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A INSEGURANÇA JURÍDICA DOS CONTRATOS QUE ENVOLVEM PROPRIEDADE IMÓVEL NÃO REGISTRADA Thiomar Sander da Silva Potin Prof. Orientador: Douglas Willians da Silva dos Santos RESUMO O objeto de estudo deste trabalho, é demonstrar a insegurança jurídica dos contratos que envolvem a propriedade imóvel não registrada, tal insegurança se deve por questões consideradas burocráticas diante do sistema atual de registro de imóveis. Deste modo pretendesse buscar argumentações que possibilitem a transferência da propriedade ainda sem registro apenas pelo contrato de compra e venda. Pretende-se para tanto fazer uma reflexão nos textos constitucionais, sugerindo o uso da hermenêutica jurídica para trazer a reflexão que a função social tanto da propriedade quanto dos contratos, deverão atender a sociedade como um todo bem como os direitos fundamentais inerentes a ela, ressaltando o direito à moradia que sem dúvida é um dos principais. Deste modo a pesquisa busca sustentar uma nova leitura para o direito à propriedade utilizando a força do contrato como um dos argumentos principais através do pacta sunt servanda, atentando-se para a realidade social e análise do caso concreto, onde milhões de pessoas sofrem por ter esse direito negado. Diante de tais argumentações poderá se analisar quanto ao direito da propriedade imóvel, fazer jus a essas novas considerações rompendo as barreiras de sua estrutura puramente teórica e abstrata, possibilitando uma nova leitura conceitual da propriedade, pois com a expansão da sociedade surgem também novas concepções estruturais envolvendo a propriedade. Mesmo o direito brasileiro sendo bem estruturado não é suficiente para atender toda essa demanda social. Deste modo surgem os chamados contratos bilaterais atípicos. Sendo assim, o objetivo pretendido nada mais é que buscar meios alternativos para transmissão da propriedade imóvel através da liberdade contratual, e proporcionar a segurança jurídica tão almejada, ressaltando-se ainda a existência dos princípios da boa-fé contratual, da alteridade e da solidariedade. PALAVRAS-CHAVE: direito a propriedade, segurança jurídica, hermenêutica, pacta sunt servanda, contrato. ABSTRACT The object of study of this work, is to demonstrate the legal insecurity of the contracts that involve the unregistered property, such insecurity is due to issues considered bureaucratic before the current system of real estate registration. In this way, the intention was to seek arguments that would allow the transfer of the property still unregistered by the purchase and sale contract. It is intended to do a reflection on the constitutional texts, suggesting the use of legal hermeneutics to bring the reflection that the social function of both property and contracts, should serve society as a whole as well as the fundamental rights inherent to it, emphasizing the right to housing, which is undoubtedly one of the main ones. In this way the research seeks to support a new reading for the right to property using the force of the contract as one of the main arguments through the pacta sunt servanda, paying attention to the social reality and analysis of the specific case, where millions of people suffer from having this right is denied. In view of such arguments, it will be possible to analyze the right to immovable property, to live up to these new considerations, breaking the barriers of its purely theoretical and abstract structure, enabling a new conceptual reading of property, as with the expansion of society new structural concepts also emerge involving property. Even though Brazilian law is well structured, it is not enough to meet all this social demand. In this way, so-called atypical bilateral contracts arise. Therefore, the intended objective is nothing more than to seek alternative means for the transmission of immovable property through contractual freedom, and to provide the legal security so desired, emphasizing the existence of the principles of contractual good faith, otherness and solidarity. KEY-WORDS: right to property, legal certainty, hermeneutics, pacta sunt servanda, contract. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. BREVE HISTÓRICO ACERCA DA PROPRIEDADE. 2.1. A história da apropriação imobiliária no brasil. 3. O SISTEMA DE REGISTRO BRASILEIRO. 4. A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR MEIO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. 1. INTRODUÇÃO Não há como mencionar a propriedade sem deixar de refletir acerca da dimensão desse instituto. Trata-se de um Direito Real, garantido pela Constituição Federal, muito embora sendo um Direito fundamental para a dignidade da pessoa humana, não deixa de ser motivo de inúmeras demandas judiciais. Neste sentido nota-se que ao longo da história a propriedade tem sofrido inúmeras transformações, tanto no âmbito social quanto jurídico. O direito à propriedade no que se refere a bens imóveis é um assunto de grande importância para o Direito, sobretudo ao Direito Civil. Além disso, a propriedade tem seu maior destaque nos textos constitucionais que a tratam como direito fundamental, tendo como principal objetivo viabilizar melhores condições de vida para as pessoas, assim como para promover o desenvolvimento do país. O presente estudo tem por objetivo uma melhor compreensão acerca do direito à propriedade, abordando de forma sistemática fatores históricos inerentes a esse direito fundamental. Para tanto serão abordados diversos textos doutrinários em várias áreas do Direito, afim de que se faça uma analogia a propriedade e as transformações sociais que vem ocorrendo ao longo do tempo. Desta forma, observar-se-á como funcionam as transações imobiliárias e como é tratado pela doutrina, correlacionando com a