Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TUTORIA 3 - LESÃO À DISTÂNCIA Maria Karoline Duque ★ Sistema Complemento *O sistema complemento é um dos principais mecanismos efetores da imunidade humoral e é também um importante mecanismo efetor da imunidade inata. *Bordet concluiu que o soro deve conter algum componente termolábil que auxilia, ou complementa, a função lítica de anticorpos e, posteriormente, esse componente recebeu o nome de complemento. *O sistema complemento é composto de proteínas séricas e de superfície celular que interagem umas com as outras e com outras moléculas do sistema imune de maneira altamente regulada para gerar produtos que funcionam para eliminar os microrganismos. ● Vias de ativação *Existem três vias principais de ativação do complemento: a via clássica, que é ativada por determinados isotipos de anticorpos ligados a antígenos; a via alternativa, que é ativada na superfície das células microbianas na ausência de anticorpo; e a via das lectinas, que é ativada por uma lectina plasmática que se liga a resíduos de manose em microrganismos. *Embora as vias de ativação do complemento difiram na forma como são iniciadas, todas elas resultam na geração de complexos de enzimas que são capazes de clivar a proteína mais abundante do complemento, C3. *As vias alternativas e das lectinas são mecanismos efetores da imunidade inata, ao passo que a via clássica é um dos principais mecanismos de imunidade humoral adaptativa. *A ativação do complemento envolve a proteólise sequencial de proteínas para gerar complexos de enzimas com atividade proteolítica. As proteínas que adquirem atividade enzimática proteolítica pela ação de outras proteases são chamadas de zimógenos. O processo de ativação sequencial de zimogênio, uma característica de definição de uma cascata de enzimas proteolíticas, permite enorme amplificação, porque cada molécula de enzima ativada em uma etapa pode gerar múltiplas moléculas de enzima ativada na etapa seguinte. *Os produtos de ativação do complemento tornam-se ligados covalentemente a superfícies de células microbianas, anticorpos ligados aos microrganismos e outros antígenos, e também aos corpos apoptóticos. *Na fase fluida, as proteínas do complemento são inativas, ou apenas transitoriamente (por segundos) ativas, e tornam-se estavelmente ativadas após sua ligação a microrganismos, anticorpos ou células mortas. *A ativação do complemento depende da geração de dois complexos proteolíticos: a C3- convertase, que cliva C3 em dois fragmentos proteolíticos denominados C3a e C3b; e a C5-convertase, que cliva C5 em C5a e C5b. *Por convenção, os produtos proteolíticos de cada proteína do complemento são identificadas por sufixos em letras minúsculas, sendo a referente ao produto menor e b ao maior. *Todas as funções biológicas do complemento são dependentes da clivagem proteolítica de C3 (evento central). VIA ALTERNATIVA *A via alternativa de ativação do complemento resulta na proteólise de C3 e na fixação estável do produto de degradação de C3b nas superfícies microbianas, sem a necessidade de anticorpo. *A proteína C3 contém uma ligação de tioéster reativa que fica escondida em uma região da proteína conhecida como domínio de tioéster. Quando C3 é clivado, a molécula de C3b sofre uma mudança conformacional dramática e o domínio tioéster é exteriorizado, expondo a ligação tioéster reativa anteriormente oculta. *Uma pequena quantidade de C3b pode se tornar covalentemente ligada às superfícies de células, incluindo de microrganismos, através do domínio tioéster, o qual reage com os grupos amino ou hidroxila das proteínas de superfície celular ou dos polissacarídeos para formar ligações amida ou éster. *Se não ocorrer a formação dessas ligações, o C3b permanece na fase fluida e a ligação de tioéster reativa e exposta é rapidamente hidrolisada, inativando a proteína. Como resultado, a ativação do complemento não pode continuar. *Quando o C3b sofre sua mudança conformacional pós-clivagem, há exposição de um local de ligação para uma proteína plasmática chamada Fator B. O Fator B liga-se, então, à proteína C3b, que fica agora presa de forma covalente à superfície de uma célula microbiana ou do hospedeiro. O Fator B é, por sua vez, clivado por uma serinoprotease plasmática chamada Fator D, liberando um fragmento pequeno denominado Ba e gerando um fragmento maior chamado Bb, o qual permanece ligado ao C3b. O complexo C3bBb é a C3-convertase da via alternativa e funciona para clivar mais moléculas de C3, estabelecendo, assim, uma sequência de amplificação. *Mesmo quando C3b é gerado pelas vias clássica ou das lectinas, ele pode formar um complexo com Bb e esse complexo é capaz de clivar mais C3. *Se o complexo C3bBb é formado sobre células de mamíferos, é rapidamente degradado e a reação é finalizada pela ação de diversas proteínas reguladoras presentes nessas células. *A ausência de proteínas reguladoras nas células microbianas permite a ligação e a ativação da C3-convertase da via alternativa. *Além disso, uma outra proteína da via alternativa, denominada properdina, pode se ligar e estabilizar o complexo C3bBb e a ligação da properdina é favorecida sobre microrganismos, em oposição às células normais do hospedeiro. A properdina é o único fator de regulação positiva conhecida do complemento. *Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via alternativa