas de vários tipos são os frequentemente atingidos. Os fatores de risco para desenvolvimento de bacteremia são: internação em UTI, uso de antimicrobianos de amplo espectro, imunossupressão, procedimentos invasivos, utilização de próteses, queimaduras, trauma, idade avançada, câncer, aids, febre, hipotensão sistólica e plaquetopenia. Os fatores de risco de evolução para sepse e choque séptico são: cirurgia abdominal, pontuação APACHE II (Acute Physiological Score – Chronic Health Evaluation – II) elevada, presença de cateter arterial, nutrição parenteral, uso de antibióticos e presença de tubo orotraqueal. A causa etiológica da sepse tem variado no correr dos anos, modificando-se com a evolução da antibioticoterapia. Na década de 1980 as bactérias gram-negativas prevaleciam e na década de 1990 as gram-positivas ganharam grande destaque pelo aumento da incidência desses patógenos na gênese da sepse. No fim da década de 1980, nos Estados Unidos, as gram-positivas passaram a prevalecer como agentes etiológicos da sepse, em relação as gram-negativas, especialmenteos Staphylococcus aureus e os Staphylococcus sp coagulase-negativos, principalmente, o Staphylococcus epidermidis. Em nosso meio a prevalência das gram-positivas vem aumentando significativamente. Entretanto nos anos 2000, os bacilos gram-negativos passam a ser prevalentes, em relação aos gram-positivos. A incidência de fungos, principalmente a Candida sp, vem aumentando desde a década de 1990, constituindo-se como importante causa de sepse, principalmente em pacientes imunodeprimidos. As bactérias frequentemente observadas em culturas de sangue e outras secreções obtidas de pacientes com sepse são as enterobactérias (E. coli, Klebsiella sp, Enterobacter sp, Proteus sp etc.), os estafilococos (principalmente o S. aureus) e a Pseudomonas aeruginosa. Na população infantil, têm importância o Streptococcus agalactiae do grupo B e o pneumococo, no período neonatal; nos lactentes, o Haemophilus influenzae e a Neisseria meningitidis. O tipo de bactéria que causará sepse está intimamente relacionado com o local do foco ou com o tipo de manipulação, em locais onde há flora bacteriana normal. A sepse de foco abdominal com peritonite é comumente causada por bacilos gram-negativos aeróbios (E. coli e outros) associados a anaeróbios (Bacteroides fragilis e outros), assim como as que ocorrem em pacientes neutropênicos são frequentemente causadas por P. aeruginosa, com altos índices de mortalidade e morbidade. As enterobactérias são causa frequente de sepse, e dentre elas a E. coli predomina. As principais fontes de infecção comunitária por E. coli são o trato urinário e o trato biliar. A mortalidade das infecções por E. coli varia de 20 a 42%, em vários estudos, estando relacionada com fatores de risco, como comorbidades, idade acima de 50 anos, choque e infecção relacionadas com a assistência à saúde. Dentre as bactérias gram- positivas vem ganhando importância os estafilococos coagulase negativos, principalmente o S. epidermidis. Esse germe causa infecções hospitalares com bacteremia relacionadas com cateteres intravasculares, com alta morbidade e mortalidade. Considerado antigamente apenas um comensal ou contaminante de culturas, o S. epidermidis tem sido identificado como causa de infecções hospitalares relacionadas com cateteres e infusões intravenosas. Outras bactérias consideradas comensais, como o Streptococcus viridans, o Bacillus cereus e mesmo o S. aureus, podem ser a causa de bacteremia em pacientes com imunidade deficiente, em que agiriam como patógenos oportunistas. As bactérias anaeróbias são causa de infecções graves, relacionadas com o trato gastrointestinal, com o trato genital feminino, com a orofaringe, com gangrena e com as úlceras de decúbito. O gênero mais frequente é o Bacteroides sp, sendo o B. fragilis a espécie mais prevalente. Além dele, o Fusobacterium sp, o Clostridium sp e os cocos anaeróbios também são responsáveis pela sepse. Os fatores que predispõe à sepse por anaeróbios são: abcessos, neoplasias malignas, cirurgia, obstrução e/ou perfuração intestinal e presença de corpo estranho. A incidência de infecções por anaeróbios é relativamente baixa, atualmente. As bacteremias polimicrobianas são de baixa frequência e ocorrem em pacientes debilitados, idosos ou com neoplasias. Geralmente, são hospitalares, e as principais fontes de infecção são o trato gastrointestinal, o trato genital feminino e a pele e os tecidos moles. Algumas dessas infecções polimicrobianas podem estar relacionadas com cateteres intravenosos. São frequentes as combinações de múltiplos bacilos gram-negativos aeróbios e anaeróbios, assim como associações entre bacilos gram-negativos e enterococos ou estafilococos. A mortalidade é elevada e está associada a complicações graves como choque, coagulopatia e insuficiências orgânicas. O padrão de sensibilidade aos antimicrobianos é muito variável, e, em linhas gerais, a flora em indivíduos não hospitalizados é sensível à maioria dos antibióticos, enquanto a flora adquirida em ambiente hospitalar tende a ter um padrão de resistência aos vários agentes antimicrobianos. Esse padrão varia entre as instituições. A vigilância epidemiológica por um serviço de controle de infecção hospitalar é o meio adequado de detecção desses padrões de resistência. As doenças de base imunossupressivas como câncer, doenças imunológicas congênitas, síndrome de imunodeficiência adquirida (aids), doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico, doenças infecciosas causadas por fungos, como a paracoccidioidomicose, predispõem ao aparecimento de bacteremia e sepse pelos distúrbios que causam no sistema imune, quer sejam secundários à terapêutica, quer à própria moléstia. Outras condições, como alcoolismo, diabetes melito, insuficiência renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica etc., predispõem à instalação de focos de infecção na pele, pulmões e a outros focos, levando à sepse. Algumas situações graves, como choque hemorrágico, politraumatismo, grandes cirurgias e queimaduras extensas, também predispõem à invasão bacteriana e a sepse. PATOGENIA Para que a infecção possa acarretar sepse, ela depende de alguns fatores como: • O tipo de agente infectante, sua densidade e virulência. • Os mecanismos de defesa inata e adquirida, locais e sistêmicas. Sendo que, os determinantes genéticos são importantes, embora ainda não estejam bem estabelecidos. • O ambiente em que ocorre a infecção, tal como a existência de tecidos isquêmicos e necrosados. Tais fatores serão discutidos no decorrer do capítulo. Invasão e estabelecimento do foco infeccioso O ser humano é habitado por uma flora bacteriana normal, vivendo em equilíbrio dinâmico com bilhões de bactérias existentes na pele e na mucosa do trato gastrointestinal. Qualquer ruptura desse equilíbrio, tanto por mudança para uma flora virulenta quanto por déficit nos mecanismos normais de defesa, poderá permitir a invasão de tecidos e da corrente sanguínea, estabelecimento de focos de infecção e sepse. Qualquer bactéria tem potencial para causar bacteremia e sepse, bastando encontrar condições adequadas para desenvolvimento e invasão da circulação sanguínea. As bactérias presentes na superfície das mucosas aderem às células superficiais por meio de seus pilli, podendo invadir a submucosa a partir de ruptura da integridade nas junções celulares. Esse mecanismo é importante para o estabelecimento de infecções nos tratos urinários e gastrointestinal. Outros mecanismos de invasão bacteriana ocorrem na pele. As glândulas sebáceas e os pequenos ferimentos cutâneos são locais suscetíveis de serem invadidos por bactérias da flora cutânea, como os estafilococos e os estreptococos. Os alvéolos pulmonares