realidade de fato. Assim este trabalho deverá demonstrar que a propriedade não é alcançada em sua totalidade, havendo diversos ditames legais, os quais se mostram demasiadamente burocráticos e insuficientes para atender à necessidade de quem deseja ter seu bem imóvel protegido. Desta forma, pretende-se demonstrar a necessidade de uma reestruturação no sistema de transmissão da propriedade inter vivos, de maneira que esta não fique atrelada apenas na forma registral mas também que alcance a possibilidade de ser alcançada com a celebração contratual de Boa-fé, respeitando é claro a inexistência de ônus ou qualquer embaraço existente no imóvel. Contudo, percebe-se que o modelo contemporâneo de transmissão de propriedade utiliza-se de Lei própria para regulamentar o registro de imóveis, deixando de lado os princípios contratuais, o que vale ressaltar que todo negócio jurídico nasce de um contrato, ou seja a priori na transmissão de qualquer propriedade deverá ser celebrado um contrato entre as partes com clausulas especificas a respeito do negócio jurídico para posteriormente ser efetuado o registro no cartório de imóveis. Neste sentido, observa-se que grande parte dos imóveis encontram-se irregulares no que diz respeito ao registro público, isso pode ser atribuído em parte por desconhecimento da necessidade de registro do imóvel aliado a comodidade em celebrar uma modalidade informal de contrato bastante comum que são os chamados “contratos de gaveta”. Essa modalidade de contrato é celebrado entre as partes, comprador e vendedor quando a aquisição de algum tipo de imóvel não envolvendo nenhuma outra entidade além das partes, desta forma o contrato de gaveta é muito utilizado quando o imóvel não possui escritura definitiva. Por se tratar de um documento informal esse tipo de contrato não dispõe de modelos padronizados, pode se citar exemplo em localidades de loteamentos irregulares de áreas onde não foram desmembradas, restando apenas ao proprietário essa modalidade contratual para garantir a posse até que se regularize o empreendimento. Porem essa modalidade representaum risco para o comprador mesmo que de Boa-fé, pois esse tipo de contrato não alcança totalmente as garantias judiciais ficando a cargo de processos que são passiveis de entendimentos jurisprudenciais. Deste modo o objetivo é demonstrar os riscos pelos quais os titulares de bens imóveis correm quando adquirem uma propriedade imóvel não registrada. Para compreender melhor sobre a propriedade é necessário que se compreenda a sua evolução juntamente com a sociedade através da história, desta forma serão abordados a seguir a respeito dessa evolução, submetendo esse assunto que é envolto de polemicas e que vem se mantendo as margens de previsões legais e jurisprudenciais, a análise do fato concreto, utilizando recursos hermenêuticos jurídicos. Para que seja aplicada essa hermenêutica jurídica deverão se buscar mecanismos afim de inovar e atender de forma adequada todos os fatos e acontecimentos que não estão previstos pelo direito legislado. 2. BREVE HISTÓRICO ACERCA DA PROPRIEDADE O ser humano e a terra tem uma das ligações mais antigas do planeta, pois é dela que a humanidade extraiu e extrai grande parte dos alimentos, e através dela que surgiram a as primeiras organizações de território, habitação e organizações sociais, porém com avanço das civilizações esses espaços passaram a ser disputados havendo a necessidade de modelos normativos afim de regular a apropriação e utilização desses territórios.1 Diante do contexto da propriedade é necessário essa análise histórica do homem e a propriedade, neste sentido, Alexandre Barbosa da Silva acrescenta que: Conhecer o passado significa transportar toda sua carga de experiências como auxiliar na apreciação do momento presente, o que facilitará a tomada de decisões fundamentais para a edificação do futuro. Por isso, faz-se indispensável um breve retomar dos modos e das inspirações que serviram à construção do discurso proprietário da atualidade, com seus fundamentos que transitaram da necessidade de manutenção dos povos aos projetos de poder e exploração econômica.2 1 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.43 2 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.43,44 Desta forma todo esse percurso na história é necessário para compressão sobre os motivos da propriedade contemporânea ser um tanto quanto valorizada e o acesso a ela passa por tanto formalismo, visando principalmente a segurança do proprietário. Os seres humanos tiveram noção de propriedade a partir de coisas móveis, pois na antiguidade eram nômades e partiam de um local para outro em busca de alimentos e itens para sua sobrevivência, nestas perambulações levavam apenas os objetos pessoais, e no decorrer dessa evolução passaram a se instalar em determinados locais e ali permanecerem, demarcando assim limites e defendendo esse território de outros grupos, nascendo assim a noção de propriedade imóvel.3 Na época do feudalismo a propriedade passa a ser centralizada, ou seja quem a dominava era uma pessoa só denominado senhor feudal, o qual concedia aos seus vassalos a exploração para cultivo em troca recebia serviços e parte do cultivo. Posteriormente na idade média o domínio dessas terras passa para o suserano que por sua vez repassava aos vassalos a detenção da propriedade em título de tenência ou locação perpétua, com o passar do tempo essa situação que era tida como temporária passa a ser definitivo. 