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GEOGRAFIA PRÁTICA DE ENSINO EM GEOGRAFIA IV Hélder Henrique Gasperotto Maria de Lourdes Cardoso da Silva Santos http://unar.info/ead2 SUMÁRIO UNIDADE 1 - SER PROFESSOR, SER PROFISSIONAL. ...................................................................... 1 UNIDADE 2 - A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR – I ............................................................. 5 UNIDADE 3 - A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR – II ............................................................ 9 UNIDADE 4 - A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR .................................................... 13 UNIDADE 5 - A TEORIA E A PRÁTICA NA EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA ................................... 18 UNIDADE 6 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – I .................... 22 UNIDADE 7 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – II ................... 26 UNIDADE 8 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – III .................. 30 UNIDADE 9 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – IV .................. 34 UNIDADE 10 - DESAFIOS PARA O ATO DE ENSINAR .................................................................. 38 UNIDADE 11 - PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES – I ....................................................................... 42 UNIDADE 12 - PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES – II ..................................................................... 46 UNIDADE 13 - PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES – III .................................................................... 51 UNIDADE 14 - PROJETOS DE TRABALHO – I ................................................................................ 55 UNIDADE 15 - PROJETOS DE TRABALHO – II ............................................................................... 58 UNIDADE 16 - INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO .................................................................... 63 UNIDADE 17 - A IMPORTÂNCIA DA CIRCULARIDADE DE IDEIAS NO ENSINO ......................... 67 UNIDADE 18 - APRENDER A LER O MUNDO ................................................................................ 71 UNIDADE 19 - PROJETO: MEIO AMBIENTE NA ESCOLA .............................................................. 75 UNIDADE 20 - LETRAMENTO CIENTÍFICO .................................................................................... 79 1 UNIDADE 1 - SER PROFESSOR, SER PROFISSIONAL. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: perceber a repercussão da reforma educacional ocorrida após a Constituição de 1988, na formação de professores do Ensino Fundamental e refletir sobre o papel do pedagogo na sociedade brasileira. ESTUDANDO E REFLETINDO As transformações por que passa o Estado brasileiro, em decorrência da globalização dos mercados, da reestruturação produtiva e da redefinição dos princípios do que é um Estado Nacional (introdução dos Princípios Neoliberais), tem acarretado profundas modificações no âmbito de atuação das três esferas do poder público: Executivo, Legislativo e Judiciário, e tal fato vem ocorrendo na maioria dos países da América Latina (Cepal/Orealc, 1992), trazendo no seu bojo mudanças no sistema educacional, que visam a sua adequação aos novos rumos do Estado. No nosso país, a reforma das estruturas educacionais se inscreve no movimento das reformas educacionais que ocorrem no continente latino-americano desde a década de 1980. Os objetivos dessas reformas como destacam Castro & Carneoy (1997), “era aumentar os recursos destinados à educação por fontes locais, públicas e privadas, e melhorar a qualidade do ensino, reduzindo a centralização dos procedimentos burocráticos e atribuindo mais responsabilidade pelas escolas, a usuários e provedores locais de educação”. Esses autores consideram como motor central dessas reformas o corte dos orçamentos do setor público do governo central – daí serem chamadas reformas financeiras. Além disso, pretendiam alcançar outro objetivo: produzir capital humano de melhor qualidade de forma a contribuir para aumentar a competitividade dos países Latino-americanos e do Caribe na economia mundial. Tal aspecto foi visualizado como “orientado para a concorrência”. Outras reformas, denominadas “reformas orientadas para a equidade”, buscaram destacar a dimensão política da educação (fonte de mobilidade e igualdade sociais). Admitem esses autores que nenhuma delas pode ser enquadrada em uma única categoria, já que todas anunciavam “ter como objetivo uma 2 educação de melhor qualidade, equitativa e a um custo público baixo”. (Castro & Carneoy, 1977). Tanto no Brasil, como em outros países latino-americanos, as mudanças no campo educacional trazem como consequência alterações na Educação Básica e na Educação Superior, devido às novas exigências para a formação dos profissionais da educação. As medidas do Executivo Federal, na década de 1990, têm repercutido na formação dos que atuam na escola básica, com consequências no campo da Pedagogia e no âmbito das faculdades de educação. BUSCANDO CONHECIMENTO Diante dessas grandes transformações que demandam dos processos de formação de professores novas orientações e formas de pensar a profissão é que muito autores buscam responder às inquietações, conceituações sobre a formação do profissional professor. Selecionamos para sua leitura a resenha do livro Pedagogia e Pedagogos, para quê? com o propósito de auxiliá-lo em suas reflexões. Resenhas PEDAGOGIA E PEDAGOGOS, PARA QUÊ? José Carlos Libâneo São Paulo: Cortez, 2005. 200p. (8. ed.) O livro reúne textos escritos ao longo da década de 1990 por José Carlos Libâneo com a intenção de responder à pergunta que dá título à obra. Como se trata de um autor cujo pensamento é amplamente conhecido nos meios educacionais, as respostas são familiares àqueles que têm se interessado pelos destinos da pedagogia no Brasil, constituindo-se em autêntico manifesto em favor da pedagogia e, consequentemente, da profissão de pedagogo. Em um manifesto são declaradas, publicamente, as razões que justificam certos atos e opções. É isso que faz o autor ao longo dos cinco capítulos do livro, expondo as razões que justificam a existência da pedagogia como “ciência da educação”, posicionando-se em favor da especificidade da atuação profissional do pedagogo e formulando uma clara proposta para a sua formação. Para Libâneo, o que justifica a existência da pedagogia é o fato de esse campo ocupar- se do estudo sistemático das práticas educativas que se realizam em sociedade como processos fundamentais da condição humana. A pedagogia, segundo o autor, serve para investigar a natureza, as finalidades e os processos necessários às práticas educativas com o objetivo de propor a realização desses processos nos vários contextos em que essas práticas ocorrem. Ela se constitui, sob esse entendimento, em um campo de conhecimento que possui objeto, 3 problemáticas e métodos próprios de investigação, configurando-se como “ciência da educação”. Essa visão da pedagogia fundamenta-se em um conceito ampliado de educação. Para Libâneo, as práticas educativas não se restringem à escola ou à família. Elas ocorrem em todos os contextos e âmbitos da existência individual e social humana, de modo institucionalizado ou não, sob várias modalidades. Entre essas práticas, há as que acontecem de forma difusa e dispersa, são as que ocorrem nos processos de aquisição de saberes e modos de ação de moda não intencional e não institucionalizado, configurando a educação informal. Há, também, as práticas educativas realizadas em instituições não convencionais de educação, mas com certo nível de intencionalidade e sistematização, tais como as que se verificam nas organizações profissionais, nos meios de comunicação, nas agências formativas para grupos sociais específicos, caracterizando a educação não formal. Existem, ainda, as práticas educativas comelevados graus de intencionalidade, sistematização e institucionalização, como as que se realizam nas escolas ou em outras instituições de ensino, compreendendo o que o autor denomina educação formal. Para Libâneo, são esses processos que constituem o objeto de estudo da pedagogia, demarcando-lhe um campo próprio de investigação. Ele estuda as práticas educativas tendo em vista explicitar finalidades, objetivos sociopolíticos e formas de intervenção pedagógica para a educação. O pedagógico da ação educativa se expressa, justamente, na intencionalidade e no direcionamento dessa ação. Esse posicionamento é necessário, defende o autor, porque as práticas educativas não se dão de forma isolada das relações sociais, políticas, culturais e econômicas da sociedade. Vivemos em uma sociedade desigual, baseada em relações sociais de antagonismo e de exploração. Por isso a pedagogia não se pode eximir de se posicionar claramente sobre qual direção a ação educativa deve tomar, sobre que tipo de homem pretende