também podem ser locais adequados para o estabelecimento de um foco infeccioso, como ocorre nas pneumonias. Alguns casos de sepse podem se originar da invasão direta da corrente sanguínea por bactérias patogênicas injetadas em soluções intravenosas contaminadas. O estabelecimento de um processo infeccioso depende da capacidade bacteriana de produzir resposta inflamatória e de se evadir das defesas orgânicas. São vários os mecanismos de virulência além da aderência. Certos bacilos gram-negativos são resistentes à lise induzida pelo complemento e, portanto, resistentes ao soro. As bactérias capsuladas podem escapar da fagocitose por polimorfonucleares e macrófagos; outras podem ter componentes capsulares semelhantes às substâncias encontradas nos tecidos humanos, não sendo reconhecidos como antígenos pelo sistema imunológico. Além disso, as bactériaspossuem substâncias tóxicas às células humanas, como a endotoxina dos germes gram- negativos e o ácido teicóico dos estafilococos. Os vírus, fungos e parasitas também podem ser causa de quadros similares à sepse. Dentre os vírus cita-se como exemplo o vírus da febre amarela. No caso dos fungos, a sepse é frequentemente causada pela Candida sp e dentre os parasitas o Plasmodium falciparum é o que com maior frequência causa sepse. Os patógenos responsáveis pela infecção (bactérias, fungos, vírus ou parasitas) são reconhecidos pelo sistema imune inato como agentes potencialmente perigosos e determinam resposta inflamatória complexa e multifatorial visando restabelecimento do equilíbrio imunológico com a erradicação do processo infeccioso. Produtos bacterianos, tais como fragmentos de peptidoglicano, ácido teicóico, lipopolissacarídeos, lipoproteínas, fragmentos de DNA, flagelos; produtos proteicos da superfície dos parasitas; produtos fúngicos como o zimozan e no caso dos vírus, o próprio RNA ou DNA, são reconhecidos por receptores existentes na superfície de células do sistema imune inato como os macrófagos. Os receptores sinalizam as células a produzirem citocinas por meio de complexo mecanismo de ativação de cinases intracitoplasmáticas, cuja via final comum é o nuclear factor kappa B (NFκB), cuja função é ativar a transcrição de genes que codificam citocinas. Isso resulta em produção de citocinas pró-inflamatórias como TNF-α, IL-1, IL-12, IL-6 e IL-8, que por sua vez estimulam a resposta inflamatória e o sistema imune adaptativo. Concomitantemente, há a estimulação da secreção de citocinas anti-inflamatórias, cujo papel é modular a resposta inflamatória (Figura 63.2). Figura 63.2 - Ativação das defesas orgânicas: A presença de patógenos em tecidos desencadeia a reação de defesa do organismo, através da resposta inflamatória, cujo mecanismo é complexo, variável e prolongado. O objetivo é conter e clarear a infecção e promover a cicatrização do tecido atingido. A resposta do hospedeiro depende de fatores genéticos e da presença de comorbidades, como por exemplo, doenças imunodepressoras. Do lado do patógeno, tem influência na resposta inflamatória o tamanho do inoculo (carga infectante) e a virulência do microrganismo. Os microrganismos expressam padrões moleculares em proteínas, lipídeos, polissacárides e ácidos nucleicos (sequências CpG) que são reconhecidos como sinal de perigo pelo sistema imune inato. Da mesma forma, células em sofrimento por lesão de membrana ou necróticas expressam sinais de dano ou lesão, conhecidos como alarminas. Estas são constituídas de proteínas intracelulares e ácidos nucleicos (sequências CpG) que também são reconhecidos pelo sistema imune inato. Toxinas bacterianas A endotoxina ou lipopolissacarídeo (LPS) presente nos bacilos gram-negativos é uma das substâncias responsável pela exacerbação da resposta inflamatória sistêmica mais estudada há vários anos. É constituída por um lipopolissacarídeo composto pelo lipídio A e duas cadeias de polissacarídeos: o antígeno O e o polissacarídeo interno ou core, ligado ao Pneumonia Staphylococcus aureus Pathogen-Associated Molecular Patterns (PAMP’s) (Padrões Moleculares Associados a Patógenos) Ø Proteínas Ø Lípides Ø Polissacárides Ø Ácidos nucleicos Damage-Associated Molecular Patterns (DAMP’s) (Padrões Moleculares Associados a Dano ou Lesão) “ALARMINAS” Ø High-mobility group protein B1 Ø Heat-shock proteins Ø S100 proteins Ø RNA, DNA (CpG sequences), histonas extracelulares lipídio A pelo 2-ceto-3-deoxioctonato (KDO). O lipídio A é o responsável por todos os efeitos pirogênicos e hemodinâmicos da endotoxina, sendo sua estrutura comum a todas as enterobacteriaceas. As manifestações clínicas provocadas experimentalmente pela injeção de endotoxina purificada em modelos animais muito se assemelham àquelas produzidas pela infecção com bactérias viáveis. O padrão hematológico, assim como a ativação de mediadores endógenos, como cininas e produtos do ácido araquidônico, também se assemelham à infecção natural. Porém, a resposta obtida pode variar conforme a espécie que está sendo estudada. Porcos e ruminantes respondem à infusão de endotoxina com lesões pulmonares graves, caracterizadas por hipertensão da artéria pulmonar e lesões alvéolo-capilares. Cães e roedores apresentam lesões do trato gastrointestinal, associadas a perda de líquidos e choque. As endotoxinas são capazes de produzir lesões em diversos órgãos, diretamente ou por meio da estimulação de mediadores do hospedeiro. As endotoxinas provenientes de um foco infeccioso ou do intestino circulam na corrente sanguínea sob a forma de complexos. Quando eles se ligam à lipoproteína de alta densidade (HDL), perdem sua ação tóxica. A endotoxina circulante, por ser uma molécula bipolar, somente é solúvel no plasma sob a forma de micelas ou formações complexas, cuja porção hidrofílica fica na parte externa e a porção hidrofóbica na parte interna. Essas partículas se ligam à LBP (lipopolisacharide binding protein – proteína ligadora de lipopolissacarídeos), e o complexo LPS-LBP formado conecta-se a receptores na superfície da membrana celular de diversas células, principalmente dos macrófagos e dos monócitos. A LBP catalisa a transferência do LPS ao receptor extracelular CD14 e ele, por sua vez, proporciona a conexão do LPS ao Toll-like receptor 4 (TLR4), desencadeando a produção de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e outras citocinas. Outros efeitos como a ativação da cascata do complemento e a ativação de polimorfonucleares também contribuem para a ativação da resposta inflamatória sistêmica. A circulação de LPS estimula a resposta imune global, inclusive com a produção de anticorpos anti-LPS. Essa resposta humoral, geralmente, é mais tardia na evolução da doença e o papel protetor dos anticorpos é duvidoso. Na sepse causada por microrganismos gram-positivos, o ácido teicóico produz efeitos metabólicos e hemodinâmicos semelhantes aos causados pela endotoxina. As exotoxinas produzidas por diversas espécies de bactérias são capazes de estimular a produção de resposta inflamatória local e sistêmica, como a estreptolisina-O dos estreptococos, α-toxina dos estafilococos, a hemolisina da E. coli e a toxina A da P. aeruginosa. Essas exotoxinas causam lesão celular por meio da formação de poros na membrana celular, levando à depleção de ATP e outras moléculas vitais, e consequentemente à morte celular. Certos tipos de células, como os endoteliócitos, os macrófagos e os PMN secretam interleucina-1, quando estimulados com hemolisina de E. coli ou com α-toxina de S. aureus. As enterotoxinas secretadas por diversas cepas de estafilococos, em especial a TSST-1 (Toxic Shock Syndrome Toxin-1), estimulam a resposta inflamatória sistêmica, levando ao quadro conhecido como síndrome do choque tóxico, em que também há participação de citocinas e células