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autor CARLOS EDUARDO ADRIANO JAPIASSU 1ª edição SESES rio de janeiro 2016 DIREITO PENAL III Conselho editorial rafael iorio, roberto paes e paola gil de almeida Autor do original carlos eduardo adriano japiassu Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media Revisão de conteúdo cristiane dupret filipe Imagem de capa andrey burmakin | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) J11d Japiassu, Carlos Eduardo Adriano Direito Penal III / Carlos Eduardo Adriano Japiassu. Rio de Janeiro: SESES, 2016. 264 p: il. isbn: 978-85-5548-359-2 1. Direito Penal. 2. Direito Penal - Brasil. I.SESES. II.Estácio. cdd 341.5 Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 7 1. Crimes contra a vida 11 1.1 Homicídio 13 1.2 Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio 35 1.3 Infanticídio 40 1.4 Aborto 43 2. Lesões corporais, periclitação da vida e da saúde e rixa 51 2.1 Outros crimes contra a pessoa 52 2.2 Lesões corporais (art. 129) 52 2.3 Crimes de perigo para a vida e para a saúde 63 3. Crimes contra a honra, a liberdade individual, a liberdade pessoal, a violação de domicílio e a invasão de dispositivo informático 81 3.1 Crimes contra a honra 82 3.2 Crimes contra a liberdade individual 91 3.3 Violação de domicílio 102 3.4 Invasão de dispositivo informático 105 4. Crimes contra o patrimônio 111 4.1 Considerações iniciais 112 4.2 Furto (art. 155) 113 4.3 Roubo (art. 157) 121 4.4 Extorsão (art. 158) 127 4.5 Extorsão mediante sequestro (art. 159) 130 4.6 Dano (art. 163) 132 4.7 Apropriação indébita (art. 168) 134 4.8 Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A) 136 4.9 Da apropriação indébita de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza (art. 169) 138 4.10 Estelionato (art. 171) 139 4.11 Receptação (art. 180) 144 4.12 Disposições finais dos crimes patrimoniais 147 5. Crimes contra a dignidade sexual 149 5.1 Crimes contra a liberdade sexual 150 5.2 Estupro (art. 213) 150 5.3 Violação sexual mediante fraude (art. 215) 152 5.4 Assédio sexual (art. 216-A) 154 5.5 Estupro de vulnerável (art. 217-A) 156 5.6 Mediação de vulnerável para servir à lascívia de outrem (art. 218) 157 5.7 Satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou adolescente (art. 218-A) 158 5.8 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B) 160 5.9 Disposições gerais 162 5.10 Mediação para servir a lascívia de outrem (art. 227) 162 5.11 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 228) 164 5.12 Casa de prostituição (art. 229) 166 5.13 Rufianismo (art. 230) 168 5.14 Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231) 169 5.15 Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A) 171 5.16 Ato obsceno (art. 233) 173 5.17 Escrito ou objeto obsceno (art. 234) 174 5.18 Disposições gerais 176 5.19 Crimes contra a Família 176 6. Crimes contra a incolumidade pública, a saúde pública e a paz pública 191 6.1 Noção 192 6.2 Incêndio (art. 250) 194 6.3 Explosão (art. 251) 196 6.4 Uso de gás tóxico ou asfixiante (art. 252) 197 6.5 Fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante (art. 253) 199 6.6 Inundação (art. 254) 200 6.7 Perigo de inundação (art. 254) 202 6.8 Desabamento ou desmoronamento (art. 256) 203 6.9 Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento (art. 257) 205 6.10 Formas qualificadas de perigo comum (art. 258) 206 6.11 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais 207 6.12 Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282) 209 6.13 Charlatanismo (art. 283) 210 6.14 Curandeirismo (art. 284) 212 6.15 Formas qualificadas (art. 285) 213 6.16 Crimes contra a paz pública 214 6.17 Apologia de crime ou criminoso (art. 287) 216 6.18 Associação criminosa (art. 288) 217 6.19 Constituição de milícia privada (art. 288-A) 220 7. Crimes contra a fé pública 223 7.1 Noção 224 7.2 Crimes assimilados ao de moeda falsa (art. 290) 230 7.3 Petrechos para fabricação de moeda (art. 291) 232 7.4 Emissão de título ao portador sem permissão legal (art. 292) 233 7.5 Falsificação de papéis públicos (art. 293) 234 7.6 Petrechos de falsificação (art. 294) 237 7.7 Causa especial de aumento de pena (art. 295) 238 7.8 Falsificação do selo ou sinal público (art. 296) 238 7.9 Falsificação de documento público (art. 297) 241 7.10 Falsificação de documento particular (art. 298) 244 7.11 Falsidade ideológica (art. 299) 247 7.12 Falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300) 250 7.13 Certidão ou atestado ideologicamente falso (art. 301) 251 7.14 Falsidade de atestado médico (art. 302) 253 7.15 Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica (art. 303) 255 7.16 Uso de documento falso (art. 304) 255 7.17 Supressão de documento (art. 305) 257 7.18 Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins (art. 306) 258 7.19 Falsa identidade (art. 307) 260 7.20 Uso de documento de identidade alheio (art. 308) 262 7 Prefácio Prezados(as) alunos(as), O presente livro inicia o estudo da chamada Parte Especial. Após a análise da Parte Geral do Direito Penal, que corresponde aos artigos 1º a 120 do Código Penal brasileiro e apresenta as regras gerais aplicáveis a quaisquer crimes, ini- cia-se o estudo das infrações em espécie. Assim, pode-se dizer que a Parte Especial, que vai do artigo 121 até o artigo 361, é um verdadeiro catálogo de crimes. Se é verdade que existem muitos ou- tros dispositivos penais em outras normas do direito interno, a chamada legis- lação penal especial, certo é que a Parte Especial tem uma enumeração ampla, tratando de diversos crimes e tutelando distintos bens jurídicos. No presente texto, serão examinados os dispositivos previstos dos artigos 121 até o artigo 311, passando pelos crimes contra a pessoa, crimes contra o patrimônio, crimes contra a dignidade sexual, crimes contra a família, crimes contra a incolumidade pública, crimes contra a saúde pública, crimes contra a paz pública e crimes contra a fé pública. Ressalve-se que, embora sejam crimes muito distintos em vários aspectos (gravidade, autores, vítimas, repercussão social etc.), todos apresentam a mes- ma estrutura e a sua análise se fará a partir da chamada Chave Mestra, que é apresentada abaixo. A Parte Especial No Direito Penal, distinguem-se Parte Geral e Especial. A Parte Geral é cons- tituída por um corpo de disposições genéricas, compostas por normas de apli- cação da lei penal, da teoria do crime e da teoria da pena. Já na Parte Especial, estão contidos os crimes em espécie e as suas sanções correspondentes, além de regras particulares ou mesmo exceções a princípios gerais, bem como nor- mas explicativas. Tal divisão era desconhecida das antigas legislações. A Parte Geral surgiu com o desenvolvimento da técnica legislativa e da elaboração doutrinária. O primeiro código a apresentar uma Parte Geral foi o Codex iuris bavarici crimi- nalis, de 17511. Na doutrina, o aparecimento da Parte Geral remonta à obra de Deciano. 1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra apessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 27. Tratactus criminalis, editada em 1590, após sua morte, e que só veio encontrar seguidores nos jus naturalistas do século XVIII2. A Parte Especial precedeu historicamente a Parte Geral por uma exigência de ordem prática. As leis eram elaboradas à medida que se julgava que exigiam repressão penal, sem que estivessem organizadas em um sistema. Foi justa- mente o estudo de determinados crimes, como, por exemplo, o homicídio, que levou à formação dos conceitos constantes da Parte Geral. Tem-se afirmado que nessa parte do sistema acha-se o verdadeiro Direito Penal. Encontram-se aqui descritas as condutas que, a juízo do legislador, de- vem ser reprimidas com a mais grave sanção jurídica por atingirem os valores sociais de maior relevância e significação. Compete, portanto, à Parte Especial, descrever e delimitar os fatos puníveis, indicando a pena cominada3. Frise-se que não há uma teoria geral da Parte Especial, mas, sim, uma teoria geral dos delitos em espécie, que são aí estudados. Dessa maneira, o estudo da Parte Especial se faz a partir da decomposição dos delitos nos seus elementos constitutivos. Assim, deve-se, em cada um dos tipos penais, lançar mão daquilo que Roberto Lyra convencionou chamar de Chave Mestra, ou seja, os elementos que necessitam análise em cada crime. Os elementos são, em regra, os seguintes: a) Objetividade jurídica – o que o tipo penal pretende proteger (o bem jurí- dico); b) Sujeitos do delito – quem pode praticar (sujeito ativo) e quem pode ser vítima do crime (sujeito passivo); c) Tipo objetivo – elementos objetivos do tipo em questão, o que se exterio- riza da conduta praticada; d) Tipo subjetivo – elementos subjetivos do tipo (por ex.: dolo e culpa); e) Consumação e tentativa – em que momento se consuma o crime e se ad- mite forma tentada; f) Classificação do crime; g) Ementares do tipo – se existem tipos derivados (por ex.: qualificados e privilegiados); h) Pena; i) Ação penal. 