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Otávio Henrique M. de Brito Cozinha Fria e ClássiCa Otávio Henrique M. de Brito Cozinha Fria e ClássiCa Diretor Geral de Ensino Reitor Pró-Reitor Acadêmico Coordenação Geral de EAD Coordenação de Operações de EAD Autoria Parecer Técnico Supervisão Editorial Validação Institucional Layout de Capa Projeto Gráfico Prof. Paulo Arns da Cunha Prof. José Pio Martins Prof. Carlos Longo Prof. Renato Dutra Profa. Manoela Pierina Tagliaferro Prof. Otávio Henrique M. de Brito Profa. Mariana Amabile Waideman Aline Scaliante Coelho Caroline Chaves de França e Regiane Rosa Valdir de Oliveira Denis Kaio Tanaami e Regiane Rosa *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Imagens de capa: © Macrovector // Shutterstock. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Copyright Universidade Positivo 2017 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 – Campo Comprido Curitiba-PR – CEP 81280-330 FabriCO KOL Soluções em Gestão do Conhecimento Ltda EPP Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Imagem de Capa, Design Gráfico e Revisão Textual CONCEITO BIOGRAFIA ASSISTA AFIRMAÇÃO CURIOSIDADE RECEITA EXEMPLO ESCLARECIMENTO DICA » Afirmação: citações e afirmativas proferidas por teóri- cos de relevância na área de estudo. » Assista: indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações complementares ou aprofunda- das sobre o conteúdo estudado. » Biografia: dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. » Conceito: definição, caracterização de um conceito es- pecífico da área de conhecimento trabalhada. » Curiosidade: informação que revela algo desconheci- do e interessante sobre o assunto tratado. » Dica: um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada so- bre o conteúdo trabalhado. » Esclarecimento: explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhe- cimento trabalhada. » Exemplo: informação que retrata de forma obje tiva determinado assunto. » Receita: receita indicada contendo a quantidade e o alimento necessários para a realização de determinado procedimento. » Temperatura: Indica a temperatura ideal ou a tempe- ratura média para preparo, fritura ou cocção. » Tempo: Indica o tempo de preparo, fritura ou cocção. Ícones TEMPO TEMPERATURA Sumário Apresentação .......................................................................................................................... 17 O Autor .................................................................................................................................... 19 Capítulo 1 Introdução à cozinha clássica ................................................................................................. 21 1.1 Influência da culinária clássica no mundo .......................................................................23 1.1.1 Contexto da cozinha clássica ........................................................................................................................................... 23 1.1.2 Cozinha clássica italiana .................................................................................................................................................. 25 1.1.3 Cozinha clássica francesa ................................................................................................................................................. 26 1.1.4 Outras cozinhas clássicas de destaque ............................................................................................................................ 29 1.2 Os maiores nomes da cozinha clássica ............................................................................30 1.2.1 Marie-Antoine Carême .................................................................................................................................................... 30 1.2.2 Auguste Escoffier ............................................................................................................................................................. 31 1.2.3 François Pierre La Varenne ............................................................................................................................................... 32 1.2.4 Outros grandes personagens da cozinha clássica ........................................................................................................... 33 1.3 Métodos de cocção da cozinha clássica I .........................................................................34 1.3.1 Sauté ................................................................................................................................................................................ 34 1.3.2 Frituras ............................................................................................................................................................................. 35 1.3.3 Assados ............................................................................................................................................................................ 36 1.3.4 Grelhados ......................................................................................................................................................................... 37 1.4 Métodos de cocção da cozinha clássica II ........................................................................38 1.4.1 Brasear ............................................................................................................................................................................. 38 1.4.2 Poêler ............................................................................................................................................................................... 38 1.4.3 Ensopar ............................................................................................................................................................................ 39 Referências ..............................................................................................................................40 Capítulo 2 Preparos básicos da cozinha clássica ...................................................................................... 41 2.1 Molhos clássicos ............................................................................................................... 42 2.1.1 Receitas com velouté e consomês ................................................................................................................................... 43 2.1.2 Receitas clássicas com molho demi-glace ...................................................................................................................... 44 2.1.3 Receitas clássicas com molho bechamel ........................................................................................................................ 45 2.1.4 Receitas clássicas com molho sugo ................................................................................................................................ 46 2.2 Sopas e cremes clássicos ..................................................................................................48 2.2.1 Aspargos ao creme .......................................................................................................................................................... 48 2.2.2 Bouillabaisse ....................................................................................................................................................................49 2.2.3 Soufflé aux fromages ....................................................................................................................................................... 50 2.3 Pratos clássicos com ovos ................................................................................................. 51 2.3.1 Ovos Benedict .................................................................................................................................................................. 52 2.3.2 Ovos Mirabeau ................................................................................................................................................................. 53 2.3.3 Omelette aux fines herbes ................................................................................................................................................ 53 2.3.4 L’Oeuf Parfait ................................................................................................................................................................... 54 2.4 Pâtisserie clássica ..............................................................................................................54 2.4.1 Petit gâteau ..................................................................................................................................................................... 55 2.4.2 Macarons ......................................................................................................................................................................... 55 2.4.3 Tiramisù ............................................................................................................................................................................ 56 2.4.4 Profiteroles ........................................................................................................................................................................ 57 Referências .............................................................................................................................. 59 Capítulo 3 Principais receitas da gastronomia francesa e internacional ................................................. 