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Aula 1 - Doenças Pancreáticas

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Dietoterapia nas Doenças 
Pancreáticas
Prof. Sheila Guimarães
Uma paciente do sexo feminino, 54 anos, branca, procura auxílio médico no serviço de emergência com
história de dor abdominal de forte intensidade há um dia, localizada no quadrante superior do abdome. Ela
teve três episódios de vômitos nas últimas seis horas e afirma não apresentar diarreia ou febre. Relata já ter
sentido crises de dor semelhante anteriormente, porém menos intensas e com alívio espontâneo. Ela também
nega a existência de comorbidades. Ao realizar exame, verificam-se índice de massa corporal (IMC) de 31
kg/m², sudorese, taquicardia, icterícia, afebril, eupneica, com pressão arterial de 100/74 mmHg; aparelho
cardiovascular: ritmo cardíaco regular; abdome com ruídos hidroaéreos diminuídos, depressível, com dor
difusa à palpação, fígado palpável no rebordo costal com consistência normal, baço não palpável. Em relação
aos exames complementares, obtiveram-se os seguintes resultados: glicose de 250 mg/dL; hemograma com
13.000 leucócitos (3.400-10.000); amilase de 700 U/L (até 220 U/L); lipase de 550 U/L (até 190 U/L); aspartato-
aminotransferase (AST) de 100 U/L (11-36 U/L); desidrogenase lática (LDH): 267 U/L (210-425 U/L).
Caso Clínico
Pâncreas
Órgão fino e alongado que tem 24 a 36 cm de 
comprimento
Se encontra atrás da curvatura maior do 
estômago, acomodado entre o estômago e o 
duodeno 
Há dois tipos de células ativas no pâncreas:
Endócrinas – secretam hormônios – insulina e glucagon 
Exócrinas – acinares – produzem enzimas digestórias 
Células β, α, δ e PP
Porção exócrina Produz enzimas digestivas
Porção endócrina
Um milhão de 
pequenos aglomerados 
de células (Ilhotas de 
Langerhans)
Contém 4 tipos 
principais de células 
Podem ser diferenciados por seu 
conteúdo hormonal
Pâncreas
Representa 90% do pâncreas e secreta 1 L de líquido por dia no duodeno
Pâncreas: porção exócrina
Porções Exócrina
Organizada por 
agrupamentos de células 
secretoras, chamadas de 
ácinos, que circundam os 
ductos pancreáticos.
Ácino pancreático
Pâncreas: composição e função da secreção exócrina
Células acinares
Componentes da secreção
Enzimático
Aquoso
Cél. Epiteliais 
(centroacinares)
Água e íons: sódio, 
cloro potássio e 
bicarbonato 
Cél. acinares
Digestão de 
carboidratos, proteínas 
e lipídeos
Função do bicarbonato é alcalinizar o pH para tornar o 
ambiente ótimo para a ação enzimática no duodeno.
Componentes exócrinos englobam: 
ácinos e seus ductos associados 
3 - Quimo ácido entrando no 
duodeno faz com que as 
células enteroendócrinas da 
parede duodenal liberem 
secretina; o quimo gorduroso
e/ou ricos em proteínas induz 
a liberação de colecistocinina.
1 - Durante as fases cefálicas 
e gástrica, estimulação pelo 
nervo vago provoca liberação 
de suco pancreático e fracas 
contrações da vesícula biliar.
5 - Ao atingir o pâncreas, a 
colecistocinina induz a secre-
ção de suco pancreático rico 
em enzimas; secretina provoca 
abundante secreção de suco 
pancreático rico em 
bicarbonato para neutralizar o 
pH e manter as enzimas ativas.
4 - Colecistocinina e 
secretina entram na 
corrente sanguínea.
Pâncreas: fases da regulação hormonal
25% estimulado pela 
visão, olfato, paladar 
(nervo vago) – estimula 
secreção enzimática
2 – Fase gástrica – distensão do 
estômago estimula secreção de 
somente 10% da secreção 
pancreática.