4 Diante disso, passou a existir um sistema funcional, através do poder público centralizado, houve a procura de pessoas desassistidas de recursos que buscavam apoio daqueles que ainda conseguiam manter a terra, que naquela época era uma das grandes riquezas que um indivíduo poderia ter, e viam nela uma forma de sobrevivência, portanto, sem as terras para cultivar eram capazes de entregar todo e qualquer outro bem móvel em troca de proteção, trabalho e moradia.5 2.1. A HISTÓRIA DA APROPRIAÇÃO IMOBILIARIA NO BRASIL As apropriações imobiliárias no brasil deram início a partir da colonização da coroa portuguesa por volta do ano de 1500, no momento que Portugal passava por uma grande ascensão na exploração marítima, em consequência dessa exploração passava por elevada 3 AZEVEDO, Villaça Álvaro. Curso de direito civil, direito das coisas. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553610525/ acesso em: 19 de Nov. 2019, às 00h;22min 4 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág. 45 5 PERNOLD, Regine. Los origenes de la burguesia. Traudução de Ricardo I. Zelarayán. Buenos Aires: Compañia General Fabril, 1962. Pág. 10 expansão territorial, o qual fez com que Portugal buscasse novos territórios fora do seu continente. No início não houve um grande interesse por parte de Portugal pois estavam mais habituados a comercializar com o oriente o que fez deixar a colônia para segundo plano, somente após o ano de 1521 com a ascensão ao trono por D. João III, situação pela qual Portugal passava por uma grande crise econômica aliada a falta de alimentos e castigados por pestes, despertaram o interesse na estruturação de suas colônias com ênfase na do Brasil.6 Com este interesse repentino também foram muitas a pessoas dispostas a colonizar o país, se propondo até custear as expedições do próprio bolso, pois viam a possibilidade de uma terra que até então julgavam não obter nenhum proveito sobre ela, ter o potencial de aproveitar sim de suas riquezas e recursos, se para isso fosse devidamente aproveitada, pois muitas dessas pessoas interessadas já haviam viajado para o Brasil e viam nessas terras um grande potencial a ser explorado.7 Deu-se início a colonização do Brasil através de uma divisão político- administrativa denominadas de Capitanias Hereditárias, as quais eram constituídas de porções de terras distribuídas a pessoas dispostas a colonizar e desbravar essas terras, tendo em vista que eram enormes essas dimensões territoriais. 8 Essas capitanias hereditárias eram divididas em porções menores e assim surgiram as sesmarias, essas terras eram então partilhadas com outras pessoas as quais tinham como obrigação de trazer o desenvolvimento no local através do povoamento e do cultivo, em troca essas pessoas pagavam um preço em forma de dízimo diretamente a igreja católica.9 A expressão sesmaria tem vários sentidos, mas acredita-se que deriva de um sistema de medida de divisão de terras “sesma” ou até mesmo da palavra “sesmo” que expressa a fração sexta de uma parte de algo expressão esta, a mais aceita pois representava a sexta parte dos frutos da terra que eram a parte cabida ao cedente da terra pelo seu cultivo.10 6 BUESCU, Ana Isabel. D. João III (1502-1557). Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. Pag. 106 7 PORTO, José da Costa. Formação territorial do Brasil. Brasília: Fundação Petrônio Portela. 1982. Pag. 19 8 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.66 9 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.67 10 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990. Pag. 19 Porém, algum tempo depois no ano de 1548, tendo em vista resultados frustrantes da colonização, somado a isto uma grande dificuldade de fiscalização por parte da coroa portuguesa. O monarca toma decisão de mudar o formato das capitanias criando umplano chamado de “Governo geral”, mudando o formato de administração porem mantendo as Capitanias.11 A partir dessa nova administração os Provedores regionais passaram a fazer anotações de registros em um livro próprio, ali ficavam assentados todas as cartas de sesmarias de terras e inclusive de aguas, os donatários tinham prazo de um ano para registrar suas concessões, caso isso não ocorresse poderiam perder suas terras como forma de penalidade, surgindo assim o que pode ser chamado de embrião do sistema de registro de imóveis Brasileiro, ao que será tratado adiante.12 Porém, as sesmarias foram totalmente encerradas com o surgimento da Lei 601 de 18/09/1850 (Lei de Terras), a qual veio auxiliar no processo de distribuição de terras, tendo em vista que nessa época já havia um grande movimento contra o tráfico negreiro no Brasil, e eram então promovida uma transição da economia escravagista e o mercado imobiliário.13 Contudo com o término do modelo das sesmarias, surgiram inúmeros litígios envolvendo a posse de propriedades, advindas da inexistência de um sistema de regularização proprietária, este período compreendeu-se entre 1822 e 1850 esse período foi denominado o período da predominância da posse. 14 Essa nova concepção de propriedade, tinha como base uma ordem constitucional que era o da propriedade em toda sua plenitude, surgia ali a necessidade de se ter segurança absoluta na apropriação de bens imóveis, no sentido de que não houvessem questionamentos sobre a qualidade e o quanto de terra cada um tivesse. Este foi sem dúvida um momento de emancipação política da nação e sobretudo de transição do antigo regime para a modernidade, o que aos olhos de grande parte de intelectuais da época eram necessário mecanismos para proteger a propriedade privada levando em consideração a liberdade contratual.15 11 ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. O mundo, o Brasil e o homem. Belo Horizonte: Imprensa da universidade Federal de Minas Gerais. 