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Sabrynna Oliveira - 142 Diabetes Mellitus - Classificação e Diagnóstico Aula 1 Diabetes Mellitus (DM) representa um grupo de doenças metabólicas caracterizado por hiperglicemia, resultado de uma deficiência na secreção de insulina pelas células beta pancreáticas, resistência periférica à ação de insulina ou ambas. O DM pode ser classificado em vários tipos, dependendo de sua etiologia: 1. Diabetes Mellitus 1 Causado pela deficiência absoluta de insulina, causada pela destruição das células beta pancreáticas (autoimune ou idiopática). Geralmente possuem IMC normal, mas o sobrepeso não exclui o diagnóstico. Há tendência à cetose e a insulinoterapia é invariável como tratamento. Representa de 5-10% dos casos de diabetes, predomina em crianças e adolescentes (mas pode surgir em qualquer idade). Acredita-se que o processo de destruição das células seja desencadeado por um agressor ambiental (infecções virais, por ex.) em indivíduos geneticamente suscetíveis. A suscetibilidade é dada pelo sistema HLA. A hiperglicemia permanente se manifesta quando 90% das ilhotas são destruídas. Alguns autoanticorpos foram identificados como marcadores da destruição das células beta, sendo os principais o ICA, IAA e anti-GAD (esse principalmente!!). Eles geralmente precedem a hiperglicemia em meses/anos e quanto mais elevados forem seus títulos, maior a chance de desenvolver a doença. O desenvolvimento do DM1 é dividido em 4 fases: pré-clínica (suscetibilidade genética e autoimunidade contra a célula beta), início clínico do diabetes, remissão transitória (“lua de mel” - necessidade de menor quantidade de insulina para controlar), diabetes estabelecido associado a complicações agudas e crônicas. O DM1 idiopático (ou DM1B) inclui casos de deficiência absoluta de insulina em que não são imunomediados nem associados ao HLA. A patogênese não é conhecida e os pacientes cursam com cetoacidose episódica e apresentam diferentes graus de deficiência insulínica entre os episódios. 2. Diabetes Mellitus tipo 2 Cerca de 90 a 95% dos casos de diabetes são desse tipo, surge geralmente após os 40 anos e a maioria (80%) dos pacientes é obesa. O aumento das taxas de obesidade entre crianças e adolescentes está fazendo com que aumente a incidência de DM2 nessa faixa etária. 70 a 90% dos pacientes também têm a síndrome metabólica (aumento do risco cardiovascular - dislipidemia, obesidade abdominal, resistência insulínica, tolerância alterada à glicose e hipertensão). A síndrome hiperosmolar hiperglicêmica é a complicação aguda clássica do DM2 (lembrar que a do DM1 é a cetoacidose diabética, que raramente acontece no DM2). Os principais mecanismos fisiopatológicos que levam à hiperglicemia no DM2 formam o chamado “octeto nefasto”: 1) Lipólise aumentada nos adipócitos, 2) Reabsorção aumentada de glicose pelos túbulos renais, 3) Captação periférica de glicose reduzida - resistência à insulina (adipócitos e músculo esquelético), 4) Disfunção de neurotransmissores, 5) Aumento da produção hepática de glicose, 6) Aumento da produção de glucagon pelas células alfa pancreáticas, 7) Redução da secreção de insulina pelas células beta pancreáticas e 8) Efeito incretínico reduzido no trato gastrointestinal. Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento do DM2, a obesidade é o mais importante deles (principalmente a com distribuição abdominal de gordura - considerar circunferência abdominal e IMC). Outros fatores de risco são: histórico familiar de diabetes, idade a partir dos 45 anos, hipertensão arterial, diagnóstico prévio de intolerância à glicose (pré-diabetes), Sabrynna Oliveira - 142 dislipidemia, história de DMG e tabagismo. Crianças PIG possuem maior risco de desenvolver na vida adulta pois a desnutrição intrauterina induz alterações metabólicas no feto que modificam os mecanismos reguladores da tolerância a carboidratos. A quantidade de células beta está diminuída nesses pacientes - não há destruição, células beta se diferenciam em células alfa (hiperglucagonemia). 