formar. Do ponto de vista do autor isso é o que justifica a existência da pedagogia como área do conhecimento, cuja especificidade é realizar uma reflexão global e unificadora da realidade da educação. Nessa concepção, pedagogo é o profissional que atua em várias instâncias da prática educativa, indireta ou diretamente vinculadas à organização e aos processos de aquisição de saberes e modos de ação, com base em objetivos de formação humana definidos em uma determinada perspectiva. Dentre essas instâncias, o pedagogo pode atuar nos sistemas macro, intermediário ou micro de ensino (gestores, supervisores, administradores, planejadores de políticas educacionais, pesquisadores ou outros); nas escolas (professores, gestores, coordenadores pedagógicos, pesquisadores, formadores etc.); nas instâncias educativas não escolares (formadores, consultores, técnicos, orientadores que ocupam de atividades pedagógicas em empresas, órgãos públicos, movimentos sociais, meios de comunicação; na produção de vídeos, filmes, brinquedos, nas editoras, na formação profissional etc.). Essa formulação distingue claramente a atividade profissional do professor, que realiza uma forma específica de trabalho pedagógico (ensino) e a atividade profissional do pedagogo, que se desenvolve em um amplo leque de práticas educativas (informais, não formais e formais). Por isso Libâneo entende que a formação do professor e a do pedagogo não podem ser realizadas em um único curso, tal como defendem os movimentos de reformulação dos cursos de formação de educadores, atualmente representados pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE. A proposta do autor é a de que haja dois cursos, um de pedagogia para formar o pedagogo stricto sensu e um de licenciatura para formar professores para os níveis fundamental e médio de ensino. Em síntese, ela consiste dos seguintes pontos: a. as faculdades 4 de educação ofereceriam dois cursos distintos, um de pedagogia e um de licenciatura para a docência no ensino fundamental e médio; b. o pedagogo receberia formação especializada através de habilitações, entre elas a pedagogia escolar; c. o licenciado obteria habilitações para a docência no curso de magistério, nas disciplinas de 5ª a 8ª série e ensino médio ou nas séries iniciais do ensino fundamental; e da estrutura curricular teria uma base comum, englobando conhecimentos referentes aos fundamentos da educação, da escola e do ensino e de uma parte específica de conhecimentos profissionais, definidos conforme o contexto de atuação profissional (pedagogo, docente ou outra habilitação). Trata-se de uma proposta coerente com uma visão de educação como prática social que, por não restringir o educativo ao âmbito do escolar, abre o campo de exercício profissional do pedagogo. Desde quando foi apresentada pela primeira vez, no 6º Encontro Nacional da ANFOPE, realizado em 1992, em Belo Horizonte, a proposta tem sido objeto de polêmicas e discordâncias com esse movimento, que defende a docência como base da identidade profissional do pedagogo, subsumindo o trabalho pedagógico ao trabalho docente. No entanto, tem sido coerentemente defendida pelo autor em congressos, simpósios, encontros e debates da área, nos quais a posição da ANFOPE foi sempre hegemônica. Assim como faz nestes eventos, com esta publicação o autor apresenta seus argumentos em favor da especificidade da pedagogia, dos estudos pedagógicos e do exercício profissional do pedagogo, conclamando os pedagogos a influírem nos rumos de sua profissão, tal como o faz em um dos capítulos, intitulado “Que destinos os educadores darão à pedagogia?” Com a palavra os pedagogos. A leitura do livro pode ser uma boa fonte de argumentos para a construção desses destinos. Verbena Moreira Soares de Sousa Lisita Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n131/a1437131.pdf http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n131/a1437131.pdf 5 UNIDADE 2 - A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR – I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: conhecer e analisar as determinações que definem o processo de formação inicial do professor. ESTUDANDO E REFLETINDO Embora a parte mais visível da reforma educacional venha a ser a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Plano Legislativo), é o Executivo Federal que tem tomado, desde a década de 1980, medidas de política educacional com a finalidade de atender aos novos requisitos científico-tecnológicos da produção flexível e às recomendações de cunho neoliberal de organismos internacionais. Isto, porém, somente vai se tornar mais evidente a partir de 1990, quando, em Jomtiem, Tailândia, são firmados compromissos internacionais no sentido de melhorar a educação brasileira, elevando os indicadores de desempenho escolar. Até os anos 1990 o Ministério de Educação (MEC) desempenhava um papel de interventor na realidade educacional brasileira, definindo de forma centralizada e hierarquizada as prioridades educacionais e assumindo encargos e decisões que seriam de alçada estadual e municipal, dificultando, assim, o pacto federativo. Essa situação vai ser modificada com a eleição direta para governadores, no ano de 1982, que cria espaço para uma relativa autonomia das Secretarias de Educação, o que pode ser observado com a instituição do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), em 1983, e União dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME). Essas entidades passaram a ocupar um espaço político que antes era assumido pelo Ministério da Educação, e, no entanto, embora tivesse sido ampliado o nível de participação dessas instâncias na condução da política educacional, a prioridade ainda estava com o Ministério, que: 1- Paulatinamente, vai redefinindo seu papel de interventor nas decisões educacionais dos estados e municípios, para 6 desempenhar o papel de planejador, coordenador e avaliador da política educacional. 2- Reestrutura os instrumentos de política do Ministério, afinando seus discursos e ações com o projeto governamental. 3- Estimula a participação das entidades educacionais nas discussões de políticas que irão afetar os sistemas de ensino, mas a decisão final fica circunscrita ao “aprove-se” do ministro, que dispõe do poder de veto sobre as propostas encaminhadas pelos órgãos ministeriais, inclusive oriundas do Conselho Nacional de Educação. 4- Organiza estatísticas educacionais, de modo que, ao mesmo tempo em que estabelece bases mais consistentes para a definição das políticas educacionais, também dá credibilidade à política e ao marketing do governo federal. Essa estratégia visa ofuscar as criticas a respeito dos programas governamentais. 5- Convoca especialistas para assessorar a elaboração de programas e propostas governamentais, a fim de conferir a chancela da autoridade acadêmicaa essas propostas, neutralizando as possíveis críticas dos setores formadores de opinião. 6- Define os Parâmetros Curriculares Nacionais, e assim, os objetivos e os conteúdos a serem ministrados na Educação Básica. 7- Estabelece a prioridade dos financiamentos dos programas educacionais, desconsiderando metas definidas pelos estados e municípios. 8- Utiliza a mídia para divulgar a mais simples medida, como algo especial, o que ofusca e confunde a opinião pública quanto a real magnitude do seu alcance. No projeto de Lei nº 1258-C/88, aprovado pela Câmara dos Deputados, seria garantida autonomia ao Conselho Nacional de Educação, para formular e encaminhar políticas e propostas educacionais. À medida que o Ministério da Educação vai ampliando seu poder de influência e controle da área educacional, o CNE, transformou- se em órgão de consulta e assessoria do Ministério, e este é um fato importante para a análise das decisões ministeriais relacionadas à formação de profissionais da educação em nível superior. A LDB 9294/96 reformulou a estrutura organizacional do ensino superior, e de acordo com o Decreto nº 2.207 de 15.04.1997, as instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino ficaram classificadas em cinco modalidades: 1) universidades; 2) centros universitários; 3) faculdades integradas; 7 4) faculdades; 5) institutos superiores ou escolas superiores. Apenas as universidades “se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, de pesquisa e de extensão” (Artº. 5º). Com a nova configuração do ensino superior, o campo da formação de professores para a educação básica passa a ser os Institutos Superiores de Educação (ISE). O que são os Institutos Superiores de Educação? A LDB dá grande espaço a esses institutos. No artigo 62, dispõe que a “formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, e oferecida em nível médio, na modalidade Normal”. Estes Institutos deverão manter, de acordo com o artigo 63: I – cursos formadores de profissionais para a Educação Básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do Ensino Fundamental; II- programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à Educação Básica; III- programa de educação continuada para profissionais de educação dos diversos níveis. BUSCANDO CONHECIMENTO Os Institutos Superiores de Educação são, também, regulamentados pelo Conselho Nacional de Educação, através do Parecer nº 53/99, de 28.01.1999, que na mesma linha da LDB 9.394/96 dedica uma atenção especial à formação de professores para a educação básica, pois suas responsabilidades incluem desde a participação na elaboração e execução da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino até as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Nesta ótica, “amplia-se, substantivamente, tanto o papel do profissional da educação como da própria escola, colocando ambos como elementos dinâmicos plenamente integrados na vida social mais ampla” (Parecer 53/99, p.1). 