fagocitárias no processo fisiopatológico. As exotoxinas, como a enterotoxina-β dos estafilococos e outras similares, agem como “superantígenos”, levando ao choque por estimulação de linfócitos T, por meio da ligação com antígenos de histocompatibilidade da classe II (MHC-II), resultando em proliferação maciça de células T e sua ativação, com consequente secreção de citocinas, como a IL-2 e o interferon-γ (INF-γ). Essas citocinas ativam macrófagos e monócitos, que secretam citocinas pró-inflamatórias, que induzem o quadro de choque tóxico (Figura 63.3). FIGURA 63.3 - Toxinas bacterianas e lesão celular: Toxinas bacterianas são potentes estimulantesda resposta inflamatória, tanto por causar lesão de membranas celulares, como também por estímulo das células encarregadas da defesa orgânica. Proteínas secretadas por bactérias tem propriedades tóxicas para diversos tipos de células, além de exercer atividade enzimática (hemolisinas, catalase, hialuronidase, fosfolipase, etc.). Das células cuja membrana celular foi lesada vazam substâncias diversas, entre elas, proteínas chamadas de alarminas, que estimulam macrófagos e monócitos a produzir citocinas pró- e anti-inflamatórias. O lipopolissacáride (LPS) presente na parede celular das bactérias gram-negativas estimula diretamente macrófagos e monócitos através de receptores Toll- like tipo 4 (TLR-4), desencadeando a síntese de citocinas e consequentemente, a resposta inflamatória. O LPS das bactérias intestinais normalmente é absorvido e circula no sangue ligado a lipoproteínas de alta densidade (HDL) ou ao complexo composto de proteínas carreadoras de LPS Escherichia coli Staphylococcus aureus Lipopolisacáride Enterotoxinas Hemolisinas Sideroforos Ácido teicóico Exotoxinas α, β, γ e δ Leucocidina Catalase Coagulase Hialuronidase Fator aglutinador Lesão da membrana celular Alarminas (LPB – lipopolissacharide binding protein) e receptor solúvel CD14. Esse complexo se liga ao TLR-4 e inicia reações em cadeia de proteínas citoplasmáticas e nucleares que vão estimular, via fator nuclear kappa-B (NFκB), a transcrição de citocinas pró- e anti-inflamatórias. Fagócitos Os leucócitos polimorfonucleares (PMN) constituem a primeira linha de defesa contra infecções bacterianas e fúngicas. O combate eficaz a essas infecções depende do número absoluto de PMN, assim como de sua função adequada, que compreende quimiotaxia, aderência, fagocitose e destruição intracelular de microrganismos. Os PMN são bastante afetados pela ação do LPS em suas propriedades metabólicas, locomotoras e bactericidas. A injeção de LPS em animais promove aderência e agregação dos PMN ao endotélio, manifestada por neutropenia. Esses efeitos são mediados pelo complemento e citocinas. O LPS inibe diretamente a migração de PMN, mas este efeito in vivo é suplantado pela presença de fatores quimiotáticos do hospedeiro. Os macrófagos e os monócitos circulantes compõem o sistema de fagócitos mononucleares, que é o principal responsável pela fagocitose, preparo e apresentação de antígenos ao sistema imune, via linfócitos T- auxiliadores. Após sua ativação, essas células secretam citocinas que vão desencadear a resposta inflamatória sistêmica: TNF-α, IL-1, IL-6, IL-8 etc. Os macrófagos e os monócitos são os iniciadores dessa resposta em cascata, mas quando previamente estimulados por interferon-γ (IFN-γ) respondem mais intensamente, com maior produção de citocinas. A participação de linfócitos Natural Killer (NK) parece ser um requisito importante, pois essas células não precisam de estímulo prévio para produzir o IFN-γ. Essa citocina ativa os fagócitos mononucleares tornando-os responsivos ao estímulo do LPS. Uma vez ativados os fagócitos mononucleares vão gerar radicais livres de O2 e promover lesão celular. Citocinas A secreção de citocinas tem papel-chave na geração da resposta inflamatória sistêmica, assim como na sua modulação. Inicialmente, na sepse, há secreção de citocinas ditas pró- inflamatórias, como TNF-α, IL-1, IL-8, IL-12, INF-γ etc., por meio da ativação de macrófagos e monócitos por produtos de microrganismos. As citocinas pró-inflamatórias secretadas têm ação autócrina, sobre as próprias células que as produziram, podendo amplificar e, até mesmo, perpetuar sua própria produção. Além disso, possuem efeito parácrino, estimulando outras células do sistema imunológico, como os linfócitos T e B, que por sua vez produzirão mais citocinas com efeitos diversos. Também possuem ação endócrina, agindo a distância, em outros órgãos e tecidos. Um exemplo da ação endócrina das citocinas é o papel de pirogênio endógeno, exercido por citocinas como a IL-1, que quando é secretada na corrente sanguínea age no hipotálamo, produzindo febre. As citocinas pró-inflamatórias ativam as células endoteliais, que passam a produzir mediadores de inflamação, como as prostaglandinas e o platelet activating factor (PAF), além de citocinas como a IL-6 e a IL-8. Também ativam a cascata da coagulação, por meio da produção de fator tecidual e, também, expõem em sua superfície moléculas de adesão, como as selectinas (E-selectina) e as integrinas (ICAM-1, VCAM-1, ELAM-1). Esses eventos amplificam a resposta inflamatória, promovendo a coagulação intravascular e a adesão de leucócitos ao endotélio. Esses leucócitos aderidos migram para os tecidos em direção aos sinais quimioatrativos gerados nos locais inflamados. Esses sinais são mediados por IL-8 e quimiocinas (MCP-1, 2 e 3, RANTES, MIP-1α e β etc.). O endotélio ativado produz prostaglandinas (PG), tromboxane (TBX) e leucotrienos (LT), que promovem várias reações, como a vasodilatação sistêmica (PGI-2), e/ou a vasoconstricção pulmonar (TBX), o edema de mucosas e a secreção de muco, o aumento da permeabilidade capilar (LTB-4) e a modulação da resposta inflamatória, por inibição da produção de citocinas (PGE-2). Outros mediadores secundários também são secretados pelo endotélio, como a endotelina, que tem potente ação vasoconstritora; o PAF, que além de ser vasoconstritor, também aumenta a permeabilidade capilar e promove a broncoconstrição; e radicais livres de oxigênio, como o óxido nítrico (NO), que é um potente vasodilatador e tem efeito tóxico sobre as células, inibindo a glicólise, o ciclo de Krebs, a respiração mitocondrial e a síntese de DNA. As citocinas pró-inflamatórias levam ao catabolismo muscular, além de estimularem a secreção de catepsina e colagenase por neutrófilos, o que leva a degradação da matriz extracelular e induz a morte celular. Apesar de haver níveis plasmáticos elevados de citocinas pró-inflamatórias na circulação de pacientes sépticos, observa-se experimentalmente, ex-vivo, uma menor capacidade dos leucócitos mononucleares de produzirem citocinas em comparação com indivíduos normais. Essa menor responsividade dos leucócitos mononucleares tem sido relacionada com a depressão imunológica observada nesses pacientes (Figura 63.9). Os eventos que ocorrem durante o processo inflamatório são complexos e não podem ser simplesmente vistos como uma inter-relação entre fatores pró e anti-inflamatórios. A situação é mais complexa e multifatorial. Um exemplo dessa complexidade são os experimentos de indução de sepse em animais geneticamente modificados. Animais deficientes de TNF-α e linfotoxina-α comportam-se de maneira similar aos animais normais, diante da injeção de LPS, com produção igual de IL-6 e outras citocinas. Portanto, o TNF-α não é necessário para desencadear a resposta inflamatória, mas sua presença a favorece. Da mesma forma, camundongos com mutação no gene do receptor tipo Toll-4, das linhagens C3H/HeJ e C57BL/10Scr, que são hiporresponsivos ao LPS, tem maior letalidade na sepse por bacilos gram-negativos. No período inicial da sepse há secreção de citocinas