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Volume 3 - Atos a Romanos

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O NOVO TESTAMENTO INTERPRETADO
VERSÍCULO POR VERSÍCULO
por
RussellNormanChamplin, Ph. D.
Volume 3
ATOS 
ROMANOS 
★★★ ★★★ ★★★
Direitos Reservados
MAGNOS
Editora Hagnos
Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 
Cidade Dutra - São Paulo - SP - CEP 04809-270
Copyright © 2002 por Editora Hágnos
Coordenadora editorial: 
Marilene G. Terrengui
Coordenador de produção: 
Mauro W. Terrengui
10a reimpressão - Dezembro de 1998 
I a edição - Editora Hagnos - Janeiro de 2002 
5000 exemplares 
Reimpressão - Outubro de 2003 - 3000 exemplares 
Reimpressão - Fevereiro de 2005 - 5000 exemplares
Editoração, fotolito, impressão e acabamento: 
Imprensa da fé
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Champlin, Russell Norman, 1933 -
O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo: Volume 3:
Atos, Romanos / Russell Norman Champlin. São Paulo: Hagnos, 2002.
1. Bíblia N.T. - Crítica e interpretação 
I. Título
01-5625 CDD-225.6
índices para cátalogo sistemático:
1. Novo Testamento: Interpretação e crítica 225.6
ISBN 85-88234-32-7
Todos os direitos desta edição reservados à: 
Editora Hagnos Ltda 
Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 
São Paulo - SP 04809-270 Tel/Fax: (XX I 1)5668-5668 
E-mail: hagnos@hagnos.com.br www.hagnos.com.br
mailto:hagnos@hagnos.com.br
http://www.hagnos.com.br
ATOS
INTRODUÇÃO
Conteúdo
I. Autor
II. Data, Proveniência e Destino
III. Caráter Literário
IV. Texto Grego do Livro de Atos
V. Contactos e Influências Literárias
VI. Fontes Informativas
VII. Ênfase Apologético; Interesses e Propósitos 
Teológicos *
O livro de Atos é a única história da igreja cristã em 
existência, escrita antes do século I II d.C. Bastaria esse fato 
isolado para que se reconhecesse universalmente o valor deste 
livro e não encará-lo como mero documento histórico. Sem o 
mesmo, ficaríamos virtualmente sem - qualquer registro 
histórico sobre o desenvolvimento inicial e a propagação do 
cristianismo primitivo, que o acompanha em sua rápida 
expansão desde a Palestina até partes distantes do mundo 
civilizado de então. Também é obra de grande valia na ajuda 
que nos presta para melhor entendermos as epístolas paulinas, 
que constituem uma porção avantajada do volume do Novo 
Testamento, posto que lhes provê valiosas informações de 
pano de fundo.
Não obstante, o livro de Atos não encerra uma história 
completa de todo o movimento cristão do primeiro século de 
nossa era, porquanto cobre tão-somente um período de três 
décadas, isto é, de cerca de 33 a cerca de 63 d.C. Outrossim, se 
concentra sobretudo nos feitos de apenas dois dos apóstolos de 
Cristo: Pedro e Paulo. Cerca de metade do volume do livro se 
devota às atividades de Paulo, um terço às atividades de 
Pedro, e mais ou menos um sexto aos outros líderes cristãos 
primitivos de menor envergadura.
O título original do livro, Atos dos Apóstolos, dificilmente 
teria sido conferido pelo seu autor original, embora tenha sido 
aquele que geralmente veio a ser-lhe atribuído. De fato, não se 
trata de uma narrativa dos «atos dos apóstolos», visto que 
apenas dois apóstolos recebem qualquer descrição de vulto ali. 
