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AULA 6 CRIATIVIDADE E GESTÃO DE IDEIAS PARA INOVAÇÃO Profª Sonia Regina Hierro Parolin 02 CONVERSA INICIAL Nesta aula abrangeremos a gestão do ambiente criativo. Várias são as facetas e somente damos algumas pinceladas no assunto. Para conhecer um mais sobre o tema, sugerimos alguns sites ao final deste texto. Você também pode procurar conteúdos nos sites das empresas inovadoras. Continuaremos explorando o caso da Faber-Castell em alguns pontos específicos da aula e traremos o caso da criação do telefone por Alexander Graham Bell para nos apoiar nas reflexões sobre liderança, desejo de inovar, criatividade e geração do conhecimento, etc. Enfatizaremos as características de um ambiente criativo e as organizações inovadoras apresentando alguns aspectos das novas tendências além dos limites organizacionais, como as aceleradoras, startups e FabLabs. Veremos que a atmosfera criativa para a inovação depende de vários elementos que se conjugam à gestão estratégica do conhecimento. Sobre os facilitadores e bloqueadores da criatividade para inovação, veremos, também, os desafios da criatividade na organização e o papel da liderança nesse processo. CONTEXTUALIZANDO Vamos contextualizar o tema com a transcrição de um exemplo apresentado por Tidd et al. (2008, p. 488, quadro 11.1), com o título “Perdendo o trem…”. Em 10 de março de 1875, Alexander Graham Bell chamou seu assistente: “Sr. Watson, venha aqui, preciso do senhor” – o surpreendente em relação ao que estava acontecendo era que aquela era a primeira conversa telefônica do mundo. Entusiasmados com a descoberta, eles expuseram a ideia aos altos executivos da Western Union. A resposta deles, por escrito, alguns dias depois, sugeriu que “após cuidadosa consideração com relação à invenção, que é uma novidade muito interessante, chegamos à conclusão de que não há possibilidades comerciais… não vemos futuro para um brinquedo elétrico…”. Passados quatro anos da invenção, existiam 50.000 telefones nos EUA, e, em 20 anos, eram cinco milhões. Ao mesmo tempo, a empresa que Bell criou, a American Telephone and Telegraph (ATT), cresceu nos 20 anos seguintes para tornar-se a maior empresa dos EUA, com preço de ação em 1.000 dólares. A patente original, de número 174455, tornou-se a mais valiosa da história. Várias histórias semelhantes podem ser encontradas: ideias geniais que foram recusadas no seu início por decisores que não souberam antever oportunidades e investir em inovação. Ideias e invenções que surgiram no interior 03 das empresas e que seus decisores não souberam aproveita-las. Fracasso das organizações ao não enxergar o potencial das novas ideias. Ao contrário, temos também exemplos de empresas que estimulam a criatividade para a inovação, aproveitam as invenções que surgem no interior de suas organizações, como o clássico caso do Post-it da 3M, para ganhar mercado e se posicionar como empresa inovadora. TEMA 1 – ATMOSFERA CRIATIVA: CRIANDO A ORGANIZAÇÃO INOVADORA Neste item, iremos nos basear em várias concepções do capítulo do livro de Tidd et al. (2008, p.485-539), sob o título “Construindo a organização inovadora”. O ponto-chave que os autores defendem para a criação de uma organização inovadora é a “criação e manutenção de um contexto organizacional inovador, aquele cuja estrutura e cultura subjacente1 – padrão de valores e crenças – apoia a inovação” (Tidd et al., 2008, p. 486). Na aula anterior tratamos sobre cultura e estrutura de maneira isolada quando falamos sobre a gestão de pessoas para a criatividade e inovação. A criação de uma organização inovadora envolve um conjunto integrado de elementos que requer muita energia, considerável entusiasmo e muita determinação para superar as barreiras que dificultam esse processo. Estamos falando de uma profunda mudança de mentalidade que não ocorre por si só: ela precisa do empenho das pessoas e de investimentos. Requer uma intenção clara e uma certa dose de “não-conformidade” para superar o modus operandi e o status quo vigente, como a cultura subjacente na organização. Vimos no caso da Faber-Castell que o comprometimento da alta gestão (CEO e Diretores) foi crucial para promover o ambiente inovador. Os desdobramentos dos programas e ações reforçaram o suporte necessário às ações de longo prazo. Na atualidade, cada vez mais as empresas estão sendo mais cautelosas para não perder as oportunidades de adotar as inovações e obter ganhos de competitividade e de mercado com elas (lições aprendidas com histórias como o exemplo da Western Union). Cada vez estão mais antenadas, buscando informações, parcerias, práticas renovadoras, atuação em redes diversas, para que o ambiente inovador extrapole as paredes da empresa. 