61 3.1 Entradas e canapês clássicos ............................................................................................62 3.1.1 Apresentação das receitas ............................................................................................................................................... 63 3.1.2 Vol-au-vent de cogumelos.............................................................................................................................................. 63 3.1.3 Sopa de cebola ................................................................................................................................................................ 64 3.1.4 Quiche Lorraine ................................................................................................................................................................ 65 3.2 Carnes brancas .................................................................................................................66 3.2.1 Apresentação das receitas ............................................................................................................................................... 67 3.2.2 Confit de pato ................................................................................................................................................................... 67 3.2.3 Brandade de bacalhau ..................................................................................................................................................... 68 3.2.4 Linguado Belle meunière ................................................................................................................................................. 68 3.3 Carne vermelha .................................................................................................................69 3.3.1 Apresentação das receitas ............................................................................................................................................... 70 3.3.2 Filé Wellington ................................................................................................................................................................. 70 3.3.3 Stroganov ......................................................................................................................................................................... 71 3.3.4 Boeuf borguignon ........................................................................................................................................................... 72 3.4 Sobremesas ......................................................................................................................73 3.4.1 Crème brûlée ................................................................................................................................................................... 73 3.4.2 Peras pochés .................................................................................................................................................................... 74 3.4.3 Crepe Suzette .................................................................................................................................................................. 75 3.4.4 Maçã recheada ................................................................................................................................................................ 76 Referências .............................................................................................................................78 Capítulo 4 Cozinha clássica italiana .........................................................................................................79 4.1 Apresentação e aspectos da cozinha italiana ..................................................................80 4.1.1 Apresentação da cozinha italiana ................................................................................................................................... 81 4.1.2 Abordagem histórica ....................................................................................................................................................... 82 4.1.3 Influências da culinária italiana ...................................................................................................................................... 83 4.2 Norte da Itália e suas características gastronômicas .......................................................83 4.2.1 Panna cotta .................................................................................................................................................................... 84 4.2.2 Risoto alla milanese ......................................................................................................................................................... 85 4.2.3 Lasagna al ragu bolognese ............................................................................................................................................. 86 4.2.4 Brasato al Barolo ............................................................................................................................................................. 87 4.3 Centro da Itália: da Toscana a Abruzzo ............................................................................87 4.3.1 Panata ............................................................................................................................................................................ 88 4.3.2 Zampone con Lenticchie ................................................................................................................................................. 88 4.3.3 Frittata allo zafferano..................................................................................................................................................... 89 4.4 Sul da Itália e a influência do Mar Mediterrâneo .............................................................89 4.4.1 Spaghetti alla marinara ................................................................................................................................................. 90 4.4.2 Peperoni arrostiti con oliva ............................................................................................................................................. 90 4.4.3 Ostriche Gratine .............................................................................................................................................................. 91 Referências .............................................................................................................................. 93 Capítulo 5 Introdução à cozinha fria ........................................................................................................95 5.1 Apresentação da cozinha fria ...........................................................................................96 5.1.1 Antecedentes históricos .................................................................................................................................................. 96 5.1.2 O que é a cozinha fria ..................................................................................................................................................... 97 5.1.3 Curiosidades da cozinha fria ............................................................................................................................................ 97 5.1.4 Técnicas utilizadas na cozinha fria ................................................................................................................................... 98 5.2 Óleos .................................................................................................................................99 5.2.1 Apresentação de óleos saborizados .............................................................................................................................. 100 5.2.2 Óleo de alecrim e óleo de tomilho ................................................................................................................................ 100 5.2.3 Óleo de baunilha ........................................................................................................................................................... 101 5.2.4 Óleo de hortelã .............................................................................................................................................................. 102 5.3 Manteigas .......................................................................................................................102 5.3.1 Apresentação de manteigas compostas ...................................................................................................................... 103 5.3.2 Manteigas clássicas ....................................................................................................................................................... 103 5.3.3 Manteiga tailandesa e manteiga mediterrânea ........................................................................................................... 104 5.3.4 Manteiga cítrica, manteiga maître d’hôtel e manteiga Bercy ....................................................................................... 105 5.4 Molhos ...........................................................................................................................105 5.4.1 Apresentação de molhos frios ...................................................................................................................................... 