ligam-se à própria convertase. Isso resulta na formação de um complexo contendo uma molécula de Bb e duas moléculas de C3b, que funciona como a C5-convertase da via alternativa, que cliva C5 e inicia as etapas da ativação da via terminal do complemento. VIA CLÁSSICA *A via clássica é iniciada pela ligação da proteína C1 do complemento aos domínios CH2 de IgG (IgG, IgG3 e IgG1) ou aos domínios CH3 de moléculas de IgM que estão ligadas ao antígeno. *C1 é um complexo de proteína grande e multimérico, composto por C1q, C1r e subunidades C1s; C1q liga-se ao anticorpo, e C1r e C1s são proteases. *A subunidade C1q é constituída por um arranjo radial de seis cadeias, como um guarda-chuva, cada uma das quais possui uma cabeça globular ligada por um braço semelhante a colágeno a uma haste central . Esse hexâmero executa a função de reconhecimento da molécula e liga-se especificamente às regiões Fc das cadeias pesadas μ e de algumas γ. *Somente anticorpos ligados a antígenos, e não anticorpos livres circulantes, podem iniciar a ativação da via clássica. A razão para isso é que cada molécula de C1q deve se ligar a, pelo menos, duas cadeias pesadas de Ig e ser ativada e cada região Fc de Ig possui apenas um único local de ligação a C1q. Dessa maneira, duas ou mais regiões Fc precisam estar acessíveis para C1, para que a ativação da via clássica seja iniciada. Como cada molécula de IgG possui apenas uma região Fc, várias moléculas de IgG precisam ser aproximadas antes de se ligar a C1q, e esse agrupamento de diversos anticorpos de IgG apenas quando eles se ligam a um antígeno multivalente. *Ainda que IgM livre (circulante) seja pentamérica,ela não se liga a C1q porque as regiões Fc estão em uma configuração que as torna inacessíveis a C1q. A ligação da IgM a um antígeno induz uma alteração conformacional que expõe os locais de ligação nas regiões Fc, permitindo a ligação a C1q. Em virtude da sua estrutura pentamérica, uma única molécula de IgM pode se ligar a duas moléculas de C1q, e esta é uma das razões que explicam por que a IgM é um anticorpo mais eficaz para a ligação ao complemento (ou fixação do complemento) do que a IgG. *C1r e C1s são serinoproteases que formam um tetrâmero contendo duas moléculas de cada uma das proteínas. A ligação de duas ou mais das cabeças globulares de C1q a regiões Fc de IgG ou de IgM leva à ativação enzimática do C1r associado, que cliva e ativa C1s. *C1s ativado cliva a proteína seguinte na cascata, C4, para gerar C4b. *C4 é homóloga a C3, e C4b contém uma ligação de tioéster interno, semelhante àquele em C3b, que forma ligações covalentes do tipo amida ou éster com o complexo antígeno-anticorpo ou com a superfície adjacente de uma célula à qual o anticorpo está ligado. Esta ligação de C4b assegura que a ativação da via clássica prossiga sobre uma superfície celular ou complexo imune. *A proteína seguinte do complemento, C2, forma então complexo com o C4b ligado à superfície celular e é clivada por uma molécula de C1s próxima para gerar um fragmento solúvel de C2b, de importância desconhecida, e um fragmento C2a maior que permanece fisicamente associado a C4b na superfície da célula. *O complexo resultante, C4b2a, é a C3-convertase da via clássica; ela tem a capacidade de se ligar e clivar proteoliticamente C3. A ligação deste complexo enzimático a C3 é mediada pelo componente C4b, e a proteólise é catalisada pelo componente C2a. A clivagem de C3 resulta na remoção do fragmento pequeno C3a; e C3b pode formar ligações covalentes com as superfícies das células ou com o anticorpo em que está ocorrendo a ativação do complemento. C3b, uma vez depositado, pode se ligar ao Fator B e gerar mais C3-convertase pela via alternativa. *O resultado final das diversas etapas enzimáticas e da amplificação é que uma única molécula de C3 convertase pode levar à deposição de centenas ou milhares de moléculas de C3b na superfície da célula em que o complemento é ativado. *Os passos-chave iniciais das vias alternativas e clássica são análogos: C3 na via alternativa é homóloga a C4 na via clássica, e o Fator B é homólogo a C2. *Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via clássica ligam-se à convertase (como na via alternativa) e formam um complexo C4b2a3b. Este complexo funciona como a C5-convertase da via clássica; cliva C5 e inicia as etapas terminais da ativação do complemento. *Em infecções por pneumococos, ocorre uma forma não usual da via clássica, independente de anticorpo mas dependente de C1, que é ativada pela ligação de carboidratos a uma lectina de superfície celular. Macrófagos da zona marginal esplênica expressam um tipo de C-lectina de superfície celular chamada SIGN-R1 que pode reconhecer polissacarídeos de pneumococos e também pode se ligar a C1q. A ligação multivalente de bactérias inteiras ou do polissacarídeo a SIGN-R1 ativa a via clássica e permite o eventual revestimento do pneumococo com C3b. Este é um exemplo de uma lectina de superfície celular que medeia a ativação da via clássica, mas sem a necessidade de anticorpo. VIA DAS LECTINAS *A via das lectinas de ativação do complemento é desencadeada pela ligação de polissacarídeos microbianos a lectinas circulantes, tais como a lectina ligadora de manose (ou manana) plasmática (MBL) ou as ficolinas, sempre na ausência de anticorpos. *Essas lectinas solúveis são proteínas colágeno-símile que se assemelham estruturalmente