1 Conforme o dicionário Michaelis online, subjacente é o “que existe por baixo da superfície de alguma coisa; que não é percebido ou afirmado claramente; implícito, subentendido”. 04 Baseados em Tidd et al. (2008, p. 487), apresentaremos alguns componentes de uma organização inovadora, adicionados à cultura, estrutura e gestão de pessoas, discutidos na aula anterior: Visão compartilhada, liderança e desejo de inovar: a inovação está relacionada à mudança, envolve riscos e promove aprendizagem e mudança organizacional. Ela requer o compartilhamento do propósito da inovação (visão compartilhada) que gera mudança e que supera a inércia organizacional frente às transformações tecnológicas e de mercado (desejo de mudar). O papel da liderança nesse processo não significa que somente os líderes são responsáveis pela promoção da inovação. Significa que os líderes devem promover o compartilhamento do propósito, reconduzir as energias organizacionais para a articulação dessa nova visão e aceitar correr riscos. Os líderes têm a missão de criar a atmosfera para a inovação buscando engajar as pessoas. Atmosfera criativa: também chamada de ambiente criativo, parte do princípio de que a criatividade é um atributo de todas as pessoas, com variações em suas expressões e materialidade. Significa que todas as pessoas na organização poderão contribuir com seu potencial criativo, e os resultados com inovação são fruto do esforço criativo combinado entre as várias pessoas. A atmosfera criativa é alcançada a partir de estrutura e cultura adequadas, como já vimos anteriormente. Algumas práticas organizacionais inspiradas em exemplos como o ambiente da Google, que foi altamente propagado (descontração, ludicidade, liberdade de horários etc.), alteraram alguns espaços no ambiente físico na organização. Essas práticas inseriram áreas de lazer e jogos, almofadas, atividades de descontração para favorecer a oxigenação cerebral e alternância de atividades, que favorecem o fluxo de ideias. Algumas organizações vêm colhendo resultados positivos, pois associam essas práticas aos demais componentes do ambiente criativo (estratégias, cultura, estrutura e gestão de pessoas). Organizações que aprendem: “Uma forma de olhar a inovação é como se fosse um ciclo de aprendizagem, envolvendo um processo de experimentação, prática, reflexão e consolidação” (Tidd et al., 2008, p. 520). Tanto faz se é a organização que aprende ou se é a aprendizagem das pessoas na organização: o processo ocorre quando o conhecimento é 05 compartilhado a ponto de ser retido por mecanismos de apreensão na organização, o que se denomina gestão do conhecimento. Para que ocorra a aprendizagem nas organizações, as rotinas devem ser direcionadas para que o processo de aprendizagem ocorra. Deve haver treinamento e desenvolvimento de equipes, aprendizagem formal baseada no ciclo da solução de problemas, monitoramento e mensuração, documentação, experiência, contestação das práticas existente e reflexão a partir do passado, entre outros. São oslíderes e gestores que promovem as rotinas na organização e o engajamento das pessoas nesse sentido. Por outro lado, as pessoas, ao longo do tempo, aprendem a aprender (pense no exemplo da engenheira que buscou aprender as técnicas de amassar pão para transferir os movimentos para a máquina de fazer pão) e, em um ambiente estimulador, o compartilhamento é mais natural e intenso. Na Faber-Castell, podemos depreender que o compartilhamento da visão e o desejo de inovar foram fortalecidos pelo protagonismo2 das lideranças e das pessoas com funções de direção e gestão. Não ocorreu o mesmo, no passado, com os executivos da Western Union (estamos certos que eles agiriam bem diferentemente nos dias de hoje, face à veloz propagação da emergência estratégica com