2 Idem, p. 3. 3 Idem, p. 4. 9 Em todos os capítulos, os crimes serão apresentados a partir da Chave Mes- tra e, pode-se dizer que a conhecendo, é possível decompor qualquer tipo penal e mais facilmente compreendê-lo. Bons estudos! 10 Crimes contra a vida 1 12 • capítulo 1 1. Crimes contra a vida OBJETIVOS O aluno deverá ser capaz de: • Identificar o bem jurídico-penal vida extrauterina e intrauterina, para fins de respectiva tipi- ficação da conduta típica, ilícita e culpável; • Aplicar, nos casos concretos apresentados, a incidência de conflito aparente de normas ou concurso de crimes com os demais crimes contra a pessoa; • Identificar as figuras típicas de homicídio, induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; in- fanticídio e aborto. MULTIMÍDIA Filme recomendado sobre modalidades de homicídio: O Poderoso Chefão (1972). O Código Criminal do Império inaugurava sua Parte Especial tipificando os crimes contra o Estado, e a encerrava com os crimes contra a pessoa. Mesma orientação foi seguida pelo Código Penal republicano de 1890, o que revela, em ambos os diplomas legais, uma preeminência do Estado sobre a pessoa4. Tal hierarquia de valores foi rompida pelo Código Penal de 1940, cuja Parte Especial vigora até a presente data. Assim, a Parte Especial do CP se inicia, em seu Título I (artigos 121 a 154) com os chamados crimes contra a pessoa, os quais o sujeito passivo é a pessoa física. Os bens físicos ou morais que eles ofen- dem ou ameaçam estão intimamente ligados à personalidade humana. Por exceção, a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de difamação; de vio- lação de domicílio (local onde a pessoa exerce sua moradia ou profissão, que pode ser pertencente à pessoa jurídica); violação de correspondência (art. 151); e correspondência comercial (art. 152). No seio dos crimes contra a pessoa, há os chamados crimes contra vida, pois a sua supressão consiste no mais grave atentado à pessoa e se encontram no CP, Título I, capítulo I, - artigos 121 a 128. 4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 27. capítulo 1 • 13 Tais crimes decorrem do fato de que o direito protege a vida, a incolumi- dade física (artigo 129) e a incolumidade moral (crimes contra a honra), assim como a liberdade individual (artigo 146). A ideia fundamental é de que a vida humana é protegida desde o momento da nidação (fixação do óvulo fecundado no útero) até o último suspiro. A vida não pode ser interrompida por ação de outrem, dolosa ou culposamente. Estão previstos, no CP, os seguintes crimes contra a vida: homicídio (art. 121), induzimento ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e aborto (arts. 124 a 128). Além deles, o genocídio, que foi definido pela Lei 2.889/56 e é um crime contra a humanidade, pode ser definido, em sua figura essencial, como crime contra a vida. Por sua vez, o crime de homicídio é previsto também no Código Penal Militar, sendo considerado crime militar quando praticado em algumas si- tuações definidas pelo próprio Código Penal Militar. Já a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, art. 29) refere-se ao homicídio de determinadas pessoas (autoridades), desde que esteja presente o objetivo político do agente de atingir a estrutura política do Estado Democrático. 1.1 Homicídio 1.1.1 Noção A exemplo do Código Penal republicano, o Código Penal brasileiro de 1940 adotou a terminologia homicídio para definir o delito de matar alguém – ao contrário do que, não raro, é a orientação adotada em alguns diplomas legais estrangeiros, que criam as categorias de assassinato e homicídio para definir, respectivamente, a conduta de maior ou menor gravidade que envolve matar alguém.5 Portanto, para o ordenamento brasileiro, homicídio é a injusta morte de uma pessoa (vida extrauterina) praticada por outrem (destruição da vida hu- mana por outro homem).6 Os elementos subjetivos e a antijuridicidade estão implícitos no próprio tipo. O homicídio, quanto ao tipo, divide-se em: a) Tipo simples – artigo 121, caput – quando não houver nenhuma cir- cunstância especial que agrave ou atenue a pena (6 a 20 anos) 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 51. 6 CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 22. 14 • capítulo 1 b) Tipos derivados i. Homicídio privilegiado - § 1º - pena especialmente atenuada – moti- vo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emo- ção, logo em seguida a injusta provocação da vítima; ii. Homicídio qualificado - § 2º - pena agravada (escala de 12 a 30 anos); Quanto ao elemento subjetivo: iii. Homicídio doloso – artigo 121, § § 1º e 2º: há intenção de matar (animus necandi) ou assume-se o risco de matar (dolo eventual), iv. Homicídio culposo – artigo 121, § 3º - pena detenção de 1 a 3 anos (imprudência, negligência, imperícia). ATENÇÃO (1) Quando a vítima for Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos De- putados ou do Supremo Tribunal Federal, e o agente tiver motivação e objetivos políticos, o crime, em face do princípio da especialidade, será o do art. 29 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83).7 (2) Com o advento da Lei 9.503/97, o homicídio culposo decorrente da direção de veícu- lo automotor passou a subsumir-se ao disposto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (princípio da especialidade), punido com detenção de 2 a 4 anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir. 8 1.1.1.1 Bem Jurídico Vida (preservação da vida humana extrauterina, considerada a partir do início do parto). Se o crime for praticado contra a vida, a partir da concepçãoaté o início do parto, o crime é de aborto. A partir do começo do parto até o último suspiro é homicídio, embora o bem jurídico atingido seja a vida, este crime atinge a vida extrauterina. O critério prevalente é o do início do parto. Nesse sentido, é considerado o parto iniciado com o rompimento da bolsa d’água, do saco amniótico. 7 Idem, p. 23. 8 Idem, p. 31. capítulo 1 • 15 Pontualmente, o artigo 123 prevê o infanticídio, que diz respeito ao homi- cídio especial praticado pela mãe – sob a influência do estado puerperal - e que tem como vítima o próprio filho, durante ou logo após o parto. Tanto no homicídio quanto no infanticídio é irrelevante a potencialidade de sobreviver. Portanto, basta que a criança tenha nascido com vida, mesmo que se apure que ela não teria condições de sobreviver. Recaindo a conduta sobre pessoa já sem vida (cadáver), o crime é impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP). Impossível também será no caso de utilizar o agente meio absolutamente ineficaz (ex.: acionar arma de fogo inapta ou descarregada). No direito brasileiro, não é permitida a eutanásia (morte piedosa), praticada por meio de ação ou omissão. A capitulação legal seria o artigo 121, § 1º. Há previsão de aumento de pena no Art. 121, § 4º, 2ª parte, se o crime doloso de homicídio é praticado contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos (redação dada pela Lei n. 10.741/03). Para tanto, é indispensável que a idade da vítima seja de conhecimento notório do agente do delito ao tempo da ação ou omissão, sob pena de atribuição de responsabilidade objetiva (em detrimento da responsabilidade subjetiva do mesmo). Significa dizer, preserva-se, assim, o nexo de causalidade entre a conduta e o evento. Logo, a aplicação do dispositivo não pode ser "objetiva", automática. Há, sim, a exigência do elemento subjetivo do autor do crime. A primeira parte do artigo 121, parágrafo 4º prevê causas de aumento de pena para o homicídio culposo (se o crime resulta de inobservân- cia de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante). É interessante ressaltar que além do cap. I do título I da Parte Especial (isto é, “Dos crimes contra a vida”), o CP prevê outros crimes qualificados pelo even- to morte, quando este figura uma condição de maior punibilidade, ou mesmo resulta de violência empregada para assegurar a execução, impunidade ou a vantagem de outro crime (por exemplo, o art. 157, § 3º, que versa sobre o cri- me de latrocínio: matar para roubar). Institutos que serão estudados oportuna- mente na presente disciplina (DP1). 1.1.2 Sujeito ativo Qualquer pessoa (crime comum), sozinho ou com o auxílio de alguém. 16 • capítulo 1 1.1.3 Sujeito passivo Ser vivo, nascido de mulher. É preciso que a vítima estivesse com vida ao tempo do cometimento da conduta, do contrário, a tentativa de matá-la configurará crime impossível (art. 17, CP). 