a C1q. *MBL, L-ficolina e H-ficolina são proteínas plasmáticas. A M-ficolina é secretada principalmente por macrófagos ativados nos tecidos. *A MBL é um membro da família das colectinas e possui um domínio N-terminal colágeno-símile e um domínio de reconhecimento de carboidrato C-terminal. *As ficolinas apresentam uma estrutura similar, com um domínio N-terminal colágeno-símile e um domínio C-terminal fibrinogênio-símile. *Os domínios colágeno-símile auxiliam na composição das estruturas básicas em tripla hélice que pode formar oligômeros de ordem superior. *A MBL liga-se a resíduos de manose em polissacarídeos; o domínio fibrinogênio-símile da ficolina liga-se aos glicanos contendo N-acetilglicosamina. *A MBL e as ficolinas ligam-se às serinoproteases associadas à MBL (MASPs, do inglês MBL-associated serine proteases), incluindo MASP1, MASP2 e MASP3. As MASPs são estruturalmente homólogas às proteases C1r e C1s e apresentam função similar, a saber, a clivagem de C4 e de C2 para ativar o complemento. *MASP1 (ou MASP3) podem formar um complexo tetramérico com MASP2 de modo semelhante ao observado com C1r e C1s; e MASP2 é a protease que cliva C4 e C2. *Os eventos subsequentes nesta via são idênticos aos que ocorrem na via clássica. ETAPAS FINAIS DA ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO *As C5-convertases geradas pela alternativa clássica ou das lectinas iniciam a ativação dos componentes da via terminal do sistema complemento, o que culmina na formação do complexo de ataque à membrana (MAC) com atividade lítica. *As C5-convertases clivam C5 em um pequeno fragmento, C5a, que é liberado, e outro fragmento com duas cadeias C5b, que permanece ligado às proteínas do complemento depositadas na superfície da célula. *Os demais componentes da cascata do complemento, C6, C7, C8 e C9, são proteínas estruturalmente relacionadas e sem atividade enzimática. *C5b sustenta uma conformação transitória que é capaz de se ligar às proteínas seguintes da cascata, C6 e C7. *O componente C7 do complexo resultante C5b,6,7 é hidrofóbico e se insere na bicamada lipídica das membranas celulares, onde se torna um receptor de alta afinidade para a molécula C8. *A proteína C8 é um trímero composto por três cadeias distintas, uma das quais se liga ao complexo C5b,6,7 e forma um heterodímero covalente com a segunda cadeia; a terceira cadeia se insere na bicamada lipídica da membrana. *Este complexo C5b,6,7,8 (C5b-8) inserido estavelmente tem uma capacidade limitada de lisar as células. A formação de um MAC completamente ativo é alcançada pela ligação de C9, o componente final da cascata do complemento, ao complexo C5b-8. C9 é uma proteína sérica que se polimeriza no local de ligação de C5b-8 para formar poros nas membranas plasmáticas. *Esses poros formam canais que permitem a livre circulação de água e de íons. A entrada de água resulta em aumento osmótico e ruptura das células em cuja superfície o MAC foi depositado. *C9 é estruturalmente homóloga à perforina (proteína do grânulo citolítico encontrado em linfócitos T citotóxicos e em células NK). ● Receptores para proteínas do complemento *Muitas das atividades biológicas do sistema do complemento são mediadas pela ligação de fragmentos docomplemento a receptores de membrana expressos em vários tipos celulares. *Os mais bem caracterizados são específicos para os fragmentos de C3. Outros receptores incluem aqueles para C3a, C4a e C5a, que estimulam a inflamação, e alguns que regulam a ativação do complemento. CR1/CD35 *É um receptor de alta afinidade para C3b e C4b. *É expresso principalmente em células derivadas da medula óssea, incluindo eritrócitos, neutrófilos, monócitos, macrófagos, eosinófilos e linfócitos T e B; ele também é encontrado em células dendríticas foliculares no interior dos folículos de órgãos linfoides periféricos. *Fagócitos utilizam esse receptor para se ligar a partículas opsonizadas com C3b ou C4b e internalizá-las. A ligação das partículas recobertas por C3b ou C4b a CR1 também transduz sinais que ativam os mecanismos microbicidas dos fagócitos. *CR1 em eritrócitos liga-se a imunocomplexos circulantes ligados a C3b e C4b e transporta esses complexos para o fígado e para o baço. Nesses órgãos, os fagócitos removem os imunocomplexos da superfície dos eritrócitos e os eritrócitos continuam a circular. *O CR1 também é um regulador da ativação do complemento. CR2/CD2 *CR2 está presente em linfócitos B, células dendríticas foliculares e em algumas células epiteliais. *Liga-se especificamente aos produtos de clivagem de C3b, denominados C3d, C3dg e iC3b (i referindo-se a inativo), que são gerados por proteólise mediada pelo Fator I. *Em células B, o CR2 é expresso como parte de um complexo trimolecular que inclui duas outras proteínas não ligadas covalentemente, denominadas CD19 e CD81 (ou TAPA-1, alvo do anticorpo antiproliferativo-1). Este complexo fornece sinais para as células B, aumentando suas respostas ao antígeno. *Em células dendríticas foliculares, o CR2 serve para capturar complexos antígenoanticorpo revestidos de iC3b e C3dg nos centros germinativos (centro ativado de um folículo linfoide). *Em humanos, CR2 é o receptor de superfície celular para o vírus Epstein-Barr, um herpes-vírus que causa a mononucleose infecciosa e também é associado a diversos tumores malignos. O vírus Epstein-Barr entra na célula B via CR2, infecta essas