inovações). Ao rejeitar formalmente seu interesse comercial com o “brinquedo elétrico” e decidir não investir no invento, a Western Union abriu as portas para Alexander Graham Bell alçar novos voos. Ele depositou a patente, criou sua empresa e investiu no mercado com a introdução de inovação tecnológica que se mostrou útil rapidamente. No próximo Tema, abordaremos as tendências e as práticas na atualidade para lidar com novas ideias, invenções e empresa nascentes. Quanto à atmosfera criativa, novos ambientes organizacionais vêm sendo criados, além dos espaços no interior das empresas, com resultados efetivos. No modelo dos ambientes criativos no interior das empresas, frequentemente ficam claros os conflitos entre as rotinas necessárias e os momentos de oxigenação para o fluxo das ideias que precisam ser geridos por causa das estratégias organizacionais e de gestão de pessoas para a inovação. Ocorre que pessoas que atuam árdua e eficazmente nas rotinas comumente se sentem preteridas em favor daquelas que trabalham com criatividade e inovação, que “aparentam” 2 Conforme o dicionário Michaelis online, protagonismo, “de protagonizar: desempenhar um papel preponderante em algum acontecimento”. 06 descontração no ambiente de trabalho e, além disso, ganham status e recompensas. É um assunto delicado que merece a dedicação dos gestores para dar visibilidade a ambos os lados e promover o entendimento da interdependência entre os trabalhos de cada área para que a empresa seja competitiva com inovações. Sobre as organizações que aprendem, vemos no exemplo da Western Union o aprendizado ao contrário (voltamos a enfatizar que temos a certeza de que os executivos agiriam de maneira oposta na atualidade), muito útil e didático para que as organizações saibam o que não fazer diante de alguma ideia com potencial “disruptivo”. Diversas capacitações para executivos se baseiam em histórias com erros estratégicos, que geram muito aprendizado e requerem muita humildade, determinação e empenho para encontrar o caminho do acerto. Para Alexander Graham Bell, o aprendizado foi do nível individual ao organizacional. Em quatro anos, Bell depositou a patente mais valiosa da história, criou a empresa American Telephone and Telegraph (AT&T), alcançou a produção de 50.000 telefones nos EUA e, em 20 anos, se tornou a maior empresa dos EUA. Na Faber- Castell, o aprendizado na organização aconteceu com a participação das pessoas, com os experimentos nos projetos-piloto sistematizados em técnicas de gerenciamento ágil de projetos, como ferramenta de compartilhamento e transferência de aprendizagem e conhecimento para a organização. Maximiliano Carlomagno (2015), pelo site da Innoscience3, apresenta oito dimensões (oito antecedentes) para que uma organização alcance a eficiência de gestão da inovação, chamado de “Octógono da Inovação”. Também acreditamos que essas oito dimensões sintetizam as características de uma organização inovadora, sendo elas: estratégia, liderança, estrutura, pessoas, cultura, processo, funding (fundos,recursos financeiros) e relacionamentos. Vamos resumi-los a seguir: 1. Estratégia: o papel da inovação na estratégia da empresa e a definição de onde ela quer inovar. 2. Liderança: sensibilização, avaliação e apoio que as lideranças da organização dão para a inovação. 3. Estrutura: centralizada ou descentralizada, é fundamental que esteja adequada e que fique transparente para toda organização como a empresa se estrutura para inovar e gerir a inovação. 3 Visite o site da Innoscience: http://www.innoscience.com.br/. 07 4. Pessoas: devem estar preparadas e adequadamente estimuladas para inovar. 5. Cultura: ações que a alta gestão empreende para criar um ambiente que estimule a inovação. A forma como a empresa trata a diversidade de ideias, o erro e a disponibilidade de tempo impacta na cultura de inovação. 6. Processo: como a empresa gera novas ideias, avalia, experimenta e seleciona em quais investir. 7. Funding: Recursos financeiros necessários para financiar projetos inovadores. As empresas mais inovadoras têm adotado um processo de atração de recursos. 