3. MODY Definido como um diabetes familiar, com idade de diagnóstico precoce e transmissão autossômico dominante. Geralmente se manifesta na infância/adultos jovens, sendo diagnosticado antes dos 25 anos. Existem 6 subtipos principais de MODY, dependendo de qual gene possui a mutação que resulta no defeito de secreção insulínica (muitos indivíduos que possuem MODY não têm alteração nesses 6 genes principais). O que deve nortear a suspeita clínica é principalmente os dados provenientes dos antecedentes familiares (3 gerações da mesma linhagem afetadas). Características clínicas dos pacientes com MODY: a maioria apresenta peso normal, vão apresentar ausência dos autoanticorpos, a sensibilidade à insulina é normal (diminuída se tiver obesidade) e o risco de cetoacidose diabética é baixo. MODY 2 geralmente apresenta hiperglicemia leve (não precisando de insulinoterapia), com diagnóstico ainda na infância, enquanto MODY 1 e 3 apresentam uma progressão na hiperglicemia. Esses 3 tipos são os mais frequentes na população. O diagnóstico de MODY é feito a partir de testes genéticos por sequenciação direta do gene. Muitos casos de DM1 e DM2 na verdade são MODY diagnosticados de forma errada. 4. LADA É uma forma de diabetes autoimune em que a velocidade de destruição das células beta ocorre de maneira mais lenta que na DM1 (manifestação geralmente entre 30-50 anos). Tipo de diabetes autoimune mais comum em adultos e provavelmente a forma mais prevalente de DM autoimune em geral. Pacientes Sabrynna Oliveira - 142 compartilham aspectos genéticos do DM1 e DM2. Habitualmente são classificados com DM2, mas podem ser diferenciados pela presença de autoanticorpos e pelos níveis de peptídeo C (normal ou elevado em DM2, diminuídos no LADA). Para diagnóstico: idade entre 25 e 65 anos, ausência de complicação aguda no momento do diagnóstico ou imediatamente após sem a necessidade de insulina por pelo menos 6-12 meses (diferença do DM1), presença de autoanticorpos - principalmente anti-GAD (diferença do DM2). Quando comparados com DM2, são mais jovens, possuem menos IMC, menos componentes da síndrome metabólica e necessidade mais precoce de insulinoterapia (principal diagnóstico diferencial). 5. Diabetes Flatbush (tipo 2 com tendência à cetose) Pacientes que apresentam CAD como manifestação inicial do DM mas evoluem de modo atípico, podendo interromper a insulinoterapia em alguns meses (continua o tratamento com hipoglicemiantes orais ou até dieta). Anticorpos autoimunes negativos, presença de função das células beta, antígenos HLA geralmente presentes (avaliação 1-3 semanas após resolução da CAD). Pacientes geralmente são obesos, com idade média de 40 anos, mais comum no sexo masculino. 6. Outros tipos específicos - Doenças do pâncreas exócrino Pancreatite, trauma, hemocromatose, fibrose cística, neoplasia, pancreatopatia fibrocalculosa. Com exceçãp do carcinoma, a lesão tem que ser extensa para causar hiperglicemia. - Induzido por medicamentos ou produtos químicos Inibem secração de insulina: tiazídicos, diazóxido, fenitoína Antagonismo da ação periférica da insulina:glicocorticoide, ácido nicotínico, inibidores de protease Destruição de células beta: vacor, pentamidina Piora da resistência insulínica (ganho de peso e hiperprolactinemia): antipsicóticos atípicos Outros: interferon, agonistas adrenérgicos, fenitoína, hormônios tireoidianos - Endocrinopatias Síndrome de Cushing, acromegalia, glucagonoma, hipertireoidismo, somatostatinoma, aldosteronoma, feocromocitoma - doenças que cursam com produção excessiva de hormônios antagonistas da ação da insulina (GH, cortisol, glucagon, catecolaminas, etc…). 