1.1.4 Tipo objetivo A Ação incriminada é matar, que faz com o homicídio seja um crime de forma livre (sem forma determinada), podendo ser utilizados meios diretos ou indire- tos, ou mesmo meios psíquicos. Pode ser por ação (disparo de tiro, punhalada, envenenamento, estrangulamento), ou omissão (artigo 13, § 2º, no caso de o sujeito ativo ser garantidor da não ocorrência do resultado, como, p. ex.: deixar de fornecer alimentos a um recém-nascido, tendo a obrigação de fazê-lo). Pode ser praticado também por meios morais ou psíquicos ou mesmo por meio de palavras, desde que idôneos a causar a morte. Por ex.: violenta emoção provocada dolosamente por outrem e que ocasione a morte.9 Por meios indiretos, entende-se a utilização de animais ou pessoas que não responderão por suas condutas. O estímulo de um cachorro furioso por parte de seu dono, ou a instigação de um louco inimputável, para que tirem a vida de determinada pessoa, são exemplos de cometimento do homicídio por via indireta.10 É um crime material (exige o resultado naturalístico para a sua consuma- ção), que deixa vestígios (art. 158, CPP). A lei brasileira, a partir da lição do erro judiciário, exige nos crimes que deixam vestígios o exame de corpo de delito. Excepcionalmente, admite-se o exame de corpo de delito indireto, que é a prova testemunhal da morte.11 Mesmo que haja confissão, isto não basta para conde- nar por homicídio. 9 Sobre o tema, vide, NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 18. 10 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume II: Introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2014, p. 146. 11 O fato de inexistir nos autos exame de corpo de delito não afasta a materialidade delitiva, porquanto aplicável ao caso o disposto no artigo 167 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. (TJRS, 1ª Câm., Rese 70027447374, Rel. Des. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, DJ 25/3/2009) capítulo 1 • 17 Pode haver concurso material12 de homicídio com outros delitos, tal como o de lesões corporais em terceiro, ocultação de cadáver etc. ATENÇÃO Quanto ao crime continuado, o art. 71, parágrafo único, se refere aos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, praticados com violência ou grave ameaça, e permite que o juiz, com base nas circunstâncias judiciais aumente a pena até o triplo (o aumento é maior do que o previsto no caput deste mesmo artigo (1/6 a 2/3). Entende Delmanto que a Reforma Penal de 1984 tornou prejudicada a Súmula nº 605, STF, que vedava a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Atualmente, já se admite conforme decisões mais recentes (v.g. RTJ 121/659, HC 83.575). 1.1.5 Tipo subjetivo Dolo, consistente na vontade consciente de matar. Pode ser direto (o agente quer o resultado) ou indireto (assume o risco de produzi-lo). A consciência e a vontade representam a essência do dolo, devendo estar presentes tanto no dolo direto quanto no eventual. Para que se configure este último, é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado morte ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado: é indispensável que haja certa relação de vontade entre o resultado e o agente, sendo este elemento voli- tivo o diferenciador entre dolo e culpa. 13 O tipo básico do caput não exige qualquer finalidade específica do sujeito, podendo eventualmente constituir uma causa de diminuição de pena (§ 1º) ou qualificadora (§ 2º). A modalidade culposa encontra previsão no parágrafo 3º do artigo 121. 12 Hipótese prevista no art. 69, CP: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquele.”. Trata-se da forma mais rigorosa de tratamento do concurso de crimes, e, por este motivo, a lei penal a considera como limite máximo a ser observado no terreno do concurso de crimes. (SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 536). 13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66. 18 • capítulo 1 1.1.6 Consumação Com a morte da vítima (crime material). Com o advento da Lei 9.434/97, regula- mentada pelo decreto 368/97, seu artigo 3º dispõe que a morte se dá com a ces- sação da atividade encefálica. Sua execução pode ser fracionada em vários atos. A determinação do momento da morte (definiçãooperacional da morte para o direito) já foi controvertida na doutrina. Assim, hoje, devido à necessida- de de transplantes, a medicina enaltece o critério da chamada morte cerebral (em detrimento do parâmetro anterior, atinente à parada cardiorrespiratória), que ocorre quando não há nenhuma atividade cerebral, nem circulação espon- tânea, sendo necessários aparelhos para que a pessoa continue viva. Ressalte- se, novamente, que a morte cerebral da vítima será objeto de comprovação por meio de exame de corpo de delito direto ou indireto (art. 158 CPP). 1.1.7 Tentativa Uma vez que se trata de crime material, o homicídio doloso admite tentativa. Devem estar presentes o animus necandi e o início da execução. Esta pode ser cruenta (com ferimentos) ou branca (sem ferimentos). Sendo oportuno lem- brar que o instituto da tentativa é uma regra ampliativa da tipicidade penal14 – uma vez que as normas penais incriminadoras, em regra, não preveem a for- ma tentada –, consistindo em causa geral de diminuição de pena prevista no II do art. 14, da Parte Geral do Código Penal, no qual se diz o crime “II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à von- tade do agente” (grifo nosso). IMPORTANTE No caso concreto, para a distinção entre lesão corporal consumada e tentativa de homicídio deve-se avaliar o elemento subjetivo (dolo). Em caso de dúvida entre tentativa e lesão corpo- ral, ou entre aquela e exposição da vida ao perigo, opta-se pelo menos grave. 14 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 329. capítulo 1 • 19 1.1.8 Classificação Crime comum quanto ao sujeito, doloso ou culposo, de forma livre, instantâ- nea, material de resultado. 1.1.9 Ação penal Pública incondicionada, competindo ao júri seu julgamento. 1.1.10 Justiça Militar Com a Lei 9.299/96, o artigo 9º, parágrafo único do CPM foi alterado, passando os crimes dolosos contra a vida e cometidos contra civil à competência da Jus- tiça Comum. Assim, o critério para aferição da competência da justiça militar dá-se em razão de crime praticado por militar contra militar (sujeito passivo). 1.1.11 Crime hediondo O homicídio simples quando praticado em atividade típica de grupos de ex- termínio, ainda que cometido por um só agente (artigo 1º, I, 1ª parte, da Lei 8.072/90, com as alterações da Lei 8.930/94) é considerado crime hediondo. O homicídio qualificado também é parte constitutiva do rol dos crimes hediondos. 1.1.12 Ementas do tipo a) Homicídio privilegiado É uma causa especial de diminuição de pena (art. 121, § 1º, CP) à qual a doutrina se encarregou de chamar de homicídio privilegiado. As circunstâncias especialíssimas elencadas no referido parágrafo minoram a sanção aplicável ao homicídio – trata-se, portanto, de minorantes, e não de elementares típicas, motivo pelo qual as privilegiadoras não se comunicam na hipótese de concurso de pessoas (art. 30, CP).15 Se estiverem presentes os pressupostos, o juiz deverá reduzir a pena de 1/6 a 1/3, de modo que – diante das circunstâncias - a pena poderá ficar abaixo do mínimo legal. 15 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 329. 20 • capítulo 1 As duas primeiras formas privilegiadas de homicídio estão ligadas aos mo- tivos determinantes do crime, que dizem respeito aos interesses ou fins da vida coletiva que revelam menor desajuste e menor periculosidade (motivo de rele- vante valor social ou moral). O outro caso é o do homicídio emocional (sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). São as seguintes modalidades de homicídio privilegiado: I. Motivo de relevante valor social: é aquele que corresponde aos interes- ses coletivos, ou é suscitado por específicas paixões ou preocupações sociais, nobres em si mesmas e condizentes com a atual organização da sociedade; motivo altruísta que acarreta menor reprovabilidade. Cuida-se, aqui, do moti- vo que não interessa somente ao agente, e sim a todo o corpo social, devendo ser, ainda, relevante, notável, importante.16 Por ex.: Matar o traidor da pátria, o tirano, o facínora ou perigoso bandido para que se assegure a tranquilidade da comunidade. II. Motivo de relevante valor moral: tem uma motivação ligada a senti- mentos de piedade, misericórdia e compaixão, ligado a interesse particular ou individual. É o valor considerado enobrecedor em qualquer cidadão em cir- cunstâncias normais, conforme os princípios éticos dominantes, isto é, aquilo que a moral média considera merecedora de indulgência.17 Por ex.: homicídio de um doente terminal para livrá-lo dos sofrimentos que o atormentam (euta- násia); matar o estuprador de sua filha. III. Violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima: por emoção entende-se um estado afetivo que produz momentânea perturbação da personalidade do indivíduo e afeta seu equilíbrio psíquico, acarretando-lhe alterações somáticas.18 Neste sentido, convém destacar a previsão do art. 28, I, do CP, segundo o qual a emoção (assim como a paixão) não exclui a responsa- bilidade penal do agente a quem acomete. A “violenta emoção” a que se refere o presente dispositivo significa cólera ou ira que, desde que não sejam passa- geiras, atribuem ao homicídio a condição de privilegiado, minorando a pena de quem o pratica. A reação deve ser imediata, já que não pode haver um intervalo entre a ação e a provocação. A provocação deve ser injusta e consistir em: ofensas à honra, 16 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume II: Introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2014, p. 148. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 76-77. 18 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 295. capítulo 1 • 21 vias de fato, ameaças, risos de escárnio ou desprezo, apelidos vilipendiosos, ex- pressões ambíguas, indiretas mordazes, revelação de segredos, exercício abusi- vo de direito, atos emulativos, entre outros. Em termos precisos, a "provocação" referida no parágrafo em comento não traduz, necessariamente, agressão, mas compreende todas e quaisquer con- dutas incidentes, desafiadoras e injuriosas. Pode, inclusive, ser indireta, isto é, dirigida contra terceira pessoa ou até contra um animal. Reitera-se, ainda, a ne- cessidade de preencher os dois requisitos complementares a essa situação: (a) domínio de violenta emoção (tal emoção deve ser violenta, intensa, absorvente, exatamente aquela que oblitera os sentidos, aquela que, na linguagem popular, “cega”. Se decorrer na prática do homicídio apenas uma influência da emoção, é de se reconhecer apenas a atenuante prevista no art. 65, III, "c", do CP) 19; e (b) reação imediata (logo depois da provocação da vítima, sem hiato temporal, devendo perdurar o estado de violenta emoção). O homicídio passional ou emocional era mais comum no passado e aceito. Atualmente, com as mudanças dos costumes, rejeita-se com mais frequência. Na hipótese de concurso de pessoas, as circunstâncias subjetivas são inco- municáveis entre os agentes (art. 30). b) Homicídio qualificado As qualificadoras criam um tipo penal derivado, com penas próprias. As circunstâncias que qualificam o homicídio podem ser subjetivas ou objetivas. As circunstâncias subjetivas dizem respeito aos motivos reprováveis. Exemplo: motivo torpe (inciso I) e motivo fútil (inciso II); e aos fins com que a ação é prati- cada: facilitar ou assegurar a execução,ocultação, vantagem ou impunidade de outro crime (inciso V). Já as circunstâncias objetivas dizem respeito aos meios que envolvam dissimulação, crueldade, perigo de maior dano (inciso III) e aos modos que dificultem ou tornem a defesa impossível (inciso IV). A Lei 13.104/15 incluiu a qualificadora do Inciso VI, denominado feminicídio, enquanto a Lei 13142/15 incluiu o Inciso VII, quando o homicídio é praticado contra autoridade 19 JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRIVILÉGIO NEGADO PELOS JURADOS. ATENUANTE DA VIOLENTA EMOÇÃO RECONHECIDA. DECISÃO COMPATÍVEL COM A PROVA. REGIME PRISIONAL. 1. INCONFUNDÍVEL O PRIVILÉGIO PREVISTO NO § 1º DO ART. 121 DO CÓDIGO PENAL COM A ATENUANTE REFERIDA NO ART. 65, INCISO III, ALÍNEA C, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. A PRIMEIRA REGRA INCIDE QUANDO O AGENTE COMETE O CRIME SOB O DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO, LOGO EM SEGUIDA A INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA; A SEGUNDA, QUANDO APENAS INFLUENCIADO POR ESSE SENTIMENTO, DISPENSADO O REQUISITO TEMPORAL. (TJ-DF - APR: 19980110369450 DF, Relator: GETULIO PINHEIRO. Data de Julgamento: 22/02/2007, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: DJU 22/03/2007. Pág. : 116). 22 • capítulo 1 ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou paren- te consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição ATENÇÃO Muitas das situações do § 2º são previstas também como agravantes. Deve-se seguir a regra do non bis in idem. Por ex.: se o homicídio for qualificado por motivo fútil, não haverá aumento na 2ª fase pelo agravante do motivo fútil porque este fato já qualificou o crime (vide artigo 61, do código penal). O fato de não haver razão para matar não significa que a pena deve ser agravada, pois de outra forma, teríamos apenas dois tipos de homicídio, qualificado e privilegiado, quando, na verdade, além destes, há o tipo simples. Circunstâncias qualificadoras I. Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo tor- pe (inciso I) Motivo torpe é aquele que repugna o senso comum, o senso ético, abjeto, moralmente condenável, indigno, asqueroso, desprezível e que causa aver- são.20 Trata-se do motivo que deriva de uma paixão antissocial: inveja, cobiça etc. Ex.: Matar para ganhar herança. O inciso I faz referência, ainda, a qualquer situação análoga ao motivo tor- pe, que tenha equivalência em torpeza à situação de matar mediante paga. Homicídio mercenário é aquele em que o agente não tem motivos para que- rer a morte da vítima, mas mata apenas em função de dinheiro. Requer a par- ticipação de duas pessoas (“crime de concurso necessário” ou “bilateral”), no qual é indispensável a participação de, no mínimo, duas pessoas (mandante e executor: aquele paga ou promete futura recompensa; este aceita, praticando o combinado). Existe divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência sobre se a qualificadora em tela é simples circunstância, com aplicação restrita 20 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 492. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce O crime plurissubjetivo (ou de concurso necessário) é o que exige necessariamente o concurso de várias pessoas (associação criminosa, rixa etc). As condutas dessas várias pessoas podem ser paralelas (quadrilha ou bando), convergentes (bigamia) ou contrapostas (rixa). welson Realce welson Nota CRIME BILATERAL É aquele que, por sua própria natureza, exige, para que se consuma, o concurso de dois agentes. Crime que para ser praticado exige, para a sua consumação, a participação de dois agentes. É o caso da bigamia, adultério e outros. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 23 ao executor do crime,21 que é quem mata motivado pela remuneração, ou se será aplicada também ao mandante, configurando verdadeira elementar sub- jetiva do tipo.22 Na paga, o agente recebe previamente a recompensa pelo cometimento do crime; o que não ocorre na promessa de recompensa, em que há a expectativa de paga, condicionada à concretização do homicídio conforme combinado.23 Neste sentido, ressalte-se que a natureza da paga feita ou promessa de recom- pensa também é bastante discutida: a) Para uns, pode ser ela de qualquer espécie, compreendendo tudo quanto possa ser objeto de paga ou promessa. Não depende igualmente de prévia fixação. Pode ser deixada à escolha do mandante. Não constitui condição essencial da recompensa ter valor econômico, bastando, por exemplo, a simples promessa de futuro casamento, com a própria pes- soa instigadora ou com terceira. b) Predomina, no entanto, o entendimento segundo o qual a recom- pensa deve ter natureza econômica. Quanto a ciúme e vingança, Celso Delmanto afirma que o ciúme não pode ser considerado um motivo torpe, pois o ciúme “advém do amor, que não pode ser considerado sentimento vil”. Para a maioria dos autores, o ciúme não deve ser considerado fútil, pois não é motivo de irrelevante importância. A vingança por si só, desacompanhada de outros motivos, não basta para caracterizar o delito como torpe, vai depender do motivo da vingança, da natu- reza do mal. 21 III - Os dados que compõem o tipo básico ou fundamental (inserido no caput) são elementares (essentialia delicti); aqueles que integram o acréscimo, estruturando o tipo derivado (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias (accidentalia delicti). IV - No homicídio, a qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa é circunstância de caráter pessoal e, portanto, ex vi art. 30 do C.P., incomunicável. V - É nulo o julgamento pelo Júri em que o Conselho de Sentença acolhe a comunicabilidade automática de circunstância pessoal com desdobramento na fixação da resposta penal in concreto. Ordem concedida. (STJ - HC: 78404 RJ 2007/0049121-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 27/11/2008, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/02/2009) 22 CUNHA, op. cit., p. 27. 23 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 76-77. welson Realce welson Realce welson Realce welson Riscado welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce 24 • capítulo 1 II. Motivo fútil (inciso II) É o motivo insignificante (não significa injusto), que normalmente não leva a este tipo de reação por parte do agente; é o motivo notavelmente despropor- cionado ou inadequado com relação ao crime. Diz-se que, na futilidade, não há simetria relevante entre a razão delinquente e o fato perpetrado pelo agente.24 Ex.: matar porque a vítima tinha rido do acusado ao vê-lo caindo do cava- lo; rompimento de namoro ou noivado; desentendimento banal e corriqueiro; porque a companheira se recusou a acompanhá-lo na visita a parentes; matar um garoto porque ele furtava goiabas. III. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (inciso III) Diz respeito aos meios (instrumentos) utilizados pelo agente para a prática do delito (é diferente de modo, que é forma de conduta). Veneno é qualquer substância mineral, vegetal ou animal que, introduzida no organismo, seja capaz de causar perigo de vida, dano à saúde por meio de ação química, bioquímica ou mecânica. Bitencourt ressalta que “uma substân- cia teoricamente inócua pode assumir a condição de venenosa, segundo as con- dições especiais da vítima”25, logo, o termo veneno para fins penais representa aquilo que funciona como um veneno no organismoda vítima. Para a incidên- cia da qualificadora, deve ser comprovado pela perícia que a causa mortis foi a administração de veneno. Ainda, o envenenamento somente constituirá meio insidioso (dando, portanto, aplicabilidade à presente qualificadora) se a vítima desconhecer a circunstância de estar sendo envenenada – uma vez que o êxito deste meio reside justamente na dissimulação de seu uso.26 Explosivo “qualquer corpo capaz de se transformar rapidamente em gás à temperatura elevada”. Ex.: derivados de nitroglicerina (dinamite). Asfixia resulta de obstáculo à passagem do ar por meio das vias respiratórias ou dos pulmões. Exemplos: enforcamento, estrangulamento, afogamento, sub- mersão e esganadura. 24 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 492. 25 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 15. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 87. 26 Idem, mesma página. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce Afinal, conceitua-se MEIO INSIDIOSO como sendo algo camuflado, uma conduta verdadeiramente traiçoeira, como ocorre no referido caso do emprego de substância venenosa. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 25 Tortura é meio supliciante empregado, a exasperação do sofrimento da ví- tima por atos de inútil crueldade. Se o agente atuar com dolo com relação à tortura, responderá pelo crime de tortura qualificado pelo resultado (art. 1º, § 3º, da Lei 9.455/97). Meio insidioso é o meio “dissimulado em sua eficiência maléfica”27 . Consiste no instrumento escolhido para que o agente consiga êxito em sua em- preitada criminosa sem que a vítima tome conhecimento disso. 28 Meio cruel é o que “aumenta o sofrimento da vítima, ou revela uma brutali- dade fora do comum, em contraste com o mais elementar sentimento de pieda- de”29. Ou seja, para além do fato de o indivíduo ter sua vida ceifada pela conduta criminosa de outro, há a causação de inútil e desnecessário sofrimento para esta vítima, o que torna o fato ainda mais reprovável. Meio de que podia resultar perigo comum, é aquele que além de atingir a vítima escolhida, pode criar uma situação de perigo a indistinto número de pes- soas, sendo o fogo e o explosivo indicados como exemplos de meios cuja capa- cidade de destruição não pode ser controlada pelo agente. IV. À traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido (inciso IV) Refere-se ao modo da atividade executiva, de que resulte dificuldade ou im- possibilidade de defesa da vítima. Traição é deslealdade, a forma inesperada: pode ser tanto objetiva (o agen- te ataca a vítima de costas, ou enquanto ela dorme), como também subjetiva (vítima moralmente surpreendida, pois é atacada por um agente em quem con- fiava, até então), perfídia. A vítima não tem motivos para desconfiar, o ataque é súbito e sorrateiro. Ex.: atacar a vítima pelas costas, de forma inesperada. Emboscada: espreita, tocaia, o agente aguarda, oculto, sua vítima, para surpreendê-la. Dissimulação: o agente, em seu modo de agir, encobre sua intenção, ocul- tação da intenção hostil, utilização de um ardil para surpreender sua vítima, enganando-a. Ex.: Demonstrar falsa amizade, simular que vai fazer as pazes com outro an- tes de atirar. 27 Exposição de Motivos do Código Penal, item 38. 28 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial, volume II: Introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2014, p. 160. 29 Exposição de Motivos do Código Penal, item 38. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce Exaspração= Agravar, tornar mais intenso welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce perfídia. ato ou qualidade de pérfido; deslealdade. welson Realce welson Realce 26 • capítulo 1 Outro meio ou recurso: análogo aos anteriores, que dificultem a defesa da vítima. Ex.: atacar a vítima enquanto dorme, ou por esta estar imobilizada por ação de terceiros, ou mesmo incapacitada de se defender. V. Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (inciso V) Assegurar a execução: o que agrava a pena não é a prática efetiva de outro crime, mas o fim de cometer outro crime. Para tentar um sequestro, mata uma pessoa que tenta evitá-lo → responde- rá pela forma qualificada ainda que desista de consumar o rapto. Ex.: mata quem vai impedir o roubo. Assegurar a ocultação/impunidade: a intenção do agente é destruir a prova de outro crime, ou evitar as consequências penais dele decorrentes. Ex.: matar a testemunha de um crime; matar o marido para estuprar a mulher; matar o perito que descobriu o crime. Garantir vantagem: o propósito do agente é garantir a fruição de qualquer vantagem, patrimonial ou não, direta ou indireta, resultante de outro crime. Ex.: mata um parceiro para ter mais vantagens com o produto do crime. Não é necessário que o crime fim chegue efetivamente a ser praticado, basta que o crime meio tenha sido com aquela finalidade. Caso ambos (crimes meio e fim) sejam praticados, haverá concurso de crimes. O especial fim de agir constitui elemento subjetivo do tipo (dolo específico). Conforme o artigo 108 do CP, subsiste a qualificadora ainda que venha a extinguir-se, por qualquer causa, a punibilidade do outro crime. VI. Feminicídio (inciso VI) A Lei 13.104/2015 incluiu o crime de feminicídio, no Código Penal, como hipótese qualificadora do homicídio. Acrescentou-se, assim, ao art. 121, § 2°, a alínea VI, bem assim o do art. 121 e o § 2°-A. O feminicídio foi incluído no Código em decorrência de compromissos internacionais que o Brasil assu- miu na ratificação de tratados e convenções que buscam promover a igualda- de de gênero e reprimir a violência à mulher, como por exemplo, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher ou Convenção de Belém, no âmbito latino americano e, na esfera universal, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher de 1993 adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce O concurso de crimes ocorre quando o agente pratica crimes da mesma espécie e em condições de execução semelhantes, os subsequentes serão continuação dos anteriores, sendo aplicada a pena de um só dos crimes, ou a mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 27 Cumpre agregar que femicídio ou feminicídio é utilizado indistintamente nos países latino-americanos para designar a morte de mulheres em razão de gênero. No entanto, cuidar-se-iam de expressões distintas. O femicídio teria sido a designação dada por Diane Russel (femicide, em inglês), em 1970, para destacar a morte violenta de mulheres, com o fito de dar visibilidade à opres- são, discriminação e morte de mulheres em razão da condição de gênero. Dessa forma, o femicídio é toda morte de mulher por motivo sexista. 30 Por outro lado, a palavra feminicídioteria sido criada por Marcela Lagarde para designar igualmente a morte de mulheres em razão de gênero. No entan- to, o feminicídio denotaria uma conotação política, qual seja, o descaso do Estado em dar efetivo cumprimento aos compromissos internacionais assumi- dos nessa matéria, bem como a omissão em processar e punir os executores de fatos dessa natureza. Para Marcela Lagarde, o feminicídio seria um verdadeiro crime de Estado. 31 De toda sorte, em ambos os casos – femicídio ou feminicídio –, o que se pre- tende destacar é a morte de mulheres em razão da sua condição de gênero no contexto de uma cultura de violência sistemática contra a mulher. Nesse senti- do, existiriam modalidades de feminicídio, quais sejam: o íntimo, não-íntimo, infantil, familiar, por conexão, sexual sistêmico, por prostituição ou ocupação estigmatizada, por tráfico de pessoas, por contrabando de pessoas, transfóbi- co, lesbofóbico, racista e, por fim, por mutilação genital feminina. 