8. Relacionamentos: como a empresa utiliza seus parceiros, clientes e concorrentes na geração e refinamento de ideias com potencial inovador. A visão contemporânea de inovação é aberta (atuação em redes). Podemos representar na figura a seguir os elementos essenciais para uma atmosfera criativa intraorganizacional (no interior da organização), que contribui para a criação de uma organização inovadora. Figura 1 – Condições para uma atmosfera criativa Fonte: elaborado com base em Carlomagno (2015) TEMA 2 – CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO INOVADORA O item anterior tratou dos elementos de uma atmosfera criativa que contribuem para a criação de uma organização inovadora. Esses elementos devem coexistir conjugados a um processo de gestão alinhado à estratégia organizacional. 08 Contudo, conforme as atuais tendências, a atmosfera criativa extrapola os limites da organização e abrange novos espaços que propiciam que a criatividade para a inovação seja estimulada amplamente. Tidd et al. (2008, p. 522-524) consideram essa atmosfera para além dos limites físicos da organização. Para os autores, cada vez que a empresa, como um ente individual, se conecta com outras empresas (desde fornecedores a alianças estratégicas para a inovação), ocorre a aprendizagem compartilhada. A formação de redes para a inovação, como uma “poderosa solução para o problema da falta de recursos” (p. 523), envolve a conexão entre empresas, institutos de pesquisa, universidades, incubadoras, aceleradoras e outras empresas. Quanto mais evoluem as tecnologias de informação e comunicação, mas essas redes são facilitadas configurando a “inovação aberta” (open innovation) e “organizações virtuais”, como características do atual cenário de negócios. As empresas inovadoras crescentemente formam parcerias com aceleradoras de startups como recurso ágil para possibilitar que as inovações ocorram ou, ao contrário, captar projetos inovadores com potencial competitivo para suas empresas. Esse mundo das aceleradoras e das startups é uma tendência em franco crescimento como alternativa a atmosfera criativa intraorganizacional pela velocidade com que podem alcançar os resultados. De uma forma geral, aceleradoras e startups estão inseridas em ecossistemas de inovação que envolvem empresas, universidades, institutos e investidores, entre outros, com incentivos governamentais e diretrizes estratégicas. Um exemplo tradicional é o Vale do Silício, na Califórnia (Silicon Valley, nos EUA), onde estão situadas várias das grandes empresas de alta tecnologia que começaram suas atividades naquela região ou acabaram se instalando por lá dado o ambiente propício à inovação: HP, Canon, Dell, Delphi, Intel, Nokia, Google, Yahoo, Facebook, Sony e muitas outras. Procure na internet o mapa do Vale do Silíciopara entender a concentração de empresas inovadoras nesse local geográfico. Outra tendência de ambientes criativos que extrapola os limites físicos da organização são os FabLabs4. São instituições que abrem espaços com laboratórios, ferramentas, profissionais e conhecimento para que as pessoas (desde um inventor individual até empresas) possam realizar experimentos, inventar algo usando tecnologias variadas, e inúmeras outras atividades e 4 Vide: Rede de FabLas no Brasil (disponível em <http://redefablabbrasil.org/>) e Fabs Foudation (disponível em <http://www.fabfoundation.org/>). 09 possibilidades que os FabLabs oferecem. Esses espaços incentivam a criatividade, são abertos, locais em que a interação e o aprendizado entre diversas pessoas são estimulados. Na atualidade, é possível que a empresa Western Union transferisse Alexander Graham Bell e sua invenção para uma aceleradora como spin off5 da empresa, para desenvolver, testar a invenção e o modelo de negócio antes de rejeitar ou aprovar sumariamente. Com a reflexão acima, podemos afirmar que, para criar uma organização criativa, é necessário extrapolar os limites físicos da organização. Também podemos incluir a visão de que as ideias para a inovação podem vir de todos os lados, além dos colaboradores ou funcionários das empresas. Uma organização criativa também pode surgir a partir de uma startup, de um novo negócio diferenciado ou a partir de uma ideia nova para o mercado. Nem toda empresa nascente é uma startup; veja o conceito do Sebrae6: “Uma startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável trabalhando em condições de extrema