Fase intestinal contribui com 
70% da secreção pancreática 
Pâncreas: mecanismos de secreção exócrina das 
células acinares
As secreções enzimáticas 
ficam armazenadas nos 
grânulos secretórios até que 
um estímulo as libere
As proteases pancreáticas 
são liberadas na forma 
inativa
Liberadas no intestino, 
onde são ativadas e 
exercem suas funções
Evita que o 
pâncreas faça 
autodigestão
Dentro do duodeno, o tripsinogênio inativo é transformado em tripsina pela 
enteropeptidase, uma protease intestinal da borda em escova.
Pâncreas: mecanismos de secreção exócrina das 
células acinares
Exemplo:
A tripsina, então, transforma outras 
duas proteases pancreáticas 
Procarboxipeptidase em carboxipeptidase
Quimiotripsinogênio em quimiotripsina
Procolipase em Colipase
Fosfolipase
A tripsina também 
ativa enzimas de 
digestão dos 
lipídeos
Amilase e lipase são 
secretadas na sua 
forma ativa.
β – Insulina α – Glucagon δ – Somatostatina
Induz hipoglicemia Induz hiperglicemia
Atividade 
glicogenólica no 
fígado
Suprime insulina e 
glucagon
Células PP
Polipeptídeo
pancreático 
Estimulação de 
enzimas digestivas
Pâncreas: porção endócrina
insulina
glucagon
Possuem efeitos regulatórios opostos 
na homeostase da glicose
Jejum
Níveis baixos de insulina e altos de 
glucagon
Gliconeogênese hepática, 
glicogenólise (quebra do 
glicogênio) e diminuição da síntese 
de glicogênio
Evitam a hipoglicemia
Níveis plasmáticos no jejum são 
determinados, primariamente pela 
produção de glicose hepática
Após uma refeição, os níveis de 
insulina aumentam e os de 
glucagon caem em resposta a 
grande carga de glicose
Insulina promove a captação de 
glicose pelos tecidos, sendo o 
músculo esquelético o principal 
responsivo (75 - 80%)
Após uma refeição
Inflamação do pâncreas caracterizada por edema + exudato celular + necrose 
gordurosa.
Moderada: 80% dos casos
• Autolimitante.
• Edema.
• Recuperação completa em 5-7 dias.
Grave: 20% dos casos
• Autodigestão
• Necrose
• Hemorragia
• Hipercatabolismo.
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Pancreatite
Pancreatite
Decorrente de uma autodigestão promovida pela ativação das enzimas no 
interior do pâncreas, levando a comprometimento na absorção de nutrientes e 
acentuada perda de líquido
Manifesta-se de duas formas:
• Aguda: lesões reversíveis
• Crônica: lesões irreversíveis e progressivas
Pancreatite
• Após início da inflamação pancreática (primeiras horas): amilase e lipase sérica
elevam-se:
- Elevação persistente da amilase: indício de complicação;
- Lipase: melhor indicador de pancreatite
• Aumento de citocinas inflamatórias (IL-1, TNF-α, IL-6, IL-8);
• Esses marcadores bioquímicos sozinhos não são sempre diagnóstico, nem
indicam a extensão da lesão pancreática
Fisiopatogenia da pancreatite aguda
Índice de Ranson (prognóstico na pancreatite):
Se o paciente apresentar 3 ou mais desses parâmetros a mortalidade é de 60%.
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Internação ou diagnóstico Idade > 55 anos
Leucócitos > 16.000/m3
Glicemia > 200mg/100ml
Desidrogenase lática > 350 UI/L
Aspartato transaminase > 250U/L
Primeiras 48 horas Redução de hematócrito > 10mg/dl
Aumento do N2 sanguíneo > 5mg/dl
PO2 arterial < 60mmHg
Déficit de base > 4mEq/L
Sequestro de fluído > 6L
Cálcio sérico < 8mg/ml
Pancreatite
Sintomas:
• Dor contínua ou intermetente de intensidade variável, podendo irradiar
para as costas.
• Hipoperistaltísmo.
• Parada de eliminação de flatos e fezes.
• Náuseas/vômitos.
• Esteatorréia.
• Distensão abdominal.
• Icterícia.
Casos graves:
• Hipotensão.
