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1Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Junho 2019 Coletânea IBRADIM Lei 13.786/18 DISTRATOS LEI DOS Coordenação: Olivar Vitale 2 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Coletânea IBRADIM - Lei 13.786/18 - Lei dos Distratos Junho de 2019 Publicação exclusiva do IBRADIM Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Proibida a reprodução parcial ou total sem autorização prévia, ou citação expressa da fonte. As opiniões emitidas nos artigos são de responsabilidade de seus autores. Coordenação: Olivar Vitale MECACOM Comunicação Estratégica Capa e diagramação: Valter Freitas 3Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS SUMÁRIO 9 A INSTRUMENTALIDADE DA CESSÃO DE DIREITOS NO FOMENTO À “DESJUDICIALIZAÇÃO” E NA PREVENÇÃO DE LITÍGIOS (ARTIGO 67-A, § 9º, DA LEI 13.786/2018) Alan Gaspar 25 LEI DO DISTRATO E AÇÕES JUDICIAIS EM CURSO PARA RESOLUÇÃO CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS Alex Vasconcellos Prisco 28 A (IR)RETRATABILIDADE DO COMPROMISSO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NA LEI 13.786/2018 Alexandre Junqueira Gomide 34 LEI 13.786/2018: PODE O JUIZ REDUZIR A CLÁUSULA PENAL? André Abelha 39 O (DES)EQUILÍBRIO NO ATUAL CENÁRIO DE DESFAZIMENTO DO CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. LEI DOS DISTRATOS. PROTEÇÃO ÀS CONSTRUTORAS OU AOS CONSUMIDORES? Anna Gabriella Oliveira dos Santos 47 O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO, DESSA VEZ, EM PREJUÍZO DO CONSUMIDOR Beatriz Vila Nova Sodré da Mota 54 A RECENTE LEI DO DISTRATO (LEI 13.786/2018): O NOVO CENÁRIO JURÍDICO DOS CONTRATOS DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS EM REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA E EM LOTEAMENTO Carlos E. Elias de Oliveira Bruno Mattos e Silva 98 BREVE REFLEXÃO SOBRE O DISTRATO CONTRATUAL IMOBILIÁRIO – O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PODE SER APLICÁVEL EM HARMONIA COM A NOVA LEI 13.786/2018? Carolina Marangoni dos Santos 106 A APLICAÇÃO DA LEI 13.786/2018 AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA Daniel Cardoso Gomes 4 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS SUMÁRIO 111 CLÁUSULA PENAL E SUB-ROGAÇÃO À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Daniel Valença de Queiroz 118 LEI DOS DISTRATOS: APLICABILIDADE AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA SUA VIGÊNCIA Denise Brito Barbosa 123 INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA: ALCANCE DO DISTRATO NOS TERMOS DO § 13º DO ARTIGO 67-A DA LEI 4.591/1964 Fábio Machado Baldissera Bernardo Borchardt Rodrigo Ustárroz Cantali 130 MORA E EXTINÇÃO DE CONTRATOS: LIMITES INTERTEMPORAIS DA LEI 13.786/2018 Fábio de Oliveira Azevedo 135 A TUTELA DE EVIDÊNCIA APLICADA AOS DISTRATOS THE PROTECTION OF EVIDENCE APPLIED TO DISTRACTS 2018 Fábio Neffa Alcure 143 RESTITUIÇÃO DE VALORES AO ADQUIRENTE NO DISTRATO JUDICIAL NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA: APLICAÇÃO DA LEI DE DISTRATOS À FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Fernanda Andrade Carvalho1 150 A NOVA LEI DO DISTRATO IMOBILIÁRIO Jefferson Sbardella Marjorie Tolotti S. de Mello 154 LEI 13.786/2018: ANÁLISE DO PROBLEMA PRÁTICO DA APLICABILIDADE NO TEMPO, DENSIDADE NORMATIVA E IMPERATIVIDADE JÚLIA HERRERA FIRETTI Júlia Herrera Firetti Mário Henrique da Luz do Prado 161 A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.768/2018 E A AGILIDADE DA RESOLUÇÃO CONTRATUAL DOS CONTRATOS REGULADOS PELA LEI DE INCORPORAÇÃO Juliana Galindo 166 COMENTÁRIOS AO ARTIGO 67-A, I, DA NOVA LEI DO DISTRATO Juliana Pesqueira Gonzalez 169 DA RETROATIVIDADE DA LEI 13.786/2018: APLICAÇÃO DA LEI DO DISTRATO AOS COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA ANTERIORMENTE FIRMADOS Julio César Gallo Bautista Urena 177 LEI DOS DISTRATOS: À ESPERA DA MATURIDADE INTERPRETATIVA Laurine D. Martins Lopes Giulia Lacorte Heloisa Freire 5Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS 181 COMENTÁRIOS AO ART. 67-A, PARÁGRAFOS 5º E 6º DA LEI 13.786/2018 Luciana Pedroso Xavier Adroaldo Agner Rosa Neto 186 QUADRO-RESUMO E DIREITO À INFORMAÇÃO: HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA, INVALIDADE OU INEFICÁCIA? REFLEXÃO SOBRE O CONTEÚDO DO § 1º DO ARTIGO 35-A DA LEI DE INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS (INSERIDO PELA LEI 13.786/2018) Luiz Augusto Haddad Figueiredo 194 BREVES COMENTÁRIOS AO ARTIGO 43-A DA LEI 13.786/2018 Maicon Ramos Tavares 201 PREJUÍZOS DO DISTRATO ANTES E DEPOIS DA LEI 13.786/2018 Maíra Costa Macedo 207 COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA: A TARIFAÇÃO EXPRESSA DA CLÁUSULA PENAL PELA LEI 13.786, A “LEI DOS DISTRATOS” Marcelo Terra Ana Paula Ribeiro 214 POR QUE NÃO DÁ PARA SER TOLERANTE COM A “CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA”? Marcos Ehrhardt Junior 220 A NOVA LEI DE DISTRATOS: UM IMPORTANTE MARCO PARA O MERCADO IMOBILIÁRIO Maria Eduarda Bérgamo 223 LEI DOS DISTRATOS Mauro Faustino 229 A LEI DO DISTRATO (LEI 13.786/2018) E SEUS REFLEXOS Mônica Zandonadi Mardegan e outros 234 “LEI DO DISTRATO” E A APLICAÇÃO AOS CONTRATOS ANTERIORMENTE FIRMADOS Olivar Vitale 243 EXTINÇÃO DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA POR INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR NO ATUAL CENÁRIO DE CRISE E A LEI 13.786 DE 27 DE DEZEMBRO DE 2018. MAIOR SEGURANÇA JURÍDICA? Patrícia Sales 250 AS REPERCUSSÕES DA LEI 13.786/2018 SOBRE A RETENÇÃO E O PRAZO PARA A DEVOLUÇÃO DOS VALORES NO ÂMBITO DOS LOTEAMENTOS Pedro de Alcântara Silva Estima 256 A EXTINÇÃO CONTRATUAL NA LEI 13.786/2018 E A SÚMULA 1 DO TJSP Pedro Ricardo e Serpa 6 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS 262 A LEI DOS DISTRATOS E SUA APLICAÇÃO NO TEMPO Regina Céli Silveira Martins 267 PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI 13.786/2018 Reinaldo Oliveira Sivelli 270 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO DA LEI 13.786/2018 Renata de Souza Maeda Soares 277 ANÁLISE CRÍTICA DA LEI 13.786/18 (“LEI DOS DISTRATOS”) Rodrigo Tambuque 294 DIREITO DE ARREPENDIMENTO DO ADQUIRENTE NO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO Rodrigo Toscano de Brito 300 DISCUSSÕES PRÉVIAS SOBRE A LEI DE DISTRATO IMOBILIÁRIO - LEI 13.786 DE 2018 E O MOMENTO DE SUA APLICABILIDADEO Sarah Jones 307 AS REPERCUSSÕES DA LEI 13.786/2018 SOBRE A DEVOLUÇÃO DE VALORES NO DESFAZIMENTO DO COMPROMISSO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO SOB O REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Thiago Jacobovitz Menezes 311 LEI 13.786/2018 – DISTRATO: PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESCONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL E SEUS CONSECTÁRIOS JURÍDICOS Victor Vasconcelos Miranda SUMÁRIO 7Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Não há tema mais importante ao mercado imobiliário, hoje, do que o “distrato”. Palestras, cursos e seminários ao longo dos últimos anos vêm tratando desse assunto. Eventos econômicos da construção civil sempre pairam no mes- mo tema. A falta de segurança jurídica, especialmente no que toca à fragilidade dos contratos de promessa de compra e venda na incorporação imobiliária e no loteamento. A produção de imóveis no Brasil é tão focada na expansão urbana de antigas áreas rurais por meio de loteamento e na construção de condomínios edilícios com vendas antecipadas por meio de incorporação que tais modalidades de desenvolvimento imobiliário cobrem quase que a totalidade dos índices consi- derados para o setor. Em momento de bonança, as relações jurídicas entre fornecedor adquirente costumam fluir perfefeitamente, com satisfação e resultado para ambas as par- tes. Entretanto, na crise, a manutenção da avença e das obrigações assumidas fica ameaçada. De um lado o produtor, responsável pela execução da obra, por vezes a atrasa ou não a realiza a contento. Do outro o comprador, devedor do preço pela aquisição, pode ter dificulda- de financeira por desemprego ou outras dívidas assumidas. Para situações como essas, fundamental que a legislação, ou ao menos o Poder Judiciário, tenha previsão firme ou posicionamento consolidado para a solução do deslinde apresentado. PREFÁCIO 8 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Situações básicas de penalidade ao construtor que atrase o prazo de obra, ao compradorque adie o pagamento do preço a ponto de romper a contratação, indenização pelo uso do bem sem a quitação do preço que culmine com a quebra contratual, dentre outros, é o que se espera do ordenamento jurídico. Se não se pode afirmar categoricamente o que é o mais justo e certo, até porque depende bastante do ponto de vista, sem dúvida o que se pode exigir é que a regra seja clara, precisa, de modo a que os envolvidos possam, antes mes- mo de contratar, saber quais as consequências do inadimplemento. Por anos se espera isso do Legislativo, vez que o Judiciário ao longo de todo o país vem emanando decisões muito distintas e as vezes conflitantes com os preceitos legais dos institutos da incorporação e do loteamento. Após inúmeros projetos de lei, muitas emendas e audiências públicas, en- fim foi promulgada a Lei 13.786/18 que trata direta e objetivamente da matéria, qual seja, os compromissos de venda e compra em incorporação imobiliária e loteamento. Criação da exigência de quadro resumo, possibilidade de desistência imo- tivada pelo comprador nos primeiros sete dias de contratação na incorporação, regramento sobre o prazo de tolerância, penalidade pelo atraso de obra, indeni- zação por esse mesmo atraso se mantida a avença, taxação da cláusula penal pelo inadimplemento do preço de aquisição