32 Nesse contexto social e criminológico, cumpre ressaltar que todo femini- cídio é um homicídio, mas nem todo homicídio de mulher é um feminicídio. Explica-se: a morte, ainda que violenta, de uma mulher decorrente, por exem- plo, de um acidente de trabalho, em nada se relaciona a sua condição de mu- lher. Portanto, para caracterizar a qualificadora do feminicídio, deve-se atentar para especial motivação que move a conduta contra o sujeito passivo: a condi- ção de mulher. “Isto significa que o agente femicida, ou seus atos, reúne um ou vários padrões culturais arraigados em ideias misóginas de superioridade mas- culina, de discriminação contra a mulher e de desprezo a ela ou à sua vida.”33 30 Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/01/protocolo_ feminicidio.pdf>. Acessado em: dez. 2015 31 Idem, ibidem. 32 Para mais informações ver: <http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/ 2013/01/protocolo_ feminicidio.pdf>. Acessado em: dez. 2015. 33 Idem, ibidem welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce 28 • capítulo 1 A lei é taxativa ao designar a mulher como sujeito passivo desse crime. É controverso assinalar se a doutrina ou a jurisprudência poderia interpretar o elemento “mulher” como normativo ao invés de descritivo, incluindo, assim, o homicídio contra transgênico. Ademais, a lei especifica em quais circunstân- cias há “condição de sexo feminino”: 1º nos casos de violência doméstica e fa- miliar; e 2º quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher (cf. art. 121, § 2-A, inc. I e II, do CP). Na primeira hipótese – violência doméstica e fa- miliar –, por uma interpretação teleológica, faz-se referência à Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Nesse sentido, o art. 5° da Lei Maria da Penha define a violência doméstica e familiar. 34 A segunda hipótese caracterizadora do feminicídio diz respeito ao menos- prezo ou discriminação à condição de mulher. Menosprezo significa deprecia- ção, desdém, indiferença, e discriminação é o ato de tratar de forma injusta, desigual. Nesse inciso, especificamente, não há necessidade de vínculo afetivo entre a mulher e agente misógino, diferentemente da hipótese anterior. Em que pesem a relevância e a gravidade da questão, duas críticas podem ser formuladas à inovação trazida pela Lei n. Lei 13.104/2015. A primeira diz respeito a tendência, verificada nos últimos anos, de reformas penais pontuais – ou securitárias –, que, no escopo de proteger determinado segmento ou setor da sociedade, olvida de igual proteção de outros grupos, no caso, igualmente vulneráveis e igualmente vítimas de mortes violentas. 35 A segunda crítica, também relacionada com os efeitos negativos de um Direito Penal securitário, consiste na carência de uma visão sistemática da codificação penal. Isto redunda, não raro, em termos práticos, em uma maior desproteção ao invés de um maior rigor punitivo pretendido pelo legislador. Explica-se. As hipóteses, agora enquadradas na qualificadora do feminicídio, conduziam – como visto nos exemplos anteriores –, a imputação de homicídios dupla ou até triplamente qualificado (motivo torpe ou fútil, meio insidioso, 34 Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” 35 Nesse sentido, o PLS n. 236, acima referido, prevê a inclusão de uma qualificadora, no homicídio, nos seguintes termos: “por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional, ou por outro motivo torpe; ou em contexto de violência doméstica ou familiar.” welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 29 cruel ou perigoso, ou de forma covarde ou traiçoeira), além da circunstância agravante do art. 61, inc. II, al. “e” ou “f”, do CP. Doravante, é possível se que possa sustentar – inclusive com efeitos benéficos da lei penal no tempo –, a fa- vor do autor do crime contra a mulher, ter o mesmo dado a morte à vitima tão somente em razão da sua condição de sexo feminino, especializando, pois, esta qualificadora e afastando a incidência das demais (princípio da especialidade), bem assim da mencionada agravante (princípio do ne bis in idem). VII. Contra autoridades e agentes das Forças Armadas e de segurança pú- blica, sistema prisional, Força Nacional e seus familiares (inciso VII) A Lei 13.142/2015 inseriu ao § 2° do art. 121, a alínea VII. Trata-se de uma qualificadora quando o crime é praticado contra autoridade ou agente das Forças Armadas, da segurança pública, integrantes do sistema prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrên- cia dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até ter- ceiro grau, em razão dessa condição. Registra-se que esta qualificadora faz expressa referência a dois dispositi- vos da Constituição Federal de 1988: o art. 142 e o art. 144. O primeiro dispõe sobre as Forças Armadas e diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e re- gulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garan- tia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Por sua vez, o art. 144, dispõe sobre as autoridades e agentes de segurança pública: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.” Cumpre mencionar que o § 8°, do art. 144, da Constituição, faz referência à guarda municipal e, o § 10, refere-se à segurança viária. Considerando que a qualificadora não faz menção somente ao caput do 144 da Constituição Federal, deve-se entender que ela abarcaria,igualmente, as autoridades e agentes da welson Realce welson Realce welson Realce O princípio da especialidade revela que a norma especial afasta a incidência da norma geral. Lex specialis derogat legi generali. A norma se diz especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar pormenores. Não há leis ou disposições especiais ou gerais, em termos absolutos. welson Realce welson Realce welson Realce welson Riscado 30 • capítulo 1 guarda municipal36 e da segurança viária37, e pessoas a eles relacionados, o que ampliaria, sobremodo, o raio de incidência dessa qualificadora. Por outro lado, como visto, os integrantes do sistema prisional também são mencionados pela qualificadora em questão. Como membros do sistema prisio- nal entende-se “não apenas os agentes presentes no dia a dia da execução penal (diretor da penitenciária, agentes, guardas etc.), mas também aqueles que atuam em certas etapas da execução penal (integrantes da comissão técnica de classifi- cação, comissão de exame criminológico, conselho penitenciário etc.)”.38 A alteração do tipo penal do homicídio foi resultante do Projeto de Lei n. 846 de 2015. É interessante observar que a redação originária do PL 846 previa apenas uma hipótese majorante ao crime de homicídio, e tão somente quando o crime fosse cometido contra as autoridades do artigo 144, da Constituição Federal. Na ocasião, o argumento era o de que se fazia necessário o recrudes- cimento da pena para crimes cometidos contra as autoridades de segurança pública. Portanto, conforme os motivos que ensejaram o Projeto de Lei, a al- teração normativa seria um elemento a ser agregado ao combate ao crime or- ganizado, “fortalecendo a sociedade e gerando sensível aumento da sensação de segurança e efetiva sensação de diminuição da impunidade.”39 Todavia, em razão de emendas no curso de sua tramitação, a ideia original foi abandonada, passando, assim, a constar como uma nova qualificadora do homicídio. As críticas a serem dirigidas a esta qualificadora assemelham-se à anterior. Cuida-se de uma tendência securitária do Direito Penal, em detrimento de uma concepção sistêmica da disciplina. Nesse passo, duas observações podem ser feitas. A primeira é a de que, de fato, a morte de uma autoridade ou agente das Forças Armadas, segurança pública etc., ou de pessoas a elas relacionadas, em razão dessa condição, é altamente reprovável. Há, indubitavelmente, torpeza nesse tipo de homicídio. Contudo, não se deve olvidar de uma perspectiva mais 36 Art. 144, § 8°, Constituição Federal: Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. 37 Art. 144, § 10, Constituição Federal: A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. 38 BITENCOURT, Cezar Roberto. Qualificadora de homicídio contra policial não protege a pessoa, e sim a função. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-29/cezar-bitencourt-homicidio-policial-protege-funcao- publica>. Acessado em: dez. 2015. 39 <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1312213&filename=Avulso+- PL+846/2015>. Acessado em: dez. 2015. welson Riscado capítulo 1 • 31 ampla e, consequentemente, mais grave, qual seja, a de que o Brasil é um país extremamente violento, ou seja, que nós temos uma das maiores taxas de poli- ciais que morrem em serviço, mas, também, uma das polícias que mais matam no mundo.40 Diante dessa lamentável constatação, parece pouco crível que a mera introdução dessa hipótese qualificadora possa servir a fins preventivos ou, de todo modo, deter a espiral da violência no cotidiano brasileiro. Demais disso, critica-se a previsão da qualificadora operar quando o homi- cídio é praticado contra autoridade ou agente das Forças Armadas, da seguran- ça pública, integrantes do sistema prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônju- ge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, olvidando-se de igual proteção para outras autoridades e agentes que exerçam funções públicas na órbita penal e processual penal. Dito por outras palavras, não se compreende o porquê do legislador penal não estender a hipó- tese para magistrados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos, advogados criminalistas, respectivos servidores que auxiliam em tais misteres, bem assim pessoas a eles relacionados, quando a morte é dada em razão de tais funções. DESTAQUES 1. Comunicabilidade das circunstâncias qualificadoras aos partícipes As qualificadoras referentes aos motivos determinantes do crime (subjetivas) são inco- municáveis entre os partícipes, por serem de caráter pessoal (art. 26). As qualificadoras objetivas só se comunicam quando entram na esfera de conhecimen- to do co-autor ou partícipe, já que todas as qualificadoras devem estar cobertas pelo dolo dos agentes. 