células e nelas pode permanecer latente por toda a vida. Mac-1/CR3/CD11bCD18 *Mac-1 é expresso em neutrófilos, fagócitos mononucleares, mastócitos e células NK. *Esse receptor é um membro da família de integrinas de receptores de superfície celular e consiste em uma cadeia α (CD11b) não covalentemente ligada a uma cadeia β (CD18) que é idêntica às cadeias β de duas moléculas de integrina estreitamente relacionadas, o antígeno associado à função de leucócitos 1 (LFA-) e p150,95. *Em neutrófilos e monócitos, Mac-1 promove a fagocitose de microrganismos opsonizados com iC3b. Além disso, Mac-1 pode fazer o reconhecimento direto de bactérias para a fagocitose ao se ligar a algumas moléculas microbianas desconhecidas. *Também se liga à molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) em células endoteliais e promove a adesão estável dos leucócitos ao endotélio, mesmo sem ativação do complemento. CR4/ p150,95/CD11c,CD18 *É uma outra integrina com uma cadeia α diferente (CD11c) e a mesma cadeia β do Mac-1. *Também se liga a iC3b e tem provavelmente uma função semelhante à do Mac-1. *CD11c é abundantemente expresso em células dendríticas, sendo utilizado como um marcador para este tipo de células. CRIg *Expresso na superfície de macrófagos no fígado, conhecidos como célula de Kupffer. *CRIg é uma proteína integral de membrana com uma região extracelular constituída por domínios de Ig. Liga-se aos fragmentos C3b e iC3b do complemento e está envolvido na eliminação de bactérias opsonizadas e de outros patógenos transmitidos por via sanguínea. ● Regulação da ativação do complemento *A ativação da cascata do complemento e a estabilidade de proteínas ativas do complemento são finamente reguladas para evitar a ativação do complemento em células normais do hospedeiro e para limitar a duração da ativação do complemento, mesmo em células microbianas e complexos antígeno-anticorpo, porque os produtos da degradação de proteínas do complemento podem se difundir para as células adjacentes e produzir lesão. *A regulação do complemento é mediada por diversas proteínas circulantes e de membrana celular. Muitas dessas proteínas, bem como as várias proteínas das vias clássica e alternativa, pertencem a uma família denominada reguladores da atividade do complemento (RCA). *Diferentes mecanismos reguladores inibem a formação da C3-convertase nas etapas iniciais da ativação do complemento, quebram e inativam as convertases de C3 e de C5 e inibem a formação do MAC nas etapas posteriores da via do complemento. C1-INH *C1-INH é um inibidor de serinoproteases que mimetiza os substratos normais de C1r e de C1s. *Se o C1q se ligar a um anticorpo e iniciar o processo de ativação do complemento, C1-INH torna-se um alvo da atividade enzimática da ligação C1r2-C1s2. *C1-INH é clivado por C1r2-C1s2 e se torna covalentemente ligado a essas proteínas do complemento e, como resultado, o tetrâmero C1r2-C1s2 se dissocia de C1q, impedindo, assim, a ativação da via clássica. *Dessa maneira, C1-INH impede o acúmulo de C1r2-C1s2 enzimaticamente ativo no plasma e limita o tempo durante o qual C1r2-C1s2 ativo fica disponível para ativar as etapas subsequentes na cascata do complemento. *Além de C1, C1-INH é um inibidor de outras serinoproteases plasmáticas, incluindo a calicreína e o fator XII da coagulação, que, ativadas, podem promover maior formação de bradicinina. MONTAGEM DOS COMPONENTES DE C3- E C5-CONVERTASES *Se C3b for depositado sobre as superfícies de células normais de mamífero, ele pode se ligar a várias proteínas de membrana, incluindo a proteína de cofator de membrana (MCP ou CD46), o receptor do complemento do tipo 1 (CR1), o fator de aceleração do decaimento (DAF) e uma proteína plasmática chamada Fator H. *O C4b depositado na superfície celular é ligado de maneira semelhante por DAF, CR1, MCP e uma outra proteína plasmática denominada proteína ligadora de C4 (C4BP). *Ao se ligar a C3b ou C4b, essas proteínas inibem competitivamente a ligação de outros componentes da C3-convertase, como Bb da via alternativa e C2a da via clássica, bloqueando, assim, a progressão da cascata do complemento. *O Fator H inibe somente a ligação de C3b a Bb e é, assim, um regulador da via alternativa, mas não da via clássica. *MCP, CR1 e DAF são produzidas por células de mamíferos, mas não por microrganismos. DEGRADAÇÃO DO C3b *MCP, Fator H, C4BP e CR1, todos servem como cofatores para clivagem de C3b (e C4b) mediada por Fator I. Assim, essas proteínas reguladoras das células hospedeiras promovem a degradação proteolítica das proteínas do complemento. *A clivagem de C3b mediada pelo Fator I gera os fragmentos chamados iC3b, C3d e C3dg, que não participam na ativação do complemento, mas são reconhecidos por receptores em fagócitos e linfócitos B. INIBIÇÃO DA FORMAÇÃO DE MAC *O CD59 é uma proteína ligada ao glicofosfatidilinositol expressa em muitos tipos celulares. Ele funciona por meio da incorporação de si mesmo nosMACs que estão sendo montados após a inserção de C5b-8 na membrana, inibindo, assim, a subsequente adição de moléculas C9. *O CD59 está presente nas células normais do hospedeiro, onde limita a formação de MAC, mas está ausente em microrganismos. *A formação do MAC também é inibida por proteínas plasmáticas como a proteína S, que funciona por meio da ligação aos complexos C5b, 6,7 solúveis e, assim, impede sua inserção em membranas celulares