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Homicídio privilegiado-qualificado (homicídio híbrido) Discute-se se é possível a configuração de uma figura híbrida de homicídio, simultaneamente privilegiado e qualificado. Formaram-se, basicamente, duas posições sobre o assunto. Vejamos: 1.ª posição: Não é possível o homicídio privilegiado-qualificado Sustenta ser impossível essa conjugação, pois a causa de diminuição de pena não se aplica ao homicídio qualificado. A interpretação geográfica ou topográfica da figura do privilégio (§ 1.º) não autoriza sua incidência no tocante às qualificadoras (§ 2.º), mas somente ao caput do art. 121 do Código Penal. Além disso, aplicando- se analogicamente o art. 67 do Código Penal, conclui-se ser o privilégio uma circunstância preponderante em relação às qualificadoras, afastando-as. É, entre outras, a posição de Euclides Custódio da Silveira. 2.ª posição: É possível o homicídio privilegiado-qualificado Essa posição admite a compatibilidade entre o privilégio e as qualificadoras, desde que sejam de natureza objetiva. • SÓ OCORRE QUANDO O PRIVILÉGIO É SUBJETIVO! • SÓ OCORRE QUANDO A QUALIFICADORA É OBJETIVA (meio de execução – extrínseco)! • NÃO HÁ HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO SE A(S) QUALIFICADORA(S) E O PRIVILÉGIO FOREM SUBJETIVOS! Com efeito, o homicídio doloso é crime de competência do Tribunal do Júri. E, na ordem de elaboração dos quesitos, deve o juiz-presidente, desde que os jurados tenham decidido pela condenação, formular inicialmente quesitos sobre causas de diminuição de pena alegadas pela defesa, e, só após, proceder à votação dos quesitos inerentes às qualificadoras ou causas de aumento da pena (CPP, art. 483, § 3.º, incs. I e II). Destarte, o privilégio (causa de diminuição da pena) é votado previamente às qualificadoras. Logo, se os jurados reconhecerem o privilégio, sempre de natureza subjetiva, o juiz, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, estará proibido de indagar aos jurados acerca de qualificadoras de natureza subjetiva que tenham sido confirmadas na pronúncia. Seria ilógico e contraditório, por exemplo, considerar um homicídio simultaneamente cometido por motivo de relevante valor moral e, posteriormente, indagar aos jurados se esse motivo também é torpe ou fútil. Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal: A jurisprudência do STF é assente no sentido da conciliação entre homicídio objetivamente qualificado e, ao mesmo tempo, subjetivamente privilegiado. Dessa forma, salientou que, tratando-se de circunstância qualificadora de caráter objetivo (meios e modos de execução do crime), seria possível o reconhecimento do privilégio, o qual é sempre de natureza subjetiva. Anote-se que o § 2.º do art. 121 do Código Penal prevê sete espécies de qualificadoras. Dessas, são de índole subjetiva as relacionadas aos motivos do crime (incisos I, II, V, VI e VII), e também a traição (inciso IV), enquanto as demais são de natureza objetiva, ligadas aos meios e modos de execução do crime (incisos III e IV, com exceção da traição). Em resumo, o privilégio é incompatível com as qualificadoras subjetivas, mas compatível com as qualificadoras objetivas. Essa é a regra geral, atualmente dominante em sede doutrinária e jurisprudencial. Mas cuidado! Há situações em que uma qualificadora objetiva é incompatível com a figura do privilégio. O decisivo é o caso concreto, sempre guiado pelo bom senso. Imagine-se, por exemplo, um homicídio praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima (CP, art. 121, § 1.º, in fine), mediante emboscada (CP, art. 121, § 2.º, inc. IV). Trata-se de hipótese inadmissível, porque a emboscada não se coaduna com o domínio de violenta emoção. Em igual sentido a lição de Dirceu de Mello: Inexpugnável é a contradição entre o homicídio privilegiado e a qualificadora do uso de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Isto porque, naquele, a execução é subitânea, imprevista, tempestuosa, circunstâncias que não se compadecem com os temperamentos racionais que ditam o método ou o meio de execução sempre precedidos de processo mental ordenado. Homicídio privilegiado-qualificado (homicídio híbrido) e Lei dos Crimes Hediondos Aceita a figura do homicídio privilegiado-qualificado, questiona-se: Esse crime é hediondo? Não, de acordo com o entendimento dominante. Fundamenta-se esse raciocínio na redação do art. 1.º, inciso I, da Lei 8.072/1990, que indicou como hediondos somente o homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente (caput), e o homicídio qualificado (§ 2.º), não fazendo referência alguma ao privilegiado (§ 1.