Muito menos ainda seria a história dos «atos de todos os 
apóstolos», segundo é denominado o livro do cânon 
muratoriano, certamente como exagero do conflito contra 
Márciom. Este havia rejeitado os demais apóstolos de Jesus à 
base do fato de que haviam abandonado a Cristo quando de 
seu injusto julgamento, tendo transformado Paulo em seu 
grande herói, como exclusiva autoridade da igreja cristã 
primitiva. Talvez um título mais apropriado fosse «História do 
Poder de Deus entre os Apóstolos» ou «História dos Atos do 
Espírito Santo», já que a presença guiadora do Espírito de 
Deus é um tema permanente desse livro. (Ver Atos 1:8).
O livro de Atos é a continuação da narração do 
levantamento epropagação do cristianismo, sendo que a 
primeira metade e contada pelo evangelho de Lucas. Atos 1:1 é 
passagem que deixa pouquíssima dúvida de que esses dois 
volumes —o evangelho de Lucas e o livro de Atos—resultaram 
de um único esforço literário. Ê perfeitamente possível que os 
manuscritos originais dessas duas obras tivessem sido postos 
a circular juntos; ou então que os dois volumes fossem apenas 
secções diversas da mesma obra. Ou então o livro de Atos pode 
ter sido publicado pouco depois do evangelho de Lucas, em 
volume separado, embora com a finalidade de ser lido e usado 
em conjunção com esse evangelho. Juntas, essas duas obras 
formam o mais completo registro histórico de como se 
desenvolveu a nova religião revelada, em tomo da personalida­
de do Senhor Jesus Cristo, não como um ramo espúrio e 
herético do judaísmo, mas, bem ao contrário, a plena 
concretização dos alvos e ideais do judaísmo segundo revelado 
nas páginas do A.T. Pois o cristianismo bíblico preservou tudo 
quanto havia de bom e verdadeiro no judaísmo, embora o 
tenha ultrapassado em grau e em importância, de tal modo que 
com o cristianismo surgiu uma nova e poderosa modalidade de 
fé.
É exatamente o desenvolvimento dessa nova fé que o livro de 
Atos acompanha até cerca do ano 67 d.C., quando o maior 
herói dessa nova fé se encontrava aprisionado em Roma. 
Embora o autor sagrado sem dúvida alguma tenha vivido o
VIII. Conteúdo
IX. Tabela Cronológica dos Acontecimentos 
em Confronto com a História Contemporânea
X. Tabela Cronológica da Vida de Paulo
XI. Bibliografia
XII. Escavações Arqueológicas na Palestina 
e outros Locais de Interesse Bíblico
★ ★
bastante para ser testemunha do martirio do apóstolo Paulo, 
não fazia parte dos seus propósitos descrever esse último 
evento, mas antes, encerrar a sua narrativa com uma nota de 
triunfo e de otimismo, pois o sucesso do cristianismo fora 
espantoso o que se deveria encarar como resultado da sua 
origem e propagação divinas, mediante o poder divino do 
Espírito Santo.
«O livro de Atos é a pedra chave que vincula as duas porções 
principais do Novo Testamento, isto é, o ‘evangelho’, 
conforme os primeiros cristãos diziam...a única ponte de que 
dispomos para atravessar o abismo aparentemente intranspo­
nível que separa Jesus de Paulo, Cristo do cristianismo, o 
evangelho de Jesus e o evangelho sobre a pessoa de Jesus». 
(H.J. Cadbury, The Making of Luke-Acts, Nova Iorque: The 
Macmillan Co., pág. 2).
Os diversos títulos que têm sido atribuídos a esse livro, nos 
dias da antiguidade, são os seguintes: «Atos e Transações dos 
Apóstolos» (Códex Bezae) e «Atos dos Santos Apóstolos» 
(Códex Alexandrinus e outros, incluindo alguns dos primeiros 
pais da igreja). Os manuscritos mais antigos dizem 
simplesmente «Atos dos Apóstolos», como códex Vaticanus e 
outros manuscritos antigos, apesar de que o ms Aleph diga 
simplesmente «Atos». Alguns editores têm dado preferência a 
este último título, como possível representante do título 
original, ou, pelo menos, como aquele que mais direito tem de 
reivindicar originalidade. Os pais da igreja Orígenes, 
Tertuliano, Dídimo, Hilário, Eusébio e Epifânio também 
usaram meramente o título «Atos» para este livro. Já 
Ecumênio chamou-o de «Evangelho do Espírito Santo». E 
Crisóstomo apodou-se de «Livro da Demonstração da 
Ressurreição».