pró-inflamatórias, que por sua vez estimulam outras citocinas, inclusive aquelas com efeito modulador, anti-inflamatório. Estudos de cinética de secreção de citocinas em pacientes sépticos e em modelos experimentais demonstram que as citocinas pró-inflamatórias são secretadas mais precocemente que as citocinas anti-inflamatórias. Os receptores solúveis (sTNFR, IL-1ra etc.) de citocinas circulam normalmenteno plasma de indivíduos normais, em concentrações de 10 a 100 vezes maiores que as respectivas citocinas. Portanto, o organismo vive em um estado de controle anti-inflamatório constante. A inflamação é desencadeada quando há secreção de citocinas pró-inflamatórias em níveis muito maiores que aqueles que são normalmente inibidos pelas citocinas anti-inflamatórias e pelos receptores solúveis. Portanto, à sepse segue-se uma resposta compensatória anti-inflamatória, conhecida como CARS (compensatory anti-inflammatory response syndrome), mediada por citocinas como a IL-10, IL-4, IL-13, IL-6, TGF-β, IL-1ra, IL-6R e etc. Essas citocinas suprimem a função de monócitos, macrófagos, inibindo a secreção de citocinas e a expressão de MHC-II. Esse fenômeno pode ser constatado pela hiporresponsividade dos leucócitos mononucleares aos estímulos pró-inflamatórios, logo após a fase mais aguda da sepse. Esse estado de relativa imunodepressão é conhecido como imunoparalisia e ainda não está claro se ela resulta de exaustão ou de regulação negativa do sistema imune. Experimentalmente, a imunoparalisia pode ser constatada pela hiporresponsividade de monócitos a um segundo estímulo com LPS, principalmente em relação à secreção de TNF-α. Esse fenômeno é conhecido como tolerância ou adaptação ao LPS. Nos pacientes sépticos, as citocinas anti-inflamatórias estão presentes na circulação em níveis muito mais elevados que as citocinas pró-inflamatórias. Níveis esses mais do que suficientes para inibir a atividade pró-inflamatória. Entretanto, a mera presença dessas citocinas na circulação em altas concentrações não significa que o paciente está em uma fase pró ou anti-inflamatória. Muitas dessas citocinas tem funções pró ou anti-inflamatória, dependendo de vários fatores, como o tipo de célula-alvo, a dose, o momento da secreção ou do local da infecção. Portanto, se por um lado o excesso de citocinas pode ser deletério na sepse, essas mesmas citocinas são essenciais para a resposta inflamatória anti-infecciosa. A resposta às citocinas depende da dose e do local de secreção, assim como das condições iniciais do estímulo. Muitas citocinas têm funções ambivalentes, dependendo de onde, como e quando são secretadas. A complexidade é ainda maior, se considerarmos que os níveis teciduais das citocinas dificilmente podem ser apurados, e que algumas citocinas podem exercer efeitos antagônicos no sangue e nos tecidos. Um exemplo é o TGF-β (Transforming Growth Factor Beta), que no sangue tem papel inibitório da inflamação, e nos tecidos tem função estimuladora. A resposta aguda à infecção ativa a expansão clonal de linfócitos Th1 e Th2, com produção de citocinas pró a anti-inflamatórias, respectivamente. Todavia, a regulação desse processo é pouco compreendida. Algumas evidências experimentais apontam para explicações multifatoriais. Uma das possíveis causas para a existência de padrões diferenciados de secreção de citocinas seriam os polimorfismos nos genes que codificam citocinas (TNF-α, linfotoxina-α, IL-10, Il-18, IL-1ra, IL-6, INF-γ), receptores de citocinas (TNFR), receptores de superfície celular (CD14, MD2, TLR4) e outras moléculas (LBP, BPI, HSP-70, ACE-I, PAI-1, caspase-12). Muitos polimorfismos genéticos estão relacionados com a maior suscetibilidade a infecções e pior prognóstico. Outra explicação para os diferentes perfis de secreção de citocinas seria a indução diferenciada, induzida por toxinas bacterianas. As evidências experimentais mostram que leucócitos mononucleares estimulados com exotoxinas estreptocócicas (SPEA, SPEB, SPEC) ou estafilocócicas (SEA, SEB) induzem citocinas pró- inflamatórias, tanto em monócitos (IL-1β, TNF-α, IL-12 e IL-6) quanto em linfócitos T (IL-2, INF-γ, TNF-β). Entretanto, o LPS estimula somente monócitos a secretar citocinas pró- inflamatórias (IL-1β, TNF-α, IL-12 e IL-6). A presença de anticorpos neutralizantes pode bloquear a ação das exotoxinas de bactérias gram-positivas, mas no caso do LPS, das bactérias gram-negativas, sua eficácia é duvidosa. Portanto, a imunidade humoral é importante na contenção das infecções por germes gram-positivos, como os estafilococos e os estreptococos. A ativação da coagulação se dá pela expressão de fator tecidual, induzida por TNF-α e IL- 1, na superfície endotelial. O fator tecidual combina-se com o fator VII e ativa os fatores IX e X, levando a formação de trombina e coágulo de fibrina. Concomitantemente, as citocinas pró-inflamatórias ativam o inibidor do ativador de plasminogênio (plasminogen activator inhibitor – PAI-1), que inibe a ativação do plasminogênio tecidual, impedindo a fibrinólise. A trombina também ativa o inibidor da fibrinólise ativado por trombina (thrombin-activatable fibrinolysis inhibitor – TAFI), produzindo maior inibição da fibrinólise. Esses efeitos podem ser aumentados pela relativa deficiência de trombomodulina, decorrente da estimulação endotelial por citocinas pró-inflamatórias, o que impede a ativação da proteína C. A falta de proteína C ativada na circulação impede a modulação da coagulação, pois não há inibição da geração de trombina pela inativação de fatores Va e VIIIa. O resultado final é a trombose microvascular, acompanhada de lesão endotelial inflamatória, isquemia tecidual e disfunção multiorgânica, seguida de morte (Figuras 63.4, 5, 6, 7, 8 e 9). FIGURA 63.4 - Ativação da cascata de citocinas: Os DAMP’s (alarminas) e PAMP’s presentes no sítio de infecção são reconhecidos por células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e monócitos. Essas células tem receptores proteicos que reconhecem os padrões moleculares de patógenos e de alarminas tissulares, conhecidos como Receptores de Reconhecimento de Padrões (Pattern Recognition Receptors – PRR’s). Os PRR’s são de quatro tipos: Toll-Like Receptors (TLR’s), C-type Lectin Receptors (CLR’s), Retinoic Acid Inducible Gene 1-lyke Receptors (RLR’s) e Nucleotide Binding Oligomerization Domain-lyke Receptors (NLR’s). OS TLR’s e CLR’s localizam-se na membrana celular e nos endossomos; os RLR’s e NLR’s são citoplasmáticos. A ligação dos PAMP’s e DAMP’s aos PRR’s desencadeia uma reação em cascata de proteínas intracitoplasmáticas e nucleares cujo resultado final é a ativação da transcrição de citocinas pró- e anti-inflamatórias. Um dos principais efetores finais da cascata de transcrição de citocinas é o Fator Nuclear Kappa-B (Nuclear Factor Kappa-B – NFκB). As citocinas modulam a resposta inflamatória e seu padrão de secreção varia amplamente, gerando padrões de resposta imune inata e adaptativa pró- e anti- inflamatórios ao longo da evolução do quadro de sepse. Células Apresentadoras de Antígenos Pattern Recognition Receptors (PRR’s) (Receptores de Reconhecimento de Padrões) TLR’s, CLR’s, RLR’s e NLR’s NFκB Figura 63.5 - Ações das citocinas: Os sinais gerados por células lesadas e tecidos infectados são captados por células apresentadoras de antígenos, que secretam citocinas para ativar células efetoras, visando a resposta de controle da lesão e reparo, através da resposta inflamatória e imune. Em modelos experimentais com camundongos, a resposta inicial é proinflamatória e desencadeia a resposta inflamatória local e sistêmica (Systemic Imflammatory Responde Syndrome – SIRS, ou Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica). O padrão de secreção de citocinas proinflamatória é conhecido