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Recursos e Ações Autônomas (Nicolitt)

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2018 - 03 - 27 
Manual de Processo Penal - Edição 2016
14. RECURSOS NO PROCESSO PENAL E AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO
14. Recursos no Processo Penal e Ações Autônomas de
Impugnação
Nosso estudo acerca dos recursos no processo penal está estruturado da seguinte
forma: inicialmente cumpre, à guisa de introdução, repisar o tema "duplo grau de
jurisdição". Em seguida, passaremos a uma síntese da "teoria geral dos recursos", para
analisarmos os "recursos em espécie" e, ao final, as ações autônomas de impugnação.
14.1. Princípio do duplo grau de jurisdição
Para a compreensão deste princípio, é importante que o leitor visite o Capítulo 3 -
Desenho Constitucional do Processo Penal Brasileiro, no qual encontrará o tratamento do
tema. Outrossim, cabe aqui reprisar alguns aspectos importantes.
Tradicionalmente o princípio do duplo grau de jurisdição é visto como um princípio
implícito1 na Constituição, notadamente quando esta assegura no inc. LV do art. 5.º
(Constituição Federal de 1988) a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
Outro fundamento para esposar esse entendimento decorre da estrutura constitucional do
Poder Judiciário através de Tribunais de 1.º e 2.º Graus de jurisdição, o que permite e
fomenta o reexame das decisões.
Em síntese, na doutrina clássica o princípio do duplo grau de jurisdição pressupõe a
possibilidade de reexame da decisão de fato e de direito por outro órgão jurisdicional.
Todavia, o princípio não se limita à garantia de revisão da decisão de primeiro grau,
mas também garante que o primeiro grau avalie a matéria de sua competência,
funcionando, o duplo grau, como uma proibição da supressão de instância. Para ilustrar,
se em primeiro grau ocorre o julgamento sem resolução do mérito, o tribunal, julgando o
recurso, não poderá adentrar o mérito, já que o primeiro grau não se pronunciou sobre
ele.
O princípio do duplo grau de jurisdição consiste, então, em dupla garantia:
possibilidade de reexame da decisão pelo segundo grau e garantia do exame pelo primeiro
grau.
Nossa posição:
A visão que temos sobre princípio se dá em vista do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos (1966). Esse tratado internacional passou a vigorar no Brasil em
24.04.1992. O art. 5.º da CF/1988, em seu § 2.º, afirma categoricamente que os direitos
fundamentais catalogados no texto constitucional não excluem outros direitos e garantias
previstos em tratados internacionais. De fato, os direitos previstos no Pacto de Direitos
Civis e Políticos são verdadeiros direitos fundamentais à luz da Constituição.2
O duplo grau de jurisdição está consagrado expressamente no Pacto Internacional de
1966 com a seguinte redação (art. 14, n. 7):
§ 5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.
O ordenamento jurídico pátrio acolheu uma regra internacional de direitos
fundamentais que assegura ao acusado o direito de ter sua condenação e sua pena
reexaminadas.3
Para entender a dimensão do princípio, impende reavivar a noção sobre o aspecto
substancial do princípio do juiz natural, que atua em conjunto com o duplo grau, em nossa
perspectiva.
O aspecto substancial do princípio do juiz natural indica a necessidade da identidade
física do juiz (§ 2.º do art. 399 do CPP). O Juiz de 1.º Grau colhe a prova diretamente,
ouvindo as testemunhas, interrogando os acusados, promovendo a efetiva imediação e
atuando sobre a eficiência da oralidade. Portanto, em relação à prova, tem melhor
condição de valorá-la do que o Tribunal que, em regra, julga apenas à vista de papéis.
Feita esta observação, podemos avançar na questão do direito do acusado de recorrer
de sua condenação e de sua pena.
Como já destacamos em outra passagem, pensemos na hipótese de o acusado ser
absolvido pelo juiz de primeiro grau. O Ministério Público recorre. O tribunal condena o
acusado. Tendo em vista que os Tribunais Superiores não possuem competência recursal
para reexaminar questões de fato, a condenação se tornaria irrecorrível. Pergunta-se, em
tal hipótese, como assegurar o direito fundamental do acusado de ter sua condenação
reexaminada?
A conclusão é a seguinte: sendo a primeira condenação no Tribunal de Apelação, o
direito de recorrer da condenação fica inviabilizado e, em decorrência, temos uma
violação ao direito fundamental do acusado de ver sua condenação reexaminada, isto é,
frustra-se o duplo grau.
Por tal razão, o professor argentino Julio Maier4 sustenta: o Ministério Público, na
hipótese de sentença penal condenatória, não tem direito de recorrer, pois do contrário,
violar-se-ia o direito fundamental ao duplo grau de jurisdição.5
Para nós, no entanto, o Ministério Público só poderá recorrer para arguir nulidade ou
para modificar a aplicação da pena. No primeiro caso, porque haverá apenas juízo de
cassação; e, no segundo, porque já houve aplicação de pena e o acusado poderá recorrer
desta, pois a redação do Pacto fala em direito de recorrer da pena e não das penas
sucessivamente.
Para além desta interpretação sistemática, esta posição encontra amparo também em
uma interpretação literal da Constituição, na medida em que o art. 5.º, LV, ao tratar dos
recursos, afirma que estes são inerentes à defesa. Portanto, não há garantia constitucional
que assegure ao Ministério Público o direito ao duplo grau. Não se poderia tampouco
invocar o argumento de paridade de armas, pois diante da posição débil do acusado no
processo penal, as legislações por vezes buscam mecanismos de equilíbrio, e o tratamento
desigual justificar-se-ia exatamente em razão da desigualdade existente, dando assim
efetividade ao princípio da igualdade material.
14.2. Limite do duplo grau de jurisdição
Sustenta-se, com razão, que o duplo grau de jurisdição não significa a possibilidade
infinita de reexame das decisões. Ao contrário, o duplo grau se esgota "nos recursos
cabíveis no âmbito do reexame da decisão, por uma única vez".6
Com efeito, embora a Constituição preveja Tribunais Superiores e recursos que
aparentam uma espécie de terceiro grau de jurisdição, como o recurso especial e o recurso
extraordinário, na verdade, estes recursos não se destinam a assegurar direitos subjetivos,
pois visam à preservação do direito objetivo, respectivamente, a lei infraconstitucional e a
norma constitucional. Em outros termos, nestes recursos, não há revisão da matéria de
fato e do direito. Os Tribunais Superiores, no exercício da competência recursal, em
princípio,7 só examinam a matéria de direito.
Quanto às decisões que se submetem ao princípio, tem-se entendido que não só as
sentenças, mas também as decisões interlocutórias estão amparadas pelo duplo grau. No
caso das interlocutórias contra as quais não caiba recurso, não ocorre a preclusão e o
reexame se dá em sede de preliminar de apelação. Já para as interlocutórias que admitem
recurso, a possibilidade do duplo grau surge de imediato.
14.3. Teoria Geral dos Recursos
14.3.1. Recursos e ações autônomas de impugnação
Há duas formas de se impugnar as decisões judiciais, através dos recursos e das ações
autônomas de impugnação. Não raro estas são confundidas com aqueles, apesar de serem
institutos distintos.
Enquanto os recursos impugnam decisões dentro da mesma relação jurídica
processual, as ações autônomas formam uma nova relação jurídica de direito processual.
Este é o traço distintivo entre elas e os recursos.
Embora a revisão criminal e o habeas corpus estejam insertos no Livro e no Título do
Código de Processo Penal que cuida dos recursos, na realidade são eles verdadeiras ações
autônomas de impugnação.
Cuidaremos nesta altura dos recursos, e, em seguida, das ações autônomas de
impugnação.
14.3.2. Conceito, natureza jurídica e características dos recursos
O recurso é o "meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão
e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o
esclarecimento ou a integração da decisão".8
Desteconceito extraem-se algumas características dos recursos. Primeiramente, são
anteriores à coisa julgada. Não ensejam nova relação jurídica. São voluntários
(voluntariedade).
Quanto à voluntariedade, os recursos dependem de livre manifestação das partes para
sua interposição, pois cabe a elas verificar a viabilidade ou não do meio impugnativo. No
entanto, diz-se que no processo penal a voluntariedade está mitigada em razão de algumas
peculiaridades. A primeira delas é a previsão legal de reexame necessário (ou duplo grau
necessário), chamado de recurso de ofício pelo diploma processual (arts. 574, I e II e 746,
ambos do CPP).
A doutrina diverge quanto à recepção do recurso ex officio pela ordem constitucional.
Sustenta-se que a Constituição consagrou o sistema acusatório, no qual se garante a
imparcialidade do órgão julgador, e a pretensão acusatória é exercida pelo MP e não pelo
juiz. Assim sendo, o recurso de ofício perde a sua vigência e validade, devendo o juiz, após
proferir as decisões mencionadas no art. 574 do CPP, aguardar a chamada preclusão
temporal. Por ser o recurso um ato de prolongamento da ação penal ou do direito de
defesa, sua iniciativa é das partes e, conferindo-se ao juiz tal iniciativa, estar-se-ia ferindo
frontalmente o sistema acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988.
Entretanto, há posicionamento no sentido de que não existe contrariedade entre os
recursos de ofício e a Constituição, pois estes apenas levam o nome de recurso, mas,
materialmente falando funcionam como uma condição de eficácia da sentença, que
somente transitará em julgado após esta providência ser tomada pelo juiz.9
Critica-se a tese da condição de eficácia da sentença ao argumento de que é uma
maneira falaciosa10 de dizer a mesma coisa de outra maneira, sem, contudo, conseguir
ocultar o fato de que o órgão de segundo grau acaba por prestar jurisdição sem ter sido
provocado pelas partes. Esta tese é um sofisma, devendo-se concluir que o recurso de
ofício, ainda que chamado de condição de eficácia da sentença, é inconstitucional.
Todavia, retornaremos a este tema à frente.