º). Se não bastasse, as benesses do privilégio afastam a gravidade da hediondez. Mas há quem sustente posição contrária. Para essa corrente, o homicídio híbrido é crime hediondo, pois a qualificadora lhe confere inevitavelmente esse perfil, enquanto o privilégio limita-se, unicamente, a diminuir a pena de 1/6 a 1/3. Seria um homicídio qualificado e hediondo, embora com a pena reduzida. Pluralidade de qualificadoras Na hipótese de estarem presentes duas ou mais qualificadoras (exemplo: homicídio qualificado pelo motivo torpe, pelo meio cruel e pelo recurso que dificultou a defesa do ofendido), o magistrado deve utilizar uma delas para qualificar o crime, e as demais como agravantes genéricas, na segunda fase, pois as qualificadoras do homicídio encontram correspondência no art. 61, inciso II, a, b, c e d, do Código Penal. É a posição do Supremo Tribunal Federal: As circunstâncias evidenciadas na espécie refletem o entendimento da Corte, preconizado no sentido de que, “na hipótese de concorrência de qualificadoras num mesmo tipo penal, uma delas deve ser utilizada para qualificar o crime e as demais serão consideradas como circunstâncias agravantes”. Mas também há posicionamentos sustentando que as demais qualificadoras devem atuar como circunstâncias judiciais desfavoráveis, influenciando na dosimetria da pena-base (1.ª fase). E, finalmente, há entendimento minoritário no sentido de que, na pluralidade de qualificadoras, somente uma pode ser empregada pelo julgador. Desprezam-se as demais, pois a função a elas correlata (aumentar a pena em abstrato) já foi desempenhada. Homicídio e parentesco A circunstância do parentesco não qualifica o homicídio, constituindo mera agravante genérica (CP, art. 61, inc. II, e). Destarte, a conduta de matar o próprio pai (parricídio), a mãe (matricídio), o cônjuge varão (conjucídio), o cônjuge virago (uxoricídio), o filho (filicídio), o irmão (fratricídio), embora mais reprovável sob os prismas ético e moral, não qualifica o homicídio. Qualificadoras e crime tentado Todas as qualificadoras do homicídio são compatíveis com a forma tentada. Qualificadoras e dolo eventual Em regra, as qualificadoras podem ser realizadas com dolo direto ou eventual. Algumas delas, porém, não se coadunam com o dolo eventual. É o que ocorre com o motivo torpe, o motivo fútil e a emboscada. Esta é a posição consolidada em sede doutrinária. Entretanto, recentemente o Supremo Tribunal Federal concluiu a possibilidade de coexistência do dolo eventual com as qualificadoras do motivo torpe ou do motivo fútil no crime de homicídio: Concluiu-se pela mencionada com possibilidade, porquanto nada impediria que o paciente – médico –, embora prevendo o resultado e assumindo o risco de levar os seus pacientes à morte, praticasse a conduta motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade. De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça também decidiu pela compatibilidade, no crime de homicídio, entre o dolo eventual e o motivo fútil. A questão da premeditação A premeditação não qualifica o homicídio, por falta de amparo legal. Em alguns casos, inclusive, a preordenação criminosa, antes de revelar uma conduta mais reprovável, demonstra resistênciado agente à prática delituosa. Em qualquer hipótese, entretanto, deve funcionar como circunstância judicial para dosimetria da pena-base, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal. Causas de aumento da pena no homicídio doloso: art. 121, § 4.º, 2.ª parte, e art. 121, § 6.º Art. 121, § 4.º, 2.ª parte: vítima menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos O art. 121, § 4.º, 2.ª parte, do Código Penal prevê duas causas de aumento de pena aplicáveis exclusivamente ao homicídio doloso, em qualquer de suas modalidades: simples, privilegiado ou qualificado, consumado ou tentado. São circunstâncias legais, especiais, de natureza objetiva e de aplicação obrigatória. Ensejam o surgimento do denominado homicídio doloso circunstanciado. Critica-se a inserção dessas causas de aumento da pena nesse dispositivo, localizado em parágrafo que cuida inicialmente da exasperação da pena no homicídio culposo. Além disso, encontra-se situado entre os §§ 3.º e 5.º, inerentes à figura culposa do delito. Dizem respeito à idade da vítima ao tempo do crime: menor de 14 ou maior de 60 anos de idade. Esse raciocínio decorre da adoção da teoria da atividade pelo art. 4.º do Código Penal. Destarte, é imprescindível para incidência de cada uma das causas de aumento que a vítima tenha suportado a conduta criminosa quando possuía menos de 14 anos ou mais de 60 anos de idade. Portanto, se o ofendido foi atacado quando tinha menos de 14 anos, sobrevindo a morte depois de completada esta idade, será aplicável a causa de aumento. Por outro lado, se ao tempo do crime a vítima tinha menos de 60 anos de idade, mas vem a falecer quando ultrapassada a mencionada idade, não incidirá o aumento da pena. A causa de aumento de pena deve ser compreendida pelo dolo do agente. Logo, o desconhecimento da idade ou o erro de tipo sobre tal circunstância impedem sua aplicação. Exemplo: “A” mata “B”, de 13 anos de idade, acreditando sinceramente ter a vítima 15 anos de idade. Não incide a causa de aumento da pena. Recorde-se que, em face da proibição da dupla punição pelo mesmo fato (ne bis in idem), a configuração da causa de aumento de pena afasta as agravantes genéricas delineadas pelo art. 61, inciso II, h, do Código Penal, no tocante ao crime cometido contra criança ou maior de 60 anos. Vejamos cada uma delas: a) Crime praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos Trata-se de norma instituída pela Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e que encontra fundamento no art. 227, § 4.