como Th1. Consiste da secreção de TNF-a, INF-g, IL-1, IL-8, IL-12 e outras. Essas citocinas ativam linfócitos citotóxicos e NK, macrófagos e monócitos e estimulam a secreção de imunoglobulinas fixadoras de complemento da classe IgG2 por linfócitos B. É uma resposta voltada ao controle do agente infeccioso. Concomitantementeocorre a ativação de linfócitos reguladores, com secreção de citocinas anti- inflamatórias, como IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, TGF-b, etc., caracterizando a contraregulação anti-inflamatória (Contraregulatory Anti-inflammatory Response Syndrome – CARS), conhecida como Th2. É uma resposta voltada à contenção da inflamação e reparo tecidual. Essa resposta pode resultar em imunossupressão. Todavia, o espectro de resposta inflamatória e de reparo tecidual pode ter nuances mais complexas. Diversos padrões de resposta são descritos em seres humanos. Além das resposta Th1 (INF-g, IL-12, estimulação de linfócitos citotóxicos, NK, monócitos e IgG2) e Th2 (IL-4, IL-5, estimulação de eosinófilos e basófilos, IgG1), descrevem-se as respostas Th3 (TGF-b, IL-10 e IgA), Th17 (IL-17, IL-22 – proteção contra bactérias e fungos extracelulares) e talvez outros padrões de alta complexidade e inter- relacionados. A mudança de padrão parece ser mediada pelos sinais tissulares iniciadores do processo inflamatório, mediados por linfócitos T reguladores (Tregs), que mudam a classe efetora conforme o tipo de lesão tecidual: patógeno intracelular ou extracelular, tipo de microrganismo (vírus, bactéria, fungo ou parasita), lesão aguda ou crônica, etc. Anti-inflamatórias CARS •IL-4, IL-6, IL-10, IL-13, TGF-β, IL-1ra, etc. •Inibição da expressão de MHC-II, imunossupressão Pró-inflamatórias SIRS •TNF-α, IL-1, IL-8, IL-12, INF-γ, etc. •Febre, ativação do endotélio, adesão de fagócitos, ativação da coagulação, catabolismo muscular Figura 63.6 - Ativação do endotélio vascular: A ativação do endotélio vascular se dá pelas citocinas secretadas por monócitos estimulados pelo contato com microrganismos ou seus componentes. A expressão de moléculas de adesão (selectinas, ICAM-1, VCAM-1, ELAM-1) na superfície endotelial leva à adesão de neutrófilos polimorfonucleares, que posteriormente migram para o tecido inflamado, atraídos por sinais quimioatrativos gerados nos locais inflamados. Estes sinais são mediados por IL-8 e quimiocinas (MCP-1, 2 e 3, RANTES, MIP-1a e b, etc.). O TNF-a estimula a expressão de fator tissular, que por sua vez ativa a cascata da coagulação pela via extrínseca, levando à formação de microtrombos intravasculares. A trombina inibe a fibrinólise através do TAFI (Thrombin Activatable Fibrinolysis Inhibitor ou inibidor da fibrinólise ativado pela trombina), favorecendo a coagulação. As citocinas inibem a expressão de trombomodulina, resultando em menor ativação da proteína C. Essa deficiência de proteína C ativada permite maior ação da trombina e consequentemente, formação de trombos intravasculares. O coágulo de fibrina formado pode causar obstrução vascular e levar a isquemia tissular e, consequentemente, resulta em disfunção de múltiplos órgãos. A secreção de óxido nítrico (NO) e prostaglandinas pelo endoteliócito resulta em vasodilatação arteriolar. O NO é o principal e mais potente vasodilatador arterial; além disso, também é produzido por células fagocitárias ativadas e tem papel primordial na morte de patógenos fagocitados. Complemento A ativação da cascata do complemento ocorre, em um primeiro momento, por meio da via alternativa ou da properdina, por causa da lesão endotelial. A ativação pela via clássica dependerá da presença de anticorpos, que podem demorar algum tempo para serem sintetizados. Nas fases mais tardias, ambas as vias participam da ativação, conjuntamente. Além de exercer ação lesiva sobre membranas, por meio do complexo lítico (C6+7+8+9), há liberação na circulação e no meio circunjacente das frações C3a e C5a, que possuem, respectivamente, ação opsonizante e quimiotática para PMN. Os níveis elevados de C3a podem ser encontrados em pacientes com sepse. Há correlação entre esses níveis e a gravidade do quadro clínico, e a letalidade. Animais com deficiência de C5a não desenvolvem choque após o desafio com TNF-α e LPS. Além disso, C3a e C5a são potentes anafilotoxinas, e podem induzir a secreção de citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-α, agindo sinergicamente para produzir aumento da permeabilidade capilar e hipotensão. Prostaglandinas e Leucotrienos As lesões de membranas de vários tipos de células, como os endoteliócitos, levam à ativação do metabolismo do ácido araquidônico, por meio da fosfolipase A2. Dois grupos de substâncias vasoativas são produzidos: pela ação da enzima cicloxigenase, há produção de prostaglandinas e, pela via da lipoxigenase, são produzidos os leucotrienos. Dentre as diversas prostaglandinas, tem fundamental importância a prostaciclina, que causa a vasodilatação e o aumento da permeabilidade capilar, além de desfavorecer a agregação plaquetária. A ação vasodilatadora das prostaglandinas se dá em nível de pequenas arteríolas e contrabalança os efeitos de mediadores vasoconstritores. Por outro lado, o tromboxane é produzido nas plaquetas, e sua ação vasoconstritora e de agregação pode exercer um efeito de vasoconstrição no nível pulmonar, principalmente nas primeiras fases do desenvolvimento da lesão pulmonar aguda; há, então, aumento da resistência vascular pulmonar. Durante a fase precoce de desenvolvimento de lesão pulmonar (SARA), no choque séptico, há a participação ativa de tromboxane, levando a vasoconstrição da artéria pulmonar e ao aumento da resistência vascular pulmonar. Outra prostaglandina liberada, a PGE2, tem efeito vasodilatador e supressor da resposta inflamatória, antagonizando os efeitos vasoconstritores do tromboxane. Os leucotrienos, principalmente o LTB-4, têm ação quimiotática e de aumento de permeabilidade vascular. Esses mediadores estão envolvidos na redução do débito cardíaco e da função renal, que pode ocorrer na endotoxinemia. Nos pulmões, produzem vasoconstrição e broncoconstrição potente e prolongada, além de aumento da permeabilidade capilar, com extravasamento de líquidos e hemoconcentração. A inibição dos efeitos dos leucotrienos por meio da utilização de antagonistas de receptores ou de inibidores da produção melhora significativamente a sobrevida de animais em modelos experimentais, demonstrando a importância desses mediadores na fisiopatologia da sepse. Fator Ativador de Plaquetas (PAF – Platelet Activating Factor) Esse metabólito de fosfolipídios de membrana celular é produzido pela enzima fosfolipase A2, após estímulo adequado, por exemplo, o LPS ou a bradicinina. Participa da sepse em conjunto com as prostaglandinas, os leucotrienos e as citocinas. Entre seus efeitos podemos notar a hipertensão pulmonar, hipotensão sistêmica, broncoconstrição, edema e ativação de PMN, e plaquetas. Além disso, estimula a liberação de proteases, prostaglandinas e leucotrienos, contribuindo de maneira efetiva no estabelecimento de lesões teciduais. O bloqueio do PAF por inibidores específicos melhora o quadro de sepse e choque induzido, experimentalmente. O TNF-α amplifica os efeitos do PAF, que por sua vez age sinergicamente para induzir a produção de mais TNF-α. Figura 63.7 - Ativação da coagulação: No estado normal, o endotélio expressa trombomodulina, que ao se ligar à trombina estimula a ativação da proteína C, que inibe os fatores Va (via extrínseca) e VIIIa (via intrínseca) e inibe a formação de trombos. Além disso, o Ativador de Plasminogênio (PA) expresso na superfície intravascular endotelial inicia a fibrinólise, evitando a formação de fibrina. Dessa forma, predomina um estado anticoagulante