I AUTOR
Destaca-se acima de tudo a autoria comum e a unidade da 
obra Lucas-Atos. Isso faz de Lucas o mais extensivo autor de 
todo o Novo Testamento, pois, somando-se esses dois 
volumes, temos nessas duas obras mais de um quarto do total 
do volume do N.T., o que é mais do que qualquer outro autor 
sagrado contribuiu, a menos que consideremos paulina a 
epístola aos Hebreus (apesar de que isso não é muito 
provável), caso em que o apóstolo Paulo seria o mais copioso 
escritor do N.T. Assim sendo, se não considerarmos outro 
fator além do mero volume, Lucas-Atos serve de importantís­
sima consideração nos estudos do N.T. A autoria comum 
desse par de documentos, e o fato de que Lucas foi o autor de 
ambos, é algo óbvio e universalmente reconhecido, pois os dois
volumes constituem duas divisões de uma mesma obra 
literária. O trecho de Atos 1:1 mostra que o autor sagrado 
tencionava que esses dois volumes fossem reputados uma 
unidade. Já desde o ano de 185 d.C. (em um escrito de Irineu, 
«Contra as Heresias», 3:1,14) temos uma afirmação da autoria 
lucana desses dois livros. Também poderíamos acrescentar a 
isso o testemunho do cânon muratoriano, que pertence ao fim 
do século II d.C., como o fazem igualmente os testemunhos de 
Tertuliano (Marc. iv.2)(f Orígenes, Eusébio (História Eclesiás­
tica, vi.25) e Jerônimo ( Vir. illustr. 7). Pelos fins do segundo 
século, essa era a tradição corrente na igreja de Roma. 
Evidências lingüísticas dão apoio às reivindicações do 
prefácio do evangelho de Lucas, bem como às declarações 
constantes nas tradições acima citadas.
Quase que o dobro de palavras é peculiar ao livro de Atos e 
ao evangelho de Lucas quando comparados entre si, do que 
quando se confronta o livro de Atos com os evangelhos 
sinópticos. Muitas palavras e expressões características do
1
2 ATOS
estilo do evangelho de Lucas se encontram em ambos esses 
documentos. Tais declarações, entretanto, têm sido desafiadas 
(como, por exemplo, por A.C. Clark, em sua obra The Actsof 
the Apostles), o que esse autor fez especialmente com base em 
considerações lingüísticas. Porém, tais desafios são quase 
universalmente considerados não-convincentes, sobretudo à 
luz de muitas evidências positivas, que consubstanciam a 
autoria lucana desses dois notáveis documentos do N.T.
Na história antiga existem alguns comentários desfavorá­
veis ao livro de Atos como livro genuíno de Lucas, 
especialmente entre os primeiros gnósticos, como Cerinto e a 
sua escola (conforme é registrado por Eusébio, em 
sua História Eclesiástica 1.4). Todavia, essas críticas não se 
alicerçaram em qualquer avaliação crítica, mas meramente em 
considerações subjetivas e doutrinárias, a saber, por causa do 
conteúdo geral do livro de Atos, que não concordava com os 
seus pontos doutrinários mais salientes. Márciom (150 d.C.) 