1966. Pag. 270 12 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.71 13 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.78 14 SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas: Unicamp, 1996. Pag. 81 15 GAUER, Ruth. A influência da universidade de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira. In: Reunião da sociedade brasileira de pesquisa histórica. Anais... Curitiba. n 16, 1996. Pag.179 A partir de então foram-se criando mecanismos para regularização da propriedade, afim de que esta tivesse toda a segurança necessária para sua manutenção, até que se chegassem nos moldes atingidos na modernidade, sobre isso que o presente artigo devera tratar a seguir. 3. O SISTEMA DE REGISTRO BRASILEIRO O Sistema de registro é o instrumento utilizado para que o proprietário de bem imóvel, se sinta seguro quanto a manutenção da propriedade, tendo em vista que sem essa segurança da titularidade do imóvel, acredita-se que é passível de riscos. Portanto o registro é uma forma de o intitulado proprietário manter a segurança jurídica de seu imóvel, sendo que esta segurança jurídica pode ser vista sob dois aspectos distintos, uma dessas visões contempla o campo do Direito objetivo, o qual decorre do ordenamento jurídico posto com intuído de buscar um direito certo com as normas mais transparentes possíveis com eficácia nas interpretações.16 Por outro lado, tem-se a visão do Direito subjetivo, pelo qual a segurança jurídica denota e uma garantia de que o proprietário mantenha a titularidade do direito, assim como possa desfrutar daquele bem, e o mais importante ter o poder de dispor dele quando bem o convir. 17 Diante desta última conotação que se refere ao Direito subjetivo, é a que conduzirá o presente trabalho sendo a ela destacada uma atenção especial, sendo que esta aprecia uma segurança jurídica estática, ou seja uma segurança jurídica dinâmica advinda dos direitos subjetivos, o qual é acrescentado por Leonardo Brandelli: A segurança jurídica estática, ou segurança jurídica dos direitos subjetivos, reclama que a existência e o conteúdo dos direitos subjetivos sejam certos, impassíveis de ataques, bem como que os titulares desses direitos não possam perdê-los sem o seu consentimento. A segurança jurídica estática tem por escopo garantir, além da certeza da titularidade e do conteúdo do direito, que o titular do direito subjetivo não possa ser dele privado, por fato de terceiros, sem que haja sua participação, seja por uma manifestação de vontade sua, no sentido de celebrar algum ato jurídico translativo do direito, seja por determinação judicial, em processo em que participou e teve oportunidade de contraditório, no sentido de perder seu direito. O fato é que sem a participação do titular não é possível a perda do direito subjetivo, de acordo com os intentos da segurança jurídica estática. Decorre ela da regra de nemo dat quod non habet, ou seja, ninguém pode transferir mais direito do que tem. Para essa faceta da segurança jurídica, todos os instrumentos que estejam direcionados à prova da 16 BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis: Eficácia material / Leonardo Brandelli – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pag. 04 17 BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis: Eficácia material / Leonardo Brandelli – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pag. 04 titularidade e do conteúdo de certo direito subjetivo lhe são caros.11 Quanto mais eficaz for o meio na produção dessas provas, maior será a segurança estática conferida.18 Diante disso, confere-se ao registro uma grande importância sobretudo ao registro de imóveis, um grande e inegável meio de prova de titularidade do bem imóvel, sobretudo quanto aos direitos subjetivos imobiliários que deverão ser passível de se opor contra terceiros, sendo eles reais ou obrigacionais com eficácia real. Ou seja a segurança jurídica estática do imóvel está relacionada a eficácia conferida ao registro. Deste modo, não há como negar a importância do sistema de registro do Brasil, mais especificamente atinente ao registro de imóveis, mas quando analisado esse sistema de registro observa-se que há lacunas em sua estrutura que não condizem a realidade de fato, sobretudo as grandes mudanças nas formas de aquisição de propriedade. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é expor exatamente a insegurança jurídica que correspondem a aquisição de propriedade sem o devido registro, de forma que apresente meios para que ao proprietário de Boa-fé seja garantida essa segurança ainda que na forma de instrumento de contrato particular de compra e venda. O Sistema de publicidade no Brasil antes do Código Civil de 1916, era o mesmo modelo francês, pelo qual era dado o conhecimento a terceiros sobre o conteúdo dos direitos reais imobiliários, porém não se tinha a segurança e proteção da comercialização de um terceiro, mesmo esse sendo adquirente de boa-fé, permanecendo assim até a criação de sistema de registro de imóveis, até então o que imperava era a falta de transparência da tradição em relação aos direitos reais, onde era reivindicado um sistema que pudesse não só consolidar a propriedade através do conhecimento de quem realmente seria o proprietário do bem mas também se a ela era implicada algum tipo de ônus, isso serviria como base para estimular o crédito e as condições econômicas. 19 Posteriormente em através da Lei n° 317/1843, vem a nascer o registro imobiliário no Brasil, foi regulamentado através do decreto n° 482/1846, o qual instituiu o registro de hipotecas, ou seja, esse registro seria responsável a dar publicidade aos direitos reais garantindo a modalidadede hipoteca, o qual tinha como sanção a ineficácia da hipoteca.20 18 BRANDELLI, Leonardo. Registro de imóveis: Eficácia material / Leonardo Brandelli – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pag. 04 19 AZEVEDO, Philadelpho. Registros públicos. 2. tir. Rio de Janeiro: Almeida Marques, 1929. p. 19. 20 AZEVEDO, Philadelpho. Registros públicos. 