e forma de devolução dos valores remanescentes ao comprador, são alguns dos temas previstos no novel jurídico em comento. Essa obra realizada pelo IBRADIM reúne quarenta e dois artigos, dos mais variados, sobre a Lei 13.786/18. Tratam-se das primeiras impressões de profissionais de todo o país sobre o tema. Mais uma vez, o IBRADIM, agora por meio dessa coletânea, contribui para o fomento do direito imobiliário em todo o nosso território, trazendo luz a assunto crucial ao desenvolvimento do mercado nacional. Olivar Vitale Presidente do IBRADIM PREFÁCIO 9Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS A INSTRUMENTALIDADE DA CESSÃO DE DIREITOS NO FOMENTO À “DESJUDICIALIZAÇÃO” E NA PREVENÇÃO DE LITÍGIOS (ARTIGO 67-A, § 9º, DA LEI 13.786/2018) Alan Gaspar1 Resumo O presente artigo visa perscrutar os impactos diretos e indiretos da Cessão de Direitos, prevista no parágrafo 9º, artigo 67-A, da Lei de Distrato Imobiliário, como método ou forma de prevenção de conflitos, na esteira da “desjudicializa- ção”, fenômeno pelo qual, irreversivelmente, passa a sociedade brasileira. Palavras-Chaves: Instrumentalidade. Cessão. “Desjudicialização”. Distrato. Abstract This article aims to examine the direct and indirect impacts of the Assign- ment of Rights, provided for in paragraph 9º, article 67-A of the Disruption Law, as a method or form of conflict prevention, in the wake of the “Disjudicialation”, a phenomenon whereby, irreversibly, passes the Brazilian society. Keywords: Instrumentality. Assignment. “Disjudicialization”. Distract. Sumário Introdução; 1 Breve Histórico do Mercado Imobiliário; 2 Cessão de Direi- tos; 3 Do conceito de “Desjudicialização”; 4 Abordagem da rescisão contratual (distrato) na Lei 13.786/2018; 5 Efeitos práticos da previsão da cessão de direi- tos na Lei de Distrato Imobiliário; Conclusão. 1 Advogado. Membro da Comissão de Incorporação Imobiliária do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Professor de Direito Imobiliário. Palestrante. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG – Biênio 2016/2018. Empresário. Corretor de Imóveis e Perito Avaliador. 10 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Introdução A Lei 13.786/2018 alterou a lei de regência das incorporações para in- serir o artigo 67-A consolidando, em seu parágrafo nono2, a figura da Cessão de Direitos. Isso no intuito de afastar a aplicabilidade da cláusula penal, seja a incorporação imobiliária submetida ou não ao Regime de Patrimônio de Afetação (Lei 10.931/2004). Na literalidade da lei, se o adquirente der causa ao desfazimento do contra- to e encontrar comprador substituto que o “sub-rogue” nos direitos e obrigações originalmente assumidos, poderá afastar a incidência da penalidade. Essa “sub-rogação”3 que, na prática, representa uma cessão de direitos e obrigações, está condicionada à aprovação do incorporador, o qual utilizar-se-á, nesta aferição, de critérios objetivos consubstanciados, sobretudo, na capacida- de financeira e econômica do adquirente substituto. Embora prevista recentemente na Lei de Distrato, a Cessão de Direitos já vem sendo utilizada por empresas do seguimento para viabilizar o projeto imobi- liário, evitando demandas judiciais que, não raro, comprometem o fluxo da incor- poração imobiliária ou mesmo a inviabilizam jurídica e financeiramente. Espera-se que a previsão da Cessão de Direito como via de afastamento da penalidade seja bastante positiva a médio e curto prazo, sobretudo porque grande parte das demandas ajuizadas nos derradeiros anos perpassam, entre ou- tros pedidos constantes da peça exordial, pela discordância entre as partes sobre a existência da penalidade, bem como sobre o percentual de retenção oriundo desta penalidade. Obviamente não se espera que, através da previsão da Cessão de Direi- tos, haja uma solução definitiva na prevenção de todas as demandas judiciais. Sobretudo ante a cultura da litigância socialmente desenvolvida no decorrer dos anos. O que se espera é a redução numérica dos feitos, preservando o cliente, o empreendimento e o bom nome da incorporadora. Tudo isso remete ao ideal da “desjudicialização”. 2 Lei de Incorporação Imobiliária: “Art.67-A, § 9. Não incidirá a cláusula penal contratualmente pre- vista na hipótese de o adquirente que der causa ao desfazimento do contrato encontrar comprador substituto que o sub-rogue nos direitos e obrigações originalmente assumidos...”. 3 Entendemos ser impreciso o termo ”sub-rogação “ disposto na lei. Eis que, no caso em tela, haverá não só uma sub-rogação propriamente dita, mas também uma assunção de dívida nos moldes do artigo 299, do Código Civil brasileiro. ALAN GASPAR 11Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS 1 Breve Histórico do Mercado Imobiliário O mercado imobiliário foi impactado, negativamente, nos últimos anos pela redução do crédito, pela oscilação na concessão de financiamento bancário bem como pela enorme quantidade de distratos. Há que se ressaltar igualmente o enorme crescimento da taxa de desemprego e, porque não dizer, do descontrole das contas públicas. A consequência sobre as incorporadoras foi nefasta e notada, inclusive, pelo crescimento do estoque, o que reverberou na drástica redução nos lança- mentos imobiliários. Assevera-se também que a perda de perfil de financiamento, chamado “de- senquadramento”, por parte dos adquirentes constituiu, ao nosso sentir, um dos principais fomentadores de rescisões dos contratos imobiliários e contribuiu para o agravamento da crise, que foi alavancada ainda mais pelo aumento expressivo do índice de desemprego, o qual atingiu o patamar de 12% no ano de 2018, segundo dados do IBGE4. No ano de 2016, o número de distratos efetivados alcançou níveis exorbi- tantes, impulsionando a insegurança jurídica bem como o risco das incorporado- ras. O aumento das ações judiciais de distrato promoveu o recorde no estoque de unidades, sem se olvidar as unidades “travadas” pela concessão de liminares judiciais e antecipações de tutela. Ainda no contexto da crise brasileira, segundo as estimativas do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) que foram divulgadas no dia 15 de janeiro de 2019, cerca de 62 milhões de brasileiros restaram em 2018 com alguma conta atrasada e/ou com o CPF negativado, comprometendo a concessão de financiamento, reten- do unidades habitacionais no repasse bancário e projetando vertiginosamente a inadimplência nos negócios imobiliários5. A citada inadimplência nos contratos imobiliários se fez notar inclusive entre servidores públicos cujos salários eram quitados extemporaneamente. Si- tuação essa gerada durantea crise, mas agravada pelo já citado descontrole de gastos e das contas públicas. 4 Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia- -de-noticias/releases/23865-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-0-e-taxa-de-subutilizacao- -e-de-24-3-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2019>. Acesso em 27/04/2019. 5 Disponível em: http://site.cndl.org.br/617-milhoes-de-brasileiros-estao-com-o-nome-negativado- -mostra-estimativa-do-spc-brasil-e-cndl/. Acesso em 27/04/2019. 12 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Esse foi o cenário no quinquênio anterior. Entretanto o mercado começa a sinalizar o retorno do crescimento, o que já se verifica em termos práticos. Assim, surfando na pequena onda de otimismo que surge no horizonte, tem-se como boas as expectativas quanto à instrumentalidade da Cessão de Direitos, nessa corrente da “desjudicialização”, promovendo o “desafogamento” do poder judiciário. Isso ao eliminar, na origem, demandas repetitivas sobre multas contra- tuais nos negócios imobiliários em planta. 2 Cessão de Direitos Sem a pretensão de esgotar o tema, o que exigiria um extenso e exclusivo trabalho, pode se conceituar a Cessão de Direitos como o ato através do qual o promissário comprador, ora cedente, transfere ao novo adquirente, ora ces- sionário, os direitos e deveres oriundos da primeva relação negocial imobiliária, sob a aprovação condicional da incorporadora, a qual efetiva a venda da unidade habitacional em planta. Nesses casos, considerando a inexistência de escritura definitiva do imó- vel, o que se comercializa é o “direito de comprar”. Essa espécie de cessão (de direito e obrigações), também denominada “cessão de posição contratual”, é ato complexo que envolve a transferência de crédito6, bem como uma assunção de dívida7, vez que, como dito, se o cessionário for aprovado pela incorporadora, ele se sub-rogará nos direitos e deveres que outrora pertenciam ao cedente, primeiro comprador (art. 348 do CC)8. Reafirme-se que essa prática (Cessão de Direitos), muito utilizada na déca- da passada, continuou sendo recurso manejado por muitos incorporadores e pro- fissionais do ramo imobiliário durante a crise. Sendo antes apenas um fato social relevante, agora restou consolidada a prática com sua inserção na lei de incor- porações imobiliárias, pela via do parágrafo 9ª, Artigo 67-A, da Lei de Distrato. 3 Do Conceito de “Desjudicialização” A sociedade brasileira, caracterizada pela dependência do judiciário para a solução de conflitos, está vivenciando o desenrolar de um fenômeno, ao nosso 6 Código Civil - Art. 286: O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. 7 Código Civil - Art. 299: É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consenti- mento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. 