rejeitava o livro de Atos, embora Paulo fosse o seu grande 
herói, tendo selecionado algumas das epístolas paulinas e uma 
porção mutilada do livro de Lucas como seu «cânon» das 
Escrituras do N.T. Márciom rejeitava o livro de Atos como 
genuíno porque sentia que os discípulos originais haviam sido 
infiéis ao Senhor Jesus, pelo que também foram rejeitados; e, 
no entanto, o livro de Atos exalta ao apóstolo Pedro, algo que 
ele não podia aceitar. Mas, ao assim fazer, Márciom tambem 
rejeitava a principal autenticação das atividades apostólicas 
de Paulo. Tambem rejeitava o livro de Atos porque não 
somente Paulo é magnificado no livro, mas Pedro também o é 
(além de alguns outros indivíduos, ainda que em grau muito 
menos intenso). Isso não concordava com a sua opinião de que 
somente Paulo possuía autoridade para escrever livros 
sagrados, segundo as razões dadas acima. Também devemo- 
nos lembrar que Márciom rejeitava totalmente o A.T., tendo 
procurado fundar uma religião inteiramente diferente, de 
forma alguma alicerçada no registro do A.T., mediante o uso 
dos escritos de Paulo e de sua autoridade apostólica. Por 
semelhante modo, entre Os antigos, houve outros indivíduos, 
como Severo, discípulo de Taciano, que rejeitavam o livro de 
Atos; mas, igualmente nesse caso, o verdadeiro motivo eram os 
preconceitos doutrinários e não tinha base em qualquer 
avaliação verdadeiramente critica.
Os eruditos modernos, entretanto, quer liberais, quer 
conservadores, têm quase — universalmente— atribuído 
ambos esses livros à pena de Lucas, aquele que era o 
companheiro de viagens do apóstolo Paulo, o médico amado. 
Até mesmo os estudiosos mais radicais reconhecem a validade 
dessa reivindicação. Nordem e Loisy se erguem quase 
isolados, em sua afirmativa de que somente uma de suas 
fontes informativas, o diário de viagens que constitui a sua 
narrativa central, na realidade foi escrita pelo mesmo autor 
sagrado que registrou o evangelho de Lucas, pois outras 
fontes históricas poderiam ser também percebidas. Todavia, a 
evidência lingüística é poderosa em favor da conclusão de que 
apesar do autor sagrado ter-se valido, naturalmente, de 
muitas fontes informativas, tendo-as reunido em sua 
multicolorida narrativa, algumas das cenas não foram vistas 
ou testemunhadas por ele de forma alguma; mas que, a despeito 
disso, o mesmo autor editou e compôs o livro de Atos.
A autoria comum do evangelho de Lucas e do livro de Atos, 
pode ser demonstrada pelas seguintes considerações:
1. Considerações lingüísticas —Quase o dobro de palavras é 
peculiar ao evangelho de Lucas, em comparação com o livro de 
Atos, do que ao livro de Atos em confronto com os outros 
evangelhos sinópticos. Muitas palavras e expressões são 
peculiares somente à obra Lucas-Atos. Sem dúvida alguma há 
mais afinidades, no vocabulário, entre esses dois livros, do que 
entre quaisquer outros dois escritos do N.T. Por exemplo, 
existem dezessete vocábulos que se encontram tanto em 
Mateus como nos livros de Atos, embora não apareçam em 
nenhuma outra porção do N.T.; existem catorze dessas 
palavras no evangelho de Marcos e no livro de Atos, mas que 
não figuram em qualquer outro livro do N.T.; mas existem 
cerca de cinqüenta e oito dessas palavras da obra Lucas-Atos 
que não se encontram fora desses dois livros em nenhuma 
outra porção do N.T. (A obra de Vincent «Word Studies in the 
N.T.» alista muito mais do que isso, nas páginas 601-611, 
primeiro volume).
2. O monumental Alford's Greek New Testament alista os 
seguintes sinais estilísticos que comprovam a autoria lucana e 
permeiam tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos: a. 
a descrição de enfermidades que subentende um homem mais
versado nessas questões que os escritores ordinários do N.T.; 
b. o emprego do termo «nós» nas passagens vazadas na 
primeira pessoa do plural, que são obviamente distinguidas 
dos trechos escritos na terceira pessoa do singular; e c. o fato 
de sabermos que Lucas foi um dos quase constantes 
companheiros de viagens do apóstolo Paulo. (Ver II Tim. 