8 Neste Parecer não existe uma separação entre docente e profissional da educação, sendo os termos usados indistintamente. O Conselho entende que a educação básica requer uma prática que exige “competência, habilidades e conhecimentos específicos, cuja aquisição deve ser o objetivo central da formação”, o que, por sua vez, exige uma “renovação do processo de preparação de profissionais para o magistério, superando as deficiências e a desarticulação que têm sido reiteradamente apontadas em cursos hoje oferecidos” (Parecer 53/99, p.2). 9 UNIDADE 3 - A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR – II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: conhecer e analisar as determinações que definem o processo de formação inicial do professor. ESTUDANDO E REFLETINDO O CNE reconhece, também, que o legislador preocupou-se com dois problemas fundamentais: 1) a necessidade de elevar a qualificação dos profissionais dedicados à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental; 2) a dissociação entre teoria e prática. A solução para o primeiro dos problemas consiste em oferecer uma formação de nível superior, a ser realizada em Curso Normal Superior dentro do Instituto Superior de Educação. Quanto ao segundo problema, a ênfase é dada a pratica de ensino vista “como elemento articulador do processo de formação de professores” (Parecer 53/99, p.2), isto é a prática de ensino, considerada como elemento articulador do processo de formação “tem como objetivo, exatamente, atingir a necessária integração entre teoria e prática” (Parecer 53/99, p.2). Nessa perspectiva, a formação de professores a ser oferecida por Universidade e Institutos Superiores de Educação, “segundo o que prevê o artigo 62, da LDB 9294/96, terá que proporcionar formação geral e assegurar, concomitantemente, o acesso ao conhecimento que vem sendo produzido nas diversas áreas e que permeia a prática de ensino em realização, bem como promover o desenvolvimento das habilidades necessárias à condução, com qualidade, do processo pedagógico em sala de aula e na escola, favorecendo a reorganização do próprio trabalho escolar que vem sendo efetuado” (Parecer 53/99, p.3). No entendimento do Conselho, não há distinção entre universidade e instituto, mas é preciso atentar para o fato de que o que caracteriza a universidade é sua capacidade de produzir conhecimento e sob este ponto de vista, não se pode colocar como idênticos, Institutos e Universidades. 10 É importante salientar que não foi a LDB, nem tampouco o Decreto nº 2.207 que apresentou a concepção de Instituto Superior de Educação, mas sim o Conselho Nacional de Educação através do Parecer 53/99. Para o CNE os “Institutos Superiores de Educação deverão ser centros formadores, disseminadores, sistematizadores e produtores do conhecimento referente aos processos de ensino e de aprendizagem relacionados à Educação Básica e à educação escolar como um todo, com campo de atuação específico e delimitado”. (Parecer 53/99, p.3). Constituir-se como centro produtor do conhecimento requer condições de qualificação do corpo docente, e estrutura material que os Institutos não possuem e dificilmente poderão ser criados de forma improvisada. Sendo assim, surge uma questão: qual a motivação para esta duplicação de esforços e recursos, num país tão carente de oportunidades no ensino superior? A resposta está implícita no próprio Parecer: Tradicionalmente formados em cursos de nível médio, coloca-se hoje a necessidade de oferecer-lhes uma formação de nível superior. A proposta do Curso Normal Superior dentro do Instituto Superior de Educação tem exatamente o objetivo de prover esta formação profissional, preparando docentes para ministrar um ensino de qualidade, dentro da nova visão de seu papel na sala de aula, na escola e na sociedade. Ao propor uma Instituição e não simplesmente um curso, fica configurada a ideia da constituição de todo um novo ambiente institucional, mais propício à renovação das práticas necessárias à formação dos docentes. (Parecer 53/99). Para o CNE, o que caracterizaria este “novo ambiente” e “práticas renovadas de formação docente”? A formação dos profissionais da educação acontecia nas universidades, nas faculdades de educação, nos cursos de pedagogia. No caso do ensino médio, no curso Normal. O Conselho não está se referindoa estas instituições. Como seria então esta “instância renovadora” denominada Instituto Superior de Educação? A questão dos Institutos torna-se também bastante polêmica quando o CNE enfatiza que só lhe caberá “indicar normas e orientações gerais para a organização institucional, e não estabelecer modelos pedagógicos ou diretrizes curriculares”. Na verdade, foram traçadas, além das referidas normas, um conjunto de orientações que podem ser caracterizadas como diretrizes curriculares, pois o Parecer descreve os 11 conteúdos curriculares e os enfoques metodológicos que devem ser desenvolvidos; entra em detalhes quanto às características que estes devem apresentar, induz ou estabelece a forma de organização da prática de ensino, estabelece critérios para o corpo docente não só em relação à titulação como à própria natureza de sua formação e atuação, que deve estar vinculada à educação básica. Segundo o CNE, a prática de ensino deve ser concomitante à formação e ter como referencia básica: a) o projeto da escola a que o aluno está vinculado; b) os conteúdos a serem ensinados; c) as políticas educacionais, locais e nacionais. A prática de ensino, nessa ótica, constitui o espaço para a vivência escolar nas suas múltiplas dimensões: desde a sala de aula, à gestão, à família, à comunidade e ao debate social sobre educação. Os Institutos Superiores de Educação deverão possuir “corpo docente próprio, constituído por especialistas nos conteúdos curriculares e nas áreas que subsidiam a formação geral do magistério, com base no conhecimento também por eles produzido, por aqueles cuja experiência com a educação básica constitui referência” (Parecer 53/99, p.4). BUSCANDO CONHECIMENTO O CNE propõe, conforme o disposto no artigo 66, da LDB, que o corpo docente dos Institutos Superiores de Educação seja composto por professores com titulação pós- graduada, 10% dos quais com grau de mestre, de preferência em área relacionada ao ensino. A crítica a essa transformação refere-se: a) o percentual estipulado está aquém do desejável para uma instituição de nível superior, de qualidade, sobretudo ao se levar em conta que são os cursos de pós-graduação em Educação que sustentam a produção científica na área e qualificam os docentes para o ensino superior; b) ao referir-se ao “corpo docente dos Institutos Superiores de Educação, constituído por professores vinculados à Instituição por contrato, cedência ou convênio...”, o Conselho abre espaço para estratégias nada convencionais para obter vantagens – o famoso “jeitinho” – e os Institutos podem se tornar depósitos de apaziguados políticos; 12 c) a utilização desse mecanismo na formação do corpo docente comprometerá a garantia do ingresso no serviço público, exclusivamente por concurso público. Finalmente, o Parecer expõe a abrangência dos Institutos Superiores de Educação, prevendo que estes poderão prover: a) Curso Normal Superior para a formação de professores da Educação Infantil; b) Curso Normal Superior para formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental voltado para a formação geral para o magistério. Estes cursos “destinar-se-ão, precipuamente, a professores em regência com a formação em nível médio”; c) Cursos de Licenciatura, destinados à formação de docentes de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de nível técnico; d) Programa de Formação Pedagógica para portadores de diploma de curso superior. Destaca que estes programas terão duração mínima de 540 horas, incluindo a parte teórica e prática. (Resolução nº 02, do CNE de 26.06.1997); e) Cursos de pós-graduação, de caráter profissional. Dessa forma, os Institutos Superiores de Educação surgem como uma nova instituição no ensino superior, com um nível de abrangência de uma universidade, capaz de atender, à curto ou médio prazo, às pressões por ensino superior, de baixo custo, atendendo assim, às metas estabelecidas pelos organismos internacionais que monitoram o ajuste estrutural dos sistemas de ensino e o enquadramento do curso de Pedagogia como curso de formação de especialistas e de cientistas da educação, ou bacharelado. A docência como base de identidade profissional do pedagogo é defendida como “o trabalho docente para além de sua dimensão técnica, envolvendo atividades de reflexão, pesquisa e coordenação pedagógica, administração de escolas e de sistemas educacionais, o que implica uma estreita associação entre a concepção e a execução, entre a dimensão técnica e a dimensão política” (UFRJ/FE – Parecer). Nessa ótica, a docência é defendida como parte intrínseca da formação oferecida no curso de Pedagogia. 