• Dispnéia.
• Choque.
• Sinal de Cullen (hematoma na região umbilical).
• Sinal de Gray Turner (hematoma em flancos).
• Oligúria.
• Hemorragia
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Pancreatite
Sintomas podem piorar com a ingestão alimentar
Etiologia: Multifatorial
• Alcoolismo crônico (5-10% da mortalidade).
• Tabagismo
• Obesidade
• Algumas drogas
• Cálculos biliares
• Hiperlipidemia: possivelmente pelos efeitos tóxicos de AG livres sobre a célula
pancreática
• Trauma: extravasamento de suco pancreático
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Pancreatite
Pancreatite Aguda
• Não apresentamecanismos fisiopatológicos esclarecidos.
• Caracterizada pela ativação de enzimas digestivas na célular acinar, provocando
lesão.
• Ocorre liberação de mediadores inflamatórios (citocinas), com o desenvolvimento
do processo inflamatório.
cálculos biliares são a causa mais comum 
Classificação
• Pancreatite Aguda leve:
associada com edema discreto, elevações do nível sérico das enzimas
(amilase), com quadro de dor e vômitos, apresentando relativamente baixa
mortalidade.
• Pancreatite aguda grave:
forma necrótica e hemorrágica, associada com falência de órgãos e/ou
complicações locais: necrose (infecção), pseudocisto ou abcessos. Pacientes
hipermetabólicos.
Pancreatite Aguda
Objetivos da Conduta Nutricional:
• Permitir repouso do órgão e reduzir dor;
• Inibir atividade e secreção de enzimas;
• Evitar irritantes pancreáticos (álcool);
• Corrigir desidratação, má absorção e desnutrição;
• Evitar atrofia intestinal, crescimento bacteriano, alteração em permeabilidade intestinal e
translocação bacteriana (contribuintes para quadro de infecção e pior prognóstico da doença).
Pancreatite Aguda
Conduta nutricional:
• Repouso ao pâncreas, para evitar a dor associada aos mecanismos das enzimas pancreáticas e bile.
Dieta zero + hidratação venosa + analgesia.
•Fluidos e eletrólitos: repostos via parenteral e logo após admissão;
Retorno alimentação VO após 5 a 7 dias sem necessidade de suporte nutricional especioalizado:
• Na ausência de sinais de vômito, dor, distensão abdominal e íleo.
• Normalização da amilase, lipase, cálcio e glicose.
• Geralmente entre 24 e 48 horas pós admissão hospitalar
Casos menos graves aguda prolongada
Pode-se iniciar terapia nutricional enteral acima do ligamento de Treitz usando uma dieta de fórmula definida.
Conduta dietoterápica:
•100 a 300 mL de líquido que não contém calorias a cada 4 horas, nas primeiras 24 horas.
•Evolução com o mesmo volume e consistência, com baixo teor de gordura
•Muda-se ao longo de 3 a 4 dias para pastosa e depois branda.
• Progredir gradualmente aporte calórico: 160 - 640 kcal/ refeição: mais da metade deve corresponder a carboidratos
(evitar estímulo aumentado para a secreção de enzimas pancreáticas, principalmente lipase)
Pancreatite Aguda Leve
Enteral: A observação cuidadosa da tolerância do paciente é importante
• Direto no jejuno.
• Fórmulas elementares e oligoméricas.
• Hipolipídica.
• Rica em proteínas.
• Moderada em carboidratos.
• Acrescida de TCM.
Pancreatite Aguda grave
OBS: Dan (2009) e Chemin (2010), 
inicialmente fórmula isenta de fibras para 
evitar distensão abdominal; não 
recomendado uso de probióticos até que 
os estudos demonstrem segurança
Casos menos graves de pancreatite aguda prolongada - posicionamento
Parenteral:
• Iniciar com lipídios (sistema 3 em 1) após lipidograma e se TG < 400mg/dl. (Dan recomenda <300 mg/dl
tanto enteral quanto parenteral)
• Se TG > 400mg/dl: Usar solução de desxtrose e tratar hiperglicemia com insulina.