8 Código Civil - Art. 348: Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito. ALAN GASPAR 13Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS sentir irreversível, denominado “desjudicialização”. O tal pode ser conceituado como a tendência consubstanciada em atos ou paradigmas voltados à solução extrajudicial de conflitos, seja pela via cartorial, por meio da mediação extrajudi- cial, pela arbitragem, bem como pelas composições amigáveis de litígios. Em consonância, inúmeras legislações foram produzidas prestigiando a “desjudicialização”, tais como: o atual Código de Processo Civil, a Lei de Arbitra- gem (9.307/96), do Divórcio Cartorial, Inventário e Partilha (11.441/2007), da Usucapião Extrajudicial (13.465/2017), Lei de Alienação Fiduciária de Imóveis (9.514/97) e inclusive a própria Lei de Distrato (13.786/2018), a qual já trouxe, em sua essência, os reflexos do fenômeno. Sem prejuízo de diversos outros dis- positivos legais que refletem a nova tendência. A “desjudicialização” apresenta-se, portanto, como alternativa ao alto cus- to, bem como à morosidade do judiciário que, já há muito tempo, não atende às expectativas de uma sociedade alta e historicamente litigiosa. Estima-se haver no Brasil, em média, um processo ajuizado para cada dois habitantes. Algo entorno de 80/100 milhões9 de ações em tramitação em todo o território nacional. E esse fato, por si, já constitui a força motriz das ações e soluções extrajudiciais. Em parecer favorável às soluções alternativas, o eminente ministro do Su- perior Tribunal de Justiça – STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, em evento cartorial estadunidense, assim asseverou: O segmento extrajudicial brasileiro tem dado uma contribuição muito im- portante para o avanço da Justiça no Brasil, com a prática de atos que não envolvam litígios e que possam ser resolvidos na esfera extrajudicial. É isso que esperamos de uma atividade que sempre foi parceria do Poder Judiciário.10 Veja-se que esse fenômeno é fruto não só da demanda de setores especí- ficos, mas sim de uma extrema necessidade de pacificação social na medida em que se verifica, indubitavelmente, que a resposta do judiciário não mais acompa- nha o volume dos litígios, bem como a estimativa populacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2018, de 208.494.900 milhões de pes- soas11, dados esses divulgados no Diário Oficial da União. 9 Fonte: CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números. <http://www.cnj.jus.br/fi- les/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf>. Acesso em:27 abr. 2019. 10 Fonte: Desjudicialização é foco de apresentação extrajudicial do Brasil em evento nos Es- tados Unidos. http://www.arpensp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==- &in=ODA3MDU=&fbclid=IwAR2xlFvk9wquQAgN8WA1Ce3tqoFbeJ01-s-rOudxjhlL3YJQCNscpc Mg_H8. Acesso em 27 abr. 2019. 11 Fonte: <http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/38727425/ 14 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Obviamente, as estruturas físicas do judiciário bem como a quantidade de servidores não acompanham e nem poderão acompanhar o crescimento popu- lacional. Também não se pode esperar que a cultura da litigância, desenvolvida no Brasil durante décadas, simplesmente se transmude, do dia para noite, em uma cultura de resolução pacífica de conflitos, aliviando a demanda pela resolu- ção judicial. A cultura da litigância está profundamente arraigada na sociedade brasileira, o que não se vislumbra em outros países, tais como: Japão, Suécia e Noruega. O cenário brasileiro não é facilmente alterável, mas, certamente, mini- mizável com instrumentos eficientes, tais como os que compõem o fenômeno da “desjucidicialização”. Recentemente, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, debru- çando-se sobre a liminar que havia sido concedida pelo relator ministro Alexandre de Moraes, entendeu ser constitucional que cartórios de registro civil prestem serviços adicionais, de forma remunerada. Dentre as novas atribuições está a facilitação e a emissão de documento de identificação e documento de veículos. O STF efetuou a interpretação conforme a Constituição para garantir que todos esses serviços sejam homologados pelas corregedorias dos tribunais. Ao promo- ver a ampliação do rol de serviços remunerados pelos cartórios, o STF afirmou que tal medida facilitará a prestação de serviços à população interiorana do país. A mencionada decisão foi prolatada em Ação Direta de Inconstitucionali- dade – ADI 5.85512, na qual se questionava a possibilidade de os cartórios de registro civil prestarem serviços por meio de convênios com órgãos públicos e privados, nos termos da Lei Federal 13.484/2017 e do Provimento 66/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça/CNJ. A nosso sentir, a “desjudicialização” é, a bem da verdade, uma espécie do gênero “descentralização”13que visa também descongestionar ou aliviar a máqui- na pública (incluso o Judiciário) no âmbito de sua atuação estatal e da prestação de serviços à população dos diversos estados, retirando dela o monopólio no exercício de várias atribuições que, em sua essência, podem perfeitamente ser transferidas a outros órgãos ou instituições que mais próximos estiverem, geo- graficamente falando, da sociedade. Há que haver, e certamente já se percebe, um esforço das instituições e de grande parcela da sociedade em gerar e produzir caminhos e mecanismos al- do1-2018-08-29-resolucao-n-2-de-28-de-agosto-de-2018-38727285>. Acesso em 27 abr. 2019. 12 Fonte: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5329985. 13 Observação: Não nos referimos aqui à palavra “descentralização”, tecnicamente, como instituto do Direito Administrativo, mas sim em seu sentido vernacular de ato ou efeito de descentralizar; afastamento do centro; descentração. ALAN GASPAR 15Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS ternativos, viáveis, menos onerosos, de resolução de seus problemas e conflitos, quase todos recursos da esfera extrajudicial. Da previsão contratual de uma sim- ples cláusula compromissória, da instituição da figura da cessão de direitos na Lei de Distrato ou mesmo do aumento da projeção das atribuições cartoriais, órgãos esses que arrogam para si, hoje, funções outrora exclusivas do Poder Judiciário, tudo aponta para o combate da cultura da litigância, ainda fortemente presente no contexto brasileiro. 4 Abordagem da Rescisão Contratual (Distrato) na Lei 13.786/2018. Como supramencionado, a Lei de Distrato Imobiliário sacramentou, no pa- rágrafo 9º, artigo 67-A, a figura da cessão de direitos como alternativa ao paga- mento da multa rescisória que constitui um dos principais motivos de ajuizamen- to de feitos nessa área, ao lado do atraso de obras, da questão da devolução de honorários de corretagem, dentre outros. Os profissionais do mercado imobiliário, sobretudo os que atuam no CRM14 das incorporadoras, testemunham diuturnamente a resistência do adquirente quando da cobrança da multa prevista na cláusula penal. Não raro, no período anterior à publicação da citada lei, o cliente interrompia a negociação quando cientificado da multa rescisória, momento em que iniciava-se a busca pela solu- ção judicial. Isso na tentativa de eximir-se da multa, ignorando, contudo, a dura- ção, bem como o custo do processo/honorários de sucumbência. A bem da verdade, entende-se que o contrato de incorporação imobiliária, por força da própria da lei de regência, encontra-se revestido de irretratabilidade e irrevogabilidade. Significa dizer, a priori, que não se deveria falar em “distrato”, sobretudo porque a iniciativa ou o animus rescidendi partiu do adquirente e não da incorporadora. Em alguns países, sequer se vislumbra a possibilidade de devolução de algum valor nos casos de rescisão de contrato de incorporação promovida pelo adquirente. Todavia, independente de concordância, fato é que a legislação bra- sileira representada sobretudo pelo Código Consumerista, não se coaduna com tal conduta, posição essa que é corroborada pela majoritária jurisprudência dos tribunais regionais e superiores. Há que haver, portanto, a devolução de valores nos percentuais, antes incertos, mas agora fixados na lei de distrato. Ainda sobre a rescisão contratual, cabe salientar que a terminologia “dis- trato” tem sido erroneamente utilizada no mercado para definir, na verdade, o 14 Customer Relationship Management ou Gestão de Relacionamento com o Cliente. 16 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS pedido de rescisão unilateral pleiteado pelo adquirente. A todo descumprimento contratual, nos últimos anos, a práxis mercadológica vulgarmente denominou “distrato”, afastando-se da tecnicidade exigida não só pela Teoria Geral dos Contratos, mas, sobretudo, pela própria Lei das Incorporações Imobiliárias, Lei 4.591/64. Mas então o que seria distrato? Seria resilição unilateral ensejada pela de- sistência? E a dissolução contratual motivada pela exceção de contrato não cum- prido? Seria a mesmo coisa que resolução contratual por onerosidade excessiva? Certamente que não! Todavia, não raro, o mercado promove uma verdadeira confusão de institutos como se fossem conceitualmente idênticos e com conse- quências de mesmo alcance sobre as relações negociais imobiliárias. No entanto, o vigente Código Civil abordou os temas de forma diferencia- da. Senão vejamos: Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. (Gri- fos nossos) Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implici- tamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. (Grifos nossos) Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. (Grifos nossos) Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (Grifos nossos) Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos ca- sos, indenização por perdas e danos. Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. (Grifos nossos) Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a ou- tra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. (Grifos nossos) Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equi- tativamente as condições do contrato. ALAN GASPAR 17Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Veja-se que o Código Civil de 2002 deu tratamento diferenciado aos ter- mos distrato, resolução, denúncia unilateral, entendimento que é acompanhado pela doutrina, bem como pela majoritária jurisprudência. Não obstante, a Lei 13.786/2018, originada pela demanda e conduta de mercado, trouxe um tra- tamento “idêntico” dos casos encerrando a todos sob a alcunha de “distrato”, olvidando as peculiaridades de cada tipo de desfazimento contratual. A palavra “distrato”, da forma como foi utilizada pela nova lei, em sentido lato, traduziu, em essência, um “contrato de confissão e de renegociação de dívi- da”, utilizável para todos os possíveis casos, com margem de liberdade negocial entre os contratantes, podendo prever, inclusive, a possibilidade de redução de direitos em certas hipóteses. Feitos esses apontamentos, é forçoso reconhecer que a rescisão contra- tual unilateral (vulgo distrato) disposta na Lei 13.786/2018 foi fruto da demanda social, bem como da necessidade de se regulamentar esse fato verificado no Brasil nos últimos anos. Positivado então e delimitado o alcance dos distratos e, sobretudo, a conduta das partes diante da rescisão, sabiamente o legislador inseriu o parágrafo 9º, artigo 67-A, da Lei de Distrato. Através da instrumentalização da Cessão de Direitos, o cliente poderá exi- mir-se do pagamento da multa e o incorporador por sua vez poderá concretizar um novo negócio, através de um cliente mais viável economicamente, aprovado de antemão, que possa mitigar os prejuízos ao empreendimento bem como à coletividade dos adquirentes. Senão vejamos. Em casos de rescisão de contrato de incorporação sub- metida ao regime de patrimônio de afetação15, na qual a multa poderá atingir o percentual de 50% (cinquenta por cento) dos valores desembolsados; lançada mão da cessão de direitos, e, portanto, isenta da citada multa, o promissário comprador, ora cedente, dificilmente se utilizará da via judicial para a solução de conflito,seja por perda de interesse processual, seja por perda do objeto. 5 Efeitos práticos da previsão da Cessão de Direitos na Lei de Distrato Imobiliário Não se ignora a tenra idade da lei de distrato, de modo que o alcance, efi- cácia, efetividade, bem como utilidade, sobretudo quanto à previsão da Cessão 15 Lei 13.786/18. Art.67-A. § 9º: § 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, (...), admitindo-se, nessa hi- pótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga. 18 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS de Direito no parágrafo 9º, artigo 67-A, da Lei de Distrato, serão mensurados posteriormente, quando se poderá observar a receptividade social e os reflexos na incorporação imobiliária. É bem verdade que muitos juristas têm levantado questões de ordem prática sobre a aplicabilidade da Lei 13.786/2018 aduzindo, em síntese, haver lacunas bem como “zonas cinzentas” que poderiam ensejar insegurança jurídica, sobretudo no cotejo com o Código Consumerista. Outros doutrinadores alegam “brechas” que reverberariam na aplicabilidade retroativa a contratos em vigência, sobretudo, quanto a processos já em tramitação pela ocasião da publicação da lei. Todas as críticas são dotadas de plausibilidade, porém, de modo geral, tem-se o surgimento da lei de distratos como um avanço, um reflexo das demandas an- tigas do mercado imobiliário, ressalvadas as posições em contrário, obviamente. No tocante ao instituto da Cessão de Direitos, prevista no parágrafo 9º do artigo 67-A, não se vislumbram maiores dificuldades ou mesmo dúvidas concer- nentes a sua receptividade bem como sua aplicabilidade por parte do mercado. Isso porque, mesmo quando não constava da lei, a Cessão de Diretos já era bastante utilizada nos contratos imobiliários, constituindo, portanto, uma prática bastante aceita por grande parcela do mercado. E, por certo, gerou bons frutos na prevenção de demandas judiciais, ante seu caráter instrumental de composi- ção amigável. No entanto, se antes era apenas um “costume” do mercado, a Cessão de Direitos agora assumiu status legal, projetando e alavancando a segurança jurídi- ca ao se consolidar como mecanismo bastante salutar e efetivo, ao nosso sentir, na seara das soluções extrajudiciais. Trata-se, portanto, de mais um valioso ins- trumento “desjudicializante”. Mas quais efeitos práticos, então, podem ser vislumbrados da positivação e consolidação da Cessão de Direitos na Lei de Distratos? Poder-se-iam elencar inúmeros efeitos práticos positivos, mas nos atere- mos aos mais relevantes do ponto de vista comercial. Vale frisar que a visão aqui apresentada baseia-se, sobretudo, em nossa militância implementada no judiciário nos últimos anos, bem como nos casos patrocinados ou acompanhados diretamente. Ou seja, na vivência propriamente dita. Solução rápida da demanda. A partir do momento em que o incorporador é cientificado da superve- niência do distrato16, seja através do próprio adquirente, seja pelo seu setor de 16 Utilizamos a palavra “distrato” aqui em sentido lato, da forma como foi lançada na lei para se referir às diversas espécies de resolução contratual, como costumeiramente se faz no mercado. ALAN GASPAR 19Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS CRM17, inicia-se uma jornada de negociações que costumeiramente reverbera em ações judiciais caracterizadas pela onerosidade, bem como pela morosidade. Inú- meros outros problemas decorrem dessas ações judiciais, dos quais trataremos mais adiante. Ocorre que, através da Cessão de Direitos, rapidamente as partes podem alcançar um resultado mais adequado à realidade de ambos, seguindo cada qual com seus projetos e negócios. Desnecessário comparar efetivamente, em termos quantitativos, o lapso de duração da efetivação da Cessão de Direitos em face da alternativa judicial de soluções conflitos. Eis que notória a diferença. O imóvel não retorna ao estoque. Formalizada a Cessão de Direitos, ato contínuo, a unidade autônoma será repassada a novo adquirente-cessionário e obviamente não retornará ao esto- que da incorporadora. Isso porque é inerente à prática da Cessão de Direitos a conjugação da resolução contratual com a sucessiva venda ao novo cliente, não ensejando, a priori, novos custos com publicidade, entre outros gastos. Oportunidade de novos negócios. Como supracitado, efetivada a Cessão de Direitos surge então, na esfera comercial, nova oportunidade de negócios como fruto da não retenção da uni- dade autônoma pela relação jurídica com o antigo adquirente. Comumente se verifica que, nos casos de conflitos judiciais, muitas unidades eram “travadas” pela concessão de decisões judiciais as quais, pela via da indisponibilidade na matrícula no imóvel, vinculavam o imóvel por anos a fio. Dificilmente haverá incorporadoras, sobretudo as mais consolidadas no mercado, que não tenham vivenciado situações semelhantes a que foi mencio- nada acima. Uma ou duas unidades “indisponibilizadas” por decisões judiciais podem não inviabilizar ou comprometer o empreendimento de uma grande in- corporadora-locomotiva, todavia, certamente irá afetar o pequeno incorporador cuja lucratividade depende diretamente da alienação de todas as unidades do seu modesto empreendimento. Prevenção de litígios judiciais e de custos inerentes. Como cediço, ações judiciais são naturalmente custosas e, não raro, moro- sas. O custo a que nos referimos aqui não se restringe à esfera financeira. Trata- -se também de um custo de oportunidade o qual se define como “um conceito Muito embora não olvidamos a atecnia na utilização do citado termo. 17 Customer Relationship Management ou Gestão de Relacionamento com o Cliente. 20 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS teórico que mensura o custo daquilo que se deixa de fazer quando é preciso fazer uma escolha de qualquer tipo”18. Também não nos referimos aqui ao fator tempo apenas sob o viés cronoló- gico. Referimo-nos também ao tempo como bem mais valioso do que o dinheiro, o papel-moeda propriamente dito. Um valor penhorado em um processo ou mes- mo uma ação que perdure por décadas redundam em prejuízos incalculáveis, de toda ordem e grandeza. Do ponto de vista da empresa/incorporadora, um processo judicial moroso pode significar uma unidade autônoma “travada” por longo período, gerando desvalorização, custos fiscais e taxas de associação ou de condomínio. Muitas incorporadoras têm sido condenadas e responsabilizadas pelos pagamentos des- ses valores, em que pese não haver pacificação na jurisprudência sobre a quem caberia a responsabilidade pela quitação dos custos nesse tipo de situação. Do ponto de vista do adquirente, um processo judicial pode representar inúmeras perdas de oportunidades ou negócios, quiçá, investimentos. Para se ter uma noção da extensão do problema, bastará responder às seguintes perguntas: Quanto tempo durará o processo? Quanto se pagará de honorários advocatícios e custas processuais? Qual montante será restituído ao final? Quando se pode- rá comprar outra unidade habitacional com este dinheiro? Que outros negócios poderiam ser efetivados se tais valores já estivessem disponíveis? Enfim, ao responder a essas questões já se terá uma concreta noção dos prejuízos que podem advir dos processos judiciais, os quais se acumulam nos fóruns/tribunais, sobrecarregando o judiciário brasileiro. Preservação da imagem da empresa e do produto. Quando se fala em prevenção de conflitos judiciais nem sempre