13 UNIDADE 4 - A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: analisar as exigências de qualificação da profissão docente e refletir sobre a necessidade de aprimoramento contínuo. ESTUDANDO E REFLETINDO Estudos nos mostram que existe uma grande distância entre o conhecimento produzido nas Universidades e Centros de Formação de Professores e os saberes ensinados nas escolas de Educação Básica. Apesar de todos os investimentos ainda existe, em grande medida, práticas reprodutivistas e acríticas nas escolas de Educação Básica. Essas práticas não levam em consideração a diversidade e a complexidade da realidade em que se processam o ensino e a aprendizagem. Essa constatação e reconhecimento são fundamentais para entendermos que a formação continuada é processo inerente à profissão docente. O reconhecimento da necessidade de formação contínua significa compreender que os processos educacionais não podem ser explicados de forma simplificada e superficial. É necessário que se compreenda a formação como causa e solução para o aprimoramento dos sistemas educacionais. Também é imprescindível que se atribua à dimensão da formação – inicial e continuada – o status de fazer parte da lógica do sistema educativo, compondo os limites e contradições da sua produção histórica. Ao propor reflexões para a docência como atividade profissional Veiga (2006) chama a atenção para o sentido da docência como um conjunto de funções que ultrapassam a tarefa de ministrar aulas. Essa autora infere que a LDB determina como atribuições do docente: participar da elaboração do projeto pedagógico; elaborar e cumprir plano de trabalho; zelar pela aprendizagem dos alunos; elaborar estratégias de recuperação, participar de planejamento, entre outras. Também salienta que vivenciamos um processo de ampliação do campo da docência, no qual a produção 14 dessa profissão precisa ser entendida como construção social. Outro aspecto considerado é que a docência requer conhecimentos específicos, habilidades e inovação. Por essas razões, conclui que formar professores implica compreender a importância do papel da docência. Para significar o processo de formação é necessário que se tenha claro aspectos epistêmicos como a provisoriedade do conhecimento e, além disso, outros como a história de vida dos sujeitos. É oportuno lembrar aqui Paulo Freire quando afirma “Quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Construir a identidade profissional requer colocar na pauta da própria formação temas como a educação e a escolha da profissão como opção política; a indissociabilidade entre teoria e prática; a perspectiva emancipatória do ato educativo; a formação contínua como território de conflitos e mediações; a inter-relação entre o desenvolvimento pessoal-profissional-institucional. Concordamos com Veiga que a identidade profissional do professor precisa ser construída sob o entendimento de fazer parte de uma profissão em constante processo de revisão dos significados sociais. BUSCANDO CONHECIMENTO Uma proposta metodológicapara a formação continuada de professores na perspectiva histórico-social Francisco José Carvalho Mazzeu* [...] Alguns pressupostos teóricos. A compreensão mais profunda do processo de formação de professores na perspectiva aqui adotada implica uma reflexão sobre o próprio significado do processo educativo, na sua relação com o processo mais amplo de constituição e desenvolvimento histórico-social do ser humano. A educação é um processo fundamental para o homem porque, ao contrário dos outros animais, o indivíduo humano não recebe na sua herança genética toda a herança acumulada pelas gerações anteriores no seu processo de ação sobre a realidade. Sendo assim, aquilo que caracteriza, de fato, um indivíduo humano, do ponto de vista histórico e social, é o seu ser genérico, ou seja, a herança cultural da humanidade, da qual esse indivíduo vai se apropriando ao longo de sua existência e que contribui para expandir. Como se constitui essa herança cultural? Através do processo de apropriação e objetivação que caracteriza a atividade humana (cf. Duarte 1993, p. 27 ss.). O homem, ao agir http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000100006&lng=pt&nrm=iso#back 15 sobre a realidade, apropria-se dos elementos naturais, transformando-os em objetos humanos. Nessa atividade, cria conhecimentos e habilidades que permitem reproduzir esses objetos e produzir novos objetos. A cultura humana acumula-se tanto nos objetos em si quanto na linguagem (em suas várias formas) e nos usos e costumes. A história da humanidade tem se caracterizado por esse processo de apropriação subjetiva da realidade, na forma de ideias, conhecimentos, imagens etc. e na criação de objetivações (produtos gerados a partir dessas ideias ou de sua transformação). Também a história de cada indivíduo humano está marcada por esse processo na medida em que cada um precisa se apropriar da cultura acumulada pelas gerações anteriores, mas ao mesmo tempo precisa criar novas objetivações correspondentes às suas ideias e aos desafios de seu tempo. Cabe à educação propiciar que tal apropriação ocorra, bem como dotar o indivíduo de instrumentos para criar essas novas objetivações. Esse referencial possibilita compreender de modo articulado tanto o processo de aprendizagem do aluno quanto o processo de formação de professores e demais agentes da prática educativa. Frequentemente, a análise da prática pedagógica tem se baseado em uma dicotomia na qual se separam o processo de aprendizagem do aluno e o processo de formação continuada de professores. Dessa dicotomização resulta a utilização de diferentes paradigmas teórico-metodológicos para analisar esses dois processos. Nesse aspecto, a situação atual da pedagogia parece semelhante à situação da crise apontada por Vygotski (1991, pp.259-450) na psicologia, no que se refere à falta de uma concepção teórica geral que dê conta das questões comuns às áreas específicas de conhecimento, possibilitando perceber, ao mesmo tempo, a unidade e a diversidade dessas áreas. Embora sem ignorar essa especificidade, é fundamental compreender os processos envolvidos na prática educativa de modo integrado, e analisá-los à luz dos mesmos pressupostos teóricos. A perspectiva histórico-social pode dar uma contribuição para essa tarefa, na medida em que possibilita compreender a aprendizagem do aluno como um processo ativo, sem secundarizar a ação mediadora do professor nessa atividade (a importância dessa ação fica clara, por exemplo, no conceito de "zona de desenvolvimento próximo" proposto por Vygotski). A formação continuada do professor, por sua vez, na perspectiva histórico-social toma como base a prática pedagógica e situa como finalidade dessa prática levar os alunos a dominarem os conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade. Para conseguir que os alunos se apropriem do saber escolar de modo a se tornarem autônomos e críticos, o professor precisa estar ele próprio, apropriando-se desse saber e tornando-se cada vez mais autônomo e crítico. Portanto, a formação continuada é analisada neste trabalho com base no conceito de humanização (cf. Duarte 1993, p. 57 ss.). Esse conceito, no meu entender, possibilita uma compreensão mais ampla e profunda dessa formação do que outros conceitos como o de profissionalização, quer essa profissionalização seja entendida sob um enfoque funcionalista (como uma equiparação do professorado a categorias profissionais com mais vantagens no âmbito da sociedade atual, como os médicos, por exemplo) quer essa profissionalização seja 16 compreendida apenas como aquisição de uma postura prático-reflexiva ou crítico-reflexiva, na qual não seja dado o devido peso ao processo de apropriação, pelo professor, do saber acumulado historicamente. A humanização do trabalho docente implica uma ampliação da autonomia do professor e, ao mesmo tempo, uma apropriação, por ele, de conhecimentos, habilidades e valores fundamentais da cultura existente, bem como de conhecimentos necessários para assegurar aos alunos a apropriação ativa e criativa dessa cultura. Essa humanização está limitada por relações e formas de ação no âmbito da prática pedagógica, que refletem a influência de relações mais amplas, em outras instâncias da prática social. A separação entre significado e sentido do trabalho docente, separação essa que faz com que o professor e a escola muitas vezes percam de vista os fins sociais de sua existência, decorre de relações de dominação existentes na própria estrutura da sociedade. Apostar nas possibilidades da escola como instância que pode