Também podemos destacar como mitigação à voluntariedade a extensão dos efeitos do
recurso ao corréu, na forma do art. 580 do CPP. Por fim, devemos lembrar a possibilidade
de reformatio in melius,11 ou seja, a possibilidade de favorecimento do réu em sede de
recurso exclusivo da acusação, com amparo no princípio do favor rei.
Quanto à natureza jurídica dos recursos, como estes são aspectos ou desdobramento do
próprio direito de ação e de defesa, a natureza jurídica dos recursos é de direito subjetivo
processual decorrente do próprio direito de ação e de defesa.12
14.3.3. Classificação
Classificam-se os recursos de várias formas, a saber: quanto à extensão, aferindo quais
aspectos da decisão podem ser apreciados pelo órgão de segundo grau, assim podem ser
totais e parciais. Quanto à fundamentação, para alguns recursos a lei exige uma
fundamentação mais restrita ou específica, enquanto para outros, o fundamento é mais
amplo. Fala-se então em recursos de fundamentação livre e de fundamentação vinculada.
Como exemplo de recurso de fundamentação livre temos a apelação da sentença
absolutória ou condenatória nos crimes de competência do juiz singular (art. 593, I, do
CPP). Por outro lado, o recurso especial e o recurso extraordinário têm sua
fundamentação taxativamente definida, respectivamente, nos arts. 105, III e 102, III, da
CF/1988.
Por fim, classificam-se os recursos em ordinários e extraordinários. Os primeiros são
destinados à tutela de direitos subjetivos, enquanto os segundos à tutela do direito
objetivo, pois visam tão somente à eficácia do direito infraconstitucional e constitucional,
de maneira uniforme, em todo o território nacional. Por tal razão, também se associa a
classificação ao fato de que nos recursos ordinários se examinam fato e direito, enquanto
que nos recursos extraordinários só se examina o direito.
Cabe destacar que esta classificação não pode ser confundida com os recursos em
espécie que possuem o mesmo nome: o recurso ordinário constitucional (art. 102, II, e art.
105, II da CF/1988), que é uma espécie do gênero recurso ordinário, ao lado da apelação,
dos embargos infringentes; e o recurso extraordinário, previsto no art. 102, III, da CF/1988,
que é uma espécie do gênero recurso extraordinário, ao lado do recurso especial e do
recurso de revista do processo do trabalho.
14.4. Princípios Gerais dos Recursos
14.4.1. Taxatividade
Segundo este princípio, os recursos devem ter previsão legal, não sendo lícito às partes
criarem recursos para sanar o seu inconformismo. Está assim intimamente ligado ao
princípio da segurança jurídica, já que os litígios não podem ficar infinitamente abertos
através da via recursal, o que vulneraria a segurança jurídica.
Este princípio não impede a interpretação extensiva e aplicação analógica de regras
processuais sobre recursos (art. 3.º do CPP). Ademais, não havendo recurso previsto para
rever determinada decisão, poderá, por vezes, ser esta impugnada por ações autônomas
como o habeas corpus ou mandado de segurança em matéria criminal.
14.4.2. Unirrecorribilidade/Unicidade - Art. 593, § 4.º, do CPP
Para cada decisão será cabível apenas um único recurso, não sendo admissível a
interposição de dois recursos contra a mesma decisão.
Questão interessante ocorre quando da existência de decisões objetivamente
complexas, ou seja, aquelas que apesar de se apresentarem, formalmente, como única
decisão, em seu conteúdo encontramos mais de uma. Às vezes pode-se ter uma sentença
com várias decisões e cada uma delas pode ser impugnada por um recurso diferente.
Neste caso não há falar em exceção ao princípio da unirrecorribilidade, uma vez que
para cada aspecto da decisão haverá um único recurso. É o que ocorre com um acórdão
que pode, ao mesmo tempo, ser atacado por recurso extraordinário para discutir a
questão constitucional e por recurso especial para discutir a aplicação ou interpretação da
lei federal (arts. 102, III e 105, III, da CF/1988), ou ainda, recurso especial, extraordinário e
embargos infringentes no que tange à parte não unânime do acórdão.13
14.4.3. Variabilidade ou suplementação dos recursos?
O princípio da variabilidade dos recursos não vigora atualmente entre nós. Tal
princípio tinha previsão expressa no art. 809 do CPC de 1939, não tendo sido repetido no
Código de Processo Civil de 1973. Atualmente vigora a regra da preclusão consumativa, isto
é, uma vez interposto o recurso fica o recorrente impedido de ofertar outro em função de
já ter exercido a faculdade de recorrer.
Alguns autores querem, contudo, ver na possibilidade de suplementação dos recursos
um resquício da variabilidade. São duas as possibilidades: (a) quando as decisões
objetivamente complexas são impugnáveis por dois recursos simultaneamente, como no
exemplo supra do recurso especial e recurso extraordinário; e (b) quando a mesma
decisão pode ser impugnada por fundamentos diversos, como no júri, onde se pode
impugnar tanto a pena aplicada pelo juiz presidente, como a decisão dos jurados. Neste
caso, interposta a apelação impugnando a decisão do juiz presidente, poderá o réu, se
ainda estiver no prazo, interpor apelação impugnando a decisão dos jurados. O mesmo
pode ocorrer quando uma primeira apelação impugna apenas a pena aplicada e outra,
ainda no prazo, impugna a condenação em si.14
A rigor, na verdade não se trata de variabilidade e sim de suplementação dos recursos.
14.4.4. Complementaridade dos recursos
14.4.4. Complementaridade dos recursos
Trata-se da possibilidade de se complementar o fundamento do recurso em razão de
ter a decisão sido integrada em decorrência de embargos declaratórios que supriram
omissão, contradição ou obscuridade. Nestes casos, não ocorre preclusão consumativa em
razão de ter havido modificação na decisão recorrida.
14.4.5. Conversão
O princípio da conversão permite que, uma vez interposto o recurso perante órgão
incompetente, seja remetidoao que possui competência para apreciá-lo.
14.4.6. Fungibilidade dos recursos (art. 579 do CPP)
Encontra-se previsto no art. 579 do CPP, segundo o qual o recurso erroneamente
interposto pode ser conhecido por outro, desde que não haja má-fé ou erro grosseiro. Este
princípio também é chamado por alguns doutrinadores por Teoria do Recurso Indiferente
ou Teoria do Tanto Vale.
A doutrina conceitua erro grosseiro como aquele aferido por algumas circunstâncias
objetivas, por exemplo, a disposição expressa e induvidosa de lei indicando o recurso, sem
que haja a chamada dúvida objetiva15 decorrente de divergência na doutrina e
jurisprudência quanto ao recurso cabível.
A má-fé será aferida de acordo com o caso concreto, se por exemplo a parte se utilizar
de recurso impróprio no prazo maior, por ter perdido o prazo para o recurso cabível; ou
se lançar mão de recurso com maior amplitude para levar maior espectro de matérias ao
conhecimento do Tribunal, a fim de evitar a coisa julgada; ou ainda, utilizar-se a parte de
recurso mais demorado para protelar o processo.
A jurisprudência, inclusive do STF,16 coloca-se no sentido de que a fungibilidade só é
admitida se o recurso equivocado tiver sido proposto no prazo do recurso adequado.
Parte da doutrina, todavia, entende que só há inteireza na adoção do princípio em se
admitindo o recurso ainda que interposto fora do prazo do recurso adequado.17
Não se admite fungibilidade quando o recurso tem sua fundamentação vinculada, ou
tenha requisitos de admissibilidade específicos, como a apelação contra decisão do júri, o
recurso extraordinário e o recuso especial.
14.4.7. Voluntariedade
Os recursos dependem de livre manifestação das partes para sua interposição, pois
cabe a elas verificar a viabilidade ou não do meio impugnativo. A isto se dá o nome de
voluntariedade. Para o estudo deste princípio, remetemos o leitor ao item 14.3.2, onde
tratamos da voluntariedade como característica dos recursos.
14.4.8. Dialeticidade
O princípio da dialeticidade dos recursos nada mais é do que a aplicação do
contraditório. Em razão disto surge o dever, imposto ao recorrente, de o recurso ser
apresentado com os fundamentos de fato e de direito que deram causa ao inconformismo
com a decisão prolatada, dando-se em seguida a oportunidade para a vinda das
contrarrazões.
A apresentação do recurso sem a devida fundamentação implica o não
conhecimento.18 Não obstante, o art. 601 do CPP permite que a apelação suba ao Tribunal
sem as razões.
14.4.9. Disponibilidade dos recursos
Em decorrência da própria voluntariedade dos recursos, surge a sua disponibilidade.
Esta pode se dar através da renúncia ou da desistência. A primeira é um ato anterior à
interposição dos recursos, impedindo que esta ocorra e, por consequência, antecipando a
preclusão e o trânsito em julgado. Já a desistência é ato posterior à interposição recursal.
Tanto uma quanto outra têm efeito preclusivo, sendo irrevogáveis.
Todavia, no processo penal, em razão dos valores em jogo, a disponibilidade guarda
certos limites. Para ilustrar, havendo desistência do recurso por parte do réu e tendo o
defensor apresentado recurso, não deve ser aplicada a desistência, prevalecendo a
vontade da defesa técnica em homenagem à ampla defesa.19
Da mesma forma, o art. 576 do CPP dispõe que o Ministério Público não é obrigado a
recorrer, mas uma vez interpondo o recurso não pode dele desistir. Entende-se que o
Parquet não pode sequer restringir nas razões o âmbito do recurso já definido na
interposição.
Não obstante, na jurisprudência já encontramos uma análise constitucional do art. 576
do CPP, permitindo ao Ministério Público desistir do recurso. Tal entendimento, expresso
na ApCrim 2007.050.01031, do TJRJ, que teve como relator o Des. Geraldo Prado, pode ter
seus fundamentos assim sintetizados:
Primeiramente, a independência funcional do membro do Ministério Público tem
assento constitucional, não podendo ser afetado por norma infraconstitucional como o
artigo indigitado. Ademais, a indisponibilidade da ação se justifica pela sua
obrigatoriedade, mas não há obrigatoriedade em recorrer, não se justificando a
impossibilidade de desistência do recurso. Com isso, conclui o acórdão pela possibilidade
da desistência do recurso por parte do órgão do Ministério Público.