e o fluxo sanguíneo é mantido. Durante a infecção, o processo inflamatório ativa as células endoteliais através de mediadores como TNF-a, IL-1 e outras citocinas próinflamatórias. Há redução da expressão de trombomodulina e a atividade anticoagulante da proteína C é significativamente diminuída. Concomitantementehá aumento da expressão do Inibidor do Ativador do Plasminogênio (PAI-1) e redução da atividade de Plasmina, com inibição da fibrinólise. A expressão de Fator Tissular e Fator de Von Willebrand pelo endotélio estimula a formação de trombos pela via extrínseca da coagulação (Fatores V e VII). Toxinas bacterianas, como o LPS (endotoxina), ativam a via intrínseca da coagulação (Fator VIII), através do Fator XII. Essa mesma via também é ativada pelo Fator XI estimulado pela ativação da via extrínseca. A via final comum das vias extrínseca e intrínseca é a ativação de Trombina e formação de fibrina resultando em trombose intravascular. Cininas Outro mediador liberado na circulação é a bradicinina, via ativação do calicreinogênio, para calicreína, pelo fator XII e pela lesão endotelial. O bradicininogênio é catalisado pela calicreína em bradicinina, e ela, por sua vez, exerce potente ação vasodilatadora e de aumento da permeabilidade capilar, colaborando para o estabelecimento de síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) e lesões em outros órgãos. Porém, não há relação clara entre os níveis plasmáticos de cininas e o grau de gravidade do choque séptico nem com a letalidade dessa condição. Aminas biogênicas A liberação de histamina certamente ocorre durante a sepse, mas seus efeitos por meio da estimulação de receptores H1, H2 e H3 têm papel controverso. Sua participação na disfunção cardíaca foi aparentemente descartada, mas a histamina poderia contribuir para as alterações cardiovasculares na fase precoce do choque séptico, estimulando os receptores H1 e levando à vasoconstrição, exacerbando os efeitos das catecolaminas. Em fases posteriores, quando ocorre vasoconstrição generalizada, sua ação sobre os receptores H2 exerceria efeitos vasodilatador e inotrópico positivo, contrabalançando e atenuando os efeitos das catecolaminas. O bloqueio simultâneo de receptores H1 e H2 pode ter efeitos deletérios na sepse, porém, o bloqueio precoce de H1 e a estimulação de H2 poderiam ser de algum valor na terapêutica do choque séptico. A serotonina (5-HT) também é liberada em quantidades significativas, durante a sepse e o choque séptico, e seus efeitos contribuem para a hipotensão e alteração da permeabilidade capilar, levando ao desenvolvimento de choque e SARA. Porém, o bloqueio dos efeitos da 5-HT pode ser deletéria, pois inibiria a liberação de glicocorticosteroides, cujo papel é fundamental no choque séptico. As catecolaminas, a epinefrina e a norepinefrina, estão presentes na sepse, mas são mediadores secundários, liberados para contrabalançar a ação vasodilatadora predominante de outros mediadores. Cortisol A presença de níveis elevados de cortisol endógeno durante a evolução do choque séptico é fato conhecido há muitos anos. Os glicocorticosteroides são inibidores potentes da secreção de TNF-α e tem efeito protetor contra a ação deletéria de diversas citocinas em modelos experimentais. O cortisol endógeno protege contra o choque séptico, não por ir contra o agente causador, e sim porque se opõe contrabalançando o “excesso” de ativação das defesas orgânicas. Outros mediadores Diversas substâncias têm participação incerta na patogenia da sepse e do choque séptico, e mais estudos são necessários para esclarecer seu papel, durante as fases de instalação e evolução da doença. Podem-se citar alguns deles: peptídeo vasoativo intestinal, vasopressina, sistema renina-angiotensina, endotelina, opiáceos endógenos, fibronectina, proteinases de fagócitos, radicais livres de O2 etc. Figura 63.8 - Reflexo neuroinflamatório: Caracteriza-se pelo estímulo do nervo vago aferente, que por sua vez estimula o tronco cerebral, a via eferente do nervo vago e o plexo celíaco; daí o estímulo reflexo viaja pelo nervo esplênico até o baço, onde estimula uma subpopulação de linfócitos T CD4+ a liberar acetilcolina. Esse mediador por sua vez se liga a receptores colinérgicos α7 em macrófagos, suprimindo a secreção de citocinas próinflamatórias, atenuando a resposta inflamatória. Por outro lado, a estimulação do eixo neuroendócrino aumenta a secreção de cortisol e catecolaminas pelas glândulas adrenais, que também inibe a produção de citocinas próinflamatórias. Figura 63.9 – Imunossupressão: a inibição da resposta proinflamatória associada a resposta anti- inflamatória contrarreguladora, mediada por citocinas anti-inflamatórias (IL-4, IL-10, etc.), aumenta a apoptose de linfócitos T e B efetores e de células dendríticas teciduais, ao mesmo tempo que estimula a expansão clonal de linfócitos reguladores (Tregs), também conhecidos como supressores. A contrarregulação anti-inflamatória tem como objetivo conter a resposta inflamatória e promover a cicatrização das lesões teciduais. Entretanto, a imunossupressão pode atingir nível tal que favorece a persistência do foco infeccioso original, que não é totalmente clareado e mantém o estímulo proinflamatório, podendo eventualmente evoluir para um estado de inflamação crônica. Além disso, esses pacientes ficam susceptíveis a infecções oportunistas, tanto por reativação de infecções endógenas latentes como aquelas decorrentes do ambiente hospitalar. FISIOPATOLOGIA Todos os mediadores envolvidos na geração de resposta inflamatória acabam por levar a três fenômenos fundamentais: a lesão do endotélio capilar com extravasamento de líquidos; a vasodilatação, com queda da resistência vascular sistêmica (RVS); e a microtromboses por ativação da coagulação e fenômenos de adesão de leucócitos ao endotélio. O efeito conjunto dessas alterações acarreta em má distribuição do fluxo sanguíneo aos tecidos, resultando em choque com débito cardíaco de valor numérico elevado e baixa RVS. Em razão desses fatos, o choque séptico é classificado como choque distributivo, caracterizado por hiperdinamismo cardiocirculatório e inabilidade dos tecidos em extrair oxigênio de forma eficiente, do sangue circulante, principalmente em decorrência do fluxo heterogêneo na microcirculação (Figura 63.10). Figura 63.10 - Fisiopatologia da sepse: A ativação do processo inflamatório e da cascata da coagulação resulta em três processos básicos e inter-relacionados: [1] Lesão do endotélio vascular, com aumento do espaço entre os endoteliócitos, levando a perda de líquidos para o interstício dos tecidos inflamados, resultando em edema. Os espaços abertos entre os endoteliócitos facilitam a migração de fagócitos ao foco de infecção. Entretanto, o edema diminui a disponibilidade de oxigênio aos tecidos. [2] Vasodilatação, resultante da ação do óxido nítrico e outros mediadores (prostaglandinas, etc.), leva a queda da resistência vascular sistêmica (RVS). Para manter a pressão arterial ocorre aumento do débito cardíaco, levando ao hiperdinamismo cardiocirculatório. Esse padrão difere do choque hipovolêmico e do choque cardiogênico, caracterizados por resistência vascular sistêmica alta e débito cardíaco baixo. [3] A ativação da cascata da coagulação leva a formação de microtrombos, obstruindo o fluxo sanguíneo em algumas regiões dos tecidos, resultando em isquemia e necrose tecidual. Dessa forma, temos áreas teciduais muito perfundidas, com alto fluxo, lado a lado com áreas isquêmicas e edemaciadas. Essa má distribuição do fluxo leva a múltiplas disfunções orgânicas. PATOLOGIA Os substratos anatomopatológicos dessas alterações vasculares se manifestarão em todos os órgãos; a maior perfusão determina maior gravidade das lesões. Portanto, órgãos