contribuir para uma transformação da sociedade não significa retomar a crença ingênua na escola como "redentora da humanidade", mas buscar a identificação e a exploração de limites e possibilidades oferecidos pelas condições existentes para promover as transformações possíveis nessas condições. Esse processo requer, por parte dos educadores envolvidos na escola, um processo permanente e sistemático de reflexão. No entanto, tendo em vista esse caráter complexo e contraditório do processo educativo no qual os polos opostos como as dimensões reprodutora e transformadora da escola, a apropriação e a criação se complementam em lugar de se excluir, entendemos que uma reflexão inspirada no pensamento dialético tem melhores condições de compreender os problemas do aprendizado escolar e da formação continuada de professores, e, consequentemente, encontrar soluções viáveis para esses problemas. Em síntese, o processo de formação continuada de professores que se está propondo aqui se centra em três eixos básicos: • o domínio do saber acumulado no que se refere ao conteúdo escolar e às formas de ensiná- lo; • o domínio da concepção dialética como meio de desenvolver uma ação e reflexão autônomas e críticas; • a formação de uma postura ético-política guiada por sentimentos e valores que possibilitem ao professor utilizar esse saber acumulado como meio para o desenvolvimento pleno do aluno e para seu próprio desenvolvimento como ser humano. Propostas de ação A orientação metodológica a ser sugerida neste texto será baseada na discussão desenvolvida por Saviani (1984, p. 71) a propósito dos métodos de ensino, na qual o autor sugere uma sequência de trabalho composta de cinco passos que se articulam. Esses "passos", sem serem encarados como fórmula ou orientação rígida, podem fornecer um importante subsídio para uma direção do processo pedagógico na perspectiva do desenvolvimento pleno de alunos e educadores. Essa sequência tem servido de referência tanto para a elaboração de propostas para o ensino dos conteúdos escolares, quanto para a orientação do trabalho 17 formativo com os professores, de modo que eles vivenciam nesse trabalho um processo análogo ao que poderão realizar com seus alunos. Os passos sugeridos pelo autor são: a prática social, a problematização, a instrumentalização, acatarse e a prática social. A prática social Dentro da perspectiva histórico-social, o conceito de prática social envolve o processo mais amplo através do qual a humanidade vai produzindo e reproduzindo as condições (materiais e ideais) e as relações sociais que possibilitam sua existência. Nessa perspectiva, a prática social do professor não se identifica com a prática cotidiana, nem com a experiência de cada indivíduo. A prática social tem como aspecto central exatamente a relação contraditória entre o cotidiano e o não cotidiano, bem como a relação entre a experiência de cada um e as experiências acumuladas pelo conjunto da sociedade ao longo de sua história. São essas relações contraditórias que estão no ponto de partida da formação de professores, uma vez que essa formação ocorre nessa prática social e não apenas no momento em que o professor recebe algum tipo de curso. Compreender a formação do educador nessa perspectiva conduz a uma abordagem da questão do saber desenvolvido pelo professor, na qual se busca superar tanto a negação desse saber, quanto uma valorização que não considera seus limites e acaba reificando esse saber. Nessa questão é fundamental a ideia de que a prática cotidiana do professor é movida pelo senso comum pedagógico, o qual é constituído de fragmentos de teorias, assimilados geralmente sob a forma de clichês. O senso comum acaba criando a ilusão de um domínio das "teorias" cujos elementos ele incorpora. O professor que está imerso na sua prática muitas vezes não percebe a necessidade de romper com essa relação imediata entre pensamento e ação, o que leva a uma rejeição da reflexão filosófica e das teorias educacionais mais elaboradas. O professor em formação assume muitas vezes uma postura semelhante à do homem comum, o qual, segundo Vazquez (1968, p. 14), "vê a si mesmo como ser prático que não precisa de teorias; os problemas encontram sua solução na própria prática, ou nessa forma de reviver uma prática passada que é a experiência". Portanto, partir da prática social na formação de professores implica não só um conhecimento da experiência de cada professor, de sua memória, de seu saber prático, mas uma ruptura com a forma de pensamento e ação próprios do cotidiano. MAZZEU, Francisco José Carvalho. "Uma proposta metodológica para a formação continuada de professores na perspectiva histórico-social." Caderno Cedes 44 (1998): 59-72. 18 UNIDADE 5 - A TEORIA E A PRÁTICA NA EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: discutir os conceitos de teoria e prática como dimensões indissociáveis do trabalho do professor. ESTUDANDO E REFLETINDO Nos atuais debates sobre a produção do conhecimento em sala de aula estão presentes questões epistemológicas, políticas, sociais e suas implicações na organização do currículo escolar. Para inaugurar prática de ensino significativa e contextualizada é importante o professor ter como princípio a ideia de que é necessária a busca do diálogo permanente entre as diferentes áreas do conhecimento. Todos esses saberes, mediados pela ação dos sujeitos (alunos e professores), são reconstruídos e constituem os chamados saberes escolares. Com vistas a iniciar os alunos nos caminhos da pesquisa é preciso se lançar ao desafio de fomentar criações coletivas de práticas pedagógicas. Essa prática coletiva só acontece quando o próprio professor se investe de legitimidade participando e, principalmente, acreditando na importância da organização do trabalho com base no projeto pedagógico do qual é autor. É fundamental acreditar e praticar a indissociabilidade entre a teoria e a prática. Por isso é importante conhecer a origem da dicotomia entre essas duas dimensões tão importantes do fazer educativo. BUSCANDO CONHECIMENTO Os termos – teoria e prática – vêm do grego. Teoria significava, originalmente, a viagem de uma missão festiva aos lugares de sacrifício. Daí o sentido de teoria como observar, contemplar, refletir, estudar, etc. 19 Para Walter Garcia (1977), a partir do pensamento platônico, a palavra teoria passou a ser utilizada com maior frequência para significar, primordialmente, o ato de especular, por oposição a atividades eminentemente práticas. A palavra prática deriva do grego práxis e tem o sentido de agir, principalmente a ação inter-humana consciente, diferente de poieses, que compreende a ação produtiva e a atividade comercial. Para Aristóteles, a prática é um tipo de atividade que se caracteriza por sua imanência; seu desdobramento é seu próprio fim; por exemplo, o pensar, o querer, etc. Assim, a Filosofia e toda a sorte de atividade teórica são práxis, no sentido mais próprio do termo. É o que se passa também com a prática das virtudes. A atividade da práxis é exercida a partir do homem e sobre o homem, seja em nível de razão ou de vontade. Trata-se, por assim dizer, de uma autoprodução. Para o filósofo Ferrater Mora, teoria pode ser definida como uma visão inteligível ou como uma contemplação racional e designa uma construção intelectual que aparece como resultante de um trabalho filosófico ou cientifico. Para Lalande, prática inclui o sentido de exercício de uma atividade voluntária que transforma o ambiente que nos rodeia, ou exercício habitual de uma atividade. Podemos, então, interpretar a teoria como um pensar, um raciocinar, a partir de determinados princípios e pressupostos; e a pratica seria a realização, a ação e os resultados. Candau concebe a relação entre teoria e prática sob duas visões:- dicotômica ou dissociativa e a de unidade. A Visão dicotômica centra-se na separação entre teoria e prática. Os teóricos pensam, refletem, planejam; os práticos executam, agem e fazem. A Visão de unidade ou associativa explicita-a da seguinte forma: os polos (teoria e prática) não são opostos, mas justapostos, isto é, a prática é uma execução pura e simples da teoria, sem inventar, criar ou introduzir ideias novas. A teoria é que determina os pontos a serem seguidos. A teoria sempre tem as ideias; a prática assume um papel de simples instrumento ou mera técnica, que aplica automaticamente regras, 20 princípios e normas vindos da teoria. Essa dimensão está muito ligada à Educação, no momento em que aos “teóricos” é dada a responsabilidade de pensar, refletir e realizar o trabalho intelectual (são os responsáveis pelo planejamento e pelas políticas educacionais), enquanto aos professores e demais especialistas caberia a tarefa pura e simples de executar as ordens e determinações emanadas dos “superiores”. Segundo Vásquez (1977), A visão de unidade está centrada na vinculação, na união entre teoria e prática; os dois componentes – teoria e pratica- são indissolúveis da práxis, definida como “atividade teórica-prática, ou seja, tem um lado teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro. VÁSQUEZ, 