2. tir. Rio de Janeiro: Almeida Marques, 1929. p. 18 Mais adiante em 1865 por força do decreto n° 3453/65, o registro hipotecário foi substituído pelo registro geral, decorrente a um projeto apresentado dez anos antes para o poder legislativo de autoria de José Tomás Nabuco de Araújo Filho, o qual ocupava o cargo de ministro da justiça na época, até a promulgação dessa Lei, a transmissão da propriedade no Brasil era semelhante a de bens móveis, ou seja apenas com a tradição, decorrente a derivação da Lei portuguesa na qual não tinha em vigor nenhuma sistema de publicidade imobiliária.21 Atualmente o instituto que regulamenta a propriedade é a Lei 6015/1973, Lei de Registros Públicos, (LRP), neste sistema atual vigora o princípio da unitariedade, onde cada imóvel possui uma matricula, onde serão feitos os atos de averbação e registro, sendo expressamente vetado que uma matrícula contenha mais de um imóvel, no mesmo sentido que não é permitido abrir uma matricula da parte ideal correspondente ao imóvel, do mesmo modo que é vedada a matrícula de parte onerada do imóvel.22 Desta forma, o imóvel passou a ter característica individual, de modo que através desse assento no cartório de registros, o imóvel esteja isento de dúvidas em relação a qualquer outro. Nota-se que desde o Brasil colonial se tem uma preocupação com o direito de propriedade, não é para menos pois a esse direito é merecido a proteção estatal, haja vista que a Constituição Federal a trata como um direito fundamental, estando a ela ligado a proteção do ato jurídico perfeito, inerente aos direitos adquiridos, tendo como base o texto do Art. 5°, XXXVI, Carta Magna. Ao que se percebe é que a propriedade imóvel representa um sentido muito amplo na vida das pessoas, das empresas, dos entes públicos enfim, à toda sociedade, em relação a isso a propriedade não é vista mais apenas como um refúgio financeiro, como no século XIX, ou seja a propriedade está ligada a concretização de qualidade de vida do ser humano, de maneira que a tranquilidade que a habitação proporciona vai além do escopo financeiro. 23 Além disso, Alexandre Barbosa da Silva, observa essa relação das pessoas com a propriedade da seguinte forma: Grande parte da população crê- de forma leiga- na existência de uma relação proprietária em face de seus bens. Muitos, não obstante, olvidam-se da necessidade do registro do contrato de aquisição ou pelos mais diversos motivos, não conseguem 21 OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Publicidade registral imobiliária. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 69-70. 22 Lei de Registros Públicos comentada: Lei 6.015/1973 / coordenação José Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambler. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. 23 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág. 125, 126 essa formalização. Muitos são surpreendidos com a perda da “propriedade” por não terem atendido a forma descrita em Lei, ainda que comprovem a aquisição pela contratação regular e de boa fé inclusive, no mais das vezes, com posse demonstrada. O judiciário não reconhece a propriedade de quem não tem registro, salvo em hipóteses específicas de usucapião ou assemelhados. Esse fosso entre a forma e a realidade é que precisa ser pensado, se não pela reforma do sistema legal, que seja pela hermenêutica constitucional, prospectiva a demonstrar que a realidade deve prevalecer sobre o excessivo e indiscutível legalismo. 24 Nota-se que o autor enfatiza que a forma de como é tratado o registro no Brasil vai em contraponto a realidade social na qual vivemos atualmente, ou seja esse modelo utilizado encontra-se ultrapassado em decorrências das mudanças sociais contemporâneas e necessita de uma reestruturação para atender os anseios da sociedade. Deste modo, observa-se ainda que os motivos pelos quais o Brasil conduz a apropriação imobiliária através do registro, surgiu de interesses econômicos muito ao contrário de um estudo humanista e social, sugere-se que tenha nascido de uma força meramente capitalista resultante de uma necessidade de fortalecer as garantias hipotecárias, segundo a Lei 601/50 (Lei de Terras), o que para época poderia ser o melhor caminho a ser seguido, tendo em vista o crescimento econômico pelo qual o pais passava. 25 Porém, com o avanço da evolução social e tecnológico, a justificativa de absolutismo para com esse sistema não pode mais ser justificada como único meio de titularidade da propriedade imóvel, pois a segurança buscada outrora pode ser obtida nos dias de hoje através de outros modos, o credor por exemplo conta com vários meios legais para atender a proteção de seu crédito, e o proprietário deve ter a garantia de que se a função social da propriedade, de forma alguma poderá perde-la, sem qualquer interferência do Estado no patrimônio privado funcionalizado. Deste modo, a expressão “dono é quem registra” não pode ser justificada como única e suficiente adequação nos inúmeros litígios envolvendo a propriedade imóvel, sendo assim, os textos constitucionais devem ser hermeneuticamente utilizado nessas questões, pois os arts. 3° e 5° da Constituição Federal, já retratam um avanço político-jurídico que visa garantir a qualidade de vida das pessoas, mas o que é questionado com frequência é se estas garantias 24 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág. 126 25 VARELLA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de história do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar 2005. Pag. 173,174 constitucionais podem ser concretizadas como ideal normativo, ou se esses textos retratam-se apenas como uma folha de papel.26 Além disso, pode-se dizer que a construção da efetivação do direito à propriedade ainda está em curso, partindo pela primícias dos ideais de solidariedade e justiças sociais, sendo que essa ideia de interesse