bastantes perfundidos, como os pulmões, rins, fígado e cérebro, sofrerão lesões mais intensas. Nos pulmões ocorrem edema inflamatório e congestão, podem ocorrer focos de hemorragia, sendo que nafase inicial há o desenvolvimento de infiltrados inflamatórios com PMN e mononucleares, formando um exsudato que, posteriormente, se acompanha de fibrose e proliferação de células alveolares. Desta forma se divide a agressão pulmonar, nos casos que evoluem para SDRA, em fase exsudativa e fase proliferativa, respectivamente. Os órgãos podem apresentar vasos sanguíneos com microtromboses, êmbolos gordurosos, com ou sem sinais de diátese hemorrágica. Os rins também ficam edemaciados e congestos, principalmente quando ocorre ressuscitação excessiva com fluidos, podendo apresentar microtromboses, hemorragias glomerulares, exsudato inflamatório e necrose tubular, e raramente ocorre necrose glomerular. Nos casos em que há insuficiência renal aguda, há estudos em necropsias de pacientes que evoluíram a óbito decorrente da sepse, demonstrando que a arquitetura histológica glomerular renal se encontra preservada o que sugere que a disfunção renal deva estar relacionada à hibernação celular como mecanismo adaptativo à agressão inflamatória. O fígado fica congesto, com alterações degenerativas de hepatócitos, que podem chegar à necrose zonal ou centrolobular. Essa hepatite inespecífica ou reacional se acompanha de estase biliar às custas de bilirrubina direta, o que caracteriza a disfunção hepática. No cérebro, observam-se congestão e hemorragias petequiais, trombos de fibrina, alterações degenerativas de neurônios podendo chegar até a necrose. A disfunção neurológica é manifestada pela encefalopatia séptica que pode ser expressada tanto por agitação psicomotora até obnubilação. Em outros órgãos, as principais alterações são congestão, edema e hemorragias, com evolução para necrose dependendo da gravidade das lesões. Essas alterações patológicas suportam o conceito de lesões endoteliais causadas por substâncias tóxicas como endotoxina e mediadores humorais do hospedeiro. Estudos em modelos experimentais apontam para alterações subcelulares, principalmente nas mitocôndrias levando a alterações metabólicas que se traduzem clinicamente em dificuldade de extração de oxigênio e alterações no metabolismo da glicose, resultando em déficit energético celular. Alterações metabólicas Nas fases precoces do processo séptico, há aumento das necessidades metabólicas celulares, desencadeado por um estímulo neuroendócrino, caracterizado por aumentos nos níveis séricos de catecolaminas, glucagon e cortisol. A insulina aumenta pouco, e há resistência periférica à sua ação. Ocorre o catabolismo muscular, com maior utilização de aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) para obtenção de energia no nível muscular, em relação a síntese de glicose bem como de acetil-coenzima A. A lipólise está aumentada e a lipogênese diminuída, com utilização de ácidos graxos, principalmente os de cadeia média. Observa-se hipertrigliceridemia por diminuição da depuração periférica de triglicérides, por bloqueio da enzima lipoproteína-lipase, mediado pelo TNF-α, e pelo o aumento da produção hepática. O consumo global de oxigênio aumenta e é dependente da disponibilidade de oxigênio (DO2), que, por sua vez, está alterada pela lesão endotelial e má distribuição do fluxo na microcirculação. Nesse estado de consumo de oxigênio (VO2) elevado e má distribuição de fluxo devido a vasodilatação, a qual gera diminuição da resistência vascular sistêmica, o débito cardíaco se eleva para manter a pressão arterial média sistêmica em níveis adequados e atender a demanda metabólica. Figura 63.11 - Metabolismo na sepse: Em 1942, Sir David Cuthbertson cunhou os termos “ebb” e “flow” para descrever as fases de hipo e hipermetabolismo que ocorrem no trauma. Esses termos também tem sido utilizados na sepse e choque séptico. Todavia, a distinção entre as fases é menos precisa na sepse, assim como sua duração é variável. Após a lesão traumática, nas primeiras 12 a 24 horas ocorre hipoperfusão tecidual, vasoconstrição e diminuição do metabolismo. Após a ressuscitação volêmica, com restauração da disponibilidade de O2 e de substratos metabólicos, instala-se a fase “flow” de catabolismo, com pico em 3 a 5 dias e duração de cerca de 7 a 10 dias ou mais. Caracteriza-se por aumento do gasto energético basal, do consumo de O2 e do débito cardíaco, assim como da produção de CO2. Há mobilização de reservas de carboidratos e gorduras e catabolismo muscular. Os aminoácidos, notadamente a alanina e a glutamina, são utilizados como substrato para a gliconeogênese hepática. Os níveis plasmáticos de glicose, triglicérides, lactato e uréia se elevam e aumenta a perda nitrogenada renal. Há ativação do eixo neuroendócrino e estimulação do eixo hipotálamo-hipofisário, com secreção de hormônio liberador de corticotropina (CRH – corticotropin releasing hormone) pelo hipotálamo, que estimula a liberação de ACTH (adrenocorticotrophic hormone), que por sua vez estimula a liberação de cortisol e epinefrina pelas glândulas adrenais. Concomitantemente, há estimulação do sistema nervoso autônomo, levando a liberação de norepinefrina e acetilcolina. O pâncreas libera insulina, mas ao mesmo tempo também libera níveis mais elevados de glucagon, que estimula a produção hepática de triglicérides, inibe a cetogênese e promove o catabolismo muscular. A hipóxia resulta em glicólise anaeróbia e utilização da via das pentoses, gerando níveis altos de lactato e de radicais livres de O2, como superóxido e peróxido de hidrogênio, que contribuem para a disfunção mitocondrial. Há menor produção de ATP e menor consumo e extração de oxigênio da circulação. Esse estado de “hipóxia citopática” se traduz clinicamente como disfunções orgânicas. Stress Lesão “Ebb” (refluxo, declínio) • 12 a 24 horas • Hipoperfusão • Vasoconstrição • Diminuição do metabolismo • Hiperglicemia “Flow” (catabolismo) • Pico em 3 a 5 dias; 10 dias ou mais • Restauração da DO2 e substratos metabólicos • Aumento do gasto energético, consumo de O2, produção de CO2 • Mobilização de reservas de carboidratos e gorduras • Catabolismo muscular e gliconeogênese • Aumento de glicose, lactato, triglicérides, uréia e perda renal de nitrogênio Figura 63.12 - Disfunção mitocondrial: A hipovolemia associada à redistribuição do fluxo sanguíneo e ao extravasamento de líquidos para os tecidos leva a hipoperfusão e redução da disponibilidade de oxigênio (DO2). A respiração celular mediada pela cadeia de transporte de elétrons pode funcionar quando há redução da DO2, mas após queda abaixo de níveis críticos há diminuição na geração de ATP e ativação de mecanismos de morte celular. Durante o processo inflamatório há produção exagerada de radicais livres de oxigênio (ROS – reactive oxygen species), como o óxido nítrico (NO). A falta de oxigênio estimula a produção de ROS. Concomitantemente, os mecanismos de clareamento dos ROS estão inibidos. A presença de grandes quantidades de ROS nas células provoca dano às proteínas e membranas lipídicas, desencadeando mecanismos de morte celular. A ativação da secreção de diversos hormônios de fase aguda prepara o organismo para a resposta contra o estresse, como a adrenalina e o cortisol. Há desvio do fluxo sanguíneo para órgãos-chave na resposta aguda a lesões, como o cérebro, coração e músculos. O fígado passa a produzir proteínas de fase aguda, que modulam a atividade inflamatória e metabólica. Na fase inicial da sepse há aumento da secreção de hormônios tireoidianos, mas posteriormente, na evolução da sepse, desenvolve-se um estado de disfunção tireoidiana (sick euthyroid), onde se observa níveis baixos de T3, devido a