1977, P.48. Candau (1990) diz que esse relacionamento assenta-se em três premissas: 1ª) A teoria depende da prática, uma vez que esta determina o horizonte do desenvolvimento e o progresso do conhecimento; 2ª) A teoria tem como finalidade a prática, no sentido de antecipação ideal de uma prática que ainda não existe; 3ª) A unidade entre a teoria e prática pressupõe necessariamente a percepção da prática como atividade objetiva e transformadora da realidade natural e social, não qualquer atividade subjetiva, ainda que esta se oculte, sob o nome de práxis. O primado é da prática com a diferença de que esta prática implica em um conhecimento da realidade que pode ser transformada e das exigências a que busca responder. O conhecimento da realidade é fornecido pela teoria, tendo a prática, portanto, elementos teóricos. A prática se afirma tanto como atividade subjetiva,desenvolvida pela consciência, quanto como processo objetivo material, comprovados pelos outros sujeitos. Por ser transformadora da realidade, a prática é criadora, ou seja, diante das necessidades e situações que se apresentam ao homem, ela cria soluções, sendo esse processo criador imprevisível e indeterminado, e seu produto, único e não repetível. Segundo Popper (2000), a teoria é uma espécie de rede lançada para capturar aquilo que se denomina “mundo”, com a finalidade de dominá-lo e explorá-lo racionalmente. Nessa perspectiva, a teoria educacional oferece uma série de conceitos e enunciados que permitiriam uma visão global e sistemática dos diversos elementos e variáveis do fenômeno educacional. 21 O educador trabalha a relação teoria e prática de três formas distintas: 1ª) Apresenta as duas áreas separadamente, justapostas. O professor estuda as teorias e, posteriormente, efetiva sua prática. Esta não oferece subsídios àquela. 2ª) É a concepção de que a prática significa a aplicação da teoria pedagógica. Temos, de um lado, as abordagens teóricas e do outro, os resultados dos estudos realizados. Insere-se, neste caso, por exemplo, a instrução programada, o telensino, etc. Nas teorias de Educação os fundamentos estariam em uma linha tecnológica e sistêmica. 3ª) O tratamento conjunto e integrado da teoria com a prática. O pensar e o agir estariam juntos. O educador deve desenvolver uma práxis criadora, na medida em que a vinculação entre o pensar e o agir se faz presente em termos de unicidade e inventividade. Saviani (1980) nos diz que a teoria exprime interesses, objetivos, finalidades; que rumos a educação deve tomar e, nesse sentido, ela não só retrata a realidade, como orienta uma ação que permite mudar a existente. As contradições existentes do mundo da produção material têm seus reflexos no mundo das ideias, e a educação, consequentemente, sofre a interferência dessas ideias e teorias que vão surgindo de acordo com as variações do mundo histórico-cultural. As teorias e práticas pedagógicas que serão vistas partirão de concepções deterministas, positivistas, que procuram ultrapassar a dicotomia sujeito x objeto, indivíduo x sociedade: o homem como um ser vivendo seu próprio tempo e construindo sua própria história. 22 UNIDADE 6 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – I CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: analisar temas relacionados à indisciplina escolar e investigar perspectivas para contribuir na ação mediadora do professor no ambiente escolar. Conhecer os conceitos de autoridade e limite. ESTUDANDO E REFLETINDO Muitos autores como La Taille (1996), Aquino (1998), Novais (2004), Zagury (2006) e Freire (1989), têm apresentado reflexões sobre o tema da indisciplina nas escolas. Embora existam muitas produções sobre o assunto, podemos afirmar que estamos muito distantes de atenuar os resultados negativos que a indisciplina promove nos processos formativos e na autoestima dos alunos e professores. É preciso enxergar o problema como produção social. Por se tratar de tema complexo, existem muitas referências conceituais que não podem ser ignoradas pelos profissionais que atuam na escola. Como exemplo pode-se citar: a ideia de transgressão; as multirreferencialidades presentes na forma de organização dos grupos (aluno, escola, família); limites; autoconhecimento do professor; formas de liderança (saber, vínculos afetivos e autoridade do cargo); ética profissional; autoridade; limites; autonomia e contextos sociais e condicionantes culturais. O primeiro passo para enfrentar o problema é reconhecer que a prática educativa escolar é resultado de múltiplas dimensões do relacionamento humano e da dinâmica da produção do conhecimento. Para isso, propomos analisar o tema da indisciplina considerando o contexto das transformações sociais e a atual conceituação de juventude e de felicidade. Além disso, também é necessário levar em conta as perspectivas e perfil do professor; as relações 23 institucionais e a construção da identidade profissional e o lugar de “pertencimento” da autoridade do professor. BUSCANDO CONHECIMENTO A Indisciplina escolar enquanto desafio na formação do professor: uma realidade posta na sociedade contemporânea. SILVA, Margarete Virgínia Gonçalves – UTFPR. FERREIRA, Jacques de Lima – PUC. GALERA, Joscely Maria Bassetto – UTFPR. Introdução. É inegável a importância da educação. Pesquisas apontam que quanto maior o número de anos na escola, maior é a remuneração recebida por essa pessoa. Por outro lado, indicadores, como SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica (2001) e PISA – Programa Internacional de Alunos (2000), apontam o grau do fracasso das crianças brasileiras mostrando que a escola brasileira apresenta sérios problemas. Dentre os vários problemas que interferem na qualidade da educação destacamos a indisciplina, podendo iniciar de modo não físico, num xingamento, podendo chegar à forma física, como socos e empurrões, dentro do espaço escolar. E estes confrontos não ficam restritos aos alunos, mas atingem todos os participantes da comunidade escolar: professores e funcionários (MARRIEL et al., 2006). Seja na mídia impressa ou eletrônica, é possível observar que a violência dentro da escola é um fenômeno mundial. Por vezes, o professor gerencia conflitos dentro da sala de aula ocasionando desgaste emocional e a perda de tempo que deveria ser utilizado no auxílio aos alunos para produção do conhecimento. Pesquisa realizada por Ristum e Bastos (2004) apontam algumas causas para episódios de violência no espaço escolar. Tais causas foram relacionadas a partir de entrevistas realizadas com professoras do ensino fundamental. Observa-se que as situações classificadas como violência neste estudo (agressão física e verbal), para Aquino (1998) são entendidas como indisciplina. Para Aquino (1998), indisciplina e baixo aproveitamento dos alunos representa dois dos grandes males da escola contemporânea, geradores do fracasso escolar e os principais obstáculos para o trabalho docente. A indisciplina no espaço escolar: teorias. No espaço escolar, muito se fala sobre a falta de limites de alunos, crescendo as queixas a respeito da ingovernabilidade das novas gerações, associando-a ao declínio das instituições e 24 autoridades tradicionais e às novas influências trazidas pela indústria cultural e de consumo (RATTO, 2007). A disciplina e a indisciplina são produtos sociais e escolares e não devem ser consideradas boas ou más, pois isso depende do contexto e da lógica em que estão inseridas. Mas, no mundo escolar algum tipo de disciplina é necessário e bem vindo, resta definir qual (RATTO, 2007). Segundo o Aurélio “disciplina é o regime de ordem imposta ou livremente consentida; ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.); relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor”. Para La Taille (1996, p. 10) “se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas”. É neste momento que a comunidade escolar deve interferir e procurar saber o que acontece neste ambiente. A revolta pura e simples não se mantém se houverem regras claras de convivência. Antunes (2002) ressalta que é preciso ter cuidado com uma sala silenciosa: falar, conversar e debater pode representar um excelente instrumento pedagógico. Mas, há momentos em que o silêncio e a concentração são necessários para que os conteúdos expostos sejam compreendidos. Para Novais (2004), a autoridade terá função vital na questão disciplinar, quando houver uma interação entre os indivíduos na sala e estes possam construir um conceito de disciplina que não seja imposto porleis arbitrárias, mas construído por meio da negociação de regras claras e justas. Este conceito levará os alunos a desenvolverem autonomia e percepção crítica da realidade. Uma participação ativa na sociedade pressupõe uma conscientização dos educandos quanto aos seus deveres na sociedade. Assim, a educação também tem o objetivo de desenvolver no indivíduo o interesse na vida coletiva para assumir o compromisso de buscar ações que favoreçam o desenvolvimento da capacidade crítica de julgamento. Arroyo (apud SCHNETZLER, 2003) define que educação para cidadania é o cultivo do senso no valor moral em cada indivíduo, na criança e nos jovens. Nesta educação comprometida com o cidadão os direitos e deveres de todos são iguais, independentes da posição social ocupada. Na sociedade moderna, a competição tornou-se valor comum, desenvolvendo uma visão social eminentemente individualista. Nessa visão, cada um se fecha em seu pequeno mundo e só se interessa por aquilo que lhe diz diretamente (FERREIRA apud SCHNETZLER, 2003, p. 37). Diante desta afirmação, concomitante à educação para a cidadania faz-se necessária a educação moral. Tal educação é o processo de auxílio que leva o aluno ao discernimento e a reflexão dos valores que lhe são significativos e são assumidos por ele. Assim, a partir das experiências dos alunos ocorrerá a construção do seu quadro de valores. 