social seja no sentido que o direito subjetivo da propriedade deve corresponder a deveres. Neste sentido, passa a ter o entendimento que a subjetividade desse direito tem destinatários na sociedade.27 Muitas pessoas concretizam a compra de imóveis através de contratos de compra e venda na forma de escritura pública, e posteriormente acreditam que o negócio se conclui ali, e não registram cartório de registro de títulos, pois creem que com termino da obrigação do vendedor o negócio é concluído, esse embaraço por sua vez gera por inúmeros motivos a exclusão do direito do comprador. Além disso as redes contratuais denominadas juridicamente de coligação contratual, ou chamado na forma popular de “contrato de gaveta”, um instrumento particular de compra e venda utilizado em todo país, proveniente da face burocrática e dos gastos excessivos envolvendo o sistema imobiliário em suas inúmeras variedades, como exemplo pode-se citar os financiamentos habitacionais, tais contratos só existem devido a exclusão social criada pelo direito no campo imobiliário.28 4. A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR MEIO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA Pode-se considerar que, a obrigatoriedade do registro nos dias atuais é um encargo excessivo da burocracia, ferindo portanto o acesso a titularidade, que é uma das garantias constitucionais. Sendo assim, é de suma importância quesejam levantadas discussões inerentes aos meios jurídicos, a fim de permitir que sejam construídas alternativas que não seja apenas o registro como único alicerce para construir a constituição da propriedade. 26 LASSALE, Ferdinad. A essência da Constituição. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2001. Pag.17 27 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo Código Civil brasileiro.3.ed.rev.e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pag. 317,318 28 RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski: FRANK, Felipe. Revisando os direitos reais a partir de sua interface com o direito obrigacional: a importância da relatividade entre os planos real e obrigacional nas relações privadas. Sequência-Estudos Jurídicos e Políticos. V.32.n. Pag. 151. 2011 Além disso, se faz necessário que os órgãos administrativos, bem como o poder judiciário, examinem nas edificações teóricas a possibilidade de serem tomadas decisões que tornem facultativo o acesso à propriedade, sem que para isso seja obrigatório o registro. Através dessas decisões a garantia constitucional da propriedade, à qual é considerada como patrimônio mínimo estaria calçada da devida proteção que lhe é conferida.29 De fato, o ente público partindo da premissa da lei, supõe que todo o território e a população possui características homogêneas, confiando que esses textos normativos burocráticos sejam capazes de resolver todos os problemas da sociedade, quando na verdade foram construídos a partir do afastamento das reais condições de vida populacional, ou seja tratam-se de mecanismos jurídicos abstratos e que não condizem com a realidade social.30 Deste modo, o objeto deste trabalho é vislumbrar a atenção para o contrato, de maneira que o coloque sob um ponto de vista de um novo significado concernente a sua ligação com a propriedade, ou seja cabe uma reflexão da possibilidade de entendimento que torne o contrato um título capaz de transferir a propriedade imóvel em situações especificas em consonância ao Código Civil, não havendo a exclusão por inconstitucionalidade para tal feito. 31 Portanto enxerga-se a possibilidade para se alcançar um resultado satisfatório da ideia em questão, usando para tal o exercício da hermenêutica construtiva e prospectiva constitucional, ou seja, norteando-se pela constitucionalização do Direito Civil para a funcionalização dos direitos fundamentais na atualidade. Deste modo, a liberdade contratual através de sua função social partindo da eficácia interna e externa, permite a capacidade das pessoas a construção de direitos e o preenchimento de requisitos que possibilitem a constituição titular e domínio do imóvel, a partir da função social da propriedade, boa-fé, solidariedade, cooperação e alteridade, ou seja é um modo de dar ao contrato um significado diferente, capaz de reconhece-lo como título suficiente para 29 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2.ed.atul. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. Pag. 100,101 30 PONTES, Daniela Regina. Direito a moradia: entre o tempo e o espaço das apropriações. Tese (Doutorado)- Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2012. Pag.38 . Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/29067. Acesso em: 28 jun. 2020 às 10h29min. 31 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.259 aquisição e transmissão da titularidade imóvel inter vivos, levando em consideração a realidade do caso concreto com o nascimento real ao direito da propriedade para além da forma registral.32 Além disso, sob o ponto de vista, Silvio de Salvo Venosa, encontra-se a seguinte argumentação: A liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. Pelo prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos). Em tese, a vontade contratual somente sofre limitação perante uma norma de ordem pública. Na prática, existem imposições econômicas que dirigem essa vontade. No entanto, a interferência do Estado na relação contratual privada mostra-se crescente e progressiva. Note que já mencionamos no capítulo anterior o sentido do art. 421 do Código de 2002 que dispõe que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Realçamos que a função social do contrato é algo que deve ser trazido à discussão no caso concreto. Nota-se que o autor preconiza a liberdade contratual, baseando-se tanto nos modelos contratuais já existentes no