106 5.4.2 Molhos frios clássicos .................................................................................................................................................... 107 5.4.3 Vinagretes básicos ......................................................................................................................................................... 108 5.4.4 Reduções ....................................................................................................................................................................... 109 Referências ............................................................................................................................ 110 Capítulo 6 Saladas clássicas e sanduíches ..............................................................................................111 6.1 Saladas clássicas mais conhecidas ................................................................................. 112 6.1.1 Salada Italiana .............................................................................................................................................................. 112 6.1.2 Salada Waldorf .............................................................................................................................................................. 113 6.1.3 Salada Niçoise ................................................................................................................................................................ 113 6.1.4 Panzanella...................................................................................................................................................................... 114 6.2 Saladas clássicas internacionais ..................................................................................... 115 6.2.1 Salada mix de folhas nobres com maçã e nozes ao perfume de Amaretto ................................................................. 115 6.2.2 Salada de rúcula com molho de iogurte, manga e camarão ....................................................................................... 115 6.2.3 Salada oriental de pepino (Kachumber) ....................................................................................................................... 116 6.3 Saladas clássicas com legumes ..................................................................................... 117 6.3.1 Salada russa ................................................................................................................................................................... 117 6.3.2 Salada de grão-de-bico com queijo feta ...................................................................................................................... 118 6.3.3 Salada composta com guarnição de mignon ............................................................................................................... 118 6.3.4 Salada composta com guarnição de salmão ................................................................................................................ 119 6.4 Sanduíches clássicos .......................................................................................................120 6.4.1 Hambúrguer .................................................................................................................................................................. 120 6.4.2 Rosbife .......................................................................................................................................................................... 122 6.4.3 Bauru tradicional ........................................................................................................................................................... 123 6.4.4 Croque monsieur ........................................................................................................................................................... 123 Referências ............................................................................................................................124 Capítulo 7 Conservas, picles, confit e tartar ...........................................................................................125 7.1 Geleias ............................................................................................................................125 7.1.1 Apresentação sobre o tema .......................................................................................................................................... 126 7.1.2 Geleia de pera com maçã e gengibre ........................................................................................................................... 127 7.1.3 Geleia de frutas vermelhas ........................................................................................................................................... 128 7.1.4 Geleia de pimenta ......................................................................................................................................................... 128 7.2 Picles ..............................................................................................................................129 7.2.1 Aspectos gerais ............................................................................................................................................................. 130 7.2.2 Picles de cebola ............................................................................................................................................................ 131 7.2.3 Picles de legumes .......................................................................................................................................................... 132 7.2.4 Picles de pepino japonês .............................................................................................................................................. 132 7.3 Confit .............................................................................................................................. 133 7.3.1 Confit de tomate .......................................................................................................................................................... 134 7.3.2 Confit de pato ............................................................................................................................................................... 135 7.3.3 Confit de legumes ........................................................................................................................................................ 136 7.4 Tartar e ceviche ...............................................................................................................136 7.4.1 Tartar de salmão ........................................................................................................................................................... 137 7.4.2 Tartar de mignon ........................................................................................................................................................... 137 7.4.3 Ceviche peruano ............................................................................................................................................................ 138 Referências ............................................................................................................................140 Capítulo 8 Terrines, Mousses salgados e Hors d’oeuvres ....................................................................... 141 8.1 Terrines ...........................................................................................................................142 8.1.1 Aspectos gerais ............................................................................................................................................................. 142 8.1.2 Terrine de frutas vermelhas ......................................................................................................................................... 143 8.1.3 Terrine de legumes mediterrâneos .............................................................................................................................. 143 8.1.4 Terrine de chocolate com castanhas ............................................................................................................................ 144 8.2 Mousses salgadas ..........................................................................................................145 8.2.1 Mousse de salmão defumado ..................................................................................................................................... 146 8.2.2 Mousse de gorgonzola ................................................................................................................................................. 146 8.2.3 Mousse de queijos ........................................................................................................................................................ 147 8.2.4 Mousse de berinjela ..................................................................................................................................................... 147 8.3 Hors d’oeuvres ................................................................................................................148 8.3.1 Canapê de salmão defumado ...................................................................................................................................... 149 8.3.2 Canapê de berinjela ...................................................................................................................................................... 