incerteza”. Ser “repetível” significa “ser capaz de entregar o mesmo produto novamente em escala potencialmente ilimitada, sem muitas customizações ou adaptações para cada cliente” (Sebrae, 2017). Ser escalável significa “crescer cada vez mais, sem que isso influencie no modelo de negócios” (Sebrae, 2017). Trabalhar em condições de extrema incerteza significa “que não há como afirmar se aquela ideia e projeto de empresa irão realmente dar certo – ou ao menos se provar sustentáveis” (Sebrae, 2017). Em janeiro de 2017, a revista Exame7 divulgou as 13 startups brasileiras que fizeram a diferença em 2016, com a adesão de grandes empresas-âncora no ecossistema de inovação: “a Visa fechou uma parceria com o Startup Farm; a Telefônica está dando apoio por sua aceleradora, a Wayra; e o Bradesco fez sua segunda edição do programa Inovabra” (Exame, 2017). Entre as 13 startups, estão: Contabilizei (plataforma de contabilidade para micro e pequenas empresas administrada de forma completamente online e com simplicidade por meio da computação em nuvem); Dr. Cuco (aplicativo que funciona como uma “enfermeira digital” para receber lembretes do horário de medicamentos para doenças como 5 Spin off: é uma empresa derivada de outra, uma companhia independente que nasceu dentro de outra pessoa jurídica. É uma tendência atual nas grandes empresas que buscam inovar sem comprometer negativamente seu core business (suas atividades principais). 6 Visite o site do Sebrae: www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae 7 Visite o site da Exame: http://exame.abril.com.br/pme/13-startups-brasileiras-que-fizeram-a- diferenca-em-2016/ 010 colesterol alto, diabetes e hipertensão, por exemplo); In Loco Media (inovação “disruptiva” com tecnologia de geolocalização mais precisa que o GPS presente na América Latina, Estados Unidos e Europa que já rastreou mais de 15 milhões de estabelecimentos com foco em oferecer serviços de publicidade digital hipersegmentada para empresas). TEMA 3 – FACILITADORES E BLOQUEADORES DA CRIATIVIDADE NAS EMPRESAS Voltando ao tema do ambiente criativo interno à organização, é importante salientar quais são os fatores facilitadores e bloqueadores da criatividade para a inovação. Na figura a seguir, vemos que os mesmos fatores organizacionais, dependendo de como são conduzidos e gerenciados, podem ser estimuladores ou inibidores da criatividade para a inovação. Dependem do estilo de gestão e das competências internas que vão sendo adquiridas por intermédio da aprendizagem coletiva. Figura 2 – Estímulos ou bloqueios à inovação Fonte: elaborado com base em Parolin et al. (2013) Vamos utilizar três dos elementos que compõem a figura para a nossa reflexão. O mesmo raciocínio poderá ser aplicado aos demais elementos. Suporte organizacional dos gestores e colegas: visto como suporte para que as pessoas se sintam encorajadas a expressar suas ideias. Se alguém tem dúvida sobre como seus gestores e colegas irão receber suas ideias e se retrai em função disso, estamos falando de um elemento bloqueador ou 011 inibidor. Ao contrário, se a pessoa considera que será realmente ouvida, que a ideia será avaliada pelos gestores e colegas mesmo que não seja acatada, esse elemento se torna um estimulador. Características dos gestores: líderes autoritários e centralizadores tendem a gerar comportamentos competitivos e com baixa colaboração dentro da equipe, o que se transforma em um bloqueador à criatividade para a inovação. Ao contrário, gestores que promovem a participação e delegam responsabilidades geram equipes colaborativas, o que se torna um elemento estimulador. Características e volume das tarefas e serviços: volumes continuadamente excessivos de tarefas e serviços a ponto de gerar estresse geralmente tornam as pessoas desinteressadas em gerar qualquer ideia nova, pois elas se sentem de tal modo comprimidas pela rotina que a motivação se esvai. Os gestores devem manter um equilíbrio estimulador entre os desafios das tarefas, serviços, metas e habilidades das pessoas e as condições propiciadas para o atingimento dos resultados. Desse modo, as pessoas se sentirão desafiadas e estimuladas a gerar ideias para a inovação. Todos os elementos apresentados na figura acima são gerenciáveis e, para que a inovação