4:11). As secções que usam a primeira pessoa do plural 
(chamadas secções «nós», pelos estudiosos) são as seguintes: 
Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28:16. As comparações 
lingüísticas parecem demonstrar que o restante do livro foi 
escrito pelo mesmo autor dessas secções «nós». Idênticas 
considerações ligam esse autor ao evangelho de Lucas, mesmo 
quando não levamos em conta a clara afirmativa nesse sentido, 
que há no trecho de Atos 1:1. Além dessas formas de 
comprovação, Alford examinou diversas circunstâncias histó­
ricas que subentendem a autoria lucana, tanto do evangelho de 
Lucas como do livro de Atos.
3. Tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos foram 
endereçados a Teófilo. O trecho de Atos 1:1 esclarece-nos que 
ambos os livros foram escritos como duas partes de uma 
mesma obra literária, e a linguagem em que ambos esses 
volumes foram escritos, no que tange à qualidade do grego 
koiné, distingue Lucas dos autores dos outros evangelhos e de 
todos os demais livros do N.T. Trata-se de excelente grego 
«koiné» literário, superior ao grego dos demais evangelhos e 
no mesmo nível das melhores porções literárias dos demais 
livros do N.T., mostrando-se inferior somente à epístola aos 
Hebreus e a mais um ou dois outros livros. (Quanto a maiores 
detalhes sobre essa questão, ver o item introdutório ao 
comentário intitulado «Linguagem do N.T.», que descreve o 
grego usado no N .T., em termos gerais, e que também 
caracteriza de modo passageiro o grego «koiné» de cada um 
dos livros do N.T.). Não foi por mero acidente que o mesmo 
excelente grego «koiné», vazado no mesmo estilo, e com o 
mesmo vocabulário distintivo, permeia a obra Lucas-Atos. E 
isso é um dos motivos que têm levado os estudiosos a 
concordar, quase universalmente, sobre o fato de que Lucas foi 
o autor de ambos esses volumes.
4. De conformidade com um tipo mais clássico de grego,
podemos observar, tanto no evangelho de Lucas como no livro 
de Atos, o emprego do modo optativo grego, o qual figura com 
muito maior freqüência do que nos livros de qualquer outro 
dos autores do N.T., posto que ocorre ali por nada menos de 
vinte e oito vezes. Ora, esse é o tipo de fator que distingue não 
somente o estilo, como também a cultura de um autor. O modo 
optativo havia desaparecido quase inteiramente no grego 
«koiné», excetuando em certas expressões estereotipadas. No 
entanto, Lucas utiliza uma linguagem mais elevada, em seu 
caráter literário, que nos faz lembrar mais das obras clássicas 
do grego antigo. E o evangelho de Lucas e o livro de Atos 
possuem tais características.
5. O fato de que tanto o evangelho de Lucas como o livro de 
Atos foram escritos pelo mesmo autor é igualmente 
demonstrado pelo fato de que ambos enfatizam os mesmos 
temas, do princípio ao fim, alguns dos quais são os seguintes:
a. A universalidade da religião cristã, que abandonou o caráter 
provinciano do judaísmo. Agora todas as raças e todos os 
povos se tomaram igualmente objetos do amor e da graça de 
Deus. (Comparar Lucas 2:32; 4:23-27; 10:29-37 e 17:15-18 
com Atos 10:35; 13:46,47; 17:26-28 e 28:28). b. O 
Espírito Santo, em sua atuação, se destaca tanto no evangelho 
de Lucas como no livro de Atos, muito mais do que nos 
evangelhos sinópticos. O evangelho de João também salienta o 
papel do Espírito Santo na economia cristã. (Comparar Luc. 