25 O Estatuto da Criança e do Adolescente tratou, em capítulo específico, do direito à educação estabelecendo seus objetivos, os direitos dos educandos, as obrigações do Estado, dos pais e dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino (ECA, Capítulo IV - artigos. 53/ 59). No artigo 2° da Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleceu que a educação visa o preparo para o exercício da cidadania. Segundo La Taille (1996) cabe a escola a preparação para o exercício da cidadania. E para ser cidadão é necessário conhecimento, memória, respeito pelo espaço público, normas de relações interpessoais e diálogo aberto entre olhares éticos. A indisciplina escolar apresenta-se como o descumprimento das normas fixadas pela escola e demais legislações aplicadas. O processo de aprendizagem necessita da disciplina para que ocorra de forma tranquila e eficaz. A disciplina em sala de aula pode equivaler a atitudes tolerantes e de aceitação do outro. 26 UNIDADE 7 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – II CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: analisar temas relacionados à indisciplina escolar e investigar perspectivas para contribuir na ação mediadora do professor no ambiente escolar. Conhecer os conceitos de autoridade e limite. ESTUDANDO E REFLETINDO As diversas manifestações da indisciplina são o desafio para os educadores em sala de aula e na escola, tanto na pública como na particular. (VASCONCELLOS, 1997). Ainda, segundo Vasconcellos: Sem autoridade não se faz educação; o aluno precisa dela, seja para se orientar, seja para poder opor-se (o conflito com a autoridade é normal, especialmente no adolescente), no processo de constituição de sua personalidade. O que se critica é o autoritarismo, que é a negação da verdadeira autoridade, pois se baseia na coisificação, na domesticação do outro (p. 248). Obedecer às regras não significa submissão ou servilismo. O sentido da obediência para a criança ou adolescente terá valor quando aprenderem que viver em sociedade significa construir regras e que disciplina é sinônimo de autocontrole (ANTUNES, 2005). O problema da indisciplina está ligado a uma série de outras questões e não devemos esquecer que a disciplina é apenas mais um aspecto da educação escolar. Convém lembrar que um aluno indisciplinado em uma disciplina, enquanto em outras não. Assim, sua indisciplina surge ou se acentua em determinados momentos (AQUINO, 1998). Para Aquino (1998), dentro da sala de aula o professor é o guia dos alunos levando-os a viagem do conhecimento, redescobrindo com eles o caminho a ser percorrido. Ao recontar as histórias das descobertas humanas, o professor pede aos alunos imaginação e inquietude. 27 Em alguns casos, o aluno espera que o professor tenha o desempenho de um showman: fantasias, músicas (ZAGURY, 2006). Mas, nem todos os assuntos tratados em uma disciplina podem ser “fantasiados”, alguns exigem a leitura e a interpretação de um texto, a resolução de cálculos e aí então, o professor é “chato” e está pedindo por uma “bagunça” dentro de sala. Ora, na formação destes cidadãos tem-se que mostrar que o mundo apresentará vários desafios a serem vencidos. Haverá dispensas de emprego, dias monótonos em uma fábrica, preenchimento de incontáveis formulários em um escritório. Conforme afirma Garcia (1999), a atuação da direção da escola é importante para dar suporte e encorajamento, tanto a professores como a alunos. “Como em todas as outras relações sociais e institucionais, na relação pedagógica existe um contrato implícito – um conjunto de regras funcionais – que precisa ser conhecido e respeitado para que a ação possa se concretizar a contento” (AQUINO, 1998, p. 27). Este contrato pedagógico encerraria pressupostos que norteariam alunos e professores em questões tanto disciplinares quanto avaliativas. Garcia (1999) avalia que as escolas necessitam desenvolver uma diretriz disciplinar alicerçada em seu projeto político pedagógico. Nesta diretriz competiria o desenvolvimento de regras e procedimentos disciplinares. Mas, a legitimação desta diretriz só poderia ocorrer desde que tais e regras e procedimentos seriam construídos com a participação dos estudantes e de toda a comunidade escolar. A participação dos alunos é um elemento importante, pois favorece o sentimento de pertença e implicam o exercício de algum grau de poder sobre as disposições coletivas, bases na criação de um senso de responsabilidade comum e um elemento de motivação (D’ANTOLA apud GARCIA, 1999, p. 105). Para Nunes (2006), a escola e os professores, na medida em que cumprem os seus papéis, têm uma tarefa importante na transformação e mudança dos alunos de modo que, nem escola e nem professores, permaneçam indiferentes perante a situação de indisciplina dos alunos. Algo deve ser feito pela escola e pelos professores para contornarem a situação: a escola deve, sobretudo, criar condições materiais, humanas e 28 ambientais no sentido de proporcionar um clima de convivência agradável entre os alunos. Vários dispositivos legais são criados para fazer funcionar regras e leis como garantia de uma retaguarda ao desenvolvimento da criança. No entanto, a escola não está conseguindo dar conta dessa atribuição como deveria, afirma Di Santo (2007). Continuando, reflete: ”e isso está causando um mal estar nos professores que se sentem impotentes frente a estas demandas; têm que preparar o aluno para a vida fornecer-lhe as ferramentas e conhecimentos com que poderá atuar para conduzir a civilização”. Nesse sentido, “considero ser bem vindo algum grau ou tipo de vigilância nas relações educativas a serem estabelecidas com as novas gerações (RATTO, p. 254, 2007)”. Paralelamente a essa afirmação, Ratto coloca que seria ideal se a criança internalizasse esse olhar vigilante dentro de si, tornando-se seu próprio vigia. "Qual disciplina estamos efetivamente buscando?" Pergunta Antunes (2005). Essa resposta necessita passar por uma desconstrução da ideia geral para a análise de situações específicas: Quando os professores de uma unidade escolar sentam-se com seus alunos e desconstroem e sabem reconstruir a plenitude da significação e dos tipos de disciplina, não apenas a aula corre mais facilmente e a aprendizagem se concretiza de maneira mais saborosa como estudantes e mestres descobrem que, reconhecendo a disciplina como ferramenta essencial às relações interpessoais,aprendem autonomia, exercitam a firmeza e conseguem, com mais dignidade, construir o caráter (ANTUNES, 2005). Para Freire (1989), a disciplina envolve autodisciplina. Cabe a cada indivíduo a busca pela autodisciplina. A indisciplina é a falta de regras, ou a desobediência às regras sem justificativa. Foucault (apud GUIRADO, 1996) diferencia a disciplina por esses conceitos: a disciplina é um tipo de organização do espaço e um controle do tempo; a vigilância é um dos seus principais instrumentos de controle e por fim, a disciplina implica um registro contínuo de conhecimento. Para Ratto (2007), a complexidade das situações disciplinares enfrentadas nas escolas é incalculável e permitem abundantes e variados leques de leituras e 29 problematizações. Os conflitos nas relações sociais e pedagógicas apresentam dificuldades, mas também possibilidades de aprendizado, questionamento e mudança. Assim, “a questão norteadora seria pensar constantemente em que medida as práticas disciplinares da escola estão viabilizando nossos cultivados compromissos em torno da formação crítica e autônoma das novas gerações” (RATTO, 2007, p. 258). BUSCANDO CONHECIMENTO Em vista de todos estes conceitos cabe ao professor atuar como mediador entre o mundo e o aluno inserido no espaço escolar e, consequentemente, no mundo. Ao ingressar na escola, o aluno deve ter pleno conhecimento das regras que regem a escola. Já à escola cabe levar o aluno a um tipo de disciplina de transformação que o levará à apreensão de saberes. Saberes estes que formarão um cidadão comprometido com o bem estar da coletividade. 