se mostra claro na percepção do mercado o quanto a “desjudicialização” pode ser favorável à imagem da empresa, bem como ao posicionamento do produto, em um mer- cado extremamente competitivo e selecionado. Com a Cessão de Direitos não é diferente. Muito clientes, no decorrer da última década, não se valeram de soluções judiciais por terem optado pela Cessão de Direitos. Esse fato podeparecer irri- sório ante ao volume de ações em tramitação hoje no Brasil, entretanto, duas cessões de direitos bem efetuadas podem representar dois processos judiciais a menos. E é difícil mensurar o tamanho dos prejuízos que apenas dois processos 18 Fonte: https://www.dicionariofinanceiro.com/custo-de-oportunidade/. Acesso em 27 abr. 2019. ALAN GASPAR 21Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS judiciais poderiam causar à imagem de uma empresa. Isso sem se falar dos inú- meros sites de reclamações cuja influência e alcance não se pode ignorar. Como o avanço tecnológico, mediante simples busca na internet, qualquer pessoa pode tomar ciência de processos ajuizados em face da empresa “X” ou “Y”. Por certo o cliente poderá se sentir inseguro para adquirir um produto de determinada empresa processada judicialmente, mesmo que aqueles processos sejam julgados, a posteriori, totalmente improcedentes. Por certo, se o concor- rente não possuir “nome sujo na justiça”, terá preferência na compra da unidade por parte de um cliente atento e exigente. Infelizmente, a presunção de inocência na sociedade hodierna não tem o potencial de afastar a “má-fama” oriunda de processos judiciais em tramitação. Mesmo, como já dito, que no futuro se reconheça judicialmente a improcedência dos pedidos em face do réu, a imagem da empresa já terá sido afetada. Mais um motivo, portanto, para se considerar a Cessão de Direitos como uma boa opção na rescisão de contratos imobiliários. Manutenção do cliente e/ou atração do cessionário por ele indicado. Em várias situações, através da Cessão de Direitos, poder-se-á manter uma boa relação com o cliente-cedente, que ainda poderá indicar sua marca/ produto, além de atrair o futuro cessionário para a nova transação de compra e venda. Nessa situação, possivelmente o cedente poderá voltar a ser cliente da empresa em um futuro mais favorável economicamente. Significa dizer, sem bei- rar à utopia, que a Cessão de Direitos pode gerar manutenção do relacionamento com o cliente e da boa imagem da empresa, embora reconheçamos que nem sempre será assim. É bem verdade que o cedente, por vezes, indicará o produto imobiliário ao cessionário no intuito de se desvencilhar do negócio jurídico. Porém, mesmo nesses casos o cedente se constituirá um “vendedor” da sua própria unidade autônoma, o que favorece, ao nosso sentir, o fortalecimento da marca, direta ou indiretamente. O que não aconteceria na hipótese da solução judicial, comumen- te caracterizada pela frustração e ressentimento da parte adquirente, o que em nada contribui para a imagem da empresa e posicionamento do produto. Redução da insatisfação do cliente através da isenção da multa (sobretudo nos empreendimentos submetidos ao Regime de Patrimônio de afetação). 22 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Certamente a isenção da multa prevista no parágrafo 9º, artigo 67-A, da Lei de Distrato, constituirá um fator redutor da insatisfação do cliente, quando da efetivação da Cessão de Direitos. Sobretudo nos casos de distrato nos empreen- dimentos submetidos ao regime do patrimônio da afetação. Isso por conta da retenção de 50%(cinquenta por cento) dos valores desembolsados, sem prejuízo da retenção de outras despesas previstas em contrato. No entanto, inúmeros processos judiciais foram ensejados, sobretudo, pelo percentual da multa que era cobrada do adquirente no momento da resolução contratual. Não raro, clientes compareciam à sede da incorporadora com a in- tenção de rescindir o contrato, e mesmo cientes de que perderiam parte do valor desembolsado, estavam dispostos a sofrer esse prejuízo a fim de dissolver o negócio. Tudo para resolver ou minorar o problema, tendo em vista a impossibi- lidade, por diversos motivos, de seguir com o contrato até o final. Porém, ao serem cientificados da retenção da multa, principalmente para contratos cujas multas possuíam percentual elevado, o cliente simplesmente in- satisfeito, interrompia as negociações e ajuizava uma ação visando “reduzir” o prejuízo pela via do judiciário. Estava interrompida então a comunicação entre incorporador e cliente. É nesse contexto que entendemos como muito salutar a previsão da isenção da multa para os casos de Cessão de Direitos, como previsto no pará- grafo 9º, artigo 67-A, da Lei de Distratos. Em nosso sentir, essa previsão ataca o cerne do problema. Repita-se: Grande parte das ações judiciais sobre resolução contratual de negócios imobiliários versam sobre a cobrança da multa contratual (embora não somente sobre a multa), considerada em muitos casos como abusi- va por advogados consumeristas e adquirentes. Por isso entendemos que a Cessão de Direitos agora positivada e delimita- da na Lei 13.786/2018 pode contribuir com aquilo que denominamos fenômeno da “desjudicialização”. Eis que constitui mecanismo de incentivo às soluções extrajudiciais de conflitos, sendo certo que poderá contribuir positivamente com o aquecimento do mercado imobiliário e não prejudicar, como preferem acreditar alguns mais pessimistas. Como impacto direto, portanto, espera-se o aquecimento do mercado imo- biliário impulsionado pela citada lei, sobretudo pelo prestígio à segurança jurídica. Indiretamente, espera-se que a Cessão de Diretos possa refletir no judiciário, reduzindo os litígios, harmonizando a relação cliente/incorporador, conservando ALAN GASPAR 23Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS o bom nome dos empreendedores, bem como trazendo mais motivação aos in- vestidores imobiliários. Todavia, ressaltamos que a Cessão de Direitos não isentará o adquirente das retenções por despesas da incorporadora (publicidade, etc.) ou mesmo dos honorários de corretagem, uma vez que, via de regra, não serão passíveis de devolução. Vale lembrar que os honorários de corretagem estão resguardados pelo Código Civil19, pela própria lei de distrato, bem como pela jurisprudência do STJ20, constituindo prestação de serviços de intermediação imobiliária à parte da relação principal, entre incorporador e adquirente. Também se reconhece que a isenção da multa pela via da cessão de direi- tos não será suficiente para prevenir todas as demandas judiciais; seria inócuo pensar o contrário. Acredita-se, porém, que a cessão de direitos produzirá uma redução substancial dos processos ajuizados na esteira da “desjudicialização” e das demandas sociais, na contramão do verificado no último quinquênio no mercado imobiliário. É o que se almeja. É o que a sociedade civil e o setor da construção, desgastados pela crise, esperam. Conclusão Como cediço, o contexto social, bem como o fato jurídico relevante indu- zem a formação das leis. A prática do distrato nos últimos anos exigiu a mani- festação do legislador, reverberando na “adequação” da Lei de Incorporações à nova realidade de mercado. Não se ignoram os efeitos negativos do distrato nas relações negociais, sobretudo no tocante aos prejuízos causados aos contratantes. No mundo ideal talvez a figura do distrato sequer existisse. Todavia, o que se tem é um mundo real, naturalmente complexo, de forma que o distrato deve ser tolerado, e não comemorado. Deve ser reconhecido, porém, como um “mal necessário” cuja prática infelizmente tornou-se corriqueira nos anos que precederam a edição da Lei 13.786/2018. É nesse sentido que se tem como positiva a previsão da Cessão de Direitos no parágrafo 9º, art. 67-A, da citada lei. Restou estratégica e instrumentalmente inserida de forma a mitigar os prejuízos de ambas as partes, prevenindo e redu- 19 Código Civil de 2002: Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha con- seguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes. 20 STJ - REsp 1.551.956 / SP - Recurso Especial - 2015/0216171-0 - Relator(a) Ministro Paulo de Tarso Sanseverino - Órgão Julgador - 2ªSeção - J 24/08/2016 - DJe 06/09/2016. 24 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS zindo, em última instancia,a quantidade de ações distribuídas no poder judiciário anualmente, na seara das incorporações imobiliárias. Referência Bibliográficas CHALHUB, M. N. Incorporação Imobiliária. 4ª ed. São Paulo: Forense, 2017. CESSETTI, A. B. A Desjudicialização dos procedimentos especiais de jurisdição voluntá- ria: Nova onda reformista? Publicado em: http://www.revistajudiciaria.com.br/wp-content/uploa- ds/2018/02/revista6.pdf. Acesso em 27 abr. 2019. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo.11ª ed. São Paulo: Ma- lheiros, 2003. GRINOVER, Ada Pellegrini. A conciliação extrajudicial no quadro participativo. In: GRINO- VER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; e WATANABE, Kazuo (orgs.). Participação e processo. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1998. IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Revista IBRADIM de Direito Imobiliário n. 1. São Paulo, novembro de 2018. LOUREIRO, F. Compromisso de Compra e Venda de Unidades Autônomas: distinção entre impossibilidade de cumprimento e desistência do adquirente, à luz das Súmulas 543 do STJ e 1 TJSP. Opinião Jurídica 4: Direito Imobiliário. São Paulo: Secovi-SP, 2016. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário. Teoria e Prática.12ª ed. Rio de Janei- ro: Forense, 2017. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Direito de família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014, v. 5. ALAN GASPAR 25Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS LEI DO DISTRATO E AÇÕES JUDICIAIS EM CURSO PARA RESOLUÇÃO CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS Alex Vasconcellos Prisco1 Em vigor desde o dia 28 de dezembro do ano passado, a Lei 13.786/2018 disciplina a resolução do contrato por inadimplemento de compradores e vende- dores de imóveis comercializados por incorporação imobiliária ou parcelamento de solo urbano. Alcunhada de “Lei do Distrato”, sua edição aborda sobretudo o problema de construtoras e incorporadoras que, nesses últimos anos de crise econômica, vêm sofrendo perdas significativas devido ao grande volume de con- denações judiciais ordenando o desfazimento dos negócios e a devolução de boa parte dos montantes pagos pelos adquirentes inadimplentes. A legislação, nessa situação particular, parece ter tentado conciliar os inte- resses desses atores. Em prol dos compradores, enterrou de vez a tese defendida com afinco por algumas incorporadoras de que a promessa de compra e venda de imóvel seria um contrato irrevogável e irretratável, do qual o adquirente jamais poderia se desvincular em estado de inadimplência. A lei, aqui, adotou com- preensão oposta, cunhada na Súmula 543 do STJ, que concede ao adquirente o direito unilateral de resolver o contrato, ainda que ele próprio tenha dado causa ao desfazimento. De outro lado, a benefício das incorporadoras, a Lei do Distrato dissentiu da equação econômico-financeira construída equitativamente pela juris- prudência do STJ nos casos de resolução do contrato por culpa do comprador, a qual hoje permite que a empresa vendedora retenha, a título de compensa- ção, entre 10% e 25% dos valores pagos pelo adquirente, sem necessidade de comprovação dos prejuízos. O novo limite legal dessa pena compensatória foi largamente aumentado para 25% ou 50%, se a incorporação estiver submetida ao regime de patrimônio de afetação, o que representa a maioria das hipóteses concretas. 1 Mestre em Direito Econômico pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduado em Direito Empresarial pelo IBMEC. Sócio-fundador do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados (POD ADV). 26 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Embora imperativos básicos de segurança jurídica preconizem que a Lei do Distrato só se aplica a eventos contratuais ocorridos após a data de sua vigência (CF, artigo 5º, XXXVI, e LINDB, artigo 6º), na prática, contudo, esse diploma normativo pode vir a impactar situações jurídicas pretéritas. Por exemplo: nada impede que o Judiciário, ao examinar agora os processos de resolução de con- trato pendentes de julgamento, estabeleça retenções de quantias conforme a Lei 13.786/2018, por compactuar com os princípios e racionalidades que anima- ram a novel legislação. Ou seja, daqui em diante os tribunais podem muito bem passar a entender que os percentuais de descontos da Lei do Distrato seriam mais corretos ou adequados do que aqueles que até então têm sido arbitrados pelo direito pretoriano. Isso inclusive já é uma realidade, como nos dá conta a recente sentença prolatada pelo juízo da 7ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, que aplicou a Lei 13.786/2018 a demanda anterior, permitindo que a ven- dedora retivesse 25% do montante pago pelo comprador (processo 1070803- 55.2018.8.26.0100). Pela técnica jurídica, esse proceder não configuraria pro- priamente aplicação retroativa indevida de lei nova a fato passado, mas sim mo- dificação lícita de orientação da jurisprudência. Nesse sentido, o STJ expressou em um aresto que “a alteração de entendimento jurisprudencial tem aplicação imediata aos recursos pendentes de apreciação, mesmo aos interpostos antes do julgamento que modificou a jurisprudência, já que caracteriza apenas interpreta- ção da norma, e não estabelecimento de nova regra que se submete ao princípio da irretroatividade ou do tempus regit actum” (AgInt no AREsp 238.170, DJe de 30.5.17, relator: Ministro Villas Bôas Cueva). Recentemente, entretanto, a 2ª Seção do STJ, ao julgar recursos especiais repetitivos versando sobre penalidades contra construtoras em casos de atra- so na entrega de imóvel (REsp 1.498.484 e REsp 1.635.428), entendeu que, em respeito ao princípio da irretroatividade das leis, não seria possível mudar entendimento jurisprudencial em processos pendentes de julgamento com base na Lei do Distrato. Levantando questão de ordem, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, considerou que “não se pode cogitar de aplicação simples e direta da nova Lei 13.786/18 para solução de casos anteriores ao advento do mencionado diploma legal”. Não se sabe, ainda, que efeitos esse pronunciamento judicial do STJ, pro- clamado obter dictum, terá sobre o comportamento das cortes inferiores, que podem muito bem entender que mudanças no arcabouço jurídico do mercado imobiliário têm sim o condão de ensejar a alteração da jurisprudência consolidada quanto às penas compensatórias. A transição, no entanto, se de fato houver, não deve ser feita em detrimento das legítimas expectativas dos inúmeros adqui- ALEX VASCONCELLOS PRISCO 27Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS rentes que ajuizaram suas ações antes da edição da Lei do Distrato, confiantes nos parâmetros de uma jurisprudência pacificada em tribunal superior (STJ), a qual, em tema de pena compensatória, lhes é bem mais favorável do que a Lei 13.786/2018. Concebido para proteger a confiança de jurisdicionados vitimados por vi- radas jurisprudenciais danosas, o § 3º, do artigo 927, do CPC/2015, faculta ao órgão judicante, em prol do “interesse social” e da “segurança jurídica”, modular os efeitos da decisão que alterar o entendimento. E não há dúvida de que even- tual mudança de orientação jurisprudencial provocada pela adesão voluntária de juízes às regras da Lei do Distrato nas ações em curso justificaria o uso ex- cepcional da ferramenta da modulação. Afinal, os efeitos onerosos da retenção de porcentuais bem mais altos repercutirão negativamente numa enorme massa de interesses sociais relevantes, que são os dos adquirentes, constituídos em grande parte por consumidores, cidadãos da combalida classe média brasileira, catando os cacos da frustração do sonho da casa própria. A necessidade de ga- rantir a segurança jurídica também é evidente nesse cenário. Afinal, o comprador inadimplente que propôs ação de resolução do contrato imobiliário cumulada com pedido de restituição parcial de quantias pagas assim agiu confiando na firme orientação jurisprudencial do STJ sobre o assunto. Portanto, se acaso o advento da Leido Distrato, pela via transversa da modificação jurisprudencial, vier mesmo a regular situações judicializadas ante- riormente à sua entrada em vigor, que essa alteração tenha seus efeitos modu- lados na forma da lei processual, para não atingir os adquirentes que ajuizaram suas ações antes da edição da Lei 13.786/2018; ou, de forma mais abrangente, para que somente incida a partir da própria decisão modificativa de orientação (prospective overruling). 28 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS A (IR)RETRATABILIDADE DO COMPROMISSO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NA LEI 13.786/2018 Alexandre Junqueira Gomide1 Introdução Os contratos, no Direito Civil brasileiro, são e (sempre foram) instrumentos jurídicos que vinculam as partes. Os contratantes negociam e assinam contratos porque querem ter a segurança de que seja cumprido o que foi estabelecido nas tratativas e consolidado no instrumento. Muito embora boa parte da doutrina (sobretudo a mais “contemporânea”) tenha tentado mitigar a importância do princípio pacta sunt servanda, o fato é que não se pode retirar o caráter de obrigatoriedade e vinculação das partes às obrigações estabelecidas nos contratos. Sem prejuízo, de forma excepcional, alguns contratos admitem que uma das partes, de forma imotivada, possa pôr fim ao contrato em razão de um direito potestativo que a Lei ou o contrato lhe conferem. A possibilidade de uma das partes extinguir de forma unilateral o contrato é a hipótese da resilição contratual unilateral, que decorre do art. 473 do Código Civil. A esse exemplo, cite-se o direito potestativo que possui o locatário para, de forma imotivada, resilir (via denúncia) o contrato de locação (art. 4º, da Lei 8.245/1991) ou, ainda, a possibilidade de o mandatário resilir (via revogação), o mandato conferido ao mandante. 1 Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal. Professor de cursos de Pós-Graduação de diversas instituições. Colaborador do Blog Civil & Imobiliário (www.civileimobiliario.com.br). Fundador do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo. Advogado, parecerista e só- cio de Junqueira Gomide & Guedes Advogados (www.junqueiragomide.com.br). 29Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Resta saber, contudo, se o contrato de compra e venda de unidades de- correntes de uma incorporação imobiliária é um tipo contratual que permite ao vendedor ou ao adquirente a extinção unilateral imotivada. Não obstante entendimentos respeitáveis contrários2, não há justificativa legal que autorize a resilição contratual unilateral do compromisso particular de compra e venda das unidades sujeitas à incorporação imobiliária3. A lei 4.591/64 nunca permitiu ao adquirente, de forma unilateral, extinguir de forma imotivada o contrato. Como reforço de tal assertiva, convém relembrar que, no ano de 2001, quando editada a Medida Provisória 2.221/2001, convertida na Lei 10.931/2004, que alterou o art. 32 § 2º4 da Lei 4.591/64, o legislador reforçou (de forma ex- pressa) a irretratabilidade de tal instrumento. Atente-se: salvo estipulação em contrário, o instrumento já era considerado irretratável. Contudo, no início do século, resolveu o legislador conferir a irretratabilidade no próprio texto de lei. Nesses termos, pode-se dizer que, desde a edição da Lei de Incorporação Imobiliária, qualquer pessoa que se dirigisse ao estande de vendas e assinasse um contrato de promessa de compra e venda de unidade alienada sob o regime da incorporação imobiliária não poderia pura e simplesmente se “arrepender” do contrato. A irretratabilidade dos instrumentos justifica-se uma vez que a incorpora- ção imobiliária somente pode prosperar, evidentemente, caso a coletividade dos adquirentes cumpra suas obrigações. A partir do momento em que uma parte 2 Carlos E. Elias de Oliveira e Bruno Mattos e Silva, por uma série de motivos, dentre eles o “direito à saída honrosa do contrato”, defendem que é permitida a resilição unilateral ao adquirente na Lei 4.591/1964, quando há relação de consumo. Segundo os autores “havendo relação de consumo, a vulnerabilidade jurídica, informacional, técnica e econômica do consumidor precisa ser protegida e, nesse sentido, a resilição unilateral imotivada deve ser admitida se o saldo devedor ainda não tiver sido integralmente pago. Se o contrato for textualmente contrário, ele é nulo nessa parte por ofensa aos arts. 473 do CC e 51 do CDC”. (OLIVEIRA, Carlos E. Elias de; MATTOS E SILVA, Bruno. A recente Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018): o novo cenário jurídico dos contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária e em loteamento. Disponível em: https://www. conjur.com.br/dl/artigo-lei-distrato.pdf. Acesso em 12 jan. 2018). Com a devida vênia, discordamos frontalmente da posição dos autores, ressaltando que a legislação nacional em vigor não pode ser simplesmente desconsiderada porque parte da doutrina discorda de seus termos. 3 Atente-se, por outro lado, que a Lei 4.591/1964 autoriza que o incorporador, em até 120 dias contados do registro da incorporação, denuncie a incorporação. Ultrapassado esse prazo sem a denúncia, também não poderá o incorporador pura e simplesmente desistir de entregar as unidades aos futuros adquirentes. 4 Art. 32, § 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de ces- são de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004) 30 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS dos adquirentes resolve pura e simplesmente desistir do contrato, o sucesso da incorporação imobiliária fica comprometido. Ameaçado o recebimento do crédito prometido pelos adquirentes, ameaçada estará a obra e, portanto, toda a coleti- vidade dos compradores do empreendimento. De todo modo, embora a promessa de compra e venda de unidades seja irretratável, isso não significa que o contrato não possa ser extinto por outras formas. Isso porque, sabemos, o Código Civil dispõe sobre a extinção dos con- tratos, em geral. Nesses termos, o Código Civil permite a extinção dos contratos por acordo entre as partes (distrato – art. 472) ou, ainda, por resolução quando há (i) descumprimento contratual (art. 475) ou (ii) onerosidade excessiva (art. 478). Pois bem. Fato é que, infelizmente, os tribunais brasileiros, nos últimos anos, não deram a atenção necessária para o fato de que a promessa de compra e venda de unidade no regime da incorporação imobiliária obriga as partes e não pode ser extinta unilateralmente pelo adquirente por mero arrependimento ou outra forma de resilição unilateral, porque irretratável. Assim, não obstante a cristalina redação do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964, os tribunais passaram a conferir interpretação extensiva a esse dispositivo e, não raras vezes, passaram a permitir a extinção do contrato não apenas nas hipóte- ses de distrato ou resolução; mas, também, em casos em que havia, evidente- mente, mero arrependimento ou qualquer outra hipótese que não justificasse o desfazimento do vínculo contratual. A Súmula nº 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo (cuja redação, diga-se, não é das mais técnicas), por exemplo, pode levar o intérprete a imaginar que o adquirente tem a possibilidade de extinguir o contrato de forma unilateral e sem qualquer motivação: Súmula 1. O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que searbitrar pelo tempo de ocupação do bem. Nesse sentido, atente-se, por exemplo, para o caso concreto que foi objeto de artigo anteriormente publicado5, em que o magistrado de primeiro grau, na 5 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231277,11049-Tempos+de+in- certezas+Fim+da+vinculacao+das+partes+aos+contratos. Acesso em ALEXANDRE JUNQUEIRA GOMIDE 31Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS sentença, determinou a extinção no contrato de compra e venda com fundamen- to na Súmula nº 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo, consignando o seguinte: Quanto ao desejo de rescindir o contrato, temos que este é garantido a qualquer parte integrante de um acordo, já que ninguém é obrigado a manter-se no cumprimen- to de um negócio ao qual não mais lhe interessa. E não apenas magistrados de primeiro grau passaram a entender que o adquirente (sobretudo quando consumidor) poderia resilir unilateralmente tais contratos. Há uma série de julgados, por exemplo, no Tribunal de Justiça de São Paulo, permitindo a extinção do vínculo contratual em razão da resilição unila- teral manifestada pelo adquirente6. Há julgado, diga-se, confundindo categorias contratuais distintas, que autoriza, inclusive, “resilição por inadimplemento con- tratual dos adquirentes7”. Justamente em razão de decisões desarrazoadas como essas é que o mer- cado imobiliário passou a criticar duramente a facilidade com que os adquirentes poderiam extinguir os contratos e ainda obter a restituição do percentual entre 80% a 90% dos valores pagos8. 6 Defendendo o cabimento da resilição unilateral em razão da Súmula 1 do TJSP, vide: Apelação 1037338-53.2016.8.26.0576; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/12/2018; Data de Registro: 20/12/2018. Em outro julgado, asseverou-se que “a lei consumerista autoriza a resilição do compromisso de compra e venda por conveniência do comprador (artigos 6º, V, 51, II, 53 e 54). No mesmo sentido vem a Súmula 1 desta corte” (TJSP; Apelação 1037516- 86.2014.8.26.0506; Relator (a): Galdino Toledo Júnior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Pri- vado; Foro de Ribeirão Preto - 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 14/12/2018). 7 Nesse sentido, vide APELAÇÃO. Ação de rescisão contratual c.c. restituição de quantias pa- gas. Compromisso de compra e venda. Resilição por inadimplemento contratual dos adquirentes. Sentença que rescinde o contrato e condena a ré a restituir 90% do total pago pelos promitentes compradores, bem como valores pagos a título de comissão de corretagem. Reconhecimento da nu- lidade de cláusulas contratuais. Art. 51, inciso IV, do CDC. RECURSO DA RÉ. Nulidade das cláusulas contratuais que prevalece, haja vista a abusividade (art. 51, IV, do CPC). Retenção que deve ficar restrita a 20% dos valores pagos pelos compromissários compradores tão somente pelo imóvel. (TJSP; Apelação 1007053-45.2014.8.26.0286; Relator (a): Cristina Medina Mogioni; Órgão Julga- dor: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itu - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/12/2018; Data de Registro: 13/12/2018), 8 APELAÇÃO CÍVEL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – RESCISÃO CONTRATUAL – Resolução da avença operada em face do inadimplemento dos compradores – Restituição de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos pela aquisição do bem imóvel, em uma única oportunidade, com atualização dos valores a partir de cada desembolso, e com juros moratórios devidos a partir do trânsito em julgado, uma vez que o desfazimento do negócio ocorreu por iniciativa dos promitentes compradores – Precedentes do STJ – Súmula 02 do TJSP – Inadmissibilidade da rescisão ocorrer nos termos contratados – Abusividade reconhecida – Inteligência do artigo 51, inciso IV, do CDC – Insurgência contra a cobrança de valores de comissão de corretagem e taxa SATI em contrato de compra e venda de imóvel – Aplicação do artigo 1.040, III, do CPC/15 – Tese firmada pelo C. STJ no julgamento do REsp repetitivo 1.599.511/SP – Comissão de corretagem indevida, havendo valo- res a serem restituídos – Devolução da SATI, de forma simples – Sentença reformada – APELAÇÃO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDA”. (TJSP; Apelação 1003940-17.2014.8.26.0114; Rela- 32 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS Dados estatísticos demonstram, por exemplo, que, em 2016, mais de qua- renta mil unidades tiveram as vendas canceladas até novembro, o equivalente a 44% das vendas totais no período9. A reação do mercado imobiliário foi justamente pleitear uma alteração legis- lativa que pudesse readequar a jurisprudência brasileira que passou a permitir que qualquer adquirente pudesse extinguir o contrato de forma unilateral, a qualquer tempo e sem motivação, ou seja, como se fosse admitida a resilição unilateral para extinção do contrato de promessa de venda regulado pela Lei 4.591/1964. Nesse sentido foi promulgada a Lei 13.786/2018. Embora a Lei mereça uma série de críticas, ao menos com relação à irretra- tabilidade do instrumento, há um avanço. Procurando atender a um pleito antigo de consumidores vulneráveis, a Lei passou a permitir a resilição unilateral do contrato via direito de arrependimento. Assim, a partir da Lei 13.786/2018, o adquirente passa