º, da Constituição Federal: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Com base na regra constitucional, percebe-se que o legislador incidiu em grave equívoco. Deveria ter criado um dispositivo mais amplo, no sentido de punir mais gravemente todo crime praticado contra criança (período que engloba desde o nascimento até os 12 anos incompletos) ou adolescente (dos 12 aos 18 anos de idade). Só assim teria obedecido à risca o mandamento da Constituição Federal. b) Crime praticado contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos Essa causa de aumento de pena foi criada pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso. Fundamenta-se no art. 230, caput, da Constituição Federal: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo- lhes o direito à vida”. Matar ou tentar matar um idoso constitui-se em conduta revestida de maior reprovabilidade. Esta é a razão da majoração da pena. Art. 121, § 6.º: milícia privada e grupo de extermínio Como estatui o art. 121, § 6.º, do Código Penal, com a redação conferida pela Lei 12.720/2012: “A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio”. Cuida-se de causa especial de aumento da pena, incidente na terceira e última fase da dosimetria da pena privativa de liberdade, aplicável exclusivamente ao homicídio doloso, simples ou qualificado, de competência do Tribunal do Júri. Consequentemente, a análise da sua presença incumbe aos jurados, nos termos do art. 5.º, inc. XXXVIII, d, da Constituição Federal. Na seara do homicídio, antes da edição da Lei 12.720/2012 a expressão “grupo de extermínio” já permitia a incidência das regras da Lei dos Crimes Hediondos. Bastava a prática do delito “em atividade típica de grupo de extermínio” – não se falava em “milícia privada” - ainda que por um só agente (Lei 8.072/1990, art. 1.º, inc. I). Esta circunstância também era utilizada na fixação da pena-base, como circunstância judicial desfavorável, com fundamento no art. 59, caput, do Código Penal. Embora não exista disposição expressa nesse sentido, é evidente que o homicídio cometido por milícia privada será classificado como crime hediondo. Com efeito, não há como se imaginar uma execução desta natureza sem a presença de alguma qualificadora, notadamente o motivo torpe (paga ou promessa de recompensa) ou o recurso que dificulta ou impossibilita a defesa do ofendido. E, como se sabe, o homicídio qualificado é crime hediondo (Lei 8.072/1990, art. 1.º, inc. I). Milícia privada é o agrupamento armado e estruturado de civis – inclusive com a participação de militares fora das suas funções – com a pretensa finalidade de restaurar a segurança em locais controlados pela criminalidade, em face da inoperância e desídia do Poder Público. Para tanto, seus integrantes apresentam-se como verdadeiros “heróis” de uma comunidade carente e fragilizada, e como recompensa são remunerados por empresários e pelas pessoas em geral. Contudo, a realidade é diversa do romantismo que cerca o discurso dos novos “guerreiros da paz”. Diversas pessoas são coagidas à colaboração financeira, mediante violência física ou grave ameaça. Se não o fizerem, suportam castigos físicos, torturas e, aos mais rebeldes, impõe-se até mesmo a pena capital, para demonstração da autoridade do poder paralelo imposto na dominação do território. A majoração da pena reclama seja o homicídio cometido pela milícia privada “sob o pretexto de prestação de serviço de segurança”. Em outras palavras, é suficiente a alegação de prestar segurança em determinado local, ainda que os assassinos não tenham sido realmente contratados para desempenhar esta função. Grupo de extermínio é a associação de matadores, composta de particulares e muitas vezes também por policiais autointitulados de “justiceiros”, que buscam eliminar pessoas deliberadamente rotuladas como perigosas ou inconvenientes aos anseios da coletividade. Sua existência se deve à covardia e à omissão do Estado, bem como à simpatia e não raras vezes ao financiamento de particulares e de empresários, que contam com a ajuda destes exterminadores para enfrentar supostos ou verdadeiros marginais, sem a intervenção do Poder Público.
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