149 8.3.3 Canapê de frango defumado ........................................................................................................................................ 149 8.3.4 Stick de frango tikka ..................................................................................................................................................... 150 8.4 Dip’s ................................................................................................................................. 151 8.4.1 Dip de cenoura ............................................................................................................................................................. 151 8.4.2 Dip de beterraba .......................................................................................................................................................... 152 8.4.3 Dip de gorgonzola......................................................................................................................................................... 152 8.4.4 Dip de legumes ............................................................................................................................................................. 153 Referências ............................................................................................................................154 A gastronomia é considerada uma arte. Ao criar um prato, o chef preocupa-se com a harmonia e o equilíbrio entre os sabores, as texturas, os aromas e a apresentação, levando o alimento à mesa como um artista que expõe sua obra. No entanto, mais do que talento artístico, é preciso que o cozinheiro profissional conheça, entenda e saiba executar as técni- cas que auxiliam no desenvolvimento e no preparo de diferentes receitas. Dessa maneira, formatamos a disciplina Cozinha Fria e Clássica com o objetivo de ofe- recer conhecimentos tecnológicos, apresentar a prática diária de uma correta gestão de res- taurantes, além de gerar competências relacionadas à produção de alimentos e às técnicas culinárias básicas dessas duas modalidades. Durante os estudos, abordaremos os fatores históricos, a influência das culinárias clás- sicas internacionais, as tendências que levaram à criação de pratos considerados íconesgas- tronômicos e as técnicas aplicadas ao preparo de alimentos nas cozinhas clássica e fria. A partir desses conhecimentos, esperamos que o estudante de gastronomia agre- gue valores ao talento, desenvolvendo competências para atuar com sucesso nas cozinhas profissionais. Apresentação O Autor O professor Otávio Henrique M. de Brito é Bacharel em Turismo pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2005). Especialista em Docência no Ensino Superior pela Faculdade UNIVEL (2007). É Técnico em Gastronomia pelo SENAC (2010); Cozinheiro Profissional pelo Centro Europeu (2010); Cozinheiro Internacional pelo Instituto Mausi Sebess (2008) e Sommelier pelo Instituto WSET (2012). Atualmente é docente do Ensino Superior pela Universidade Positivo, no curso de Gastronomia. Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/2050653973582784> Dedico este trabalho à minha família; aos meus amigos, que fizeram parte do meu crescimento profissional; aos meus mestres, que me mostraram o saber gastronômico, e à Universidade Positivo, que confiou na minha competência para desenvolver este material. Capítulo 1 Introdução à cozinha clássica Normalmente, o termo clássico é utilizado para designar a cultura greco-romana. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa oferece duas definições nesse sentido: 1. Relativo à arte, à literatura e à cultura dos antigos gregos e romanos. 2. Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses po- vos (FERREIRA, 2009, s. p.). Porém, quando falamos especificamente em cozinha clássica, não é esse o sentido preten- dido. Para compreendermos a que se refere, é preciso primeiro localizar a cozinha clássica no tempo. Assim como o simples ato de respirar, a alimentação é uma necessidade fisiológica para a maioria dos seres vivos. A partir disso, podemos compreender o quanto o alimento é funda- mental para a sobrevivência. Mas é com o surgimento dos primeiros seres humanos, e ao longo de sua evolução, que o ato de comer transcende a mera condição biológica: A alimentação e o ato de comer compõem parte importante da cultura de uma sociedade. Estão re- lacionados à identidade e ao sentimento de pertencimento social das pessoas e envolvem, ainda, as- pectos relacionados ao tempo e à atenção dedicados a estas atividades, ao ambiente onde eles se dão, à partilha das refeições, ao conhecimento e informações disponíveis sobre alimentação, aos ri- tuais e tradições e às possibilidades de escolha e acesso aos alimentos (HECK, 2015, s. p.). Com isso, percebemos que tanto o alimento quanto os diferentes atos alimentares refle- tem não apenas uma necessidade fisiológica, mas a própria cultura de um povo. Cozinha Fria e ClássiCa22 Nos primórdios da civilização humana, o homem pré-histórico buscava o que comer por meio da caça e da coleta, consumindo os alimentos crus. A partir da descoberta do fogo – e do domínio de sua utilização, que ocorreu no período estimado entre 1,8 mi- lhão e 300.000 anos atrás (MUSITANO, 2012) – o Homo erectus passou à cocção de carnes e grãos. Ainda que de forma rudi- mentar, essa prática pode ser considerada o primeiro passo para a origem da cozinha. Desde então, a história da alimenta- ção desenvolveu-se conforme as conquis- tas de novas terras e as descobertas de uma variedade de ingredientes e especia- rias. Essa diversidade possibilitou a criação da arte gastronômica, que aflorou princi- palmente na Idade Moderna, período com- preendido entre 1453 e 1789. Na Europa, reconhecidos por impera- dores e reis, os bons cozinheiros tornaram- -se símbolo de ascensão social. Consequen- temente, para atender também aos novos aristocratas, os profissionais de cozinha pas- saram a transmitir seus conhecimentos aos aprendizes, difundindo e popularizando cada vez mais a arte de criar, preparar e apresen- tar receitas, relevando as exigências dos di- versos paladares. Mais especificamente na Itália, berço do Renascimento (entre os sécu- los XIV e XVII), considera-se esta [...] uma época marcada pela beleza das mú- sicas, pelo brilho e exuberância das artes plásticas e pela liberação dos prazeres, den- tre os quais estavam os prazeres gastronô- micos (LEAL, 1998, p. 35). Como marco de inauguração do que entendemos por cozinha clássica, pode- mos considerar os primeiros “ensaios” e experimentações com os sabores ocorri- dos durante a corte do monarca Luís XV da França (1710-1774), que deixou de lado a pompa de seu antecessor, Luís XIV (1638- 1715), tornando a cozinha mais criativa. Sua principal diferença foi ter construído uma cozinha pautada tanto na tradição quanto nas práticas populares, aproveitando todos os ingredientes disponíveis. Dessa maneira, criou-se uma cozinha arrolada em invenções e reflexões sobre a forma de preparar e de © M or ph ar t C re at io n / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa 23 apresentar o alimento. Como exemplo, te- mos o caso do molho bechamel (à base de leite, manteiga e noz-moscada), cuja inven- ção remonta a esse período. Entender a cozinha clássica, portanto, é compreender que, apesar de toda forma clássica ser percebida sob a ótica greco- -latina, o pensamento gastronômico con- solidou-se apenas a partir da Idade Mo- derna, com as inovações dos personagens que deixaram suas marcas, como aqueles que veremos a seguir. 1.1 Influência da culinária clássica no mundo A arte culinária que influenciou a co- zinha clássica foi apoiada, principalmente, pelo modo com que as novas formas de cocção e apresentação se tornaram rele- vantes. Podemos elencar as culinárias fran- cesa, italiana e chinesa como as principais cozinhas internacionais, cada qual com identidade e características próprias – exó- ticas, temáticas, ou apoiadas em funda- mentos religiosos. Também na gastronomia, existia uma linha divisória entre a aristocracia e a bur- guesia, que era evidente no que tangencia ao refinamento à mesa. Como expõe Flandrin (1998, p. 32), a nova burguesia seria, durante todo o século XVIII, financista e dirigente da cozinha moderna, dominada pela mesa fran- cesa que influenciava toda a Europa. As prin- cipais particularidades eram a delicadeza à mesa e a autenticidade do gosto. 