ocorra, é preciso desenvolver as competências necessárias nos gestores para que consigam sustentar o clima propício à criatividade na empresa. Por outro lado, os colaboradores também podem e devem estimular a organização a buscar novos desafios. Por exemplo, podem propor novos caminhos, levar cases de outras empresas e ter uma atitude colaborativa e parceira da organização na escalada da criatividade para a inovação. TEMA 4 – A CRIATIVIDADE NA GESTÃO DO CONHECIMENTO Algo de grande relevância sobre a criatividade é a constatação de que ela é considerada uma das alavancas da gestão estratégica do conhecimento. Há mais de duas décadas, pelo menos, já há consenso em torno de que vivemos a “Era do Conhecimento” no Brasil. A relevância da geração, retenção e utilização do conhecimento nas empresas, principalmente para a inovação tecnológica, é considerada fator crítico de sucesso para a criação das vantagens competitivas para as organizações. 012 Sbragia et al. (2006, p. 79-84) abordam o tema discutindo sobre o que é a gestão do conhecimento, porque ela é importante, as dificuldades na sua implementação e as suas alavancas para a gestão estratégica dentro das organizações. A criatividade voltada à inovação é altamente imbricada8 (ou sobreposta) à gestão do conhecimento, pois ambas obtém relevância à medida que alavancam os recursos da organização com retornos crescentemente sustentáveis. Por exemplo: o “brinquedo elétrico” de Alexander Graham Bell foi desenvolvido e patenteado. Grande parte do conhecimento necessário para essa invenção foi proporcionado pela atitude proativa de Graham Bell ao investir suas capacidades criativas e cognitivas em busca de uma nova ideia para a comunicação entre as pessoas. Ele não conseguiria patentearsua invenção se o conhecimento ali embutido não estivesse bem estruturado. E não haveria invenção se Graham Bell não acreditasse em sua capacidade criativa. Nem tampouco ele investiria no próprio negócio se não tivesse a crença (espírito empreendedor) de que teria retornos crescentemente sustentáveis e competitivos. Para Sbragia et al. (2006, p. 82), a gestão do conhecimento bem-sucedida em uma organização necessita apresentar três condições: 1. Cultura orientada ao conhecimento: que gera compartilhamento entre as pessoas, tanto como receptoras como transmissoras do conhecimento; 2. Ampla infraestrutura de tecnologia e informação: para implementação de ferramentas colaborativas e de retenção de dados. Na Faber-Castell, as ferramentas de gerenciamento ágil de projetos possibilitaram a retenção das ideias e do conhecimento gerado nos projetos-piloto; 3. Apoio da alta gerência: grupo de líderes e alta gerência como porta-vozes dos princípios e valores organizacionais da gestão do conhecimento. Como podemos observar, as três condições para a gestão do conhecimento coincidem com os principais elementos para o ambiente criativo e, por isso, são altamente sobrepostas. A figura a seguir apresenta uma síntese das alavancas da gestão estratégica do conhecimento em uma organização, segundo os autores citados. 8 Conforme o dicionário Michaelis online, “imbricado”: disposto à maneira de superposição. 013 Figura 3 – Gestão estratégica do conhecimento para inovação Fonte: elaborado com base em Sbragia et al. (2006, p. 83-84) A figura demonstra que a criatividade estimula a aprendizagem que, por sua vez, gera conhecimento. São as três alavancas (criatividade, aprendizagem e geração do conhecimento) que compõe a gestão do conhecimento. A gestão estratégica do conhecimento é aquela que direciona esses elementos à solução de problemas, à obtenção de ideias para a inovação, entre outros objetivos voltados aos diferenciais competitivos e sustentabilidade continuada das organizações. TEMA 5 – DESAFIOS DA CRIATIVIDADE NA ORGANIZAÇÃO: O PAPEL DA LIDERANÇA Vimos todos os elementos que compõem um ambiente criativo. São elementos complexos que requerem uma gestão focada nos propósitos da criatividade para a inovação. Nesse sentido, o papel da liderança é crucial, não somente fazendo gestão de pessoas, de processos, de recursos etc. Adicionalmente, o quanto a organização é líder ou seguidora em seu segmento é determinado pela estratégia em inovação da organização. Sobre o papel da liderança, achamos