meio jurídico os chamados contratos típicos, quanto nos contratos atípicos, os quais as partes criam modalidades de contratos a partir de suas necessidades, neste sentido enfatiza que, essa vontade contratual sofre limitações diante de uma norma de ordem pública, que no objeto de estudo pode ser caracterizado o registro de imóveis. Portanto, o contrato está estabelecido na esfera dos direitos pessoais, sendo caracterizada a predominância da autonomia da vontade, pois a vontade é o elemento que propulsiona o domínio humano em relação a outras espécies coabitantes no planeta, considerado um ponto diferenciador dos fatos humanos (atos jurídicos ou jurígenos) correlacionados aos fatos naturais (fatos jurídicos stricto sensu).33 Em outras palavras, o negócio jurídico, é a ferramenta pelo qual se alcança a verdadeira liberdade humana, tendo como base a vontade que consiste em um componente central, o qual 32 ARONE, Ricardo. Os direitos reais codificados no curso da constitucionalização do direito civil. In: EHRHARDT JUNIOR, Marcos(Coord). Os 10 anos do Código Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012. Pag.439 33 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. Pag. 56 caracteriza o negócio jurídico, sendo que essa autonomia da vontade é decorrente de um processo histórico vagaroso.34 Certamente a autonomia da vontade não mais é importante no cenário contratual contemporâneo na opinião de Flávio Tartuce, encontra-se a seguinte argumentação: Não há dúvida de que a vontade perdeu a importância que exercia no passado para a formação dos contratos. Outros critérios entram em cena para a concretização prática do instituto. As relações pessoais estão em suposta crise, o que representa uma mudança estrutural, sendo certo que tudo deve ser analisado sob o prisma da concretude do instituto contrato, e do que isso representa para o meio social. Concluindo, à luz da personalização do Direito Privado, que a autonomia não é da vontade, mas da pessoa. Desta forma, fica claro o grande valor pelo qual a vontade é envolvida, tanto quanto as relações pessoais que como argumenta o autor estão em crise e em consequência disso acarreta em mudanças na estrutura normativa sendo que a autonomia da vontade deve partir da pessoa e não da própria vontade, trazendo uma concepção de que a pessoa é o centro e destinatário da ordem jurídica privada. Além disso, o contrato tem em sua estrutura elementos que possam o constituir à propriedade, de modo que da sua eficácia venha a nascer a segurança almejada. Some-se a isto os compromissos de compra e venda, que embora não registrado possam gerar a “adjudicação compulsória” proporcionando segurança ao adquirente imobiliário, da mesma forma os contratos de compra e venda devem gerar direitos a declaração judicial de propriedade, observandoa demonstração de eticidade, alteridade e solidariedade através do cumprimento da função social e eles pertinente. 35 O objeto deste trabalho em nenhum momento é propor a extinção do sistema de registro existente, mas a possibilidade de consideração aos casos concretos destacando e considerando a evolução social, através do tempo, reestruturando o sistema e acrescentando a figura do contrato como acesso a propriedade imóvel afim de inviabilizar a má fé e o abuso de direito, alcançando a igualdade e a segurança. Porém, mesmo diante de argumentações reflexivas demonstrando a necessidade e a demanda provenientes da realidade de vida dos não proprietários ainda com justo título boa-fé 34 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. Pag. 56 35 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Institutos fundamentais do direito civil e liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família. Rio de Janeiro: GZ, 2011. Pag. 255 aliado a contratualização, não se realizam como proprietários, devido a prevalência contida na norma conforme o art. 1245 e parágrafos do Código Civil. Portanto falar em mudança do sistema ou da legislação são vãs argumentações sem nenhuma efetividade, mas em contraponto a isto seria uma transição em curso da mentalidade de consciência e de postura, adotando a concepção de que o direito deva estar a serviço da vida e concretude das transformações sociais, no sentido em que o patrimônio deve existir em razão da pessoa e não o contrário.36 No entanto, na atualidade fica a cargo do intérprete ter noção da importância do reconhecimento da primazia da pessoa humana, bem como a realidade que através dela são notoriamente evidenciados, trabalho esse como já mencionado acima fica a cargo das academias da doutrina e sobretudo da advocacia e do poder judiciário.37 Sendo assim o deferimento quanto ao acesso a propriedade, deve ser levado em consideração também no que tange o titular de contrato cumprido, sendo considerado verdadeiro dono do imóvel mesmo que este não possua registro, utilizando-se como prova a o cumprimento do pacto acordado entre as partes e não objetivamente o ato registral, não sendo considerado como posse mas a propriedade imobiliária de fato.38 Em adição a isto Alexandre Barbosa da Silva, afirma: Reafirme-se, portanto que resta sem qualquer justificativa a manutenção do secular argumento da “insegurança jurídica” para a utilização desse modelo hermenêutico prospectivo, já que a noção de segurança jurídica não deve considerar tão somente o texto legal isoladamente considerado, mas precisa ser reconstruída na vinculação do magistrado ao ordenamento como um todo, incorporando, em cada decisão, devidamente fundamentada, os valores e princípios que definem a unidade do sistema. Portanto, o autor reafirma que injustificavelmente deve ser mantido o argumento da insegurança jurídica na utilização a longo prazo desse modelo hermenêutico, desvinculando a visão do magistrado ao ordenamento de modo que não seja considerado apenas o texto legal, tomando suas decisões com fundamentações através de valores e princípios extraídos do caso concreto. 