Cumpre destacar que nos filiamos a este entendimento ainda minoritário na doutrina20
e na jurisprudência, que saudavelmente vem reconhecendo a disponibilidade do recurso
por parte do Ministério Público.
14.4.10. Irrecorribilidade das decisões interlocutórias
Ao contrário do que ocorre no processo civil, no processo penal a regra é a
irrecorribilidade das decisões proferidas no curso do processo, as chamadas decisões
interlocutórias, com algumas exceções previstas no art. 581 do CPP e na legislação
extravagante.
As interlocutórias poderão ser examinadas como preliminares na apelação, pois não
opera contra elas o instituto da preclusão. Entretanto, também podem ser impugnadas por
via das ações autônomas de impugnação, nomeadamente do habeas corpus e do mandado
de segurança, sempre que sua manutenção no processo ameaçar trazer danos
irreparáveis às partes até o julgamento de futuro recurso.
14.4.11. Personalidade dos recursos
Em homenagem a este princípio, o recorrente não pode ser prejudicado por seu
próprio recurso. Desta premissa surgem os temas reformatio in pejus e reformatio in
mellius.
a) Proibição de reformatio in pejus (reforma para pior)
Dispõe o art. 617 do CPP que, sem que haja recurso do Ministério Público, não pode ser
agravada a situação do réu através do recurso da defesa. Assim, está vedada a reformatio
in pejus, que vem a ser, a diferença para pior entre a decisão da qual a defesa recorre e a
decisão que a substitui em razão do recurso.
O agravamento não se pode dar no plano quantitativo, tampouco no qualitativo e, no
que se refere à nulidade,21 também não é possível que esta seja reconhecida contra o réu
em seu recurso exclusivo.
b) Admissão da reformatio in mellius e sua controvérsia
Questão controvertida surge em função da possibilidade de ocorrência de reformatio in
mellius, o que seria uma verdadeira reformatio in pejus contra o Ministério Público,
consistente em beneficiar o réu através de recurso exclusivo da acusação que pretendia
na verdade o agravamento da situação do réu. Para ilustrar: o Ministério Público recorre
visando à majoração da pena e o Tribunal decide absolvendo o réu ou diminuindo sua
pena.
O primeiro posicionamento defendido pelo STF antes da Constituição de 198822 e por
parte da doutrina é no sentido de não ser cabível a reformatio in mellius, pois esta afronta
o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, isto é, o Tribunal só pode conhecer
da matéria que é levada até ele, logo se o Ministério Público pediu exasperação, não
poderá o Tribunal abrandar a situação do réu.
Entretanto, o posicionamento majoritário na doutrina e na jurisprudência do STJ23 é no
sentido da admissibilidade da reformatio in mellius, uma vez que o Ministério Público é
função essencial da justiça, não sendo órgão de acusação, mas de fiscalização do devido
processo legal. Somente existe vedação expressa à reformatio in pejus (art. 617 do CPP),
nada se mencionando quanto à reformatio in mellius, sendo esta então possível,
mormente, em razão do princípio do favor rei.
c) Reformatio in pejus indireta
A chamada reformatio in pejus indireta tem lugar quando o réu recorre com
exclusividade e tem a sentença anulada pelo Tribunal, devendo os autos baixarem à
primeira instância para prolação de outra, quando então esta nova sentença piora a
situação do réu em relação à primeira, anulada.
Exemplificamos: o réu é condenado a uma pena de três anos de reclusão. Ao recorrer,
argui uma preliminar de nulidade, que é acolhida. Os autos baixam à vara de origem e é
prolatada nova sentença condenatória. Havendo condenação superior a três anos de
reclusão estaríamos diante de uma reformatio in pejus indireta.
Há divergência sobre a admissibilidade dareformatio in pejus indireta. Parte da
doutrina entende ser proibida também a reformatio in pejus indireta, já que do contrário
haveria grave prejuízo à ampla defesa, uma vez que os acusados deixariam de recorrer,
pois poderiam ter, a rigor, sua situação agravada. Esta é a posição consolidada no STF24 e
no STJ.25
No entanto, há quem entenda que vedar a reformatio in pejus indireta seria fazer
prevalecer um ato nulo (primeira sentença anulada) sobre um ato válido (segunda
sentença).
A controvérsia se eleva quando a questão é colocada no âmbito do júri, pois o tema se
tangencia com o princípio da soberania dos veredictos. Em razão deste princípio o
Tribunal, ao julgar a apelação, não pode reformar a decisão dos jurados, ficando adstrito
ao juízo de cassação, isto é, seu poder limita-se à anulação para submissão a novo
julgamento. Indaga-se: o novo julgamento decorrente de recurso exclusivo da defesa fica
limitado, em caso de condenação, quantitativamente e qualitativamente, à sentença do
julgamento anterior em decorrência da vedação da reformatio in pejus indireta?
Para alguns a reformatio in pejus indireta também se aplica ao Tribunal do Júri.26
Outros, todavia, sustentam que em razão da soberania dos veredictos não pode haver tal
limitação.27
Para nós, o princípio da soberania dos veredictos, que é uma garantia fundamental do
indivíduo, não pode ser interpretado contra o réu. Fosse assim, mais valeria para o réu
abrir mão desta garantia fundamental, na medida em que se permitiria, através de um
recurso exclusivo seu, que sua pena fosse exasperada por um novo julgamento.
Entendemos que a soberania dos veredictos não autoriza a reformatio in pejus indireta no
Tribunal do Júri.
14.5. Efeitos dos recursos
Os principais efeitos dos recursos são o devolutivo e o suspensivo, mas não podemos
olvidar o efeito extensivo (ou extensão subjetiva da coisa julgada) e o efeito iterativo.
Vejamos separadamente cada um.
14.5.1. Devolutivo
Consiste em devolver ou levar ao Tribunal ad quem o conhecimento da matéria
impugnada (atacada), julgada no grau inferior de jurisdição.
O exame no Tribunal é limitado pela matéria impugnada pelo recorrente. Se o recurso
for total, todas as questões serão objeto de reexame. Mas, se for parcial, ficará adstrito à
matéria atacada (tantum devolutum quantum appellatum), salvo se versar sobre questão
que o Tribunal possa conhecer de ofício, como as nulidades absolutas, ausência de
condições para o exercício da ação penal etc.
Dentro da matéria impugnada os poderes de conhecimento do Tribunal são amplos e
tal fato não importa em supressão de instância. Aliás, sobre este tema surge questão
importante a ser resolvida, atinente às preliminares de mérito.
Pensemos no caso de o juiz de primeiro grau ter julgado extinta a punibilidade
reconhecendo a prescrição, o que equivale a julgamento do mérito. Em grau de recurso,
afastando o Tribunal a prescrição, deverá este baixar os autos para que o juízo de
primeiro grau analise o mérito propriamente dito, ou poderá o Tribunal prosseguir no
julgamento da causa?
Entendemos que o mérito da causa, verdadeiramente, não foi apreciado e, caso o
Tribunal prossiga no julgamento, haveria verdadeira supressão de instância, razão pela
qual o processo deve baixar, o que melhor atende e dá efetividade ao princípio do duplo
grau de jurisdição, notadamente em razão do aspecto substancial do juiz natural, agora
consagrado na identidade física do juiz (§ 2.º do art. 399 do CPP).
14.5.2. Suspensivo (suspensão dos efeitos da decisão)
A interposição do recurso impede a imediata produção dos efeitos da decisão, que
ficará suspensa até o julgamento do recurso. Trata-se de prolongamento da ineficácia
própria de algumas decisões.28
14.5.3. Extensivo
Tal efeito encontra-se previsto no art. 580 do CPP, de acordo com o qual em caso de
concurso de agentes o recurso interposto por um dos corréus a todos aproveita, desde que
não esteja fundado em situação exclusivamente pessoal.
De acordo com a doutrina isto não constitui um efeito autônomo dos recursos, mas sim
uma extensão subjetiva dos efeitos propriamente ditos.
14.5.4. Iterativo
Este efeito consiste na possibilidade de o próprio juízo a quo, prolator da decisão
recorrida, ao tomar conhecimento da matéria impugnada, alterá-la ou mantê-la. Cuida-se
de um juízo de retratação previsto em certos recursos, como é o caso do recurso em
sentido estrito, conforme art. 589 do CPP.
14.6. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito
14.6.1. Juízo de admissibilidade - Prelibação
O juízo de admissibilidade consiste no exame de questões processuais, como a
competência, as condições e pressupostos recursais, caso em que, não há julgamento do
mérito do recurso. Tal juízo é realizado em ambas as instâncias. Primeiro, no juízo a quo,
onde preenchidas as formalidades legais, o juiz de primeiro grau recebe o recurso.29 Após,
no juízo ad quem, onde o Tribunal, após analisar a presença dos requisitos, conhece ou
não do recurso. Quanto ao juízo de admissibilidade, pode-se chegar a dois resultados:
juízo positivo (conhecimento do recurso) e juízo negativo (não conhecimento do recurso).
Quando um recurso é conhecido, ainda que venha a ser desprovido, acaba por
substituir a decisão do segundo grau, embora possa confirmá-la. Ao contrário, quando um
recurso não é conhecido, a decisão de primeiro grau se estabiliza.
14.6.2. Juízo de mérito ou libação
O juízo de mérito é a valoração do conteúdo do recurso, não se confundindo com o
mérito da causa. O mérito do recurso pode ser inclusive uma questão processual.
Somente se passa ao juízo de mérito após o juízo de admissibilidade. Isto ocorrendo,
passa-se à análise dos fundamentos do recurso, podendo se chegar a duas situações: dar
provimento ao recurso, ou negar provimento. No primeiro caso conclui-se que a decisão
recorrida incorreu em erro, que pode ser error in iudicando (erro na resolução da causa,
ou seja, incorreta aplicação do direito ou incorreta interpretação dos fatos) ou error in
procedendo (erro sob aspectos processuais, violação do devido processo).