1.1.1 Contexto da cozinha clássica Vamos organizar nossos pensamentos sobre a cozinha clássica cronologicamente entendendo que, durante toda a Idade Mé- dia, pouco se produziu em termos de teoria sobre a gastronomia, e que o despertar para o entendimento gastronômico surgiu com a construção de uma nova identidade cultural, principalmente a partir do século XV. O Im- pério Romano havia ruído e, com ele, um co- mércio agonizante ainda tentava sobreviver. A necessidade de continuar a desco- brir especiarias, temperos e produtos fez com que novas rotas se projetassem e novos mundos fossem descobertos. Dessa forma, muitos cozinheiros iniciaram um processo de testes e passaram a reproduzir e estudar receitas com ingredientes trazidos de vá- rios lugares do mundo. Este período foi cha- mado de Renascença, ou Renascimento. A Renascença foi um período de novos descobrimentos e de afloração cultural. Sur- giu na Itália e foi marcado por uma época de belezas musicais, pelas artes plásticas e pela liberação dos prazeres (LEAL, 1998, p. 35), Cozinha Fria e ClássiCa24 dentre eles o prazer de comer, saborear e apreciar a arte gastronômica, não somente como ato de servir à mesa, mas fazer deste um momento de união e reflexões. Um outro viés para compreender a co- zinha clássica é também entender a crise decorrente da queda da monarquia, que fez com que vários cozinheiros, que serviam a nobreza nos palácios, fossem demitidos. Por falta de condições e devido às crises financei- ras, este momento desencadeou grande de- senvolvimento gastronômico não somente entre os nobres. Nesse sentido, a cozinha de classe começou a tomar as ruas e a despertar interesse em um público burguês. Nessa época, um marco importante foi a chegada da brigada de cozinheirositalia- nos à França, durante o reinado de Henrique II que, após casar-se com a italiana Catarina de Médici, introduziu novas práticas alimen- tares na corte francesa. Este fato marcou o início da cozinha clássica francesa, conside- rada hoje a mais complexa e refinada cozi- nha do mundo (LEAL, 1998). Ainda na França, em 1582, foi inaugu- rada a taberna La Tour D’Argent, frequen- tada pelos nobres da época e que, atual- mente, é um dos restaurantes mais famo- sos do país. Começaram, então, os ensaios de serviços de restaurante, entre os quais a introdução da table d’hote, uma carta con- tendo todos os preparos servidos no dia (se- melhante ao menu que conhecemos), e o serviço de salão. O mesmo aconteceu com a prática de uma mise-en-place completa. O termo mise-en-place significa a montagem da mesa em que será ser- vida a refeição (pratos, copos, talheres). Também se refere à organização da “praça” na cozinha, ou seja, dispor em ordem os ingredientes e os utensílios necessários à preparação de um prato. Este conceito sobre o comer bem pro- pagou-se, então, por toda a Europa e des- pertou interesse em países vizinhos, co- laborando, assim, para a criação de uma cultura gastronômica com identidade prin- cipalmente francesa, mas também italiana. E composta tanto por grandes estudiosos e pesquisadores quanto por cozinheiros que se destacaram e que deram sentido à gastronomia desse período, até então de- sordenada e sem condução. Nos tópicos seguintes, conheceremos esses pesquisa- dores e os principais cozinheiros. Cozinha Fria e ClássiCa 25 1.1.2 Cozinha clássica italiana A Itália está localizada no Sul da Europa e ocupa uma área com mais de 300.000 km2, proporcionalmente pouco maior que o tamanho do estado de São Paulo, que tem em torno de 250.000 km2. Geograficamente, suas fronteiras levaram vantagens no período das grandes navega- ções e descobertas de produtos. Principal- mente a região Sul, banhada pelo Mar Me- diterrâneo, o que proporcionou proveito na exploração do comércio de especiarias. As influências culturais sobre a culiná- ria italiana foram muitas, visto que a Itália tem um valioso passado. Historicamente, no território italiano, conviveram diversas etnias – gregos, espanhóis, franceses, ára- bes, austríacos e alemães, entre outros po- vos – que contribuíram para a construção de uma identidade gastronômica, marcada por contrastes regionais. O Norte da Itália é considerado a área mais próspera do país, incluindo as regiões do Valle d’Aosta, Piemonte, Lombardia, Emília-Romanha, Trentino-Alto Adige, Vê- neto e Friul-Veneza Júlia. As características alimentares locais são baseadas principal- mente nas carnes, embora se utilizem tam- bém os frutos do mar. O gado criado nas grandes pastagens garante a qualidade do leite para a produção de manteiga e quei- jos. Polenta, massa fresca e arroz também são consumidos na região. Na região cen- tral da Itália, localizam-se as grandes coli- nas, os mais antigos vinhedos e, de modo geral, as estradas mais antigas. O azeite de oliva é a gordura preferida, embora a utili- zação da banha seja muito comum. A Itália central tem como característica relevante o consumo das carnes de boi, cabra e ovelha. No entanto, essa região sofre mais influên- cia do Sul do que do Norte, tendo como base alimentar peixes e frutos do mar. Fa- zem parte dessa região Liguria, Toscana, Umbria, Macas, Lacio, Abruzos e Molise. © M ar ia n W ey o / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa26 O Sul, por sua vez, é considerado a área mais pobre e menos desenvolvida do país (FLANDRIN, 1998). Compreende as re- giões da Campânia, Basilicata, Apulia, Ca- lábria e as Ilhas da Sicília e Sardenha. Por conta da geografia acidentada, o terreno não é propício para a criação de gado, ca- bras e ovelhas. Nessa parte da Itália, porém, são criados búfalos – vem daí a famosa mu- çarela de búfala. A extensão territorial lito- rânea favorece a pesca, o cultivo de frutos do mar e as plantações de legumes. Do ponto de vista culinário, a principal influência da gastronomia italiana foi, em grande parte, apropriar-se de numeroso arsenal de técnicas oriundas das várias civi- lizações que por ali desembarcaram. Salas- sos, taurinos, retos e vênetos, assim como gauleses, etruscos, bizantinos, lombardos e romanos trouxeram consigo técnicas e alimentos que propagaram um cenário re- gional abundante na construção da identi- dade gastronômica italiana. Nesta conjuntura, e possivelmente devido à evolução da cozinha a partir do Renascimento, surgiu no século XVI a pri- meira escola culinária do mundo. Fundada em Florença, a academia de cozinheiros teve grande participação na educação de grandes chefs de cozinha da época. 1.1.3 Cozinha clássica francesa A França é um país que sempre emitiu grande influência econômica, cultural, po- lítica e militar a outras grandes nações no mundo. Foi durante o século XVII que, prin- cipalmente, suas grandes internacionaliza- ções representaram um poderio em todos estes âmbitos. Nessa época, a França ocu- pou várias partes do planeta, colonizando e exercendo práticas de comercialização en- tre esses locais. A cozinha francesa já era referência nos séculos XIV e XV, durante os reinados de Luís XIV e Luís XV. Nesse período, a cozi- nha passou a ser vista com mais responsabi- lidade, e foram construídos inúmeros mate- riais práticos para o uso e para a preparação de alimentos. Foi da França também que saíram célebres cozinheiros chefs, como La Varenne, Antonin Carême e Escoffier. Seu território, como ilustra a imagem a seguir, é parecido com um hexágono e faz fronteiras a Noroeste com o Canal da Mancha; ao Norte com a Bélgica e com Lu- xemburgo; a Nordeste com a Alemanha; a Leste com a Suíça e a Itália; ao Sul com o Mar Mediterrâneo, e a Sudoeste com a Es- panha e Andorra. Cozinha Fria e ClássiCa 27 ALEMANHA LUXEMBURGO BÉLGICA HOLANDA REINO UNIDO SUÍÇA ITÁLIA MÔNACO ANDORRAESPANHA Golfo da Biscaia OCEANO ATLÂNTICO Mar Mediterrâneo Córsega Marselha Baiona Bordéus Cherburgo Ruão Estrasburgo Provença Avinhão Canal da Mancha FRANÇA Nesse território, com quase 547.000 km2, o maior país da Europa Ocidental, quase 60% da área é dedicada à agricultura, in- cluindo a viticultura (cultivo de uvas). O prin- cipal hábito alimentar da população fran- cesa é apoiado por uma dieta rica em frutos secos, grãos, queijos, vinhos, carnes de gado e de caça, frutos do mar e peixes de água doce (neste caso, variando as espécies de acordo com a região). O Sudoeste francês compreende as regiões de Midi-Pyrénées, Languedoc- -Roussilon, Aquitania e Poitou-Charentes. O clima da região é predominantemente marítimo, pela influência do Mar Mediter- râneo, principalmente. Os peixes e os fru- tos do mar são muitos populares, assim como os mariscos. No interior, é comum o hábito de alimentar-se com carne de caça, queijo de cabra e frutas secas. A região Sudeste da França com- preende a Borgonha, Auvergne, Limou- sin, Ródano-Alpes, Provence-Alpes-Cotê d’Azur e Córsega. O clima é mediterrâneo, com mais horas de sol à luz do dia que qualquer outra região do país, proporcio- nando o cultivo de legumes e frutas únicas nessa parte do país. Há grande variedade de carnes de carneiro, boi, porco, pato e coelho. Os queijos também são uma igua- ria à parte, junto com cogumelos, batatas, frutas, uvas, lentilhas e mostarda. Ao Nordeste, as províncias de Nord- -Pas-de-Calais, Picardia, Champagne-Ar- denne, Ile de France, Alsácia-Lorena e Franco-Condado são influenciadas pelos países que o circundam como a Bélgica, Lu- xemburgo, Alemanha e Suíça. As monta- nhas provocam temperaturas extremas nos meses de inverno e verão, caracterizando o clima dessa região como temperado. © p av al en a / / S hu tt er st oc k. (A da pt ad o) . Cozinha Fria e ClássiCa28 A culinária do Nordeste é beneficiada pelo Rio Reno, desta forma seu solo é bastantefértil, gerando um grande cultivo de cogumelos selvagens, frutas (cerejas e uvas) e hortaliças (batata, beterraba, as- pargos e repolho). As proteínas mais po- pulares são o porco, as carnes de caça, foie gras (fígado de ganso), peixes (linguados, pescadas, sardinhas, dentre outros) escar- gots (moluscos gastrópodes terrestres de concha espiralada calcária, típico da cozi- nha francesa) e rãs. Por fim, a região Noroeste da França inclui a Bretanha, a Baixa Normandia, a Alta Normandia e o País do Loire – também cha- mado de Vale do Loire. Seu clima é marí- timo, com invernos e verões suaves e preci- pitações pluviais significativas. A localização dessa região reflete-se em sua culinária, pois seus principais ingredientes vêm do mar. É possível identificar produtos im- portantes na cadeia de subsistência, como ostras, lagostas, mexilhões, caranguejos, arraias, cavalas e linguados. As carnes de carneiro e de cabra são muito populares, embora a carne de boi seja bastante co- mum. As de caça, como o javali, o coelho e o faisão, também são muito aprecia- das. Além disso, são consumidos peixes de água doce, entre os quais a carpa e a truta. Ainda nessa região, destaca-se a Normandia, renomada pelos queijos de leite de vaca, entre os quais o camembert e o pont l’eveque, e a excelência de sabor e qualidade dos ingredientes típicos, como o creme de leite e as manteigas. A Normandia também é a terra