7. Diabetes Gestacional É a principal complicação metabólica da gravidez. Definido como a intolerância à glicose que aparece durante a gravidez, persistindo ou não após o parto - mulheres que forem identificadas com diabetes na primeira consulta do pré-natal são classificadas como Diabetes Pré-Gestacional. A gravidez é um estado diabetogênico caracterizado pela produção placentária de hormônios que causa hiperglicemia (somatotrofina coriônica humana, estrogênio, progesterona, cortisol, prolactina), resistência insulínica e destruição da insulina por enzimas placentárias. O pâncreas tende a aumentar a produção de insulina para compensar essa situação, caso isso não seja feito de maneira eficiente, se instala o DMG. O quadro tende a recorrer em gravidezes subsequentes. Em geral surge entre 24-28 semanas de gestação e implica em maiores riscos maternos e fetais. Riscos maternos: maior frequência de partos por cesárea, complicações obstétricas (polidrâmnio, toxemia gravídica, ruptura prematura de membranas…), risco aumentado para desenvolver DM2, dislipidemia e hipertensão. Riscos fetais: macrossomia (traumatismos obstétricos e distócia de ombro), hipoglicemia, icterícia, policitemia, hipocalemia, risco maior para desenvolvimento de diabetes mellitus e obesidade no futuro (desnutrição intrauterina). A hiperglicemia materna induz hiperglicemia fetal, que pode resultar em malformações congênitas, risco aumentado de abortos e hiperinsulinemia fetal - que por sua vez pode resultar em macrossomia fetal e imaturidade pulmonar do feto. Sabrynna Oliveira - 142 Observa-se uma epidemia de diabetes ultimamente, e as causas apontadas para tal evento são o aumento do sedentarismo, modificação dos hábitos alimentares, aumento da obesidade e aumento da longevidade da população. Síndrome metabólica: obesidade abdominal (>80cm para mulheres e >90cm para homens) + 2 ou mais dos seguintes critérios: triglicerídeos iguais ou maiores a 150mg/dL, HDL <40mg/dL em homens e <35mg/dL em mulheres, PA > ou igual a 130/85 mmHg, glicemia de jejum maior que 100mg/dL. Distúrbios Endócrinos Síndrome de Cushing: também conhecida como hipercortisolismo ou hiperadrenocorticismo, consiste em um conjunto de sinais e sintomas provocados por uma desordem endócrina causada por níveis elevados de glicocorticoides, especialmente cortisol (antagoniza ação da insulina), no sangue. Os sinais e sintomas podem incluir: hipertensão arterial, obesidade centrípeta, estrias avermelhadas e arroxeadas no abdome e raiz dos membros, atrofia e fraqueza muscular em membros, equimoses, face arredondada ("face de lua cheia"), acne, excesso de gordura entre os ombros e acima das clavículas, ossos frágeis, pele frágil e fina. Acromegalia: Acromegalia é uma doença crônica provocada por excesso de produção do hormônio do crescimento (GH-antagoniza a ação da insulina) na vida adulta, fase em que as cartilagens de crescimento já estão fechadas. Se ele for produzido em excesso na infância ou puberdade, antes do fechamento dessas cartilagens, a doença é chamada de gigantismo. Glucagonoma: O glucagonoma é um tumor das células alfa pancreáticas que secretam glucagon, causando hiperglicemia e rash característico. O diagnóstico é feito por índices elevados de glucagon e estudos por imagem. Caracterizado pela presença da hiperglicemia, da anemia e do eritema necrolítico migratório. Diagnóstico O diagnóstico do diabetes se dá de modo clínico e laboratorial. Os clássicos achados clínicos se caracterizam pela presença de poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso, sendo muito mais comuns nos pacientes com DM1. Pacientes com DM2 são em grande parte oligossintomáticos ou até assintomáticos, podendo também apresentar sintomas menos específicos, como visão turva, cãimbras, dores na perna, disfunção erétil e vulvovaginite de repetição. Os critérios para diagnóstico do diabetes mellitus são os seguintes: 1) Glicemia de jejum (GJ): maior ou igual a 126mg/dL em duas ocasiões 2) Glicemia ao acaso > 200mg/dL + paciente com sintomas clássicos de hiperglicemia/crise hiperglicêmica + GJ > ou igual a 126mg/dL 3) Glicemia 2h após administração de 75g de glicose anidra (TOTG): maior ou igual a 200mg/dL 4) HbA1c (hemoglobina glicada): maior ou igual a 6,5% Na glicemia de jejum o paciente deve permanecer 8 horas sem ingestão calórica. A hemoglobina glicada resulta da reação não enzimática entre glicose sanguínea e porção da hemoglobina. Reflete a média das glicemia dos últimos 2 a 3 meses, sendo 50% do último mês, 25% no mês anterior e os outros 25% três a quatro meses - quanto maior a concentração de glicose plasmática e o tempo de contato, maior a porcentagem de HbA1c. Padrão-ouro para avaliação glicêmica, deve ser solicitada 2 vezes ao ano para pacientes