Em caso de error in iudicando o Tribunal reforma a decisão, emitindo outra em
substituição. No segundo caso (error in procedendo) o Tribunal anula (cassa) a sentença,
devolvendo a causa para novo julgamento pelo Juízo de 1.º Grau.
14.6.3. Requisitos de admissibilidade - Condições de admissibilidade e pressupostos
recursais
Tradicionalmente a doutrina classificava os requisitos de admissibilidade dos recursos
em:
Requisitos objetivos: cabimento, adequação, tempestividade, regularidade
procedimental (art. 578 do CPP) e inexistência de fato impeditivo (preclusão e renúncia)
ou extintivo (deserção ou desistência).
Requisitos subjetivos: interesse em recorrer, para muitos, associado à sucumbência, e
legitimidade para recorrer.
Ocorre que modernamente o tema vem sendo tratado metodologicamente a partir da
natureza dos recursos enquanto prolongamento do direito de ação e de defesa, sendo
então transportada para o âmbito recursal a sistemática das condições da ação
(legitimidade, interesse e possibilidade jurídica da demanda) e dos pressupostos
processuais (órgão jurisdicional competente, partes capazes e demanda regularmente
proposta), quando então teremos as chamadas condições recursais (legitimidade, interesse
e possibilidade jurídica) e pressupostos recursais (juízo competente, capacidade do
recorrente, interposição regular do recurso e inexistência de fato impeditivo ou extintivo).
14.6.3.1. Condições recursais
a) Legitimidade
É a pertinência subjetiva dos recursos: somente se admitirá recurso de quem tenha
interesse na reforma, invalidação ou integração da decisão (art. 577 do CP).
De acordo com art. 577 do CPP, entende-se que o réu é legitimado autonomamente à
interposição do recurso, ainda que sem procurador ou defensor. Assim o faz quando
manifesta em juízo a sua vontade em recorrer, entretanto, deverá o seu defensor ser
intimado para apresentar as razões do recurso.
Da mesma forma o defensor (defesa técnica)tem legitimidade autônoma para recorrer
independentemente da vontade do acusado (art. 577 do CPP).
Temos que o réu, para além da legitimação, tem capacidade postulatória para o
recurso, da mesma forma que ocorre com o habeas corpus. Por sua vez, a defesa técnica,
mas que simples capacidade postulatória, tem no processo penal legitimidade recursal.
Também do art. 577 do CPP se extrai a legitimação do Ministério Público e do
querelante. Já o assistente de acusação tem sua legitimidade recursal prevista no art. 271
do CPP.
O ofendido pode recorrer mesmo quando não se tenha habilitado como assistente, ex vi
do art. 598 do CPP, de maneira semelhante à que ocorre no processo civil com o recurso do
terceiro prejudicado (art. 499, caput e § 1.º, do CPC/1973 - art. 996 CPC/2015).
b) Interesse em recorrer
Muitas vezes a doutrina confunde interesse em recorrer com sucumbência, associando-
se o interesse em recorrer com o fato de a parte ter perdido, tendo sido vencida, ainda que
parcialmente, no processo.
Na verdade o interesse recursal firma-se na adequação, necessidade e utilidade. O
recurso deve ser o meio adequado para conseguir o resultado prático esperado. A
utilidade é a possibilidade de conseguir uma situação mais vantajosa através do recurso e
a necessidade reside no fato de que a tutela jurisdicional é a única forma de se atingir este
resultado prático mais vantajoso.
Visto o interesse desta forma, é mais fácil compreender situações em que a parte,
embora não tenha sido derrotada, tem interesse de agir. É o caso do réu que é absolvido
por falta de prova e recorre para mudar o fundamento de sua absolvição, para ver-se
absolvido pela inexistência do fato ou por ter ficado provado que não foi o autor do fato. A
toda evidência, o fundamento da absolvição, para além dos aspectos atinentes à
responsabilidade civil, já que a absolvição por falta de prova não afasta a ação cível, traz
ainda inegáveis efeitos sobre a esfera moral do acusado. Portanto, o interesse em recorrer
em tal hipótese é evidente, pois é capaz de trazer para o acusado uma posição mais
vantajosa.
O mesmo se dá em relação ao interesse de recorrer do Ministério Público, mesmo
quando a pretensão punitiva por ele deduzida tenha sido acolhida integralmente. O
Parquet deve atuar por força da Constituição com o objetivo de buscar a boa aplicação da
lei e a justiça da decisão, tutelando assim o ordenamento jurídico.
Se no curso do processo a prova indicou outro caminho que não o acolhimento da
pretensão, ou ainda, se a sentença fixou pena inadequada, o Ministério Público tem
interesse em recorrer no primeiro caso para a absolvição do réu ou no segundo para
diminuir a pena. Agindo assim, não está o Ministério Público recorrendo em benefício do
réu e sim recorrendo pela boa e correta realização da justiça, uma vez que o Parquet não
pode se satisfazer com uma condenação injusta.30
c) Possibilidade jurídica do pedido (cabimento)
No que pertine ao direito de ação, a possibilidade jurídica da demanda consiste em um
conceito negativo traduzido na não vedação, a priori, pelo ordenamento jurídico, da
propositura da demanda, como ocorre no caso da dívida de jogo que não pode ser cobrada
em juízo.
Relativamente aos recursos, a possibilidade jurídica está associada ao seu cabimento,
ou seja, há que se ter previsão legal da via recursal. Por tal razão, os despachos de mero
expediente e ordinatórios são irrecorríveis, pois não há previsão de recurso para
impugná-los. No processo penal, em regra, as decisões interlocutórias não são recorríveis,
salvo os casos taxativamente previstos no art. 581 do CPP. Haverá impossibilidade jurídica
de se recorrer de despachos e das decisões interlocutórias não contempladas pelo art. 581
do CPP ou por leis especiais.
Contudo, há casos em que será possível impugnar decisões que não têm recursos
previstos através das ações autônomas de impugnação, como o habeas corpus e o
mandado de segurança.
14.6.3.2. Pressupostos recursais
a) Órgão constitucional competente
Assim como ocorre no curso do processo, na fase recursal que se desenvolve perante a
mesma relação jurídica processual, também deve-se observar as regras de competência.
Certo é que o recurso deve ser interposto perante órgão jurisdicional competente.
b) Capacidade
Também para os recursos as partes devem ser capazes, devem contar tanto com
capacidade de direito como com a de fato (capacidade de estar em juízo), e ainda com a
capacidade postulatória. Assim, em regra, devem estar assistidas por advogado ou
defensor público.
Porém, é sabido que o Ministério Público tem capacidade postulatória específica para o
exercício de suas atribuições e o réu tem capacidade postulatória extraordinária para
recorrer independentemente de sua defesa técnica.
c) Regularidade na interposição do recurso
Quanto à regularidade na interposição, em face do princípio da instrumentalidade das
formas, o aspecto formal perde um pouco sua relevância. Cabe registrar, por oportuno,
que os recursos devem ser interpostos por petição ou por termo nos autos (art. 578 do
CPP).
Relevante destacar, em termos de regularidade da interposição é, primeiramente, a
tempestividade e, em segundo lugar, o preparo para os casos em que for preciso.
d) Tempestividade
O recurso deverá ser interposto dentro do prazo previsto em lei para que possa ser
impugnada a decisão. Em regra no processo penal o prazo é de cinco dias (arts. 591 e 593
do CPP), havendo, contudo, prazos diferentes, como nos embargos declaratórios (dois dias,
art. 619 do CPP) e embargos infringentes (10 dias, art. 609, parágrafo único, do CPP).
A Defensoria Pública tem a prerrogativa do prazo em dobro (art. 44, I, da LC 80/1994), o
que finca raízes no princípio da igualdade substancial (art. 5.º da CF/1988) tendo por
objetivo a tentativa de compensar a Defensoria em razão do excessivo número de feitos
sob sua responsabilidade, colocando-a em um patamar de igualdade de armas.
Embora não seja pacífico, entendemos que à míngua de distinção na Lei Complementar
a duplicação aplica-se a todos os prazos, sejam os prazos legais ou mesmo os que são
fixados pelo juiz na falta de previsão na lei processual, chamados de prazos judiciais.
Firmou-se também o entendimento de que para se usufruir do prazo em dobro é
necessário que o Defensor informe ao juízo, dentro do prazo do ato, a assistência pela
Defensoria e, por conseguinte, a utilização da prerrogativa. Entendemos desnecessária a
medida por falta de previsão legal. Uma vez cumprido o ato dentro do prazo dobrado e
realizado pelo órgão da Defensoria, sua tempestividade é evidente. Não podemos, todavia,
olvidar que tal providência, embora sem necessidade legal, ajuda a evitar tumultos
processuais e cartorários, revelando-se como medida de urbanidade processual.
A jurisprudência firmou-se no sentido de que a intimação pessoal e o prazo em dobro
são prerrogativa da Defensoria Pública não se aplicando aos advogados dativos. Neste
sentido vale citar:
O prazo em dobro é concedido apenas ao Defensor Público da Assistência Judiciária,
não se estendendo à parte, beneficiária da justiça gratuita, mas representada por
advogado que não pertence aos quadros da Defensoria do Estado, sendo irrelevante a
existência de convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil. (STJ, AgRg no Ag 765.142,
12.03.2007).