das maçãs, ameixas e peras. Nessa culinária, é possível identificar a ascendência dos povos exploradores que ocuparam o território da França: os gau- leses introduziram a cultura agrícola; os romanos, a produção de queijos; os mou- ros foram responsáveis pela introdução da criação de cabras e de métodos de cocção. Outro fator que influencia a cozinha fran- cesa é a grande costa marítima, atraves- sada por vários rios. Nos séculos XVI e XVII, quando emer- giu a cultura culinária moderna, fundou-se a Grande Cuisine. As práticas no campo e o benefício de pesquisas fazem com que a cozinha francesa seja exemplo para o mundo, tornando-a reconhecida até hoje. Cozinha Fria e ClássiCa 29 1.1.4 Outras cozinhas clássicas de destaque A cozinha clássica está apoiada, so- bretudo, nas culinárias italiana e francesa, mas podemos considerar outras cozinhas como produtoras de técnicas e ingredien- tes comuns à gastronomia clássica interna- cional. Sob essa ótica, a culinária da Europa Oriental também tem grande influência na cozinha de hoje. A Europa Oriental compreende paí- ses como a Polônia e Hungria a Oeste, e a grande extensão da Federação Russa por toda a vasta região Norte. Com caracterís- ticas climáticas muito rígidas e frias, essa região europeia abriga grande densidade demográfica em povoados amontoados nos territórios em que predominam as prá- ticas de agricultura, especialmente. A culinária regional da Rússia é ba- seada em ingredientes de subsistência. Essencialmente, cultiva cogumelos, frutas silvestres como morangos e amoras, varie- dade de sementes e grãos, como o trigo e a cevada, além de produzir mel. Os peixes estão entre os principais alimentos e po- dem ser encontrados salgados ou in natura. Em outras localidades, a exemplo da Ucrânia, são produzidos leite e ovos. Assim como os pães preto e de centeio, os pratos com carne de carneiro são típicos da região e fortalecem as técnicas aplicadas na parte ocidental da Europa, levada pelas grandes descobertas e colonizações de terras. Um desses preparos é o shashlik, prato à base de carne, geralmente preparada em espe- tos, que foi criado na Armênia e muito pre- parado na Grécia. Os poloneses e húngaros também influenciam a gastronomia, sobretudo quando, por conta de diversas mudanças de territórios, levam e trazem seus legados aos povos que colonizam. Fundeadas prin- cipalmente em costumes religiosos, essas culturas baseiam-se em grãos, cereais, fru- tas cítricas, creme de leite e vinagre. Algu- mas das grandes sobremesas foram instru- mentadas por esses povos, entre as quais o strüdel (feito com massa folhada recheada) e várias massas de bolos. De volta à Europa Ocidental, temos a cozinha regional do Tejo, em Portugal, que abriga a indústria pesqueira. Os portugue- ses consomem mais peixe per capita do que qualquer outro país europeu (FLANDRIN, 1998). Além dos peixes, a cozinha portu- guesa ocupa grande espaço quanto ao de- senvolvimento de técnicas no preparo de pães e doces, contribuindo, neste sentido, para a cozinha clássica internacional. Cozinha Fria e ClássiCa30 Não tão distante da culinária portu- guesa, a cozinha espanhola é baseada em assados e também em cozidos com fru- tos do mar. São produzidas as particulares tortillas de batata, variedade de embuti- dos e presuntos, a paella – que é um sím- bolo nacional e retrata a grande variedade de ingredientes autóctones –, assim como os cozidos e caldos, além das sobremesas à base de amêndoas. Por fim, a culinária chinesa também contribui significativamente para a cozinha clássica, uma vez que, após as grandes fa- ses de descobertas de novos territórios, os maiores exploradores trouxeram técnicas conhecidas como a fritura e o cozimento a vapor. Os ingredientes-base da gastro- nomia chinesa são os peixes e crustáceos, assim como o arroz, incorporado à cozinha ocidental em grande escala. Dessa maneira, podemos entender que a fusão dessas culturas é que formou a cozinha clássica. Um grande apanhado de ingredientes e técnicas que se fundem nas mãos de cozinheiros e pesquisadores que vêm demonstrando, a partir de suas épo- cas, o conhecimento aplicado em prepara- ções que se compilam em uma única ideia, a de alimentar nações. 1.2 Os maiores nomes da cozinha clássica Por motivos óbvios, não é possível de- terminar quem foi o primeiro cozinheiro da história. Porém, podemos considerar que, provavelmente, foi aquele que se deu conta de que, se aproximasse a carne do fogo, tor- naria sua textura mais fácil para a mastiga- ção e seu sabor mais agradável ao paladar. Neste item, estudaremos alguns dos principais nomes da gastronomia clás- sica. A partir do trabalho dessas figuras históricas, poderemos determinar a im- portância de se conhecer técnicas e a instrumentalização de ingredientes para manter seu maior estágio de sabor. 1.2.1 Marie-Antoine Carême Conhecido mundialmente como An- tonin Carême, o chef francês nasceu em Paris em 1783 e morreu em 1833, também na capital da França. Carême está entre os personagens da história da gastronomia marcados pelo exemplo da persistência e cultuados através dos tempos. Carême iniciou seus trabalhos em uma cozinha rudimentar, aos 16 anos de idade, e aos 20 anos já era considerado um dos me- lhores patisseiros da capital francesa. No Cozinha Fria e ClássiCa 31 entanto, sua célebre atuação no mundo da gastronomia correu riscos. Com voca- ção para as artes, principalmente à pintura, Carême pensou em tornar-se arquiteto. Seu talento artístico, porém, permaneceu voltado à culinária e contribuiu para a evo- lução da confeitaria. Sua técnica apurada despertou interesse de burgueses da época, como o diplomata Charles Maurice Périgord (1754-1838), que empregou Carême em seu palácio por 12 anos. Em seguida, serviu o fu- turo rei Jorge IV da Inglaterra e o czar Ale- xandre I da Rússia. Por fim, Carême impres- sionou os bilionários da família Rothschild, influenciando na ocidentalização de inúme- ros preparos orientais. Sua principal característica tornou-o conhecido pelo estilo codificado da culiná- ria chamada haute cuisine, ou alta gastro- nomia francesa. Ganhou fama principal- mente por suas pièces montées, que exibia na pastelaria: peças altas, pirâmides e ruí- nas antigas em formas comestíveis, utili- zando como ingredientes, principalmente, massa, marzipã e açúcar. Pastelaria é o termos usado em gastronomia para tudo o que está rela- cionado a bolos e doces. 1.2.2 Auguste Escoffier O francês Georges Auguste Escoffier nasceuem Villeneuve-Loubet, cidade pró- xima a Nice, na região da Provence. Seu pri- meiro trabalho foi em 1878, aos 13 anos de idade, no restaurante que pertencia a pa- rentes próximos. Foi considerado pelo rei Guilherme II como “Imperador das cozinhas do mundo”. Entre suas principais obras está o Ma Cuisine, publicado em sua primeira edi- ção no ano de 1934, em que compila recei- tas e orienta, por meio de organização em brigadas, uma área de produção que até então era desorganizada e pouco produtiva. Escoffier desenvolveu o sistema de produ- ção de uma cozinha baseado na organização militar, cabendo a cada praça tarefas e res- ponsabilidades específicas. Escoffier foi um chef moderno, sendo principalmente responsável pela forma como percebemos e experimentamos nos- sos sentidos culinários hoje. Aquém da época, foi ele quem revelou a importância da comida fresca e quente à percepção do olfato. Estudou, com profundidade, o pre- paro de molhos e o cozimento dos ossos, criando sabores para os principais caldos necessários à execução de receitas. Cozinha Fria e ClássiCa32 Seu objetivo primordial foi dar continui- dade às técnicas de Antonin Carême. Dessa maneira, simplificou e especificou cada passo da cozinha clássica, tratando as receitas no- vas como experimentos científicos. Até os 74 anos de idade, criou mais de 100 receitas, muitas delas em honra a personalidades fa- mosas. Com o amigo Cezar Ritz, construiu o Hotel Savoy de Londres, cidade onde perma- neceu a maior parte de sua vida. Escoffier morreu aos 89 anos de idade, no principado de Monte Carlo, em 1935. Até seus últimos dias de vida, atendeu e orientou outros chefs. Ficou conhecido como o cozi- nheiro que popularizou e renovou os méto- dos tradicionais da cozinha francesa. 1.2.3 François Pierre La Varenne La Varenne foi legatário de Taillevent, até então conhecido como um dos cozinhei- ros chefs da Idade Média. Deixou de lado o método medieval de cozinhar, tornando-se criador de grandes receitas utilizadas até os dias atuais. Atribui-se a La Varenne os primeiros estudos dos locais apropriados dentro da área de produção, que mais tarde Georges Auguste Escoffier fundamentaria para estabelecer as praças quente, fria e es- peciais, aplicando o regime militar de orga- nização ao processo de produção culinária. Não diferente de outros mestres da gastronomia, seu nome é lembrado tam- bém pela contribuição nas escritas de re- ceitas. Entre as principais obras estão seu primeiro manuscrito, Le Cuisiner Français, publicado em 1651 e considerado inovador – foi La Varenne quem compôs as primeiras receitas com regras de quantidade e con- teúdo, podendo, assim, serem replicadas por distintas pessoas. La Varenne nasceu em 1618, na cidade de Chalon-sur-Saône, região da Borgonha, e morreu em Dijon, em 1678. Quando me- nino, foi cozinheiro de Henrique IV, casado na época com Maria de Médici, avó de Luís XIV. Foi cozinheiro do Marquês D’Uxelles, que possivelmente denominou o preparo conhecido como Cogumelos à D’Uxelles. A La Varenne foram atribuídas vá- rias receitas que determinaram as bases da cozinha clássica, entre as quais a do mo- lho bechamel e a do roux (engrossador que substituiu a farinha de rosca no preparo dos molhos). Além dessas, criou as técnicas de preparo para uma nova fonte de proteína proveniente do chamado “novo mundo”, o peru. Foi La Varene, também, quem sepa- rou a cozinha doce (bolos e tortas) da sal- gada (cozinha quente) e revelou a importân- cia da cocção correta dos vegetais. Cozinha Fria e ClássiCa 33 Seus livros ajudaram a determinar uma nova direção para a cozinha francesa, que até então tinha uma cultura típica ita- liana agregada a suas tradições culinárias. La Varenne estabeleceu uma ruptura dos padrões gastronômicos, fundamentados em mais de 150 anos de influências. Foi ele quem demonstrou o estilo próprio da cozi- nha francesa estilizada até hoje. Suas obras ainda são muito aprecia- das, e além de Le Cuisinier Français estão: Le Patissier Français, de 1653, Le Confiturier Français, de 1664 e L’École des Ragoûts, de 1668. La Varenne destacou-se como o pri- meiro gastrônomo da história a escrever um livro capaz de “sistematizar a opera- ção da culinária”, que até então era carac- terizada como desorganizada e sem fluxo (LANCELLOTTI, 2003). 