próximas ao local onde a cascata do complemento foi iniciada. *Acredita-se que haja uma hierarquia em termos de importância para a inibição da ativação do complemento, sendo CD59 > DAF > MCP; esta hierarquia pode refletir a relativa abundância dessas proteínas nas superfícies celulares. *A função das proteínas reguladoras pode ser superada pela excessiva ativação das vias do complemento. Temos enfatizado a importância dessas proteínas reguladoras na prevenção da ativação do complemento em células normais. No entanto, a fagocitose mediada pelo complemento e os danos às células normais são mecanismos patogênicos importantes em muitas doenças imunológicas. ● Funções do complemento *As principais funções efetoras do sistema do complemento na imunidade inata e na imunidade adaptativa humoral são promover a fagocitose de microrganismos sobre os quais o complemento é ativado, estimular a inflamação e induzir a lise desses microrganismos. Além disso, os produtos de ativação do complemento facilitam a ativação de linfócitos B e a produção de anticorpos. *A fagocitose, inflamação e a estimulação da imunidade humoral são mediadas pela ligação de fragmentos proteolíticos de proteínas do complemento para vários receptores da superfície celular, enquanto a lise celular é mediada pelo MAC. OPSONIZAÇÃO E FAGOCITOSE *A ativação do complemento leva à geração de C3b e de iC3b ligado covalentemente a superfícies celulares. Tanto C3b quanto iC3b atuam como opsoninas, em virtude do fato de que se ligam especificamente a receptores em neutrófilos e macrófagos. *C3b e C4b (o último gerado somente pela via clássica) ligam-se a CR1, e iC3b liga-se a CR3 (Mac-1) e CR4. *Por si só, o CR1 é ineficaz na indução da fagocitose de microrganismos revestidos com C3b, mas isso pode ser aumentado se os microrganismos estiverem revestidos com anticorpos IgG que se ligam simultaneamente a receptores Fcγ. A ativação de macrófagos pela citocina IFN-γ também melhora a fagocitose mediada por CR1. *A fagocitose de microrganismos dependente de C3b e de iC3b é um importante mecanismo de defesa contra infecções nas imunidades inata e adaptativa. ESTIMULAÇÃO DAS RESPOSTAS INFLAMATÓRIAS *Os fragmentos proteolíticos dos complementos C5a, C4a e C3a induzem inflamação aguda, ativando mastócitos, neutrófilos e células endoteliais. *Anafilatoxinas!!! *Todos os três peptídeos ligam-se a mastócitos e induzem a desgranulação, com a liberação de mediadores vasoativos como a histamina. *Em neutrófilos, C5a reforça a motilidade, a adesão firme às células endoteliais e, em altas concentrações, o estímulo do burst respiratório e da produção de espécies reativas de oxigênio. Além disso, C5a pode atuar diretamente sobre as células endoteliais vasculares e induzir aumento da permeabilidade vascular e expressão de P-selectina, o que promove a ligação de neutrófilos. Essa combinação de ações de C5a em mastócitos, neutrófilos e células endoteliais contribui para a inflamação nos locais da ativação do complemento. *Os efeitos pró-inflamatórios de C5a, C4a e C3a são mediados pela ligação dos peptídeos aos receptores específicos em vários tipos celulares. *Os efeitos inflamatórios dos peptídeos (desgranulação de mastócitos) seguem a seguinte ordem: C5a > C3a > C4a. CITÓLISE *A lise mediada pelo complemento de organismos estranhos é mediada pelo MAC. *A maioria dos patógenos desenvolveu durante sua evolução paredes celulares espessas ou cápsulas que impedem o acesso do MAC em suas membranas celulares. *A lise mediada pelo complemento parece ser essencial apenas para a defesa contra alguns poucos agentes patogênicos que são incapazes de resistir à inserção do MAC, como bactérias do gênero Neisseria, que possuem paredes celulares muito delgada. *Além disso, ao se ligarem aos complexos antígeno-anticorpo, as proteínas do complemento promovem a solubilização destes complexos e sua eliminação por fagócitos e a proteína C3d (gerado quando o complemento é ativado por um antígeno) gerada a partir de C3 liga-se a CR2 em células B e facilita a ativação dessas células e o início das respostas imunes humorais. FONTE: Imunologia celular e molecular (Abbas et. al, 7ª ed.) ★ Mecanismo de agressão do Streptococcus pyogenes ● Morfologia e identificação *É o principal patógeno humano associado à invasão local ou sistêmica e aos distúrbios imunológicos pós-estreptocócicos. *São bactérias gram-positivas esféricas que tipicamente formam pares ou cadeias durante o crescimento. *O comprimento das cadeias varia amplamente, sendo condicionados por fatores ambientais. *São gram-positivos, mas, à medida que a cultura envelhece e as bactérias morrem, perder sua característica gram-positiva e podem parecer gram-negativos. *Cresce em meio sólido enriquecidos com sangue ou líquidos teciduais (muitas exigências nutricionais), em forma de colônias discoides. *São bactérias hemofermentadoras anaeróbias facultativas produtoras de ácido lático. *Variantes da mesma cepa de estreptococos podem exibir diferentes formas de colônias, formando colônias opacas ou brilhantes. - Opacas: micro-organismos que produzem grandes quantidades de proteína M e são virulentos (fator de opacidade sérica: α-lipoproteinase). - Brilhantes: micro-organismos que produzem pouca proteína M e não são virulentos. *Tipicamente constituída por membrana citoplasmática, uma camada de peptidoglicano, um grupo específico de hidratos