Os prazos recursais são peremptórios e sua não observância gera preclusão temporal,
ou seja, a perda da possibilidade de recorrer em razão do decurso do tempo.
e) Preparo
O preparo consiste no pagamento das custas relativas ao recurso cuja ausência
importará em deserção, vale dizer, em não conhecimento. A matéria está disciplinada no
art. 806 do CPP e seus parágrafos. O entendimento jurisprudencial e doutrinário
consolidado é no sentido de que o preparo dos recursos só é devido nas ações
exclusivamente privadas, por parte do querelante, bem como por parte do assistente de
acusação nas demais ações. No mais, em sendo qualquer das partes do processo pessoa
pobre, nos termos da Lei 1.060/1950, ficadispensado o pagamento do preparo.
f) Inexistência de fatos extintivos ou impeditivos
Neste tópico resta analisar como fatos extintivos a deserção e a desistência dos
recursos e como fatos impeditivos a preclusão e a renúncia.
f.1) Fatos extintivos
A deserção é a extinção das vias recursais em razão de fato que impede o
conhecimento do recurso. Uma das hipóteses legais de deserção não foi recepcionada pela
Constituição, que é a deserção decorrente da fuga do réu após a interposição do recurso
(art. 595 do CPP, revogado pela Lei 12.403/2011). Doutrina e jurisprudência já firmaram
entendimento de que tal dispositivo é incompatível com a ampla defesa e a presunção de
inocência. A segunda hipótese é a de deserção por falta de pagamento das custas, já
abordada acima.
O outro fato extintivo da via recursal é a desistência. Como os recursos são voluntários,
em princípio, podem as partes desistir dos recursos interpostos. Não obstante, quando
tratamos da disponibilidade dos recursos abordamos as controvérsias relativamente à
possibilidade ou não de o Ministério Público desistir dos recursos, bem como a discórdia
entre defesa técnica e autodefesa, para onde remetemos o leitor.
f.2) Fatos impeditivos
A preclusão temporal já foi abordada quando falamos do prazo dos recursos. Outras
formas de preclusão são a preclusão lógica e a preclusão consumativa, ambas traduzidas
em fato impeditivo do recurso.
A preclusão é um fato impeditivo que objetiva o avanço do processo, busca evitar o seu
recuo para fases anteriores. A preclusão temporal ocorre quando há decurso do prazo in
albis, ou seja, sem interposição de recurso, impedindo sua interposição fora do prazo. A
preclusão lógica ocorre quando há a prática de um ato processual incompatível com a
vontade de recorrer, como ocorre nos casos de renúncia ao recurso. Por fim, a preclusão
consumativa se dá quando já houve a interposição válida do recurso, não sendo possível a
interposição de mais de um recurso da mesma parte contra a mesma decisão, como já
vimos anteriormente no estudo da unirrecorribilidade.
14.7. Dos Recursos em Espécie
14.7.1. Recurso em sentido estrito (art. 581 do CPP)
14.7.1.1. Conceito e denominação
Na linguagem forense, este recurso era tido como agravo criminal. Entretanto, para
evitar confusões na semelhança deste com o recurso de agravo do processo civil, o
legislador achou por bem denominá-lo de recurso em sentido estrito (RSE).31 Serve em
regra para impugnar decisões interlocutórias, a exemplo do que ocorre com o agravo de
instrumento no processo civil, embora em alguns casos seja a via para atacar verdadeiras
sentenças, como no caso da rejeição da denúncia (art. 581, I, do CPP), que é uma sentença
de extinção do processo sem exame de mérito.
14.7.1.2. Rol taxativo
O art. 581 do CPP enumera 24 hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito, o
que levou a doutrina amplamente majoritária a afirmar que se trata de rol taxativo, pois
se assim não fosse não teria o legislador enumerado tantos casos de seu cabimento,
pretendendo esgotar as possibilidades.
Entretanto, na jurisprudência do STJ esta ideia tem sido abrandada, admitindo-se
interpretação extensiva e analógica, vale transcrever:
Não obstante predomine o entendimento de ser taxativo o rol de hipóteses de
utilização do recurso em sentido estrito, esse rigor vem sendo abrandado, porque não se
revela razoável sua estagnação, notadamente diante de constantes mudanças na
legislação processual, sendo prudente, em determinadas situações, permitir que a ele se
recorra. 2. Mostra-se possível a interposição de recurso em sentido estrito contra a decisão
que indefere o pedido de produção antecipada de prova, para que, em cada caso concreto,
se identifique ou não a necessidade dessa providência processual.32
Realmente a taxatividade do recurso em sentido estrito deve ser vista em seu espírito e
não em sua literalidade. Assim, quando o art. 581, I, prevê o recurso para a hipótese de
rejeição da denúncia ou queixa, a toda evidência deve ser contemplada também neste
inciso a decisão que rejeita o aditamento. Da mesma forma, o inc. XVI, que prevê recurso
contra a decisão que suspender o processo em virtude de questão prejudicial, poderá
abarcar outras hipóteses de suspensão do processo, como a do art. 89 da Lei 9.099/1995,
uma vez que em referido caso de suspensão não existia à época da redação do Código de
Processo Penal.33
14.7.1.3. Hipóteses legais
Art. 581. Caberá recurso no sentido estrito da decisão, despacho ou sentença:
I - que não receber a denúncia ou a queixa;
A decisão que rejeita a ação penal é uma sentença que extingue o processo sem
resolução de mérito. Em caso de aditamento à denúncia ou à queixa, uma vez rejeitado
pelo juiz caberá recurso em sentido estrito, com base no art. 581, I, do CPP. Isto se explica
pelo fato de que o aditamento próprio tem natureza jurídica de denúncia ou queixa e
desta forma sua rejeição equivale à rejeição da ação penal. De outro lado, há quem
sustente que o caso é de apelação, pois o rol do art. 581 é taxativo. Insistimos, no entanto,
que a taxatividade é no espírito e não na literalidade.
Ao contrário, da decisão que recebe a denúncia, a queixa ou o aditamento, não cabe
recurso em sentido estrito, podendo ser atacada por habeas corpus. Já na extirpada Lei de
Imprensa (Lei 5.250/1967), art. 44, § 2.º, havia previsão de recurso em sentido estrito
exatamente para a decisão que recebia a denúncia ou queixa, por consequência, também
o aditamento próprio, prevendo a referida lei recurso de apelação para os casos de
rejeição da denúncia e da queixa, por consequência, do aditamento próprio. É de se ver
que, a Lei de Imprensa adotava uma sistemática distinta da acolhida pelo Código de
Processo Penal.
Também a Lei 9.099/1995, em seu art. 82, prevê o cabimento de apelação contra a
decisão que rejeitar a denúncia ou a queixa (onde se incluem também os respectivos
aditamentos próprios).
II - que concluir pela incompetência do juízo;
É o que está regulado no art. 109 do CPP, ou seja, se em qualquer fase do processo o juiz
reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á, remetendo os autos ao juiz
competente. De tal decisão, o recurso em sentido estrito é que tem cabimento.
III - que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
Este dispositivo diz respeito às exceções do art. 95, I a V, do CPP, não cabendo recurso se
o juiz julgar improcedentes as exceções, podendo, contudo, ser impetrado habeas corpus.
Não está compreendida entre as exceções referidas no dispositivo a exceção da verdade,
que é defesa de mérito, ao contrário das exceções do art. 95 do CPP, que são processuais.
IV - que pronunciar o réu;
Com a reforma, não cabe mais recurso em sentido estrito contra a decisão que
impronunciar o réu, que passa a desafiar apelação (art. 416 do CPP). Andou bem o
legislador, já que enquanto a decisão de pronúncia é interlocutória, a impronúncia é
verdadeira sentença sem exame de mérito.
V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir
requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a
prisão em flagrante;
Trata-se de típicas decisões interlocutórias no curso do processo.
VI - que absolver o réu, nos casos do art. 411; (revogado pela Lei 11.689/2008);
A sentença que absolver sumariamente o réu, seja no júri, seja no rito ordinário, pode
ser impugnada por via de apelação, conforme art. 416 do CPP. O inciso foi revogado pela
reforma processual de 2008. A absolvição sumária do júri atualmente está prevista no art.
415 do CPP.
VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
Trata o inciso da possibilidade de recurso em sentido estrito contra decisão que julgar
quebrada a fiança, a qual poderá ocorrer em alguma das hipóteses previstas no art. 341 do
CPP. No caso de quebramento injustificado da fiança haverá o perdimento de metade do
seu valor (art. 343). É irrecorrível a decisão que nega o pedido de quebramento da fiança.
VIII, IX - quedecretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade ou
que indeferir o pedido de reconhecimento de prescrição ou outra causa de extinção;
A prevalecer o projeto de reforma da parte recursal, a decisão que decretar a extinção
ou julgar de qualquer forma extinta a execução, por ser verdadeiramente sentença, será
impugnada por apelação. Já a decisão de indeferimento da extinção da punibilidade, na
reforma, por ser decisão interlocutória, será atacada via agravo. Por ora, ambas são
impugnáveis pelo recurso em sentido estrito.
X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
Caberá recurso em sentido estrito das decisões finais em habeas corpus (negando ou
concedendo a ordem) proferidas por juiz singular. Note-se que o inciso prevê a única
hipótese processual de recurso direto contra a concessão da ordem (excetuando-se os
casos de recurso especial ou extraordinário contra acórdão), o que só poderá ocorrer
contra decisão de juiz singular, pois, das decisões colegiadas, proferidas pelos Tribunais
dos Estados, do Distrito Federal ou Territórios ou pelos Tribunais Regionais Federais, o
recurso será aquele previsto no art. 105, II, a, da CF/1988, cabível exclusivamente para a
impugnação de acórdãos que deneguem a ordem. A impugnação de decisão de juiz
singular que negar a ordem de habeas corpus poderá ser realizada também por meio de
impetração de novo habeas corpus perante o Tribunal.
XI, XII, XVII, XIX, XX, XXI, XXII e XXIII - decisões sobre a pena e a medida de segurança;
As decisões contempladas nestes incisos, em sua maioria são de competência do juízo
de Execução Penal, portanto, desafiam agravo (art. 197 da LEP) e não recurso em sentido
estrito. É fato que tais incisos estão revogados pela Lei de Execução Penal (LEP). Contudo,
a decisão sobre sursis (inc. XI) antes de iniciado o juízo de execução poderá ser impugnada
por recurso em sentido estrito.