a dispor de uma hipótese legal para extinguir unilateralmente o contrato, sem o pagamento de qualquer multa (art. 67-A, § 10º a 12º). Nesses termos, é possível dizer que a Lei cria um direito potestativo em que o adquirente pode, sem qualquer motivação, arre- pender-se da aquisição realizada, desde que o faça a partir de carta registrada10. É possível dizer, portanto, que a intitulada Lei do Distrato altera a concepção original da Lei, permitindo, agora sim, a resilição unilateral (direito de arrependi- mento). Nessa oportunidade, exercido o direito de arrependimento, o adquirente tor (a): Dimitrios Zarvos Varellis; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/12/2018; Data de Registro: 18/12/2018). APELAÇÃO – Ação de Resolução Contratual - Instrumento Particular de Promessa de Venda e Com- pra de Unidade Autônoma - Ação ajuizada pelo compromissário comprador, requerendo a rescisão do negócio de compra e venda e a devolução de 90% das quantias pagas – Sentença de parcial procedência – Inconformismo da ré - Alegação de que a devolução dos valores pagos deve observar os critérios estabelecidos no contrato entabulado entre as partes – Descabimento – Manifesta abusi- vidade da cláusula contratual resolutiva por acarretar inexistência de montante a ser restituído – Re- tenção de 10% do valor pago que é suficiente para atender a compensação das despesas efetuadas pela ré – Devolução que deve ocorrer de uma só vez – Inteligência das Súmulas nº 2 e 3 do TJ/SP - Sentença que, todavia, deve ser reformada para estabelecer que os juros de mora incidentes sobre o montante a ser restituído à autora serão contados a partir da data sentença – Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação 1006218-87.2016.8.26.0609; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taboão da Serra - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 10/12/2018). 9 Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-outros-paises-ao- -permitir-distrato-de-imoveis-mostra-estudo,70001652039. Acesso em 10 Há evidente equívoco da forma de contagem do prazo do direito de arrependimento da forma como conferida na Lei 13.786/2018. Segundo o art. 67-A, parágrafo 10º, a data inicial para exercer o direito de arrependimento se dá a partir da postagem da carta comunicando o arrependimento. Na realidade, a data inicial deveria contar a partir do contrato firmado entre as partes. ALEXANDRE JUNQUEIRA GOMIDE 33Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS poderá receber a totalidade dos valores pagos, inclusive a comissão de correta- gem.Finalmente é possível dizer que a Lei confere ao adquirente a possibilidade de se retratar. Parece salutar tal medida. A compra de imóvel no estande de vendas pode ser realizada sem a necessária reflexão pelo adquirente, principalmente quando se trata da aquisição do primeiro imóvel residencial. O impulso do adquirente muitas vezes é inflamado pelo corretor imobiliário. O prazo de sete dias é lou- vável porque permite ao adquirente avaliar se, de fato, as obrigações a que se vinculou poderão ser, efetivamente, cumpridas. O direito de arrependimento, segundo a nova lei, cabe apenas para “os contratos firmados em estande de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial” (art. 35-A, inciso VIII e art. 67-A, § 10º, da Lei 13.786/2018). Muito bem. Ultrapassado o prazo de sete dias, a lei é clara (art. 67-A, § 12º) quanto à retomada da regra da irretratabilidade, nos exatos termos do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964. Assim, ultrapassado o prazo para o exercício do direito de arrepen- dimento, retoma-se a concepção original da Lei: irretratabilidade. Esperamos que a partir da Lei 13.786/2018, a interpretação dos tribunais siga à risca o que é determinado pela norma legal. Assinado o instrumento par- ticular de venda e compra, o adquirente terá o prazo de sete dias para se arre- pender. Nessa hipótese, exercido o arrependimento, deverá reaver toda quantia eventualmente paga. Todavia, ultrapassado o prazo referido, não poderá o ad- quirente pura e simplesmente “desistir” do contrato firmado, porque irretratável. Não havendo mais interesse na aquisição do bem e ultrapassado o prazo de sete dias, o contrato apenas poderá ser extinto via distrato ou resolução (culpa do adquirente), oportunidade em que o adquirente deverá se sujeitar às conse- quências jurídicas estabelecidas no atual art. 67-A, trazido pela Lei 13.786/2018. Tal medida, certamente, além de garantir maior proteção ao adquirente, também trará segurança jurídica aos pactos, uma vez que os contratos não po- derão admitir resilição unilateral a qualquer tempo. 34 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS LEI 13.786/2018: PODE O JUIZ REDUZIR A CLÁUSULA PENAL? André Abelha1 Legem habemus. A Lei 13.786, de 28.12.2018, trouxe novas regras para o desfazimento de contratos de alienação de imóveis celebrados em regime de incorporação imobiliária ou de loteamento. Dentre elas, destacam-se aquelas ins- culpidas no artigo 67-A, introduzido na Lei 4.591/642. Antes de começarmos, abra-se um breve parêntese. O adquirente só pode desistir da aquisição da unidade no prazo de sete dias da assinatura do ajuste, quando assinado em estande de vendas ou fora da sede da incorporadora (§ 10º do art. 67-A). Depois disso, sua manifestação de vontade torna-se irrevogável, inexistindo direito à resilição unilateral do contrato. Isso significa que o adquirente estará eternamente amarrado ao pacto? Claro que não. Sobrevindo circunstância que inviabilize o cumprimento da sua obrigação de pagar o saldo da unidade (perda de emprego, por exemplo), o ne- gócio não poderá ser resilido, mas poderá ser resolvido, a seu pedido, pelo seu 1 Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor dos cursos de pós-graduação e extensão em Di- reito Civil e Imobiliário de UERJ, PUC-Rio, Emerj, Damásio, Baiana, Nemesis, CERS, Ucam e ILLM. Fundador, Vice-Presidente e Diretor Administrativo do IBRADIM. Advogado especialista em Direito Imobiliário. 2 Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente. [...] II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. [...] § 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expe- dido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga. 35Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS próprio inadimplemento, antecipado ou já em curso. Leia-se: não basta ao com- prador alegar que não quer; é preciso provar que não pode. Fecha. O novo dispositivo estabelece os limites da cláusula penal aplicável às hipóteses de resolução contratual por inadimplemento do adquirente: até 25% dos valores pagos para os casos em geral (inciso II) e até 50% nas incorporações submetidas ao patrimônio de afetação (§ 5º). A lei já nasceu envolta em imensa polêmica, com muitas vozes contrárias aos referidos percentuais, especialmente o maior. Alguns juízes já arregaçaram as mangas, prontos para reduzir a multa nos seus processos. E adianto que este artigo não é, nem de longe, uma crítica a tais magistrados: haverá situações, de fato, em que a redução será possível. Pois bem: neste cenário de ampla, pública e notória controvérsia, discute- -se a (im)possibilidade de corte equitativo da pena pelo juiz. Afinal, a Lei nova afasta o art. 413 do Código Civil, que autoriza (aliás, impõe) sua diminuição? Existe antinomia entre tais dispositivos legais? É o que se pretende apurar neste brevíssimo artigo. Como se sabe, a cláusula penal tem a função de estimular o cumprimento, pelo devedor, da obrigação por ela abrangida. Se o estímulo for insuficiente, e ainda assim sobrevier a inadimplência, o credor (se não optar pela sua execução específica, porque não lhe interessa, ou porque não a tem) poderá, em compen- sação, exigir a cláusula penal, cujo desiderato será, então, o de pré-liquidar a indenização a ser paga pelo devedor inadimplente. Nessa linha, e por força do art. 416 do Código Civil, o credor, em regra, não precisará provar o dano. A cláusula penal é o teto e também o piso da in- denização, a depender do que for convencionado: o parágrafo único do art. 416 estabelece que o credor não poderá cobrar indenização suplementar, ao mesmo tempo em que fixa a cláusula penal como o mínimo da indenização, desde que as- sim previsto pelas partes, competindo ao credor provar o prejuízo sobressalente. Em outras palavras: se meu prejuízo foi de R$ 500 mil, e a cláusula penal, por exemplo, fixada em 20% do valor da obrigação, equivale a R$ 300 mil, duas coisas podem ocorrer aqui: (i) caso eu prove todo o prejuízo, poderei cobrar os R$ 500 mil, se tiver sido prevista a possibilidade de indenização suplementar; ou (ii) se eu nada provar, ou comprovar um dano de apenas R$ 100 mil, mesmo assim poderei exigir os R$ 300 mil (indenização mínima). 36 Coletânea IBRADIM LEI DOS DISTRATOS A cláusula penal, portanto, representa uma proteção da obrigação, e tutela o próprio contrato. As partes, no âmbito de sua autonomia privada, podem fixá-la dentro de certos limites. Que limites são esses? Nos pactos em geral, isso é, nas situações em que não exista regra especial para a cláusula penal, o teto é o montante da obrigação (leia-se, 100% de seu valor), segundo o art. 412 do Código Civil3. E não é mera coincidência a existência do dispositivo que vem logo na se- quência. A mão que dá é a mão que tira. A mesma Lei que autoriza as partes a estabelecerem o mínimo da indenização prevê, no art. 413, sua redução judicial equitativa, sempre que verificado seu excesso manifesto. Tal análise é realizada no caso concreto, a partir da natureza e finalidade do negócio jurídico. Logo, uma lei especial
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