bem produtivo transcrever o trecho de Tidd et al. (2008, p. 490, quadro 11.2), sobre “Liderança e Atmosfera da Inovação”. Considerando o trecho a seguir, por que a ênfase dos autores “em desfazer a distinção improdutiva e desnecessária que é feita entre liderança e gestão”? As organizações tradicionalmente percebem a liderança como um atributo heroico, indicando uns poucos líderes “reais” para as posições administrativas de alto nível com o fim de conduzi-las através de tempos difíceis. Entretanto, muitos observadores e pesquisadores estão se tornando céticos com relação a essa abordagem, e começam a pensar sobre a necessidade de aceitar e utilizar uma gama mais ampla de 014 práticas de liderança. A liderança necessita ser compreendida como algo que acontece através de funções e níveis. Novos conceitos e estruturas são necessários a fim de acrescentar à liderança essa abordagem mais inclusiva. Por exemplo, há uma grande quantidade de escritos sobre a diferença básica entre liderança e gestão. Essa literatura existe em grande quantidade e tem, em geral, sustentado o argumento de que líderes têm visão e pensam criativamente (fazendo diferente). Enquanto que gerentes são só “uns deitados” e centram-se apenas em fazer as coisas melhor. Essa distinção tem levado a uma desvalorização geral da gestão. Trabalhos recentes sobre estilos de criatividade e gestão sugerem que é útil manter a distinção entre preferência e capacidade. A criatividade está presente em ambas as situações, quando se faz as coisas de maneira diferente e quando se faz as coisas melhor. Isso significa que a liderança e a gestão podem ser duas construções sobre um contínuo, em vez de duas características opostas. Nossa ênfase esta em desfazer a distinção improdutiva e desnecessária que é feita entre liderança e gestão. Quando se fala em inovação e transformação, as organizações precisam de ambos os conjuntos de habilidades. Desenvolvemos um modelo de liderança inovadora que se baseia em trabalhos passados, mas acrescenta algumas perspectivas recentes das áreas de gestão da inovação e de mudanças e de psicologia social e de personalidade. Essa visão multidimensional da liderança levanta a questão do contexto como um importante fator, além da preocupação com tarefas e pessoas. Essa abordagem sugere a necessidade de um terceiro fator de avaliação do comportamento de liderança, além das preocupações tradicionais com tarefas e pessoas. Portanto, integramos três dimensões de liderança: preocupação com tarefas, preocupação com pessoas e preocupação com mudanças. Um dos importantes papéis que os líderes desempenham dentro dos cenários organizacionais é o de criar a atmosfera para a inovação. Identificamos as dimensões fundamentais da atmosfera para a inovação e sugerimos como os líderes podem cultivar essas dimensões. (…)” O trecho citado já traz a resposta à questão formulada ao leitor: quando se fala em inovação e transformação, as organizações precisam de ambos os conjuntos de habilidades: liderança e gestão. A criatividade está presente em ambas as situações. Sem Steve Jobs, a Apple não teria existido, mas sem bons gestores, a Apple não teria sobrevivido a Steve Jobs9. A liderança é, portanto, um ingrediente essencial para a atmosfera criativa. Mas os líderes precisam entender que esse papel requer a inclusão dos demais colaboradores da empresa como parceiros imprescindíveis ao processo. Segundo o Center of Creative Leadership10, “toda organização que pretende ser bem- sucedida precisa de líderes eficazes. Mas, para as empresas que enfrentam desafios estratégicos consideráveis, os líderes devem ser capazes de impulsionar 9 Steven Paul Jobs nasceu em São Francisco, Califórnia, EUA, em 24 de fevereiro de 1955 e faleceu em Palo Alto, Califórnia, EUA, em 05 de outubro de 2011 aos 56 anos com câncer no pâncreas. Foi inventor, empresário e magnata americano no setor da informática. Foi co- fundador, presidente e diretor executivo da Apple Inc. e revolucionou seis indústrias: computadores pessoais, filmes de animação, música, telefones, tablets e publicações digitais. Foi diretor executivo da Pixar e o maior acionista individual da The Walt Disney Company. 