XIII - da decisão que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
Com a reforma, a prevalecer o projeto em andamento, a nulidade da prova será objeto
de agravo. Nos demais casos, caberá habeas corpus ou correição parcial, pois a tendência é
o desaparecimento dos casos contemplados no inc. XIII.
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
Este recurso tinha peculiaridades, pois não atacava uma decisão do juiz e sim a
organização da lista dos jurados, que é uma atividade administrativa. Até por tal razão o
recurso era dirigido ao presidente do Tribunal de Apelação (Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal), conforme parágrafo único do art. 582 do CPP. A legitimidade
recursal era ampla, qualquer do povo poderia interpor o recurso. O prazo nesta hipótese
era diferenciado, sendo de 20 dias (art. 586, parágrafo único, do CPP).
Com a reforma de 2008, porém, foi tacitamente revogado pelo § 1.º do art. 426 do CPP.
Há, contudo, entendimento no sentido de que ainda é cabível o recurso em sentido estrito
no caso em exame.34
XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta;
Denegada a apelação ou julgada deserta caberá recurso em sentido estrito, não previsto
para o oposto, ou seja, recebida a apelação, caberá ao recorrido apenas sustentar eventual
falta de requisito que implique a rejeição como preliminar de suas contrarrazões.
Em não sendo recebido o recurso em sentido estrito, caberá à parte a carta
testemunhável do art. 639, I, do CPP.
XVI - que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial;
Como sustentamos anteriormente, esta hipótese deve ser interpretada de forma ampla
para abarcar outras causas de suspensão do processo, como a do parágrafo único do art.
396 do CPP e do art. 89 da Lei 9.099/1995, quando aplicadas fora do âmbito dos Juizados
Especiais Criminais.
As questões prejudiciais referidas no dispositivo supra compreendem tanto as
obrigatórias (art. 92 do CPP) quanto as facultativas (art. 93 do CPP).
XVIII - que decidir o incidente de falsidade;
O incidente de falsidade está previsto nos arts. 145 a 148 do CPP. Note-se que o recurso
em sentido estrito é cabível tanto contra a decisão que declara a falsidade como a que
conclui pela veracidade.
XXIV - que converter a multa em detenção ou prisão simples;
Este inciso foi revogado tacitamente pela Lei 9.268/1996, que deu nova redação ao art.
51 do CP. A pena de multa não paga é inscrita na dívida ativa da Fazenda Pública e não
pode mais ser convertida em prisão, seja a simples, seja a de detenção.
Cumpre destacar que o PL 4.206/2001, além de dar nova redação ao art. 581, que
passará a dispor do agravo no lugar do atual recurso em sentido estrito, reduzirá as 24
hipóteses de cabimento para apenas 12.
14.7.1.4. Competência para julgamento
O recurso em sentido estrito é interposto perante o juízo de primeiro grau, tendo efeito
iterativo ou regressivo. O Juízo da interposição (1.º Grau), além do juízo de
admissibilidade do recurso, fará o chamado juízo de retratação, mantendo ou modificando
a decisão impugnada. Mantida a decisão, o recurso seguirá para a superior instância
(Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), que é o competente para o julgamento
(art. 582 do CPP).
A remessa para o Tribunal poderá ser nos próprios autos (art. 583 do CPP) ou por
instrumento (parágrafo único do art. 583).
14.7.1.5. Efeitos
O art. 584 do CPP cuida dos efeitos do recurso em sentido estrito. Hipóteses há em que
este terá efeito devolutivo e suspensivo, como nos casos de perda da fiança, em outros terá
efeito apenas devolutivo.
14.7.1.6. Procedimento e processamento
O prazo do recurso em sentido estrito é de cinco dias. A exceção do inc. XIV do art. 581,
que tratava de inclusão e exclusão de jurados, quando então seria de 20 dias, não mais
subsiste por ter sido tacitamente revogado pelo § 1.º do art. 426 do CPP, a despeito de
opinião em contrário ressalvada anteriormente.
O recurso em sentido estrito é interposto perante o Juízo de 1.º Grau, dirigido, contudo,
ao Tribunal (de Justiça ou Regional Federal). O prazo é de cinco dias, em regra, e dois dias
após a interposição serão oferecidas as razões (art. 588 do CPP). E em igual prazo será
aberta vista ao recorrido para as contrarrazões. Após, o juiz em dois dias reformará ou
sustentará sua decisão (art. 589 do CPP). Caso o juiz a reforme, a parte que se sentir
prejudicada poderá por simples petição recorrer, no prazo de cinco dias, diante do silêncio
da lei (art. 586 do CPP), quando então subirá o recurso independentemente de novos
arrazoados. Mantida a decisão, da mesma forma, o recurso subirá ao Tribunal.
No Tribunal o recurso em sentido estrito irá imediatamente ao Procurador de Justiça
(ou Procurador Regional da República na Justiça Federal) pelo prazo de cinco dias. Após,
pelo mesmo prazo, ao relator, que poderá pedir dia para julgamento.
Na sessão, o relator fará uma exposição do feito e em seguida, o Presidente concederá o
prazo de 10 minutos para a sustentação oral das partes que requererem, onde se inclui o
membro do Ministério Público com atuação no 2.º Grau.
14.7.2. Apelação
14.7.2.1. Conceito
A palavra apelação vem do latim appellatio (dirigir a palavra). É um recurso ordinário
por excelência, na medida em que o indivíduo quer proteger imediatamente um direito
subjetivo, sendo marcante sua ampla devolução cognitiva ao órgão ad quem.
Em razão de seu extenso âmbito cognitivo, o juízo de segundo grau pode apreciar
questões de fato e de direito, ainda que decididas anteriormente, pois no processo penal
vigora a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Pode também o tribunal
ad quem julgar questões ainda não analisadas pelo juiz, desde que estejam abrangidas na
impugnação.
Pode-se conceituar a apelação como o recurso interposto da sentença definitiva ou das
decisões com força de definitivas para a 2.ª Instância, com o fim de que se proceda a um
novo exame, apreciando toda a matéria decidida e, assim, modificar total ou parcialmente
a decisão, ou ainda anulá-las para que outra seja proferida.
14.7.2.2. Espécies
A apelação,quanto à extensão, pode ser classificada em total (plena) ou parcial
(limitada). Diz-se plena quando impugna a integralidade de decisão e parcial quando ataca
apenas aspectos, partes, da decisão.
Há controvérsia sobre o momento da delimitação da apelação. Predomina amplamente
na doutrina o entendimento de que esta se dá na interposição, ou seja, não poderá a parte
traçar os contornos da apelação nas razões se não o fizer na interposição, pois ocorrerá a
preclusão. Entretanto, há posição diversa admitindo a limitação da apelação no momento
da apresentação das razões, ao argumento de que o recorrente teria mais tempo para
analisar qual parte da decisão que gostaria de impugnar.
Quanto à natureza da infração a apelação pode ser ordinária, art. 613 do CPP (para os
delitos punidos com reclusão), e sumária, art. 610 do CPP (para os delitos punidos com
detenção, já que as contravenções são de competência do Juizado Especial Criminal).
Por fim, pode ainda ser classificada, quanto à interposição, em principal - quando
interposta pelo Ministério Público ou pela Defesa, ou subsidiária - quando interposta pelo
ofendido, habilitado ou não como assistente de acusação na forma do art. 598 do CPP.
14.7.2.3. Condições recursais
a) Possibilidade jurídica - cabimento
a.1) Apelação contra decisões do juiz singular (art. 593, I e II, do CPP)
Cabe apelação contra as decisões dos juízes singulares nos casos do art. 593, I e II, do
CPP. Assim, são apeláveis as sentenças absolutórias e condenatórias, isto é, as que julgam
procedente ou improcedente a acusação.
Duas notas são necessárias. Primeiramente em relação a nossa posição no sentido de
que não cabe apelação da sentença absolutória com o escopo de reformá-la para condenar
o réu, por força do princípio do duplo grau de jurisdição, razão pela qual remetemos o
leitor ao estudo deste princípio. A segunda diz respeito ao fato de que a sentença de
absolvição sumária só passou a ser apelável com a reforma de 2008, pois antes era
impugnada por recurso em sentido estrito.
Cabe ainda apelação das sentenças definitivas que não condenam nem absolvem e das
sentenças com força de definitivas (art. 593, II, do CPP). Trata-se, em regra, de sentenças
que encerram procedimentos incidentais, como restituição de coisas apreendidas,
levantamento de sequestro, põem fim em procedimentos prévios como pedido de
explicação etc.
Nos casos do inc. II, a apelação será sempre supletiva, só será cabível para as decisões
definitivas ou com força de definitivas não contempladas pelo art. 581 do CPP.
Cumpre destacar que a apelação também está prevista na legislação especial, por vezes
com tratamento distinto do Código de Processo Penal. É o que ocorre nos Juizados
Especiais Criminais (art. 82, primeira parte, da Lei 9.099/1995), além de contemplar outras
hipóteses de apelação (art. 76, § 5.º c/c arts. 76, § 4.º e 82, todos da Lei 9.099/1995).
a.2) Sentenças no procedimento do júri (art. 416 e art. 593, III, do CPP):
Sentença de impronúncia e absolvição sumária do réu - Art. 416 do CPP
Antes do advento da Lei 11.689/2008, as decisões de impronúncia e absolvição sumária
eram impugnáveis por via de recurso em sentido estrito (antigo art. 581, IV, do CPP).
Atualmente, contra tais decisões cabe apelação, em vista do art. 416 do CPP. A alteração
mostra-se coerente com o sistema recursal já que a decisão de pronúncia é
verdadeiramente interlocutória, tendo sido mantida sua impugnação por recurso em
sentido estrito. Já as decisões de impronúncia e absolvição sumária são, respectivamente,
sentença sem exame de mérito e sentença com exame de mérito. Em ambos os atos o juiz
esgota sua atividade jurisdicional no processo e agora, coerentemente, são impugnadas
por apelação.