controlados e a cada 3 ou 4 meses para os que não obtiveram ainda o controle glicêmico. O ponto de corte 6,5% é baseado no maior risco de retinopatia a partir desse valor. Alguns fatores podem interferir nos valores da hemoglobina glicada: encurtar a vida das hemácias resulta em valores baixos de A1c (anemia hemolítica, estados hemorrágicos…), aumentar a vida das hemácias resulta em A1c aumentada (anemia por carência de ferro, vitamina b12 ou folato). Não deve ser feita em pacientes com hemoglobinopatias. Sabrynna Oliveira - 142 Como critério diagnóstico para DMG, temos: 1) GJ maior ou igual a 92mg/dL em duas ocasiões 2) HbA1c maior ou igual a 6,5% em duas ocasiões 3) GJ maior ou igual a 92mg/dL e HbA1c maior ou igual a 6,5% 4) Glicemia ao acaso > 200mg/dL + GJ maior ou igual a 92mg/dL 5) TOTG alterado: jejum > ou igual a 92mg/dL, 1h > ou igual a 180mg/dL e 2h > ou igual a 153mg/dL Categoria de risco para diabetes (pré-diabetes) apresenta resultados alterados: 1) GJ maior ou igual a 100 e menor que 126mg/dL - caso dê alterado, fazer o TOTG 2) TOTG 2h maior ou igual a 140 e menor que 200 3) HbA1c de 5,7 a 6,4% Exames para seguimento dos pacientes - Glicemia plasmática - Glicemia capilar - Hemoglobina Glicada - Frutosamina (reação da glicose com proteína plasmática - albumina. Ideal para quando há alteração nos valores da hemoglobina glicada ou quando se quer uma análise mais recente a glicemia - reflete o perfil glicêmico dos últimos 10 a 15 dias, sobrevida da proteína). - Glicosúria (só aparece após 180mg/dL e tem baixa especificidade). - Microalbuminúria (lesão renal?) Caso 1 T.B.S, masc., 31 a., médico, IMC = 27,2, atendido em emergência com cetoacidose diabética (sem diagnóstico prévio de DM). Alta em uso de insulina Glargina e insulina Lispro pré-prandial. As doses das insulinas puderam ser reduzidas progressivamente, com posterior substituição pela metformina. 3 meses após a alta, com normoglicemiasó com dieta. Qual o diagnóstico mais provável? - Pesquisa de Anti-GAD: negativa - Sem história familiar de DM Sabrynna Oliveira - 142 a) Diabetes tipo 1 em fase de lua de mel b) Diabetes Flatbush c) MODY d) LADA Comentário: Paciente com características de DM2 (31 anos, IMC indicando excesso de peso) apresenta cetoacidose diabética, que é uma complicação aguda típica de DM1. Segue sem a necessidade de insulinoterapia obrigatória, sendo controlada com hipoglicemiantes orais e posterior dieta (contrariando o seguimento normal da DM1). Quadro é característico de diabetes tipo 2 com tendência à cetose, também conhecida como diabetes flatbush. Caso 2 A.M.C, masc., 18 anos, empresária, IMC = 24,2 kg/m2. Em exame de rotina GJ : 140 mg/dL e HbA1c = 6,8%. Qual o diagnóstico mais provável? - Pesquisa de anti-GAD negativa - História familiar de DM 1 irmão e 1 primo a) Diabetes tipo 1 em fase de lua de mel b) Diabetes Flatbush c) MODY tipo 1 d) LADA Comentário: Paciente com diagnóstico precoce de diabetes (adulto jovem), IMC não indica obesidade (fator de risco para DM2). GJ está maior que 126mg/dL e hemoglobina glicada confirma diagnóstico de diabetes. Pesquisa de anti-GAD é negativa (nega processo autoimune característico de DM1) e há presença de histórico familiar (característica principal de MODY). O diagnóstico é de MODY 1, que geralmente apresenta diagnóstico pós-puberal. Caso 3 M.S.M, fem., 33 anos, estudante, IMC = 26,2 kg/m2. Diagnóstico de DM2 há 2 anos, mantendo-se com adequado controle glicêmico em uso de metformina e gliclazida MR até 6 meses atrás, tornando-se necessária a adição de insulina glargina. - Pesquisa de anti-GAD positiva Qual o diagnóstico mais provável? a) Diabetes tipo 1 em fase de lua de mel b) Diabetes Flatbush c) MODY d) LADA Comentário: Paciente pode ser diferenciada de DM2 por ser mais jovem (<40 anos), apresentar IMC mais baixo (apesar de excesso de peso), e apresentar necessidade mais precoce de insulinoterapia. Além disso, apresenta pesquisa de anti-GAD positiva, caracterizando o processo autoimune latente do LADA (a destruição das células beta acontece de maneira mais lenta do que é observado em DM1).
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