36 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo Código Civil brasileiro. 3. Ed. rev. e atul. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. Pag. 21 37 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág. 277 38 SILVA, Alexandre Barbosa da. Propriedade sem registro, contrato e aquisição da propriedade imóvel, Curitiba, Juruá, 2018 Pág.281 Portanto trata-se de proposta baseada na hermenêutica baseando-se na dignidade da pessoa humana, sobressaindo-se ao patrimônio e atingindo a percepção de que a segurança buscada no atual sistema jurídico imobiliário, não deve atingir única e exclusivamente os anseios do proprietário, tal qual apresentado no registro, mas devendo ser estendido também esse direito ao “não proprietário de direito” uma vez que no caso concreto este é “proprietário de fato”. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo tem como objetivo demonstrar a insegurança pela qual padecem os contratos que envolvendo propriedade imóvel não registrada, partindo de um breve histórico da propriedade na raça humana e como o homem tratou desse direito através das inúmeras mudanças ocorridas ao longo do tempo. Trata-se de um direito operante nos bens imóveis, sendo assim deve cumprir algumas formalidades obrigacionais, tendo como motivo a proteção jurídica dos contratantes nos negócios envolvendo a propriedade, sendo esta formalidade destacada ao serviço de registro público, estabelecido na legislação civil do Brasil. Deste modo, o que foi buscado aqui foi fazer uma ligação do direito da propriedade na antiguidade ao contemporâneo bem como uma reflexão fundamentada na hipotética segurança jurídica da propriedade. Ante o exposto, tem-se uma ideia de que a utilização desse modelo não atende mais as expectativas sociais, havendo uma necessidade da utilização hermenêutica jurídica, para novas interpretações acerca do direito da propriedade levando em conta o direito à moradia diante do avanço social crescente, dessa forma, calçando-se na Constituição a segurança jurídica pretendida, amenizando a burocracia existente para a proteção da propriedade. Pretendeu-se buscar fundamentos para garantir ao não proprietário o direito à propriedade, única e exclusivamente mediante o contrato de compra e venda demonstrado a boa-fé e a função social, como já ressaltado não se buscou aqui argumentos para exclusão da forma atual de registro muito pelo contrário o que se busca é a incorporação do sistema já existente a matéria. Deste modo o enfoque se baseia no emprego da hermenêutica, ao direito da propriedade, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o acesso a moradia. Além disso considera-se a necessidade da valoração do contrato particular de compra e venda e a posse da propriedade, para soluções de conflitos inerentes a titularidade tendo como alicerce textos constitucionais que garantem os direitos classificados como fundamentais. Desta forma, diante de comparações de outrora pertinentes ao direito da propriedade, fica evidenciado a deficiência desse sistema, o qual se mostra abstrato diante de novas situações sociais e o avanço populacional, baseado apenas em literaturas, que embora no passado terem funcionado, já não satisfazem mais a realidade contemporânea, tornando obsoletas. Deste modo, a satisfação que as pessoas procuram em ter o direito constitucional da propriedade satisfeito, só pode ser alcançado através da aliança dos textos constitucionais e o Código Civil aplicando a legalidade de acordo com o caso concreto, proporcionado ao indivíduo a sensação de segurança jurídica aliada a melhores condições de vida. Desta forma, a função social do contrato e da propriedade devem ser explanadas, no sentido de prolongar a liberdade contratual, e que ambos alcancem a finalidade e as pretensões jurídicas, caminhando de encontro aos anseios sociais. Além disso, o “pacta sunt servanda” vai além da expressão latina, pois estabelece entre as partes direitos e obrigações, as quais não sendo respeitada gera a quebra contratual. Baseando nos argumentos supracitados, o que se busca é o alcance da propriedade através não apenas do registro de imóveis mas o reconhecimento do contrato, como meio de considerável para os não proprietários alcançarem o direito à propriedade, sob os princípios da boa-fé, dignidade da pessoa humana, solidariedade e da alteridade. Diante disso, é possível a utilização da hermenêutica constitucional paranovas interpretações observando todos os princípios acima citados juntamente a primazia da realidade sob as intenções contratuais em adquirir a titularidade da propriedade. Sugere-se sob esta ótica, a otimização do sistema já existente e não extingui-lo como já mencionado, incluído em sua estrutura maneiras que o possibilitem torna-lo mais acessível a todos, com a integralização dos cartórios contando assim com a transparência do princípio da publicidade que lhe é conferida, pois como já mencionado os avanços tecnológicos são cada dia mais crescentes o que torna perfeitamente viável tal reestruturação. Portanto, há de se mencionar que tais ações devam estar em consonância com as decisões judiciais e estas pautadas e fundamentadas de forma justificável de acordo ao caso concreto, em um pensamento voltado a realidade social pelas quais o indivíduo vem passando. REFERENCIAS ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. O mundo, o Brasil e o homem. Belo Horizonte: Imprensa da universidade Federal de Minas Gerais. 1966. ARONE, Ricardo. Os direitos reais codificados no curso da constitucionalização do direito civil. In: EHRHARDT JUNIOR, Marcos(Coord). 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