30 UNIDADE 8 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – III CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: analisar temas relacionados à indisciplina escolar e investigar perspectivas para contribuir na ação mediadora do professor no ambiente escolar. Conhecer os conceitos de autoridade e limite. ESTUDANDO E REFLETINDO O professor reflexivo e as situações de indisciplina. Diante de tantos obstáculos que se colocam entre professores e educação, alguns se mostram descrentes que as situações de indisciplina, e até de violência, possam ter solução. Aferrados aos seus conceitos de educação e comportamento dentro da sala de aula, recusam a repensar sua prática. Alguns professores alegam que o interesse por videogames, televisão e toda sorte de entretenimento afasta os alunos das salas de aula. Num sistema educacional em que os professores sentem-se oprimidos e na defensiva, onde suas necessidades individuais e autonomia coletiva não são privilegiadas é de se admirar que professores ainda queiram continuar dentro de uma sala de aula (MOREIRA, 1997). Que fique claro que na escola “o trabalho é árduo e complexo, mas pode ser prazeroso” (AQUINO, 1998, p. 28). Para Aquino (1998), a situação se mostra contraditória quando profissionais da educação tomam para si o sucesso escolar e deixam para outras instâncias o fracasso. Paralelamente, outros professores percebem a necessidade urgente que se faz presente em mudar a situação da educação para que realmente seja acessível à todos. A recusa em aceitar a situação tal como se mostra hoje, leva-os a procurarem alternativas para a mudança desse paradigma educacional. A questão é saber como, pois para Ramos e Gonçalves (1996, p. 125) resgatar as ações das práticas educativas é um meio de conseguir a melhoria dos próprios 31 desempenhos. Esse resgate seria feito por meio do processo da escrita, a autobiografia, como um instrumento e método de reflexão sobre as experiências vividas. Perrenoud (2000) enfatiza que a prática reflexiva e a profissionalização, entre outras competências, seriam bem-vindas para a formação inicial e contínua do professor. Alarcão (2002) define como professor reflexivo àquele que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar opiniões. Já Perrenoud (2002) alega que a profissionalização do professor é um processo a ser desenvolvido em longo prazo e que esse processo tem que ser aspirado por todos os participantes da comunidade escolar para que possa alcançar o resultado desejado. Sendo que o resultado será sempre um processo em construção. Não haverá um fim. Apoiamo-nos nas palavras de Nóvoa (2001): “concluir o magistério ou a licenciatura é apenas uma das etapas do longo processo de capacitação que não pode ser interrompido enquanto houver jovens querendo aprender”. Assim, a todo tempo o professor precisa estar ciente da constante revisão de suas práticas e dos seus conceitos em educação. Neste aspecto, Perrenoud (2002) defende a profissionalização do ofício do professor em que este não só domina os saberes a serem ensinados como também tem o domínio teórico e prático dos processos de ensino de aprendizagem. “Teoricamente, profissional é aquele que reúne as competências de elaborar e executar conceitos: identificar, apresentar, imaginar e aplicar uma solução ao problema, garantindo o seu acompanhamento” (PERRENOUD, 2002, p. 11). Considerando o conceito acima, o profissional professor será aquele que deverá assumir a responsabilidade e a autonomia para o exercício do seu ofício, com todos os riscos e limitações impostas pelo trabalho. Após as reflexões apresentadas por Alarcão (2002) e Perrenoud (2001), pode-se afirmar que o professor reflexivo assume o controle de sua prática por meio da 32 observação da sua própria prática. O professor reflexivo o faz em sua e sobre a sua ação de modo quase constante. É fato que a escola atual vive uma profunda crise. E que a formação dos professores não os contemplou com competências teóricas ou práticas específicas para a vivência de situações de indisciplina e, até mesmo, de violência. Mas, a partir dos conceitos de professor reflexivo e da profissionalização do ofício do professor é possível “repensar posicionamentos, rever algumas supostas verdade” (AQUINO, 1998, p.21). O ofício do professor apresenta-se como um palco privilegiado de aprendizagem e investigação e a sala de aula é sempre um laboratório pedagógico (AQUINO, 1998). Cabe aos professores, como mediadores do processo de aprendizagem, reinventar a sua prática a partir da sua própria ação, para que possam interagir e gerenciar os conflitos do ambiente escolar. Perrenoud (2000) destaca que as competências de análise, descentralização, comunicação e negociação são muito bem-vindas em situações que envolvam indisciplina e violência. O professor não deve se isolar e deixar de refletir sobre os dilemas da sociedade que o cerca. BUSCANDO CONHECIMENTO As causas da indisciplina na visão dos professores. O levantamento dos dados da pesquisa qualitativa foi realizado a partir de um questionário de 19 questões abertas. Para este relato destacaram-se as questões em que o professor enumerava uma lista de situações consideradas como de indisciplina dentro da escola e as causas do acontecimento destas situações dentro do espaço escolar. É interessante observar que as situações mais citadas são: agressão verbal (86,4%), agressão física (72,7%), uso de drogas (29,6%), vandalismo (27,3%) e porte de arma (11,4%) e que a maioria dos professores não vivenciaram pessoalmente nenhuma 33 das situações, com exceção da agressão verbal a que todos os professores já presenciaram ou vivenciaram. Nestes episódios houve troca de palavras ásperas e desrespeitosas entre alunos e professores, entre alunos e alunos e entre alunos e funcionários da escola. No caso do vandalismo, três professores afirmaram que tiveram os seus carros depredados por alunos e somente um vivenciou uma situação em que o aluno apresentava-se visivelmente alterado por algum tipo de droga, lícita ou ilícita. Quanto às causas apontadas para estas situações foram organizadas em dois grupos: ascausas sociais, como estrutura familiar e situação financeira e as causas estruturais, como organização da escola e políticas públicas para a educação. Assim, os professores apontaram como a maior causa para o problema da indisciplina na escola a social (88,6%), enfatizando a falta de estrutura familiar em que os responsáveis não impõem limites às crianças e adolescentes. Afirmaram, ainda, que essa permissividade deve-se a necessidades econômicas em que pai e mãe trabalham e deixam seus filhos sozinhos, adquirindo “na rua” a educação que deveriam receber dos pais. 34 UNIDADE 9 - INFERÊNCIAS SOBRE DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA ESCOLA – IV CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: analisar temas relacionados à indisciplina escolar e investigar perspectivas para contribuir na ação mediadora do professor no ambiente escolar. Conhecer os conceitos de autoridade e limite. ESTUDANDO E REFLETINDO Considerações Finais. É possível perceber, a partir destes resultados preliminares, que os professores acreditam que a indisciplina é ocasionada por problemas alheios à escola e se isentam das consequências que elas trazem para a educação. Apontar causas para a indisciplina necessita de estudos profundos e contínuos para que mais respostas surjam. Observa-se que, apesar de muitos professores referirem-se cotidianamente as situações de indisciplina, esta não é uma constante. De qualquer forma, o que se faz necessário e possível neste momento é fazer com que professores revejam a sua prática e percebam o quanto ela pode interferir de modo positivo nestas situações disciplinares. A indisciplina no espaço escolar é uma excelente oportunidade para o professor repensar a sua prática e pôr de lado convicções que se mostram ultrapassadas. É visto que a formação dada ao professor dentro da academia é insuficiente em inúmeros aspectos e torna-se mais evidente quanto às relações no espaço escolar. As mudanças ocorridas na vida pós-moderna alcançaram a escola e não se podem ignorar todas as consequências dessas mudanças. Cabe ao professor, como mediador do conhecimento, utilizar o espaço privilegiado da escola para a construção da cidadania, baseada em princípios de igualdade, tolerância e convivência. A escola apresenta-se como o caminho para a introdução das novas gerações no mundo do conhecimento e tradições deixado pelas antigas gerações (Aquino, 1998). 35 É possível perceber alguns caminhos que devem ser seguidos para, senão a solução, a diminuição de situações de indisciplina. A comunidade escolar (pais, alunos, professores) deve estar ciente que a indisciplina deve ser tratada como um fenômeno isolado e localizado. Assim, provavelmente para a resolução destes conflitos cada caso deve ser analisado e tratado como único. BUSCANDO CONHECIMENTO REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel. Refletir na Prática. Revista Nova Escola. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0154/aberto/mt_243614.shtml>. Acesso em 27 set. 2008. ANTUNES, Celso. Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina?Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/celso_bd.asp?codtexto=613>. Acesso em: 30 jul. 2007. ANTUNES, Celso. Professor bonzinho = aluno difícil. 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