• Vitaminas: A, D, C. Complexo B (principalmente nos casos de pancreatite alcoólica).
• Minerais: Gluconato de cálcio, devido a hipocalcemia.
• Utilizar quando intolerância pela NE e quando o aporte nutricional por VO + TNE não é alcançado pós 48
horas de admissão hospitalar.
Pancreatite Aguda Grave
Características: dor abdominal contínua, náusea e vômito; elevação da amilase persistente, suspeitas de complicações 
como obstrução dos ductos
OBS: Dan (2009) e Chemin (2010), não recomendam a 
TNP na pancreatite aguda (somente se enteral não for 
suficiente para suprir as necessidades); recomenda 
utilização de duas sondas simultaneamente: uma após 
ângulo de Treitz e outra para descompressão gástrica.
Pancreatite
Pancreatite
Caracterizada por ataques recorrentes de dor abdominal que pode ser precipitada pelas 
refeições.
• Causa mais comum é o álcool
• Ocorre alterações estruturais e funcionais do pâncreas, como:
• Fibrose.
• Calcificações e cistos.
• Insuficiência exócrina e endócrina.
• Intolerância a glicose.
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Pancreatite Crônica
• Calcificante – 98,6%
A calcificação independente da etiologia causa estreitamento dos ductos formando cistos de retenção e
insuficiência pancreática.
• Obstrutiva – 0,3%
Ocorre devido à obstrução do ducto pancreático principal ou um dos seus maiores ramos por uma anomalia
congênita, fibrose ou tumor.
Redução na função exócrina: má digestão e esteatorréia; 
Redução na função endócrina: diabetes
Pancreatite Crônica
Sintomas:
• Desnutrição progressiva + má absorção + diabetes secundário.
• Causas da desnutrição:
• Náusea/ vômitos.
• Anorexia.
• Dor ao se alimentar, gerando a sitofobia.
• Esteatorréia.
• Icterícia.
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Pancreatite Crônica
Pancreatite Crônica
Risco aumentado de Desnutrição (DCP): insuficiência pancreática e ingestão oral inadequada (dor 
pós-prandial);
Principais fatores:
• diminuição da ingestão alimentar;
• aumento da atividade metabólica (maior em 30 a 50%);
• má-absorção de macro e micronutrientes;
• dores abdominais (pós – prandiais);
• Náusea, vômito ou diarreia 
• abuso contínuo do álcool;
Comum na fase terminal: é um dos fatores que predizem complicações e desfechos
Objetivos do Cuidado Nutricional
• Prevenir mais dano ao pâncreas; 
• Aliviar a dor; 
• diminuir o número de crises de inflamação aguda 
• Diminuir a esteatorréia; 
• Corrigir a desnutrição; 
• A ingestão dietética deve ser o mais liberal possível
Pancreatite Crônica
Tratamento nutricional:
•Interrupção da ingestão de álcool.
• Via oral. Dieta hipercalórica (35 Kcal/KgPA) + hiperprotéica (1 - 1,5g/Kg) +
hipolipídica (0,7 a 1,0 g/kg/dia).
•Lipídeos:
•De acordo com a tolerância, sem esteatorréia ou dor.
• Gordura vegetal, que são melhor toleradas
• Vitaminas:
• Reposição de Vitamina B12.
• Reposição de vitaminas lipossolúveis.
• Reposição de Tiamina.
Pancreatite Crônica
• Refeições: pequenas e fracionadas (6x/dia);
• A substituição de lipídios dietéticos com óleo de TCM pode aliviar a esteatorreia e 
levar ao ganho de massa corporal. 
• > 80% pacientes: alimentação normal + enzimas pancreáticas;
• 10 – 15%: suplementos VO a base de peptídeos e TCM;
• NE: + 5% pacientes
Pancreatite Crônica
• Via: preferência jejunal 
diminui risco de translocação bacteriana e minimiza estimulação da 
secreção pancreática;
• NE longa permanência: gastrostomia ou jejunostomia;
• Fórmula: elementar ou semi-elementar
• Oferta proteica progressiva: 1.0-1.5g/kg/dia com peptídeos + TCM;
Pancreatite Crônica

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