2. Coexistência de homicídio qualificado com privilegiado Há um consenso no sentido de que as qualificadoras subjetivas (motivo fútil, torpe e o inciso V) são inconciliáveis com o privilégio, pois há impossibilidade concreta de coexistirem. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de considerar possível o homicídio privilegiado-qualificado (STF, HC 71.147). 40 Cf. GOMES, Luiz Flavio. <http://institutoavantebrasil.com.br/letalidade-da-acao-policial-notas-para-reflexao> Acessado em: dez. de 2015. welson Riscado welson Realce welson Realce 32 • capítulo 1 O privilégio pode concorrer com as qualificadoras objetivas (fogo, veneno, meio cruel) do homicídio, mas não com as subjetivas, e como este privilégio é subjetivo deve prevalecer. Logo, neste caso, aplica-se a pena do homicídio qualificado com a redução de 1/6 a 1/3. c) Homicídio culposo A vida é protegida de toda forma ilícita de ataque. Apenas colocar a vida em perigo já constitui crime previsto no artigo 132, por exemplo. A pessoa que vive em sociedade tem o dever objetivo de cuidado, o dever de ser cauteloso. Sempre que uma conduta traduzir uma violação do dever ob- jetivo de cuidado, sendo previsível ao homem mediano que aquilo causaria a morte de alguém, ocorre o homicídio culposo. No crime culposo a conduta é violadora do dever objetivo de cautela, muito mais que o resultado, uma vez que este não é visado pelo agente, apesar de só existir crime culposo se há o resultado concreto. Não existe tentativa. O resultado tem que ser ao menos previsível e não ter sido previsto para que seja caracterizado o crime culposo (culpa inconsciente), ou então ter sido pre- visto mas não ter sido evitado, acreditando o agente levianamente que o resul- tado não ocorreria (culpa consciente). i. Elementos do crime culposo a) comportamento humano voluntário, positivo ou negativo; b) descumprimento do cuidado objetivo necessário, manifesta- do pela imprudência, negligência ou imperícia; c) previsibilidade objetiva do resultado; d) morte involuntária. ii. Homicídio Culposo no Código Brasileiro de Trânsito A maioria dos crimes culposos ocorre em acidentes de trânsito, mas apenas infringir a norma de trânsito não basta, é preciso que ocorra o resultado. Os crimes de trânsito atualmente estão regulados na Lei 9.503/97, sendo o homicídio culposo na condução de veículo automotor previsto no artigo 302. Há situações em que a morte causada a título de culpa não constitui homi- cídio culposo, mas sim qualificaoutro crime: Ex.: lesão corporal seguida de morte (artigo 129, § 3º), estupro seguido de morte (artigo 213 c/c artigo 223, parágrafo único). welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce O crime de lesão corporal seguida de morte, previsto no art. 129, § 3º do CP, é considerado um delito preterdoloso, em que exige o dolo no ato antecedente (lesão corporal) e a culpa no fato subseqüente (morte da vítima). ... Logo, no homicídio a conduta do agente é realizada com o objetivo de causar a morte de outrem. capítulo 1 • 33 d) Homicídio culposo majorado O homicídio culposo será majorado, sendo sua pena aumentada de 1/3 (um terço) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. i. Se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício Para Damásio de Jesus, esta qualificadora citada na letra “a” só se aplica aos profissionais no exercício de suas funções. É a chamada culpa profissional, a causa de aumento só tem aplicação no caso de homicídio culposo. ii. Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, ou não pro- cura diminuir as consequências de seu ato Caso o agente fuja, mesmo que a vítima posteriormente tenha recebido so- corro de 3º, responderá pela qualificadora. Em vez de aplicar-se o crime artigo 135, a omissão de socorro configura cau- sa especial de aumento de pena. A norma do artigo 121, § 4º é especial em rela- ção à do artigo 135. Se o cidadão atropelar sem culpa e não prestar socorro, responderá por omissão de socorro (artigo 135) e não por homicídio culposo. Quando o próprio agente, dolosa ou culposamente, cria a situação de perigo para a vítima, ele não responde pelo artigo 135. O deixar de prestar socorro, nos casos de dolo, é pós fato não punível. Quando for culposo, ele criou a situação, e por isso poderá ser punido, prevalecendo a norma do artigo 121, § 4º, sobre a do artigo 135. Ingerência: artigo 13, § 2º, c, junto com a qualificadora do artigo 121, § 4º: Tudo dependerá do dolo do agente. Se omitir socorro com dolo, responderá pelo artigo 13, § 2º, c: atropela um inimigo sem saber e deixar de prestar socor- ro depois de reconhecer o desafeto, deixando-o morrer. iii. Foge para evitar prisão em flagrante Trata-se de elemento subjetivo do tipo, que é a finalidade de evitar a prisão. Se o agente fugir para não ser linchado por populares, sob a ameaça de pessoas em volta, há estado de necessidade que exclui o crime. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce Ingerência é uma modalidade de crime omissivo impróprio, prevista no art. 13, § 2º, alínea c, do Código Penal. O agente, em virtude de comportamento anterior, cria o risco de ocorrência do resultado. Ex.: trote acadêmico. Aluno joga o outro que não sabe nadar na piscina. Deve agir, caso contrário, responderá pelo resultado. welson Nota welson Realce Elemento subjetivo do tipo: Há crimes em que além do dolo (vontade) ainda se exige uma finalidade específica, para a qual a prática se determina. É o que move o sujeito. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce 34 • capítulo 1 d) Perdão judicial O perdão judicial previsto no parágrafo 5º do artigo 121, aplicável ao homi- cídio culposo (quando as consequências do crime já atingem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torna desnecessária), é um instituto que permi- te ao juiz deixar de aplicar a pena (é causa de extinção da punibilidade (era. 107, IX, CP e Súmula 18, STJ). É também previsto no caso de lesão culposa, (§ 8º do artigo 129). e) Homicídio praticado por milícia privada ou por grupo de extermínio Consoante o art. 121, § 6º, do CP, a pena do homicídio deve ser aumenta, de um terço até a metade, “se o crime for praticado por milícia privada, sob pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio”. Cuida-se de causa de aumento de pena – destinada ao homicídio doloso – que foi introduzi- da pela Lei n. 12.720/2012, com o objetivo de dispor sobre o “crime de extermí- nio de seres humanos”, bem assim introduzir o citado § 6º, do art. 121, e o § 7º, do art. 129, ambos do CP. A propósito, o art. 288-A, do CP – introduzido, como dito, pela Lei n. 12.720/12 – tipifica a constituição de milícia privada: “Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código. Pena: reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.” Caso o integrante da “milícia privada” ou do “grupo de extermínio”, confor- me acima definido, perpetre, de fato, delito de homicídio, além de estar incurso na pena de reclusão do art. 288-A, do CP, responderá pela morte dolosa, com a incidência da majorante ora analisada.41 Cumpre acrescentar, no particular, que além da causa de aumento de pena sob consideração, o homicídio prati- cado em “situação de grupo de extermínio”, seja simples ou qualificado, pas- sou a ser considerado “crime hediondo”, consoante o art. 1º, inc. I., da Lei n. 8.072/90, com a redação dada pela Lei n. 8.930/94. 41 Em sentido contrário: “(...) se o agente for condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada, ainda que tenha cometido um homicídio, não poderá sofrer a majorante por tal crime ter sido praticado por integrante de milícia privada, pois representaria uma dupla punição por um mesmo fundamento. Em outros termos, essa majorante somente pode ser aplicada se o autor do homicídio for reconhecido no julgamento do homicídio como suposto integrante de milícia privada, mas que não tenha sido condenado por esse crime.