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08 Ilusões visuais Os artistas sempre se interessaram em ilusões visuais e ópticas. Alguns deles, como o artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher, são famosos por utilizar imagens ambíguas e impossíveis. Escolas artísticas inteiras, como a “op art”, ou arte óptica, se dedicaram a explorar a natureza das ilusões visuais e ópticas tanto da arte “estacionária” quanto da arte em movimento. As ilusões podem envolver brilho e cor, bem como conteúdo e forma. Algumas ilusões fisiológicas nos “desconsertam” por razões físicas, mas a maioria das ilusões é cognitiva. Muitas são bastante conhecidas e batizadas em homenagem a seus descobridores, como o cubo de Necker ou a ilusão de Poggendorf. Alguns sites na internet foram criados para demonstrar as ilusões mais famosas. Foi sugerido que todas as ilusões podem ser classificadas em quatro grupos: ambiguidades, distorções, paradoxos e ficções. Como seria de se esperar, as ilusões são de particular interesse para os cientistas visuais e os psicólogos cognitivos por nos revelarem importantes informações sobre o processo da percepção. Os mecanismos A percepção é o processo pelo qual reconhecemos o que é representado pelas informações transmitidas ao cérebro pelos nossos órgãos dos sentidos. É um processo rápido, automático e inconsciente. O processo não é deliberado e normalmente só nos conscientizamos do processo de percepção visual quando ele é concluído. Em outras palavras, somos cientes do produto acabado e não dos pormenores do processo. Como isso funciona? O que de fato acontece a partir do momento em que recebemos as informações por meio dos nossos sentidos e percebemos essas informações? Não é fácil responder essa pergunta e uma das maneiras mais eficazes que os psicólogos encontraram para explicar o processo é estudando as ilusões visuais para descobrir o que elas significam. « É praticamente uma regra que um homem que desconhece o que as coisas deveriam ser não enxerga essas coisas. » Jonathan Richardson, 1715 Fig. 1 Figura e fundo O que vemos pode ser classificado como o objeto que estamos olhando (figura) ou o (plano de) fundo. A classificação de um elemento como uma figura ou o fundo não representa uma propriedade intrínseca do objeto, mas depende do observador. Sempre conseguimos separá-los um do outro, embora às vezes recebamos sinais ambíguos sobre qual é o objeto e qual é o plano de fundo. Veja o objeto apresentado na figura 1. O que você vê? Um vaso ou dois rostos? A figura e o fundo podem ser revertidos, revelando duas imagens diferentes. Você consegue ver o saxofonista e rosto da mulher na figura 2? Qual deles você vê primeiro e por quê? Limites Um dos aspectos mais importantes da percepção da forma é a existência de um limite. Se o campo de visão contiver uma alteração nítida e distinta do brilho, cor ou textura, uma borda é percebida. As figuras 3 e 4 mostram, como podemos “ver”, contornos ilusórios (linhas inexistentes). No meio das duas imagens, triângulos parecem ser mais claros que o resto da imagem. Isso segue o princípio gestáltico do fechamento, já que tendemos a completar formatos incompletos e preencher as lacunas. Fig. 2 Os princípios da Gestalt Os psicólogos se interessam por todos os aspectos do modo como vemos o nosso mundo: como vemos as cores, o movimento e a profundidade, como reconhecemos objetos e pessoas e se a percepção subliminar realmente ocorre. No nível mais abstrato, é possível distinguir três processos: a recepção das ondas de luz pela córnea e pela íris; a tradução, processo no qual essa energia física (luz) é codificada em mensagens neuroquímicas enviadas ao cérebro; e a decodificação, ou tradução dessas mensagens. Fig. 3 Um aspecto importante desse estudo é o modo como “juntamos” ou formamos imagens completas dos objetos a partir das informações distintas que recebemos. Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, os psicólogos da Gestalt se voltaram a analisar o que chamamos de organização perceptual. Esses psicólogos especificaram várias “leis” – as leis da proximidade e da boa continuidade, por meio das quais eles tentaram explicar como conseguimos enxergar padrões em formas abstratas. Essas leis são conhecidas como as leis do agrupamento e continuam sendo descrições precisas do modo como vemos as coisas. Fig. 4 « O comprimento percebido de uma linha depende do formato e da posição das outras linhas que a delimitam. » A. Reber, 1985 Fig. 5 Fig. 6 Os gestaltistas também se interessaram em especial no estudo da precisão do que vemos. No final do século XIX, um grupo de psicólogos alemães criou a psicologia da Gestalt, uma teoria da percepção da forma com “leis de pragnanz” (que significa “boa forma”) explicando o modo como percebemos as formas. A similaridade (figura 5) é quando partes similares de uma forma tendem a parecer agrupadas. Isso pode depender das relações de forma, cor, tamanho ou brilho. Já o princípio da proximidade (figura 6) sustenta que as superfícies ou bordas próximas umas às outras têm mais chances de fazer parte do mesmo objeto que as superfícies ou bordas distantes umas das outras. Outros princípios incluem continuidade, destino comum e simetria. Fig. 7 Fig. 8 A ilusão de Ponzo e a ilusão de Müller-Lyer Alguns teóricos argumentam que essas ilusões podem ser explicadas com base na premissa de que o nosso conhecimento prévio de objetos tridimensionais é erroneamente aplicado a esses padrões bidimensionais. Na ilusão de Ponzo (figura 7), as duas linhas horizontais têm exatamente o mesmo comprimento, embora a linha inferior pareça ser muito mais curta. Isso acontece porque a perspectiva linear criada pelas linhas convergentes dos trilhos de trem sugere que a linha superior está mais distante. Se essa linha tem o mesmo tamanho retinal, mas está mais distante, ela deve ser mais comprida. Em outras palavras, o nosso sistema perceptivo leva equivocadamente à distância em consideração. A ilusão de Müller-Lyer (figura 8) tem uma explicação similar. A linha à esquerda se parece com os cantos externos de um edifício, ao passo que a linha à direita se parece com os cantos internos. Esses cantos internos estão, em certo sentido, mais distantes que os cantos externos, de modo que a linha à direita é vista como se estivesse mais distante e, seguindo a mesma lógica que a ilusão de Ponzo, é vista como mais comprida por ter o mesmo tamanho retinal. Essas ilusões demonstram que a percepção é influenciada por outros fatores além do estímulo – no caso, a distância percebida e a experiência prévia. Constâncias Quando os objetos se aproximam ou se distanciam, sob luzes diferentes, ou se viram, tendemos a não vê-los como objetos diferentes ou em mudança, mas como o mesmo objeto. Os diferentes tipos de processos de constância – forma, tamanho, cor, brilho – podem ajudar a explicar as ilusões visuais. Pegue este livro, por exemplo. Segure-o na posição vertical e voltado para você. O livro é um retângulo. Agora vire o livro, primeiro no plano vertical e, depois, horizontal. O formato muda, mas a sua percepção é que o livro continua igual. Essa é a constância de forma. De maneira similar, quando vemos um elefante se distanciando de nós, ele não parece estar diminuindo, embora a imagem do elefante na nossa retina claramente está ficando menor. A cultura e o mundo em linhas retas Imagine que você cresceu em um ambiente no qual as linhas retas inexistiam: não existiam casas quadradas, ruas retas, postes altos nem mesas retangulares tradicionais. As casas eram redondas, bem como os campos. As estradas eram serpenteantes e cheias de curvas. Será que mesmo assim você seria “enganado” por ilusões visuais? Se você nunca viu uma estrada reta ou um trilho de trem, será que você “cairia” na ilusão de Ponzo? Ou se você nunca viu o canto de um cômodo ou de uma casa, será que você seria “ludibriado” pela ilusão de Müller-Lyer? Vários estudos foram realizados com grupos rurais africanos e aborígenes para testar hipóteses sobre como a aprendizagem e a experiência influenciam anossa interpretação das ilusões. Por exemplo, um estudo comparou africanos urbanos e rurais que eram solicitados a ver com um olho só uma forma trapezoidal, chamada janela de Ames, em um movimento giratório. Como os pesquisadores previram, o grupo rural não enxergou a ilusão. Outro estudo revelou que os zulus da África do Sul eram mais capazes de enxergar a ilusão de Ponzo do que os sul- africanos brancos, talvez em virtude da maior experiência com grandes espaços abertos. Desse modo, as nossas experiências pessoais e culturais podem aumentar ou diminuir as nossas chances de enxergar as ilusões visuais. « A percepção da forma depende totalmente da experiência de quem a vê. » John Ruskin, 1890 Em resumo: Por que os nossos olhos nos pregam peças? ILUSÃO E REALIDADE 08. Ilusões visuais