Nulidade posterior à pronúncia (art. 593, III, a)
A primeira hipótese de apelação no Tribunal do Júri refere-se à nulidade posterior à
decisão de pronúncia. O legislador parte do pressuposto de que as nulidades anteriores à
referida decisão deveriam ter sido objeto de recurso contra a pronúncia. Contudo,
doutrinariamente35 sustenta-se que esta limitação se dá tão somente com relação às
nulidades sanáveis ou sujeitas à preclusão, esposando a ideia de que as nulidades
insanáveis, mesmo anteriores à pronúncia, podem ser objeto de apelação da sentença do
júri, pois não são atingidas pela preclusão.
Na prática, é muito comum o manejo da apelação por nulidade posterior à pronúncia
em função de deficiência dos quesitos ou das respostas. Mas outras situações podem
surgir, como a leitura em plenário de documentos não juntados no prazo do art. 479 do
CPP, ou ainda a referência nos debates a argumento de autoridade, vedado pelo art. 478 do
CPP.
Decisão do juiz presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados (art. 593, III,
b)
Cabe apelação contra a decisão do juiz presidente por duas razões. Primeiro, quando
sua sentença contraria texto expresso de lei; por exemplo, o juiz fixa regime fechado
quando a lei determina regime semiaberto. A segunda hipótese é quando a sentença
contraria a decisão dos jurados, quando estes, respondendo aos quesitos, decidem por um
homicídio qualificado e o juiz aplica pena do homicídio simples.
Como neste caso a decisão é do juiz presidente, o Tribunal poderá reformar a sentença
(art. 593, § 1.º, do CPP) sem que isso importe em prejuízo à soberania dos veredictos,
muito ao contrário.
Erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (art. 593, III,
c)
A apelação tem cabimento quando na aplicação da pena o juiz incorre em equívoco,
seja este em qualquer fase. Por exemplo, o juiz fixa a pena-base acima do máximo legal,
ou, no caso de tentativa, diminui a pena em 1/6 (um sexto) etc.
A injustiça na aplicação da pena decorre da incorreta individualização desta diante dos
elementos constantes nos autos. É muito comum aumentar-se a pena com base em maus
antecedentes quando o indivíduo ostenta anotações de inquérito em andamento, ou ação
penal em curso, sendo certo que nada disso pode ser considerado como mau antecedente,
pois a presunção de inocência exige para tanto o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Não raro também se eleva a pena-base com fulcro em frases de efeito como "o acusado
possui personalidade distorcida ou voltada para o crime" sem que haja qualquer exame
psicológico ou psiquiátrico para dar sustentação a essas afirmações. Com efeito, os
aspectos favoráveis ou desfavoráveis aos réus devem estar concretamente comprovados
no processo, sob pena de gerar injusta aplicação da pena ou medida de segurança atacável
por apelação.
Em tais hipóteses o Tribunal poderá corrigir o erro ou a injustiça, sem que isto acarrete
quebra da soberania dos veredictos, já que a aplicação da pena ou medida de segurança é
decisão do juiz presidente e não dos jurados (art. 593, § 2.º, do CPP). O mesmo não ocorre
quando o Tribunal entende, por exemplo, pela diminuição da pena em razão da
necessidade de se afastar uma qualificadora. Como esta é elemento do tipo derivado e não
simples circunstância da pena, só os jurados podem decidir sobre ela. A decisão do
Tribunal em tal caso fica limitada a cassar a sentença determinando novo julgamento se a
decisão dos jurados que reconheceu a qualificadora for manifestamente contrária à prova
dos autos.
Decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d)
Em razão do princípio da soberania dos veredictos, o Tribunal não pode reformar a
decisão dos jurados, podendo apenas anulá-la e submeter o réu a novo julgamento quando
a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando a
decisão não encontrar qualquer apoio na prova produzida em plenário. Ainda quando a
prova não for robusta mas de alguma forma sustente a versão acolhida pelos jurados, não
poderá o Tribunal dar provimento ao recurso anulando a decisão sob pena de vulnerar a
soberania dos jurados.
O poder de cassação do Tribunal só pode atuar quando houver manifesto divórcio
entre a decisão e a prova, relativamentea autoria, materialidade, ilicitude, culpabilidade,
qualificadoras, privilégios e causas especiais de aumento ou diminuição. Quando a
desconformidade disser respeito apenas a circunstâncias do delito, como agravantes e
atenuantes genéricas, que influenciam na dosagem da pena, a regra cabível é a do art. 593,
III, c, do CPP, podendo o Tribunal retificar a pena (art. 593, § 2.º, do CPP).
Outra limitação recursal importante consiste na irrecorribilidade da decisão dos
jurados que absolve o acusado através da resposta positiva ao quesito genérico obrigatório
do art. 483, III c/c § 2.º, do CPP que prescreve que o juiz deverá indagar aos jurados se "o
acusado deverá ser absolvido".
Sobre o tema remetemos o leitor ao item 8.2.1.2.1, alínea "m", epigrafe "quesito
genérico e recurso", onde desenvolvemos a ideia de que nesta hipótese de absolvição não
é possível recorrer com fundamento em decisão manifestamente contrária a prova dos
autos.
Vale repetir aqui, contudo, as coerentes conclusões de Eliete Jardim, sobre o tema:
De todo o raciocínio desenvolvido até aqui, conclui-se que a reforma processual penal
efetivada em 2008 inaugurou a possibilidade de um novo modelo de decisão do Tribunal
Popular, a absolvição plenamente livre, fundada em quaisquer razões, fáticas ou não,
jurídicas ou extrajurídicas, reafirmando o sistema da íntima convicção, a essência e a
razão de existir do Tribunal do Júri.
Deste novo modelo de decisão absolutória, justamente por repudiar amarras, não se
pode reclamar consonância com provas, na medida em que não se pode exigir que seja
relacionada a fatos.
Se não há vinculação a fatos e provas, referida decisão jamais se enquadrará na
hipótese prevista na alínea "d" do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal, a
qual somente se amolda a decisões provenientes de respostas a quesitos que dizem
respeito a fatos (materialidade, autoria ou participação, qualificadoras, causas de aumento
e de diminuição, dentre outros). Assim, a decisão absolutória resultante da afirmação do
quesito genérico obrigatório, proferida em absoluta consonância com o caráter subjetivo e
leigo esperado das decisões de um Tribunal Popular, não desafia qualquer recurso, sendo
a sua irrecorribilidade a consolidação da garantia constitucional da soberania dos
veredictos e a reafirmação do Tribunal do Júri como Instituição, agora mais próxima de
suas próprias essência e origem, e, cada vez mais, inserida no contexto democrático de
garantia de direitos fundamentais.36
b) Legitimidade para apelar
Ministério Público
Uma vez que a legitimidade recursal já foi objeto de nosso estudo anteriormente, aqui
basta lembrar que o Ministério Público tem legitimidade para recorrer, devendo-se fazer
duas ressalvas.
A primeira delas é relativa à ação penal privada. Em caso de sentença penal
absolutória é pacífico que, carecendo o Ministério Público de legitimidade para propor
ação, não tem legitimidade para apelar em caso de absolvição. Ao contrário, no caso de
sentença penal condenatória, poderá o Ministério Público apelar como custos legis.
Outra ressalva é em relação à tese que abordamos no estudo do princípio do duplo
grau de jurisdição. Segundo a qual, a única forma de garantir a efetividade do princípio do
duplo grau de jurisdição é através da vedação do recurso do Ministério Público contra
sentença absolutória, em qualquer caso, salvo com o objetivo de ver reconhecida uma
nulidade.
Acusado e seu defensor
O acusado e seu defensor, repita-se, possuem ampla e autônoma legitimidade para
apelar. O acusado, além de legitimidade, ostenta capacidade postulatória específica para
apelar e o defensor, além de capacidade postulatória, possui legitimidade extraordinária
para apelar em favor do acusado.
Ofendido
O ofendido tem legitimidade para apelar, estando ou não habilitado como assistente de
acusação, podendo inclusive apelar supletivamente na forma do art. 598 do CPP, ou seja,
caso não haja recurso do MP no prazo legal, o ofendido poderá, em 15 dias (parágrafo
único do art. 598 do CPP), apelar. Discute-se se o ofendido habilitado como assistente
também teria o prazo largo de 15 dias ou se este era exclusivo do ofendido não habilitado
que recorre como uma espécie de terceiro interessado.
Alguns entendem, como o STF,37 que o recurso do ofendido habilitado como assistente
tem o prazo de cinco dias (art. 593 do CPP), não se aplicando o prazo de 15 dias do
parágrafo único do art. 598 do CPP, que incide apenas para o ofendido. Para outros, como
o STJ,38 a lei não distingue entre ofendido habilitado ou não, sendo assim o prazo é igual
para ambas as hipóteses, ou seja, 15 dias (parágrafo único do art. 598, CPP). Somos que o
prazo diferenciado só se justifica e se harmoniza com o princípio da igualdade quando há
uma situação diferente que impõe tratamento desigual, o que só ocorre no caso do
ofendido não habilitado, já que por não integrar a relação processual tem prazo mais
largo, não se justificando tal tratamento quando o ofendido integra a relação processual.
Interesse em apelar
O interesse, como já dissemos, consiste na utilidade-necessidade e adequação. Quanto ao
interesse em apelar vale apenas relembrar que o Ministério Público tem interesse em
apelar tanto da sentença absolutória quanto da condenatória, pois não se pode confundir
sucumbência com interesse recursal e o Parquet atua como fiscal da Lei.
Da mesma forma o acusado e seu defensor têm interesse em apelar da sentença
absolutória com o intuito de mudar o fundamento da absolvição, o que traz consequências
na esfera cível, para além de relevantes aspectos morais. O mesmo ocorre em relação à
sentença que extingue a punibilidade, da qual pode o acusado apelar para ver-se
absolvido.