1:15,35; 2:25-27; 4:1, 18; 10:21 e 24:49 com Atos 1:2,8; 
2:1-4,38; 8:14-17,29,39; 10:44-47; 13:2,4,9; 15:28; 16:7 e 
19:1-7). c. Ambos esses livros demonstram uma marcante 
simpatia pelos pobres e pelos grupos desprezados da sociedade 
antiga. (Comparar Luc. 3:11; 4:18; 6:20 e 16:22 com Atos 
2:44,45; 4:33-35 e9:36,39). d. Ambos os volumes demonstram 
antipatia pelos ricos. (Comparar Luc. 1:53; 6:24; 12:13-21 e 
16:14,19 com Atos 8:18-24). e. Há saliência sobre o dever e o 
uso apropriado das riquezas. (Comparar Luc. 12:42-48; 
16:1-13 e 19:12-27 com Atos 4:36,37; 5:1-11 e 20:35). f. Há 
ênfase em ambos os volumes sobre o papel desempenhado 
pelas mulheres na vida de Cristo e no desenvolvimento da 
igreja primitiva. (Comparar Luc. 1:39-56; 2:36-38; 7:37,38; 
8:1-3; 19:49; 23:27-29 e 24:10 com Atos 1:14; 5:1; 9:36; 
12:12,13; 16:13-18; 18:2; 24:24 e 25:13). g. Há em ambos os 
livros intensa ênfase sobre a necessidade de oração por parte 
do crente. (Comparar Luc. 11:5-13; 18:1-5,9-14 e 22:39-46 com
ATOS 3
Atos 1:24,25; 2:42; 4:31; 6:6; 10:2,9; 12:12; 13:3; 16:25 e21:5). 
h. O tema da graça divina figura nessas duas obras com muito 
maior freqüência que nos evangelhos sinópticos, porquanto no 
evangelho de Lucas essa palavra aparece por oito vezes, 
ao passo que no livro de Atos aparece por dezesseis vezes. 
(Comparar Luc. 1:30; 2:40,52; 4:22; 6:32-34 e 17:34 e 17:9 com 
Atos 2:47; 4:33; 11:43; 13:43; 14:3,26; 15:11,40; 18:27; 
20:24,32; 24:27 e 25:3,9). A palavra «graça» não aparece nos 
evangelhos de Mateus e de Marcos, apesar de figurar por 
quatro vezes no evangelho de João. Aparece com maior 
abundância nos escritos do apóstolo Paulo, conforme também 
já seria de se esperar. (Por nada menos de cento e duas vezes, 
sem contarmos a epístola aos Hebreus). i. Há no evangelho de 
Lucas e no livro de Atos maior destaque ao tema do perdão dos 
pecados do que no caso dos evangelhos sinóp ticos. (Comparar 
Luc. 1:77; 7:47; 11:4; 15:11-32 e 24:47 com Atos 2:38; 5:31; 
10:43; 13:38 e 26:18). j. Nesses dois volumes se vê, igualmente 
destaque sobre o quadro político, na tentativa de mostrar que 
o cristianismo não era subversivo, merecendo ser aceito pelo 
estado romano como movimento religioso legítimo. (Comparar 
Luc. 20:20-23 e 23:4,13-16,20-22,47 com Atos 13:7,12; 
16:35-40; 18:12-17; 19:31,37; 23:26-30; 24:23; 25:25-27; 
26:30-32; 27:43 e 28:30,31).
6. Sobre a autoria comum de Lucas-Atos, Morton Scott 
Enslin, em seu livro The Literature ofthe Christian Movement 
(Harper and Brothers, Nova Iorque, 1956, pág. 413), diz: «O 
livro de Atos é a continuação da história do surgimento e da 
propagação do cristianismo, cuja primeira metade consiste no 
evangelho de Lucas, o que é tão universalmente aceito que 
requer pouquíssimo argumento. A comum dedicação dessas 
obras a Teófilo; o reinicio da narrativa nestes últimos 
capítulos, precisamente no ponto onde termina o evangelho; a 
partida final de Jesus da presença de seus discípulos; uma 
sutil mas não obstante inequívoca unidade de propósitos, de 
atitudes, de ênfase e de fraseologia, tudo isso dificilmente 
poderia ter sucedido por mero acidente».