de carbono, uma cápsula composta de ácido hialurônico e proteínas (proteína M, T e R e proteínas de ligação à fibronectina). *A cápsula de ácido hialurônico provavelmente desenvolve um papel na virulência mais importante do que lhe é atribuído. A cápsula se liga à proteína de ligação do ácido hialurônico, CD44, presente em células epiteliais. A ligação induz a ruptura das junções intercelulares permitindo que os micro-organismos permaneçam extracelulares como quando penetram o epitélio. *Pili semelhantes a pelos se projetam através da cápsula dos estreptococos, constituídos em parte de proteínas M e F e recobertos de ácido lipoteicoico, importante para a fixação dos estreptococos ao epitélio (facilitam a ligação com as células hospedeiras por se complexar com a fibronectina presente na superfície dessas células). ● Classificação ➢ Hemólise *Capacidade de hemolisar hemácias. *β-hemolíticos: completa ruptura do eritrócito com um clareamento em torno da região de crescimento da bactéria. ➢ Substância específica do grupo (classificação de Lancefield) *As bases dos grupamentos sorológicos nos grupos de Lancefield de A a H e K a U estão no carboidrato presente na parede celular dos estreptococos. *A especificidade sorológicade um carboidrato específico do grupo é determinada por um aminoaçúcar. *Grupo A: ramnose-N-acetil galactosamina. ➢ Reações bioquímicas *PYR-positivo: capacidade do estreptococo hidrolisar enzimaticamente o 1-pirrolidonil-2-naftilamida (PYR). *Sensível à bacitracina. ● Estrutura antigênica ➢ Proteína M *Principal fator de virulência. *Impede a fagocitose por leucócitos polimorfonucleares por mecanismo não totalmente esclarecido, sendo comprovado que impede a interação do patógeno com componentes do complemento. *150 tipos de proteínas M. *Tem estrutura espiralada semelhante a um bastonete, consistindo em duas cadeias polipeptídicas complexadas em uma alfa-hélice. *A proteína está ancorada na membrana citoplasmática e se estende através da parede celular, projetando-se acima da superfície celular. *O terminal carboxílico, que está ancorado na membrana citoplasmática, e a porção da molécula que se encontra inserida na parede celular são altamente conservados (considerando-se a sequência de aminoácidos) em todas as cepas de estreptococos do grupo A. *O terminal amino, que se estende acima da superfície celular, é responsável pelas diferenças antigênicas observadas nos sorotipos específicos de proteínas M. *As proteínas M são subdivididas em moléculas de classe I e de classe II. As proteínas M de classe I compartilham antígenos expostos, o que não ocorre com as proteínas M de classe II. *Embora cepas com ambas as classes de proteína M possam estar associadas a infecções supurativas e glomerulonefrite, somente as que apresentam proteína M de classe I (que compartilham antígenos expostos) causam febre reumática *No homem, a imunidade antiestreptocócica é obtida com a produção de anticorpos opsonizantes contra a proteína M. ➢ Substâncias T e R *Não têm relação nenhuma com a virulência dos estreptococos. *A substância T é ácido-lábil e termolábil, sendo obtida pela digestão proteolítica, que destrói rapidamente as proteínas M. *São úteis como marcadores epidemiológicos. ➢ Nucleoproteínas *A extração de estreptococos com uma base fraca produz mistura de proteínas e outras substâncias com pouca especificada sorológica, denominadas substâncias P, que provavelmente constituem a maior parte do corpo celular dos estreptococos. ● Toxinas e enzimas *Mais de 20 produtos extracelulares são elaborados. ➢ Estreptoquinase *Esta substância transforma o plasminogênio do plasma humano em plasmina, uma enzima proteolítica que digere a fibrina e outras proteínas. *Pelo menos duas formas de estreptoquinase (A e B) têm sido descrita. *Assim, essas enzimas podem lisar coágulos sanguíneos e depósitos de fibrina e facilitar a rápida disseminação de S. pyogenes nos tecidos infectados. *Inibidores séricos específicos ou antiestreptoquinase podem afetar este processo de digestão. ➢ Estreptodornase *Quatro deoxirribonucleases imunologicamente distintas (DNases A a D) foram identificadas. *Essas enzimas não são citolíticas, mas podem despolimerizar o ácido deoxirribonucleico (DNA) livre presente no pus. *Este processo reduz a viscosidade do material do abscesso e facilita a disseminação dos microrganismo. ➢ Hialuronidase *Cliva o ácido hialurônico, um importante componente do tecido conjuntivo, ajudando, assim, na propagação dos micro-organismos infectantes (fator de propagação). *As hialuronidases são antigênicas e específicas. *Possuem anticorpos específicos. ➢ Exotoxinas pirogênicas (toxina eritrogênica) *Quatro toxinas termolábeis imunologicamente distintas (SpeA, SpeB, SpeC, e SpeD) têm sido descritas. *As toxinas agem como superantígenos, interagindo tanto com macrófagos como com células T auxiliares (estimulam as células T a se ligarem ao principal complexo de histocompatibilidade tipo II na região do receptor das células T), aumentando a liberação de citocinas pró-inflamatórias. *Acredita-se que esta família de exotoxinas seja responsável por muitas das manifestações clínicas das doenças estreptocócicas graves, incluindo a fascite necrosante e a síndrome do choque tóxico estreptocócico, bem como a erupção cutânea observada em pacientes com escarlatina. *Ainda não está claro se a erupção cutânea resulta de um efeito