1.2.4 Outros grandes personagens da cozinha clássica É muito complicado selecionar, dentre tantos cozinheiros que viveram na época de ouro da cozinha, poucos nomes que possam representar a cozinha clássica na sua essência. Porém, há aqueles que não podem ser deixados de lado. Por isso, a se- guir, elencaremos quatro nomes de maior destaque, em ordem cronológica, que re- presentam a gastronomia desde seu surgi- mento clássico. Marcus Gavius Apicius é considerado o inventor da técnica de alimentação for- çada, pois antes mesmo de se alimentar o ganso para fabricação do foie gras, ele já alimentava porcos com figos secos para provocar a produção de gordura no fígado. Apicius nasceu no século I a.C. e é conside- rado por muitos um connoisseur refinado. A palavra connoisseur vem do francês e, aplicada à gastronomia, tem o sentido de conhecedor. Guillaume Tirel (1310-1395), mais co- nhecido como Taillevent, cozinhou para a corte francesa do Rei Charles V e foi o pri- meiro a escrever o tratado da cozinha, que consistia em leis básicas para elaborar re- ceitas. Além de retratar os hábitos alimen- tares do século XIV, desenvolveu a técnica de perpetrar frutas desidratadas. Suas re- ceitas influenciaram o movimento Nouvelle Cuisine, no século XX, tendo também con- tribuído no sentido de retratar os hábitos alimentares de sua época. Cozinha Fria e ClássiCa34 Françoise Vatel (1631-1671) ficou co- nhecido na história devido a dois fatores: por sua obsessão pelo perfeccionismo e pelo fato de que, devido ao atraso na entrega dos pei- xes que encomendou para serem servidos à corte, suicidou-se pouco antes da chegada do peixeiro, temendo o atraso e a falta do ingrediente para o preparo. Dentre algumas controvérsias, a ele é atribuída a invenção de um creme que leva o nome do castelo onde ele cometeu suicídio: o chantilly. Para conhecer mais sobre a his- tória deste cozinheiro, assista ao filme Vatel – um Banquete para o Rei (1999), com direção de Roland Joffé. E, por fim, mas não menos importante, Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826) foi advogado, político e tinha grande conhe- cimento de química. Em vida, não foi consi- derado um cozinheiro, mas um admirador da gastronomia. Contribuiu para as artes culinárias com o livro A Fisiologia do Gosto, escrito em 1825, meses antes da sua morte. O trabalho de grandes cozinheiros, como estes selecionados, dentre tantos outros, compõe um legado que determi- nou as bases dos principais métodos da cozinha clássica. 1.3 Métodos de cocção da cozinha clássica I Os métodos de cocção permitem que um alimento seja modificado em sua estru- tura física para que adquira maciez, o que facilita a degustação. Em suma, a cocção é um processo pelo qual se aplica calor ao alimento a fim de torná-lo adequado à in- gestão. Ressalta-se, ainda, que acima de 750°C o calor elimina bactérias nocivas. Para que o processo seja entendido, a seguir veremos as técnicas de cocção aplicadas em uma cozinha profissional, utilizando para cada caso uma maneira di- ferente a fim de se obter o melhor do ali- mento. Assim, selecionamos para este es- tudo as técnicas denominadas sauté, fritu- ras, assados e grelhados. 1.3.1 Sauté A técnica da sauté (ou saltear) é um mé- todo rápido, realizado em alta temperatura e com a adição de pouquíssima gordura. Ne- cessariamente os alimentos devem ser natu- ralmente macios ou terem sido branqueados (pré-preparo) com antecedência. Deve se le- var em consideração porções pequenas para que o calor da sauté mantenha sua tempera- tura do início ao fim do cozimento. Cozinha Fria e ClássiCa 35 A panela adequadaa essa técnica tem lados baixos, inclinados e é mais larga do que alta para que a umidade evapore rapi- damente. Na cozinha oriental, a panela chamada wok é usada principalmente para preparar stir-fries (método de cocção na wok). Os itens selados e grelhados são mui- tas vezes preparados em panelas pesadas e de fundo grosso, que retenham o calor, como é o caso da panela de ferro. Panela wok. Panela de ferro. Outra característica da sauté é que, em geral, seus molhos são feitos com a própria gordura liberada pelos alimentos ( fond) que fica na panela. Deve-se ficar atento ao tempo de cozimento e à capaci- dade de finalização do preparo para evitar queimar os ingredientes, pois trabalha-se em grande temperatura. Prefira sempre carnes mais macias para trabalhar com a sauté, e podem ser utilizados cortes de boi, carneiro, vitela, de frango e de outras aves. Nessa técnica, é preciso cuidado ao prepa- rar frutos do mar e peixes – especialmente os mais fibrosos – considerando-se que cada ingrediente tem maneira e tempo es- pecíficos de cocção. 1.3.2 Frituras O termo fritar consiste em preparar os alimentos em óleo (ou outra gordura) em alta temperatura. A técnica de fritura pode ser feita por meio de imersão, mer- gulhando as carnes ou os legumes no óleo bem quente; ou por fritura rasa, em que os alimentos ficam superficialmente fritos. A fritura rasa permite que os alimen- tos criem uma rica crosta texturizada, tornando-os crocantes por fora e macios por dentro. © J os hu a R es ni ck / / S hu tt er st oc k © O le ks an dr B ri ag in / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa36 Para realizar a fritura rasa de um ingre- diente, pode-se empaná-lo previamente com trigo ou amido, utilizando-se também ovo e farinha de rosca para que o processo seja concluído com êxito. Diferentemente da fritura rasa, a fritura por imersão, como o próprio nome diz, é rea- lizada com o alimento diretamente enchar- cado por gordura ou óleo em alta tempera- tura. No entanto, alimentos fritos por imer- são apresentam muitas das características dos alimentos preparados com fritura rasa, inclusive uma parte exterior crocante e dou- rada e o interior úmido e saboroso. 1.3.3 Assados A técnica de assar consiste no processo de expor o alimento ao ar aquecido, em forno ou fogo com temperatura controlada, pelo tempo necessário para atingir o ponto de cocção desejado. O modo de assar pode ser realizado com o alimento coberto, o que © K on do r8 3 / / S hu tt er st oc k © W ar on gd ec h / / S hu tt er st oc k © P ho to lo gy 1 97 1 / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa 37 confere mais suculência e menos cor; ou descoberto, o que garante uma coloração dourada, mas com menos umidade. Existem ainda duas técnicas tradicionais de assar, a de barder e a de larder. Estes mo- dos aplicam-se ao preparo de carnes magras, como as de caça, entre as quais a de javali, por exemplo, que precisam de gordura adi- cionada à cocção para não ressecarem. Grosso modo, barder é a técnica de amarrar pedaços grandes, mas finos, de gordura ao lombo de porco, bacon ou crépine (membrana que reveste as vísce- ras) em torno do alimento. E a técnica de larder consiste em inserir pequenos pedaços de gordura de lombo de porco dentro do alimento. 1.3.4 Grelhados Grelhar significa aplicar o alimento di- retamente ao calor radiante proporcionado por lenha ou carvão, seja ele em grelha lisa ou estriada. O resultado desse processo de cozimento é uma carne altamente aromati- zada e com muita umidade, preservando- -se o máximo do sabor em seu interior. O processo de grelhar carame- liza e dá sabor levemente defumado aos alimentos. Esse método é indicado para aqueles com maior teor de gor- dura, ou que tenham passado por um cozimento prévio, seja em forno ou em banho-maria. © w av eb re ak m ed ia // S hu tt er st oc k © J os hu a R es ni ck / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa38 Para utilizar este método, é necessá- rio, primeiramente, aquecer bem a grelha. Cortar e temperar o alimento que será ser- vido, acomodando-o, em seguida, sobre a superfície quente. Cozinhe até que esteja bem dourado e marcado pela grelha, vire uma vez de cada lado até atingir o ponto necessário. Cuide para não deixar sobre a carne as ervas usadas para marinar, evi- tando queimá-las. As técnicas aqui estudadas compõem um universo de pequenos cuidados que exigem atenção do cozinheiro. O tempo de cocção, por exemplo, varia de acordo com o peso do alimento, portanto é necessário treinamento e conhecimento para se obter o resultado esperado. 1.4 Métodos de cocção da cozinha clássica II A seguir, conheceremos as técnicas de cocção que complementam as estudadas até o momento. Veremos a técnica de brasear, que é muito confundida com a de flambar, a técnica de poêler; e a técnica de ensopar, es- pecífica para cozidos de longa duração com ingredientes que precisem soltar as fibras. 