Não obstante, existem argumentos contrários à autoria 
lucana do livro de Atos, a saber:
1. O próprio livro de Atos é anônimo, isto é, em porção 
alguma o seu autor se desvenda, não dando qualquer indício 
sobre a sua identidade. Mostrar que a obra Lucas-Atos tem 
um autor comum é fácil; mas não há justificação alguma em 
identificar esse autor com Lucas, tendo sido apenas uma 
opinião especulativa dos primeiros pais da igreja. A essa 
objeção, entretanto, podemos replicar que essa é a opinião 
universal dos pais da igreja e dos séculos subseqüentes, sendo 
que essa declaração universal mui provavelmente estava bem 
alicerçada nos fatos, sabendo-se sobejamente, além de tudo, 
que Lucas foi companheiro quase constante do apóstolo Paulo 
em suas viagens missionárias. (Ver Col. 4:14; Fil. 24 e II Tim. 
4:11). Sobre isso, ver os diversos antigos testemunhos acerca 
da autoria lucana, sobre o que tratamos mais abaixo).
2. Diversos eruditos têm procurado demonstrar, com base 
nos termos médicos da obra Lucas-Atos que foi um «médico» 
quem escreveu essa dupla obra, mas essa asseveração não tem 
podido resistir à luz das investigações. Acima de todos, H. J. 
Cadbury tem solapado essa idéia (em sua obra The Style and 
Literary Method of Luke, Cambridge: Harvard University 
Press, 1920, págs. 39-72; e Lexical Notes on Luke-Acts, The 
Journal of Biblical Literature, XLV, 1026, págs. 190-209). 
Dentre os quatrocentos termos supostamente médicos, 
usualmente salientados como parte do vocabulário dos 
médicos, nada menos de trezentos e sessenta se encontram na 
Septuaginta, sem que isso indique qualquer uso especializado. 
Outros autores, como Filo, Plutarco e Luciano (o último dos 
quais usa nada menos de noventa por cento dos chamados 
termos «médicos»), empregaram tais vocábulos, sem que 
quisessem dar a entender qualquer linguagem própria de 
médicos. Josefo e a Septuaginta, se considerados juntamente, 
contêm trezentos e noventa desses quatrocentos vocábulos, 
emergindo assim a verdade de que não havia qualquer 
vocabulário médico especializado nos tempos de Lucas. Por 
conseguinte, é justo dizermos que se alguém não tivesse feito a 
conexão entre o «médico» Lucas e este livro de Atos, para em 
seguida sair à caça de um vocabulário «médico», com a mesma 
facilidade o autor sagrado poderia ter sido considerado como 
«capitão da marinha» ou «advogado», porquanto existem ali 
diversos termos náuticos, além de expressões legais, 
sobretudo nos capítulos finais do livro de Atos.
No que tange ao argumento acima exposto, contrário à
autoria lucana parece que o mesmo diz essencialmente a 
verdade; e isso parece eliminar um dos argumentos favoritos 
em favor da autoria lucana do livro de Atos. No entanto, esse 
argumento contrário não é fatal à posição geral em favor da 
autoria de Lucas, a qual pode facilmente sobreviver sem esse 
elemento relativo aos termos «médicos».