direto da toxina no leito capilar ou, mais provável, se é secundária a uma reação de hipersensibilidade. ➢ Difosfopiridina nucleotidase *Enzima elaborada no ambiente e pode estar relacionada com a capacidade de os micro-organismos destruírem os leucócitos. *Algumas cepas produzem proteinases e amilases. ➢ Hemolisinas ➔ Estreptolisina O *É uma hemolisina lábil ao oxigênio (hemoliticamente estável no estado reduzido [com grupos SH disponíveis], porém rapidamente inativada na presença de oxigênio) e capaz de lisar eritrócitos, leucócitos, plaquetas e células em cultura. *Anticorpos são prontamente formados contra a estreptolisina O (anticorpos antiestreptolisina O [ASO]), uma característica que a diferencia da estreptolisina S e é útil para documentar uma infecção recente por estreptococos do grupo A (teste anti-ASO). *No entanto, pelo fato de a estreptolisina O ser irreversivelmente inibida pelo colesterol dos lipídios da pele, pacientes com infecções cutâneas não desenvolvem anticorpos anti-ASO. ➔ Estreptolisina S *É uma hemolisina ligada à célula, estável ao oxigênio e não antigênica (embora possa ser inibida por um inibidor específico presente no soro de humanos), que pode lisar eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Também pode estimular a liberação do conteúdo lisossômico após fagocitose pela célula, com subsequente morte do fagócito. *A estreptolisina S é produzida na presença de soro (o S indica estável ao soro, do inglês stable) e é responsável pela β-hemólise característica observada no meio de ágar-sangue. ● Doenças clínicas ➢ Piodermia/piodermatite estreptocócica *Piodermia (impetigo) é uma infecção de pele confinada, purulenta que afeta principalmente áreas expostas (face, braços, pernas). *A infecção se inicia quando a pele é colonizada com S. pyogenes, após o contato direto com pessoas infectadas ou fômites contaminados. O micro-organismo é introduzido no tecido subcutâneo através de uma descontinuidade da pele (arranhão, picada de inseto). *As vesículas se desenvolvem, progridem para pústulas (vesículas cheias de pus) e então se rompem e formam uma crosta na superfície. *Os linfonodos regionais podem estar aumentados, porém não são comuns sinais sistêmicos de infecção (febre, sepse e envolvimento de outros órgãos). *A disseminação secundária dérmica da infecção causada por arranhadura é comum. *Piodermia é observada principalmente durante os meses quentes e úmidos e em crianças pequenas com pouca higiene pessoal. *As cepas de estreptococos que causam infecções de pele diferem daquelas que causam faringite, embora os que causam piodermia possam colonizar a faringe e estabelecer um estado de portador persistente. *Tipos M 49, 57, e 59 a 61. ➢ Glomerulonefrite aguda *Complicação não supurativa de doença estreptocócica que é caracterizada por inflamação aguda do glomérulo renal. *Cepas nefritogênicas específicas de estreptococos do grupo A estão associadas a esta doença. *Diferentemente da febre reumática, a glomerulonefrite aguda é uma sequela tanto das infecções estreptocócicas de faringe, quanto da piodermia; entretanto, os sorotipos M nefrogênicossão diferentes nessas infecções primárias. *As características epidemiológicas da doença são semelhantes àquelas da infecção estreptocócica inicial. ● Fatores de virulência ➢ Cápsula. ➢ Proteína M. ➢ Estreptolisinas S e O. ➢ Exotoxinas pirogênicas ➢ DNAses ➢ Proteína F e ácido lipoteicoico. ➢ Hialuronidase. ➢ Peptidase do C5a. ➢ Peptideoglicano. FONTE: Microbiologia médica de Jawetz, Melnick e Adelberg (26ª ed., 2014). Microbiologia médica (Murray et al., 7ª ed.) ★ Fisiopatologia da glomerulonefrite pós-estreptocócica ● Síndrome nefrítica *As doenças glomerulares que se apresentam com síndrome nefrítica são frequentemente caracterizadas por inflamação nos glomérulos. *A síndrome nefrítica aguda tem início súbito e manifesta-se por oligúria, edema, hipertensão arterial, hematúria com cilindros hemáticos, proteinúria discreta ou moderada e retenção variável, às vezes ausente, de escórias nitrogenadas (azotemia). *Entre as alterações funcionais, ocorre redução da taxa de filtração glomerular e da fração de filtração; o fluxo plasmático renal pode não se alterar, manter-se um pouco acima dos níveis normais ou sofrer queda, sempre menor do que a fração de filtração. As funções tubulares são normais ou pouco alteradas. Contudo, existe retenção de Na+ e água e, consequentemente, edema. ● Etiologia *Somente certas linhagens do grupo A de estreptococos β-hemolíticos são nefritogênicos, com mais de 90% dos casos trilhados pelos tipos 12, 4 e 1, que podem ser identificados pela tipagem da proteína M da parede celular. *O período de latência entre a infecção e o início da nefrite é compatível com o tempo requerido para a produção de anticorpos e para a formação de complexos imunológicos, ou seja de 7 a 14 dias. Titulações elevadas de anticorpos contra um ou mais antígenos estreptocócicos estão presentes na grande maioria dos pacientes. ● Fisiopatologia da glomerulonefrite proliferativa difusa *Se caracteriza histologicamente por proliferação difusa das células glomerulares, associadas ao influxo de leucócitos (glomérulo aumentado e hipercelular). *Lesão causada por complexo imunológico induzida por agente exógeno (depósitos imunológicos). ➢ Antígenos envolvidos *Diversos antígenos catiônicos, incluindo um receptor estreptocócico de plasmina