deionidação do T4 para T3 reverso em vez de T3, além de catabolismo aumentado de T3 para T2. Em casos mais graves há redução de T4 total e livre, acompanhado de quedados níveis de TSH. A falta de hormônios tireoidianos impacta negativamente na função mitocondrial. A presença de disfunção tireoidiana está relacionada a pior prognóstico em pacientes graves, inclusive pacientes sépticos. Diversas drogas, usadas comumente no tratamento de pacientes sépticos, podem causar inibição da função mitocondrial, notadamente catecolaminas, alguns sedativos, antibióticos e outras. A hipóxia resulta em diminuição da síntese de ATP; associado ao dano às proteínas e membranas celulares, resulta em inibição da atividade mitocondrial e um desligamento do metabolismo celular. Esse processo é similar ao que ocorre nas células de animais que hibernam no inverno. Quadro hemodinâmico Os pacientes com sepse, após ressuscitação adequada com fluidos, geralmente, apresentam um quadro hemodinâmico hiperdinâmico, com valores absolutos elevados do débito cardíaco, diminuição da resistência vascular sistêmica, frequência cardíaca alta, trabalho cardíaco diminuído, diferença arteriovenosa de oxigênio baixa e relação ventilação-perfusão diminuída, com o aumento do shunt arteriovenoso pulmonar. Esse estado hiperdinâmico se mantém por várias horas ou dias, enquanto perdurar o estado •Hipovolemia •Extravasamento (edema) •Redistribuição do fluxo •Depressão miocárdica Hipoperfusão (fase inicial) •CO2 •NO •H2S •Outros Geração excessiva de radicais livres •Síndrome Eutiroideana (“Sick Euthyroid Syndrome”)Alterações hormonais •Sedativos •Catecolaminas •Antibióticos •Outras Drogas Hipóxia Diminuição da síntese de ATP Dano proteico Dano a membranas Inibição mitocondrial “Desligamento” (shut-down) metabólico celular inflamatório. Não há diferenças significativas entre o quadro hemodinâmico da sepse causada por bactérias gram-negativas do causado por bactérias gram-positivas. A hipotensão acontece, na maioria das vezes, quando há hipovolemia, por perdas exacerbadas pela perspiração, febre, vômitos, diarreia, associada à falta de ingestão ou pouca hidratação. Além disso, a vasodilatação por ação de mediadores inflamatórios, principalmente no território venoso, pode gerar alteração na relação entre conteúdo e continente, o que proporciona hipovolemia relativa. O extravasamento de líquidos do intravascular para o interstício e terceiro espaço reduz o volume sanguíneo circulante, cooperando para piorar a hipovolemia. Disfunção cardiovascular Na fase inicial da sepse, em decorrência das alterações fisiológicas resultantes da ação dos mediadores inflamatórios, e como medidas para compensar o aumento da demanda metabólica, o organismo tenta suprir o fluxo adequado de sangue para as células e tecidos por diversos mecanismos. Os mecanismos compensatórios para evitar que se inicie o colapso cardiovascular ocorre pela liberação de catecolaminas, ativação do sistema renina- angiotensina-aldosterona, e liberação de hormônio antidiurético. A disfunção cardiovascular ocorre por manifestação em vários pontos sistema cardiovascular (Figura 63.13). Pacientes com sepse ou choque séptico podem apresentar dilatação de ambos os ventrículos cardíacos, com queda na fração de ejeção do ventrículo esquerdo e alterações na relação pressão-volume, sugerindo uma complacência cardíaca aumentada. O volume sistólico é mantido e o índice cardíaco se eleva com a taquicardia. Essas alterações cardíacas revertem entre 7 e 10 dias nos pacientes que sobrevivem à fase aguda. A capacidade dos ventrículos de se dilatarem pode ser uma resposta adaptativa à situação hiperdinâmica, e a falta dessa dilatação pode resultar em edema cardíaco, com redução da complacência, com consequente redução na capacidade de responder à queda da resistência vascular sistêmica, seguida por hipotensão e choque. Pacientes que apresentam aumento do volume diastólico final associado ao aumento da complacência ventricular têm prognóstico melhor daqueles que não apresentam essas alterações adaptativas. Essas alterações são decorrentes da ação de mediadores inflamatórios como TNF, IL-1β, IL-6, o óxido nítrico e, até mesmo, as exotoxinas de bactérias. O ventrículo direito também é afetado da mesma maneira que o esquerdo, e pode também sofrer redução de seu tamanho por desvio do septo interventricular, levando a menor enchimento diastólico. Essas alterações caracterizam a depressão miocárdica induzida pela sepse, e podem ser confirmadas pela elevação de marcadores de lesão miocárdica, como a troponina e o CK- MB, o que não significa que exista isquemia miocárdica, e são resultantes da ação de mediadores inflamatórios. O exame padrão para confirmação da depressão do miocárdio é a ecocardiografia, mas pacientes com monitorização hemodinâmica invasiva podem apresentar valores de índice cardíaco inadequados a demanda metabólica, associado a elevação das pressões de enchimento de câmaras cardíacas, além de se poder evidenciar alterações da fração de ejeção de ventrículo direito e do índice de volume diastólico final de ventrículo direito, naqueles com monitoração hemodinâmica invasiva pelo cateter de artéria pulmonar volumétrico. Essas variáveis alteradas, associadas a um fluxo inadequado a demanda metabólica apontam para a presença de depressão do miocárdio, da sepse. A disfunção miocárdica pode ser identificada logo nas primeiras horas de desenvolvimento de sepse. Pode comprometer globalmente os ventrículos, como também pode afetar os ventrículos esquerdo ou direito isoladamente. Não é frequente encontrar pacientes com valores absolutos diminuídos de índice cardíaco, após a ressuscitação inicial, como causa de choque durante a sepse e, geralmente, ocorre em pacientes com doença cardíaca grave prévia. Pela ação de citocinas pode ocorrer aumento da pós carga de ventrículo direito devido a vasoconstrição arterial pulmonar, que somado a presença de hipoxemia pode contribuir para a sobrecarga de câmaras direitas. Nas situações em que o paciente necessita de pressões elevadas nas vias aéreas pela ventilação mecânica, a monitoração do ventrículo direito é muito importante para evidenciar disfunção ventricular direita. Quando presente a disfunção ventricular direita, o uso de valores de PEEP elevada deve ser evitado, e ajustado com auxílio da ecocardiografia para não comprometer sua função. Figura 63.13 – Alterações cardiovasculares na sepse. Pela ação dos mediadores inflamatórios ocorre aumento da capacitância venosa, pela venodilatação, o que faz com que diminua o retorno venoso para as câmaras direitas, determinando valores diminuídos das pressões de enchimento das mesmas. A diminuição da função ventricular direita (VD) pode estar comprometida pelo desenvolvimento de depressão do miocárdio, bem como pelo aumento da pós carga de VD que pode ocorrer pela vasoconstrição arteriolar pulmonar. Esta vasoconstrição pode ser agravada pela presença de hipoxemia nos casos com comprometimento pulmonar seja decorrente de um processo infeccioso, seja decorrente da síndrome do desconforto respiratório. A diminuição da resistência vascular sistêmica facilita o trabalho do ventrículo esquerdo (VE) o que pode explicar o valor numérico elevado do índice cardíaco, o qual também sofre influência do aumento da frequência cardíaca. O aumento da complacência ventricular esquerda corrobora para manter o indicie cardíaco, pois mesmo na vigência de depressão do miocárdio, com a reposição de fluidos, pode-se garantir a adequação do fluxo sanguíneo as necessidades da demanda metabólica do organismo as custas do mecanismo de Frank-Starling para recrutamento da pré-carga. Cerca de 15 a 20% dos pacientes com depressão do
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