10 Visite o site do Center of Creative Leadership: https://www.ccl.org/leadership- solutions/organizational-leadership/ 015 a mudança de forma coletiva, em toda a organização” (livre tradução nossa). Esse trecho reforça a crença de que os trabalhos humanos são coletivos e interdependentes. Especialmente para realizar mudanças que gerem vantagens competitivas, as organizações (todos os tipos de organizações) frequentemente necessitam abandonar seu modus operandi (maneira de operar), seu status quo vigente. Isso pode significar abandonar produtos e processos antes tidos como essenciais ao funcionamento da organização. Segundo o Center of Creative Leadership, “líderes formais e informais em todos os níveis devem ser capazes de implementar novas estratégias em conjunto e impulsionar mudanças duradouras na forma como sua organização opera e se adapta em um ambiente incerto que passa por rápidas mudanças” (livre tradução nossa). Já esse trecho reforça a crença de que as organizações não são estáticase que o progresso requer novas edificações internas. Vejamos o caso da Kodak. A multinacional Eastman Kodak Company, foi fundada por Henry Strong e George Eastman em 1888 (Eastman foi o inventor do filme fotográfico). O propósito da empresa era simplificar a fotografia, então lançaram a câmera Kodak. Portátil e acessível a todos, a câmera já vinha pré- carregada com filme suficiente para 100 poses, que depois poderia ser revelado. Em quatro anos o produto já era distribuído em vários países. Desde 1990 a empresa já produzia câmeras digitais. Entretanto, em 2012, a Kodak apresentou um pedido de concordata. Foi divulgado que a empresa estaria se preparando para entrar com um pedido de falência. Em meio uma profunda reorganização interna de estratégia, tecnologia, processos, produtos etc., a Kodak anunciou em 2014 o lançamento de smartphones em parceria com a Bullit Group. No final de 2016, lançou mais um smartphone denominado Ektra, apostando fortemente na fotografia ao incorporar câmaras de 21 e 13 megapixels aos aparelhos. Empresas que se transformam se tornam mais maduras, longevas e competitivas pela adoção de novas tecnologias, novas tendências do mercado, novos processos de gestão etc. A diferença entre uma “empresa líder” e uma “empresa seguidora” depende de vários elementos complexos, que requerem análises e decisões de alto risco que envolvem recursos de todos os tipos. A Kodak, em determinado momento da história, era líder em seu segmento e foi responsável pelo desenvolvimento desse nicho de mercado. Em outro momento, se inseriu como seguidora das novas tendências, buscando competitividade e sustentabilidade. 016 FINALIZANDO Nesta aula, vimos diversos aspectos sobre o ambiente criativo, elementos profundamente interligados que favorecem ou inibem a criatividade na organização. Vimos que criatividade e inovação se sobrepõem fortemente à gestão do conhecimento e, em função disso, as pessoas devem ser vistas como estratégicas para a competitividade das organizações. Demos algumas pinceladas nas novas tendências para a criatividade e inovação, além dos limites organizacionais, tais como as aceleradoras, startups e FabLabs. Sugerimos um aprofundamento nesse assunto, pois são tendências revolucionárias nos negócios inovadores. Apresentamos alguns aspectos que figuram como facilitadores ou bloqueadores da criatividade para inovação que dependem do estilo de gestão na organização. E vimos os desafios da criatividade na organização e o papel da liderança nesse processo, enfatizando que, para a inovação e transformação, as organizações precisam de ambos os conjuntos de habilidades: liderança e gestão. 017 REFERÊNCIAS TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008. CARLOMAGNO, M. Innoscience: consultoria em gestão da inovação. Disponível em: <www.innoscience.com.br>. Acesso em: 13 out. 2017. SEBRAE. Disponível em <www.sebrae.com.br>. Acesso em: 13 out. 2017. FONSECA, M. 13 startups brasileiras que fizeram a diferença em 2016. Exame, São Paulo, 2 de janeiro de 2017. Disponível em <https://exame.abril.com.br/pme/13-startups-brasileiras-que-fizeram-a- diferenca-em-2016/>. Acesso em: 13 out. 2017. SBRAGIA, R.; STAL, E.; CAMPANÁRIO, M.; ANDREASSI, T. (Coord.). Inovação: como vencer esse desafio empresarial. São Paulo: Clio, 2006.
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