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 119). welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 35 f) Aumento de pena no feminicídio Conforme exposto acima, a Lei n. 13.104/2015 introduziu a hipótese qualifica- dora do feminicídio, no art. 121, § 2º, inc. VI, consistente na morte dolosa con- tra mulher por razões da sua condição de sexo feminino. Nestes termos, a Lei n. 13.104 também dispôs da elevação da pena do homicídio qualificado nessas circunstâncias, quando o fato for praticado: 1º durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; 2º contra mulher menor de quatorze anos, maior de sessenta ou com deficiência; e 3º na presença de descendente ou de ascen- dente da vítima. Como se pode verificar, cuidar-se-iam de situações nas quais a morte por razões da condição de sexo feminino guardariam maior reprovabilidade. No primeiro caso, justifica-se a majorante em razão do estado gravídico da mu- lher, bem assim pelo período de amamentação. Na segunda hipótese, ao lado da condição de mulher, haveria uma maior vulnerabilidade em função da idade (menor de quatorze ou maior de sessenta anos de idade) ou de deficiências físi- cas ou psíquicas. Por fim, a prática do feminicídio na presença de parentes na linha vertical (descendente ou ascendente) evidenciaria inequívoco desvalor da ação, em função do abalo psíquico diante da violência de viso. Deve-se atentar, contudo, no tocante à dosimetria da pena, para que não se incorra em indevido bis in idem, na medida em que os dados constantes da majorante ora analisada também podem constituir circunstância judicial ou agravante do crime. g) Ação penal Em quaisquer das modalidades do homicídio,a ação penal é pública incondicionada. 1.2 Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio Suicídio é a supressão voluntária e consciente da própria vida. Compõe-se da vontade que a pessoa tem de se matar e da prática de certos atos por parte des- ta pessoa. O fato de uma pessoa se matar é um indiferente legal. Não sendo incriminada a ação de matar-se ou a tentativa de suicídio, a participação em tais atos não poderia ser punível, pois não há participação punível senão em fato delituoso. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce 36 • capítulo 1 Todavia, as legislações modernas, atendendo ao valor excepcional da vida humana, passaram a prever uma figura sui generis, que é a participação no suicídio de outra pessoa. A maioria das legislações não pune a tentativa de suicídio, que é, entretanto, considerada como fato ilícito por atingir um bem jurídico indisponível, e por não ser o exercício de nenhum direito subjetivo, permitindo a lei a coação para impedi-lo. Em seu estudo sobre o suicídio, Emile Durkheim sustenta que o suicídio é resultado de distúrbio entre o indivíduo e a sociedade. Tanto mais fortemen- te esteja o indivíduo integrado no grupo social, menor será a probabilidade de suicídio. Quem se depara com uma pessoa tentando se matar pode tentar impedir o ato. O crime de constrangimento ilegal está previsto no art. 146 do CP, e a lei exclui expressamente desta disposição, em seu § 3º, II: “a coação exercida para impedir suicídio”. No artigo 122 do CP, a lei impõe uma sanção àquele que colabora no suicí- dio de outrem. Se há a intervenção do agente no suicídio da vítima, desde que não seja na fase de execução, esta colaboração é punida por este artigo. Este auxílio deve ser doloso e prestado nos atos preparatórios. Se a colabo- ração se der na fase de execução será homicídio. É exemplo emprestar a arma sem saber que a pessoa vai se matar não é crime. Ao mesmo tempo, o agente responderá por homicídio no caso em que praticar atos de execução, tais como ajudar a dar um tiro, acabar de enterrar a faca, abrir a torneira de gás e o suicida fechar a janela. Agora, passar-se-á à análise dos elementos do tipo penal em questão. 1.2.1 Bem jurídico Preservação da vida humana, bem indisponível. 1.2.2 Sujeito ativo Qualquer pessoa, excluindo-se aquele que se suicida ou tenta se matar. Trata-se de uma forma especial do delito de homicídio, com a diferença de que o agente não pratica o ato consumativo da morte, que cabe à própria vítima. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce sujeito ativo aquele que induz, instiga ou auxilia welson Realce capítulo 1 • 37 1.2.3 Sujeito passivo O homem capaz de ser induzido, instigado ou auxiliado, ou seja, que tenha al- guma capacidade de resistência à conduta do sujeito ativo, sendo indispensá- vel que tenha capacidade de discernimento para entender o ato que pratica. Quando o suicida é inimputável ou menor sem compreensão, não ocorre- rá este delito, mas, sim, um homicídio típico, face à nula capacidade de resis- tência da vítima. Neste caso, fala-se até em autoria mediata, na qual a vítima é mero instrumento do agente. O induzimento deve ser dirigido para uma pessoa determinada ou a um gru- po determinado, não ocorre o crime quando se trata de induzimento/instiga- ção de caráter geral e indeterminado. Ex.: Quando um autor de obra literária leva os leitores ao suicídio, tal como ocorreu com Goethe, em Werther, livro que teve sua venda proibida na cidade de Leipzig, em razão dos inúmeros suicídios que a leitura motivou. 1.2.4 Tipo objetivo Induzir é criar a ideia do suicídio na cabeça do agente; instigar é reforçar uma ideia preexistente (participação moral); auxiliar é ajudar materialmente. É um tipo misto alternativo: se instigar e também auxiliar responderá por um só crime. O meio deve ser idôneo, capaz de influir moralmente sobre a vítima, sendo esta uma das causas do suicídio, caso contrário, não haveria nexo causal. Se a vontade da pessoa for irreversível, a instigação não é punida, só o sendo se a pessoa ainda estiver em dúvida. Pratica crime ainda quem auxilia o suicida. O auxílio deve ter sido efetivo para o suicídio, para que o agente seja punido. Deve-se diferenciar, entretanto, o suicídio quando o ato consumativo da morte for praticado pela própria vítima, do homicídio em que o agente pratica ato ou colabora diretamente no próprio ato executivo do suicídio. É indispensável, para a existência do crime, o resultado naturalístico: a mor- te ou lesão corporal de natureza grave. Este resultado é imprescindível à tipici- dade, e deve ser querido pelo agente. Alguns entendem que a ocorrência da morte ou da lesão grave não integra o tipo, mas constitui condição de punibilidade. A consequência é a mesma, pois se estas não ocorrerem, não há crime. welson Realce Suicida welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce 38 • capítulo 1 A maioria da doutrina nega a possibilidade da prática deste crime por omis- são, enquanto que outros, como Nelson Hungria, admitem-na se o agente for de alguma forma garantidor, tendo a obrigação de impedir o resultado. Se dei- xar de fazê-lo, estará de alguma forma instigando. Ex.: pai que vê o filho se sui- cidar e nada faz; guarda que deixa o preso suicidar-se. Da mesma maneira para formas omissivas de instigação, nas quais o não fazer reforçaria a ideia de suicídio. Ex.: enfermeiro que, violando as regras do estabelecimento, que manda recolher as armas de todas as pessoas internadas, deixa o revólver para que o doente se mate. Há provocação direta ao suicídio nos casos de coação, física ou moral, resis- tível, e quando o agente inflige à vítima maus-tratos e sofrimento, para o fim de levá-la, em desespero, ao suicídio. Frise-se que não basta a ameaça de revelar determinados fatos ou o rompimento amoroso, é necessário o dolo. Ainda, haverá homicídio e não induzimento, se a vítima age por erro pro- vocado pelo agente. Ex.: Tício entrega a Caio arma carregada, alegando que é inofensiva e levando o outro a dispará-la contra si mesmo. 1.2.5 Tipo subjetivo O dolo é a vontade de induzir, instigar, ou auxiliar a vítima na prática do suicí- dio. Elemento subjetivo do tipo: conduta séria do agente no sentido de que a ví- tima venha a se matar. Para Hungria, nada impede a prática do crime com dolo eventual: por exemplo, carcereiro que não toma providências quanto à greve de fome de um preso. Não há forma culposa. 1.2.6 Consumação e tentativa A consumação se dá com a morte da vítima ou com a produção de lesões graves. Se a vítima, ao tentar o suicídio auxiliada pelo agente sofre lesões corporais de natureza leve, ou não sofre nenhuma lesão, o fato não é punível, por ser atípico. Impossível a tentativa, pois a lei subordina a incriminação do fato à superve- niência do suicídio ou ao menos da lesão corporal. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO Há crimes em que além do dolo (vontade) ainda se exige uma finalidade específica, para a qual a prática se determina. É o que move o sujeito. welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce welson Realce capítulo 1 • 39 1.2.7 Formas qualificadas O Artigo 122, parágrafo único estabelece que a pena é duplicada, se o crime é praticado por motivo egoístico, que significa que o agente vai obter alguma vantagem pessoal com o suicídio (ex.: induz o marido
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