Já o ofendido, para parte da doutrina, só tem interesse em apelar da sentença
absolutória, pois seu interesse jurídico consiste na obtenção do título executivo judicial
para a execução na esfera cível, o que já se obtém com qualquer sentença condenatória,
independente da quantidade de pena fixada, não podendo o processo penal ser sucedâneo
de vingança há muito abolida do ordenamento. Não obstante, como já destacamos,
quando do estudo do interesse recursal, outros entendem que o assistente tem interesse
em apelar com o fim exclusivo do aumento da pena.
14.7.2.4. Apelação e prisão cautelar
Em boa hora a Lei 11.719/2008 deu nova redação ao art. 387 do CPP, ao que se agregou
o parágrafo único que dispõe: "O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção
ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta", posteriormente
transformado em § 1.º, pela Lei 12.736/2012.
Ademais, o art. 3.º da referida lei revogou expressamente o art. 594 do CPP, que
associava o direito de recorrer ao recolhimento à prisão.
Com o novo regime, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, decidirá
fundamentadamente sobre a manutenção ou decreto da prisão preventiva ou outra
medida cautelar, o que já era, há muito, reclamado pela melhor doutrina. Por fim, cabe
repetir que o art. 595 do CPP, mesmo antes de sua revogação pela Lei 12.403/2011, era tido
como não foi recepcionado pela Constituição, não se podendo mais considerar a fuga do
réu como razão de deserção do recurso.
14.7.2.5. Procedimento da apelação
A apelação será interposta no prazo de cinco dias por petição ou termo. A interposição
será direcionada ao juiz a quo que fará o juízo de admissibilidade também conhecido por
prelibação.
Sendo negativo o juízo de admissibilidade, ou seja, inadmitida a apelação, será cabível
recurso em sentido estrito com base no art. 581, XV, do CPP.
Admitida a apelação, serão abertos prazos sucessivos de oito dias para a apresentação
das razões e contrarrazões. De acordo com o art. 600, caput, do CPP, primeiro se
manifestará o apelante e depois o apelado, nesta ordem, sob pena de afronta aos
princípios do contraditório e da ampla defesa, o que ensejaria nulidade absoluta.
Findos os prazos para o oferecimentodas razões os autos deverão ser remetidos ao
órgão ad quem, de acordo com art. 601, caput, do CPP.
O caput do art. 601 diz que os autos subirão com as razões ou sem elas, entretanto
doutrina e jurisprudência têm se posicionado no sentido de que, não apresentando o
advogado do réu as razões, deve o juiz intimar o acusado a constituir outro defensor para
formulá-las e, no silêncio deste, deverá nomear Defensor Público (ou advogado dativo,
onde não houver) para fazê-lo, sob pena de vulneração da ampla defesa e do
contraditório.39 Certamente, o art. 601 do CPP não foi recepcionado pela Constituição.
Poderá também o apelante optar pelo rito do art. 600, § 4.º, do CPP, qual seja, oferecer
as razões perante o órgão ad quem. Neste caso deverá manifestar a sua opção quando da
interposição do recurso, sob pena de preclusão. Adotando este rito, o juiz a quo faz o juízo
de admissibilidade e, se positivo, encaminha diretamente os autos ao órgão ad quem, sem
necessidade de abertura de prazo para as razões.
14.7.2.6. Efeitos
A apelação possui efeito devolutivo, ou seja, devolve para o Tribunal o conhecimento
da matéria impugnada, bem como aquelas que podem ser conhecidas de ofício. A
amplitude da devolução dependerá da matéria impugnada, ou seja, se a apelação foi total
ou parcial, agregando-se aí a matéria que se pode conhecer ex officio. No júri o STF
inclusive emitiu súmula dispondo que o efeito devolutivo do apelo está adstrito aos
fundamentos do recurso (Súmula 713 do STF).
Suspensivo
O efeito suspensivo inibe os efeitos da sentença até julgamento do órgão superior.
Segundo o art. 596 do CPP, não há efeito suspensivo em apelação de sentença absolutória.
Já o art. 597 dispõe que a apelação contra sentença condenatória possui efeito suspensivo,
e as ressalvas da segunda parte do art. 597 não vigoram mais diante da reforma da parte
geral do Código Penal (aplicação provisória de interdição de direitos e medida de
segurança) e da Lei de Execução Penal (suspensão condicional da pena), bem como, no
que tange ao art. 393 do CPP, em razão do art. 5.º, LVII, da CF/1988, que não permite que
ninguém seja considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Extensivo
O efeito extensivo está previsto no art. 580 do CPP que dispõe: "No caso de concurso de
agentes [Código Penal, art. 29 - reforma penal de 1984], a decisão do recurso interposto
por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente
pessoal, aproveitará aos outros". Desta forma, se dois réus foram condenados por furto
com a causa de aumento por ter sido realizado à noite, se apenas um deles recorrer e
houver reforma da sentença diminuindo a pena em razão do não reconhecimento da
circunstância de o furto ter sido durante o repouso noturno, ambos serão beneficiados
pela redução.
14.7.3. Embargos declaratórios e pedido de declaração de sentença
A primeira questão que surge em relação aos embargos é de menor importância e diz
respeito à nomenclatura e ao fundamento legal. Isto porque essencialmente os embargos
declaratórios estão previstos em dois dispositivos do Código de Processo Penal:
primeiramente, no art. 382, onde recebe o nome de pedido de declaração de sentença e tem
por objeto afastar obscuridade, contradição ou omissão da sentença de primeiro grau; em
seguida, encontra-se previsto no art. 619 com os mesmos objetivos, todavia, relacionado
aos acórdãos proferidos pelos Tribunais, recebendo expressamente a designação de
embargos declaratórios.
É de ver que se trata do mesmo recurso com nome e previsão legal distintos.
Os embargos de declaração têm sua natureza recursal questionada, já que, em
princípio, não modificam a decisão, apenas buscam o seu esclarecimento ou integração, e
são manejados e julgados perante a mesma autoridade que proferiu o ato impugnado. Não
obstante, majoritariamente é reconhecida sua natureza recursal.
Embora o art. 382 e o art. 619 do CPP os prevejam, respectivamente, contra sentenças e
acórdãos, a doutrina já pacificou que cabem embargos declaratórios contra qualquer
decisão de qualquer instância, sejam elas sentenças ou decisões interlocutórias, uma vez
que é inadmissível uma decisão jurisdicional imperfeita por omissão, obscuridade ou
contradição, devendo-se assim admitir-se a via para saná-las.
O cabimento dos embargos declaratórios ocorre diante de falta de clareza da decisão
(ambiguidade ou obscuridade), contradição ou omissão. Tais vícios podem ocorrer tanto
na fundamentação da decisão quanto no dispositivo.
A ambiguidade ou obscuridade ocorre em razão de emprego de termos polissêmicos ou
com sentido vago e indeterminado, quando o contexto não permite precisá-los.
A contradição decorre de proposições, assertivas ou afirmações inconciliáveis ou
incompatíveis entre si. Já a omissão ocorre quando o julgador deixa de apreciar questão
ou aspecto relevante da causa, suscitados pelas partes ou conhecíveis de ofício, ou ainda
ponto acessório sobre o qual deveria se manifestar.
O STF sumulou o tema da omissão através do verbete 356, prescrevendo que o ponto
omisso do qual não se opôs embargos declaratórios não pode ser objeto de recurso
extraordinário por falta de prequestionamento. De fato, é muito comum a interposição de
embargos declaratórios com o único escopo de prequestionar.
14.7.3.1. Procedimento dos embargos declaratórios
O Código de Processo Penal estabelece o prazo de dois dias para a interposição dos
embargos. Não obstante, os Regimentos Internos dos Tribunais Superiores (STF e STJ)
fixam o prazo de cinco dias, a exemplo do que ocorre no Código de Processo Civil.
O mesmo se dá com a Lei dos Juizados Especiais Criminais, que apesar de trazer um
rito sumaríssimo, fixou prazo de cinco dias para os embargos declaratórios em qualquer
instância. Assim, temos certa incongruência legislativa, pois o prazo no procedimento
comum ordinário é mais abreviado do que no procedimento sumaríssimo.
O recurso deve ser interposto por petição dirigida ao juiz ou relator, dependendo do
caso, indicando o ponto obscuro, contraditório ou omisso (art. 620, caput), sem o que
haverá indeferimento liminar (rejeição).
Nos tribunais, no caso de indeferimento liminar pelo relator é possível a interposição
de agravo regimental, conforme se prevê na maioria dos regimentos dos tribunais.
Em sendo recebidos, os embargos serão apresentados em mesa para julgamento na
primeira sessão, independentemente de revisão ou outras formalidades (art. 620, § 1.º, do
CPP). Como não visam à modificação do julgado, não há previsão de contrarrazões. Porém,
notadamente em razão de suprimento de omissão, é possível que surja o efeito
modificativo ou infringente e, vislumbrando o julgador tal possibilidade, mister, para a
garantia do contraditório, que seja dada vista à parte contrária para contra-arrazoar.40
Admitidos os embargos, o prazo para interposição de outros recursos sofrerá impactos
relevantes, que até a entrada em vigor do CPC/2015, podem advir da suspensão ou da
interrupção, sendo certo que a questão, até então é controvertida, o que só se findará com
a vigência do CPC/2015.
A polêmica decorre de ser o Código de Processo Civil expresso em relação ao efeito do
recebimento dos embargos sobre os demais prazos, enquanto o Código de Processo Penal
era omisso e no processo penal a questão se resolvia pela aplicação analógica do Código de
Processo Civil. Antes da Lei 8.950/1994 os embargos declaratórios suspendiam o prazo dos
demais recursos no processo civil e, por analogia, no processo penal também. Com a nova
redação do art. 538 do CPC/1973, tanto no processo civil, quanto no processo penal,
passou-se a interromper o prazo para a interposição dos outros recursos.
Ocorre que, em 1995, com o advento da Lei 9.099/1995, nos Juizados Especiais
Criminais houve disposição expressa no art. 83, § 2.º, no sentido da suspensão do prazo
para outro recurso. Assim, iniciou-se a dúvida sobre qual norma se aplicaria
analogicamente aos embargos do Código de Processo Penal, fora do âmbito dos Juizados

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