1.4.1 Brasear Bastante comum, a técnica de brasear consiste em dourar previamente o alimento em gordura quente e, em seguida, cozinhá-lo em panela fechada com um pouco de líquido – caldo, molho ou mesmo água –, que não deve ultrapassar 1/3 da altura do tamanho da peça a ser cozida. O cozimento com a técnica de brasear ocorre pela fervura do líquido e pelo vapor que se cria. Utiliza-se essa técnica na cocção de porções grandes ou para peças inteiras de alimento. Esse método é muito utilizado, pois enriquece o sabor dos alimentos. E o mo- lho restante após o cozimento pode ser coado e reduzido para acompanhar o prato em sua finalização. 1.4.2 Poêler O método poêler refere-se ao cozi- mento de ingredientes em um recipiente não muito alto e tampado. Normalmente são usados pedaços de carne acompanha- dos de aromáticos, que proporcionam su- culência ao prato. Cozinha Fria e ClássiCa 39 Para poêler, deve-se temperar ou ma- rinar previamente o alimento, após selar em panela baixa com pouco óleo. Adicionar os aromatizantes, como mirepoix, e também outros ingredientes de preferência. Tampar a panela e cozinhar em forno aquecido entre 180 ºC e 220 ºC. Durante o processo, rega-se a carne com o suco que solta ao cozimento. Sempre que possível, deve-se limpar a gordura que solta do ingrediente. Após cozido, verificar o ponto da carne e reser- var. Coar o caldo grosso que resta do cozi- mento e engrossar com roux, manteiga ou farinha de mandioca. 1.4.3 Ensopar Os ensopados têm grande seme- lhança com os braseados, mas na técnica de ensopar os ingredientes são cortados em pedaços menores e cozidos em maior quantidade de líquido. Desse modo, o en- sopado pode ser servido como prato único. Para um bom resultado, o processo exige atenção à maneira de cortar e à limpeza da peça. Cortá-la sempre ao contrário das fibras, descartando gorduras e tendões, confere maciez à carne. Pode-se, ainda, fi- nalizar seu preparo com a adição de molho, creme de leite ou de um caldo, de acordo com o objetivo de apresentação. Neste estudo, vimos que a cozinha clássica surgiu da necessidade de se criar novas formas de se cozinhar, além disso, conhecemos os principais nomes da cozi- nha mundial e o que eles representaram nesse contexto. Das descobertas realizadas pelos cozi- nheiros em diferentes momentos históricos, extraíram-se as técnicas que até hoje são utilizadas nas cozinhas. Nesse sentido, con- templamos os principais processos da cozi- nha clássica, a partir do conhecimento dos objetos e indivíduos que representam essa importante fase da gastronomia mundial. © s to ck cr ea ti on s / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa40 Referências BARRETO, R. L. P. Passaporte para o Sabor. 2. ed. São Paulo: Senac, 2001. BRILLAT-SAVARIN, J. A. A Fisiologia do Gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. CLÁSSICO. In: FERREIRA, A. B. de. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio.Curitiba: Positivo, 2009. CHEF PROFISSIONAL. Instituto Americano de Culinária; Tradução de Renata Lucia Bottini. São Paulo: Senac Editorial, 2009. ESCOFFIER, A. Ma Cuisine – 2.500 recettes. 1. ed. Paris, France: Ernest Flammarion Éditeur, 1934. FLANDRIN, J. L. História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. HECK, S. O ato de comer. 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Por meio de diversas experiências – e en- tre acertos e erros – a gastronomia, que antes confundia-se com a alquimia, passou a ser vista como o prazer de comer bem a partir do preparo talentoso dos alimentos. Foi preciso desenvolver vários equipamentos dentro da cozinha para que se propagas- sem as técnicas mais elementares para a produção de receitas. O forno, por exemplo, passou do formato convencional, até então alimentado por fogueiras, para o forno à lenha. E, após a Revolução Industrial, surgiu o forno a gás. Nesse sentido, há etapas da gastronomia ressalta- das pela evolução dos utensílios e pela criação de objetos auxiliares na produção culinária, en- tre os quais espátulas em diversos formatos, recipientes com indicações de medidas e colhe- res específicas para determinar quantidades. Dessa maneira, a partir do século XVIII, crescem as possibilidades de se acertarem as receitas e obter o resultado gastronômico almejado. Cozinha Fria e ClássiCa42 Para que se compreenda as transfor- mações que dão base à gastronomia, este estudo será fundamentado no conheci- mento e no preparo dos molhos da cozinha clássica que influenciaram a sensibilidade gustativa dos comensais da época. Além destes molhos “madres” (ou molhos-mãe), trataremos dos seus derivados – entre os quais o bechamel, o sugo e o demi-glace –, conhecendo seus locais de origem e o mo- mento histórico em que foram criados. Na sequência, conheceremos as sopas mais apreciadas no mundo e os cremes que, com a adição da nata, revolucionaram algumas receitas mais simples. Dentre os destaques, estão a sopa de aspargos com creme, clássico da gastronomia francesa; a Bouillabaisse, que é servida com a receita original até hoje, nos melhores restauran- tes da França; e a grande descoberta: o su- flê de queijos. Em seguida, veremos os preparos clás- sicos com ovos, entre os quais as receitas de ovos Benedict, Mirabeau, Omelette aux fines herbes e, por último, L’Oeuf Parfait, conside- rado o de preparo mais difícil. E, como os cardápios servidos pelos melhores chefs, finalizaremos com doces clássicos, com destaque para ícones da co- zinha francesa, como o petit gâteau, sua história e ingredientes indispensáveis; os macarons e os profiteroles; além de uma das mais tradicionais sobremesas italia- nas, o tiramisù. 2.1 Molhos clássicos Vamos lembrar que, até o final do século XV, os métodos tradicionais de co- zinha eram arcaicos, e a alimentação era considerada um tanto “bárbara”. A partir da observação de grupos vizinhos e entre as trocas de mercadorias, surgem os uten- sílios para cozinhar. Neste sentido, vários equipamentos foram desenvolvidos, entre © T ho m as B et hg e / / S hu tt er st oc k Cozinha Fria e ClássiCa 43 eles os utensílios que possibilitavam que a água fosse fervida, como panelas de barro e metal. A partir dessa conquista, abre-se um “novo mundo” para as cocções. O alimento passou a ser preparado com an- tecedência e não mais assado quando o ca- çador voltava para o seu abrigo com a peça abatida. O fogo estava sempre aceso e a pa- nela fervia indefinidamente um caldo espes- so que se tomava com pão, trigo, milho ou farinha. Era a marmita em ebulição constan- te (LEAL,1988, p. 19). Foi no século XVII que La Varenne cau- sou uma verdadeira revolução culinária. Foi ele quem desenvolveu o primeiro molho clássico francês, o bechamel, isso não quer dizer que antes não tenham sidos criados outros molhos, como por exemplo o mo- lho roti. Já Antoine Carême, durante o sé- culo XIX, foi quem classificou os molhos em cinco molhos bases (também chamados de “molhos-mãe”): demi-glace, bechamel, ve- louté, sugo e hollandaise (o molho holandês). Considera-se molho-mãe aquele que tem as seguintes características: • pode ser produzido em grande quantida- de, após aromatizado e guarnecido para gerar inúmeras receitas derivadas; • deve ter sabor básico, possibilitando que outros ingredientes sejam adicionados; • precisa, necessariamente, ter durabilida- de (sete dias em geladeira à temperatura de 5ºC). Os molhos podem ser classificados também pela sua coloração. Denominam- -se molhos escuros, como o demi-glace e o espagnole (espanhol), aqueles em que é real- çado o fundo escuro a partir do cozimento de ossos, principalmente. Já os molhos cla- ros, ou brancos, que incluem o molho be- chamel e o velouté, são normalmente prepa- rados com fundos de peixes e aves. Os molhos estão entre os maiores tes- tes de habilidade de um chef de cozinha. Nesse sentido, combinar o molho com um alimento demonstra a perícia e a técnica do cozinheiro. Saber preparar um molho com textura, sabor e cores adequados é um grande desafio. 2.1.1 Receitas com velouté e consomês O termo francês velouté significa ave- ludado. As principais características desse molho são a coloração marfim de aparên- cia brilhante e o aspecto encorpado. Um real velouté deve singularizar o sabor do fundo utilizado, seja ele de peixe, vegetais ou frango. Esse molho-mãe é muito utili- zado para preparar sopas. Cozinha Fria e ClássiCa44 Para preparar um velouté são neces- sários: roux (engrossador), fundo claro à base de peixe, frango ou legumes, cebola piqué, sal e pimenta-do-reino moída na hora. Deve-se aquecer a panela e derreter a manteiga adicionando o trigo para fazer o roux louro (ou engrossador claro). Em se- guida, adicionar o fundo aos poucos, me- xendo para não empelotar. Assim que le- vantar fervura, acrescentar a cebola piqué, verificando sal e pimenta. Cozinhar em fogo baixo por 30 minutos. É necessário coar antes de servir. São exemplos de molhos derivados do velouté: • Parisienne (cogumelos, gemas e limão); • Aux crevettes (aparas de peixe, creme de leite, cascas de camarão e manteiga); • Bercy (chalotas, vinho branco, aparas de peixe, manteiga e salsa picada). Uma característica indispensável para caracterizar o velouté é o seu sabor (LAN- CELLOTTI, 1999). Não é estritamente ne- cessário, mas podem ser acrescentados mirepoix e aromáticos em alguns tipos de velouté, para completar o seu cozimento. O uso desses condimentos pode incremen- tar o preparo e personalizar o sabor. Tendo compreendido esses conceitos básicos, nosso próximo tema traz algumas receitas clássicas com o molho demi-glace. 2.1.2 Receitas clássicas com molho demi-glace A receita do molho espanhol, para ser considerado adequada, deve ter aparência translúcida e brilhante, adquirida com cozi- mento e redução. Por ser base para todos os molhos escuros clássicos, o molho espa- nhol não deve ser servido por si só, pois é bastante encorpado e intenso.
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