associado à nefrite (NAPlr), único para as linhagens nefritogênicas de estreptococos, podem ser encontrados nos glomérulos afetados. *Outras evidências sugerem que a exotoxina piogênica estreptocócica B (SpeB) e seu precursor zimogênico (zSpeB), outra proteína que funciona como um receptor de plasmina, são os principais determinantes antigênicos na maioria dos casos de glomerulonefrite pós-estreptocócica. *Não se sabe se estes representam antígenos plantados na MBG, ou partes dos complexos imunológicos circulantes, ou ambos. *As proteínas da MBG alteradas pelas enzimas estreptocócicas também foram implicadas como antígenos. ➢ Mecanismos envolvidos *Deposição de imunocomplexos circulantes. *Formação in situ de imunocomplexos pela deposição de antígenos na membrana basal glomerular. *Formação in situ de imunocomplexos pela reação cruzada de anticorpos contra antígenos estreptocócicos e componentes da membrana basal glomerular: mecanismos autoimunes, pelos quais certos antígenos estreptocócicos simulariam anticorpos que apresentam reação cruzada com antígenos glomerulares renais (glicoproteínas da membrana basal glomerular). *A patogenia do antígeno autólogo baseia-se na ação de substância produzida pelo estreptococo, a neuraminidase, que atuaria sobre a imunoglobulina G (IgG) tornando-a antigênica. - Imunocomplexos circulantes *O aprisionamento glomerular passivo de imunocomplexos circulantes (ICC) compostos por antígenos bacterianos nefritogênicos e anticorpos IgG ativam o complemento por IgG através da via clássica. - Imunocomplexos glomerulares (in situ) *Alguns antígenos estreptocócicos nefritogênicos localizados nos glomérulos, tais como as exotoxinas pirogênicas estreptocócicas B (SpeB), podem ativar a via alternativa ou a via da lectina ligadora da manose (MBL) diretamente, independentemente do anticorpo, em processo que pode explicar a colocalização observada entre SpeB e C31,11,12 e o domínio da C3 em depósitos glomerulares. *A ativação do complexo na GNPE também ocorre predominantemente através da via alternativa. *A ativação do sistema do complemento pelos complexos imunológicos libera as frações C5a e C5b com atividades quimiotáticas, provocando a migração de polimorfonucleares que, por sua vez, liberam proteases e/ou ativam substâncias oxidantes que iniciam o processo inflamatório na membrana basal glomerular e no endotélio. ➢ Manifestações fisiológicas *A partir do processo inflamatório, que acontece ao nível dos capilares glomerulares, ocorre redução no ritmo de filtração glomerular (RFG) devido à redução do coeficiente de ultrafiltração. *Esta redução aguda do RFG leva à retenção de sódio, enquanto a função tubular praticamente normal causa um desajuste do balanço glomerulotubular. *Tal fato, associado à ingestão de água e sódio, resultará na expansão do volume extracelular (edema e hipertensão) e na consequente supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona. *Além do aumento do volume circulante, acredita-se que nos capilares sistêmicos ocorram alterações das forças determinantes da lei de Starling, contribuindo para o aparecimento do edema. *As lesões dos capilares glomerulares possibilitam a migração de hemácias através de fendas que surgem nas alças glomerulares, justificando o principal achado da doença, a hematúria, juntamente com dismorfismo eritrocitário no sedimento urinário, causado pelas passagens estreitas da parede glomerular e cilindros hemáticos. *A própria reação inflamatória nos glomérulos altera as condições de permeabilidade da membrana glomerular às proteínas, condicionando proteinúria de pequena intensidade, além de cilindros leucocitários que podem ser encontrados no exame de urina. *Os níveis do complemento no soro são baixos, compatíveis com a ativação do sistema complemento. ● Anatomia patológica *A hipercelularidade é causada por infiltração por leucócitos, tanto neutrófilos quanto monócitos; proliferação de células endoteliais e mesangiais; e em casos graves pela formação de crescentes fibrosos. *A proliferação e a infiltração de leucócitos são difusas, isto é, envolvem todos os lóbulos de todos os glomérulos. *Há também um inchaço das células endoteliais e a combinação da proliferação, do inchaço e da infiltração leucocítica oblitera os lúmens capilares. *Por microscopia de fluorescência, existem depósitos granulares de IgG, IgM e C3 no mesângio e ao longo da MBG. Embora os depósitos de complexos imunológicos estejam quase universalmente presentes, eles são frequentemente focais e esparsos. Os achados da microscopia eletrônica característicos são depósitos eletrondensos, discretos e amorfos no lado epitelial da membrana, tendo frequentemente a aparência de “protuberâncias”, presumivelmente representando os complexos antígeno-anticorpo na superfície das células epiteliais. ● Epidemiologia *Pode ocorrer de forma esporádica ou epidêmica. *Acomete predominantemente crianças em idade pré-escolar eescolar, com pico de incidência ao redor dos 7 anos de idade, sendo raro o acometimento de crianças menores de 2 anos de idade (5%) e adultos acima de 40 anos (5 a 10%). *O sexo masculino geralmente é 2 vezes mais acometido. *Atualmente, menos comum nos países desenvolvidos (higiene, antibióticos etc.). FONTE: Bases patológicas das doenças (Robbins & Cotran, 8ª ed.) Patogênese e tratamento da glomerulonefrite - uma atualização (Couser, 2016).
Compartilhar