Contudo, embora nenhum vocabulário «médico» especial 
pode ser demonstrado na obra Lucas-Atos, muitos eruditos 
acreditam que ainda transparece nessa obra um interesse 
desusado pelas questões «médicas», além de um interesse todo 
especial pelas curas motivadas pela fé. (Ver Luc. 7:18-23; Atos 
5:12-16 e 19:11, passagens cuja finalidade é a de demonstrar 
que o poder curador de Jesus continuava em operação através 
dos apóstolos, o que é especificamente salientado em Atos 
3:12,13 e 4:7-10). Deve-se observar como
o trecho de Luc. 8:43 
modifica a passagem de Marc. 5:26, a interesse do bom nome 
da profissão médica. Assim sendo, apesar de que o próprio 
vocabulário usado na obra Lucas-Atos não possa servir de 
prova definitiva acerca da autoria lucana, o conteúdo desses 
dois livros, no que diz respeito a essa questão, parece 
confirmar que o autor sagrado era indivíduo extraordinaria­
mente interessado pelas questões médicas, o que aponta 
fortemente para Lucas, o «médico amado».
3. É possível que o argumento favorito, contrário à autoria 
lucana do livro de Atos, seja a tentativa de demonstrar queo 
autor sagrado não poderia ter conhecido o apóstolo Paulo tão 
bem como se pensa, porque mui provavelmente não fora seu 
companheiro de viagens. O quadro que tal autor pinta do 
apóstolo, especialmente no que tange às suas crenças 
doutrinárias, difere tão radicalmente do que Paulo expressa, 
além do fato de que apresenta alguns acontecimentos 
históricos que não estão de acordo com o que transparece nas 
epístolas daquele apóstolo. E em seguida os opositores 
argumentam que o autor sagrado jamais teria feito isso, se 
realmente o tivesse conhecido bem. Segundo um ponto de 
vista histórico, os trechos do primeiro capítulo da epístola aos 
Gálatas e de Atos 9:20-30, que falam sobre as atividades de 
Paulo, imediatamente após a sua conversão, diferem 
muitíssimo, quanto aos pormenores e ao que fica implícito, do 
que nos diz o livro de Atos, porquanto este último não se refere 
aos três anos de ausência de Paulo, mas antes, faz alusão ao 
fato de que imediatamente ele se pôs a pregar, viajando e 
associando-se a outros líderes cristãos. Outras considerações 
difíceis são aquelas que falam de Paulo, que freqüentemente 
andava em conflito com o elemento judaico no seio da igreja 
cristã, não se harmonizam entre o livro de Atos e as epístolas 
onde esse apóstolo faz alusão a tais fatos. (As epístolas aos 
Gálatas e aos Romanos são apresentadas como escritos em 
harmonia contra a totalidade da narrativa de Atos, como 
também no que diz respeito à circuncisão de Timóteo e no que 
diz respeito aos votos que Paulo fez, no templo de Jerusalém 
—ver Atos 16:1-3 e 20:17-26), ações essas que nos parecem 
impossíveis pelo que sabemos de Paulo através de suas 
epístolas aos Gálatas e aos Romanos.
Esses problemas podem ser solucionados como segue: 1. Os 
trechos paulinos que parecem incandescentemente partidários 
foram escritos sob a pressão da controvérsia, e talvez Paulo 
nem sempre tivesse sido tão antijudaico, tão antilegal e tão 
anti-ritual como essas suas epístolas nos indicam; ou talvez 
tenha havido períodos em que ele demonstrou maior simpatia 
pelos caminhos antigos, o çpe, corretamente, seria apenas 
natural e humano. 2. Não ha razão alguma para pensarmos 
que Lucas precisava ter pleno conhecimento de todos os 
detalhes dos —primeiros anos— da vida cristã de Paulo. 
Ê óbvio que a narrativa lucana é apenas uma apre­
sentação parcial daqueles primeiros anos, onde se devem 
esperar alguns lapsos. No que tange às idéias doutrinárias que 
são tão importantes para Paulo, segundo transparece em suas 
epístolas, mas que não são intensamente mencionadas no livro 
de Atos, especialmente no que concerne à morte de Cristo, que 
é fato central nos escritos desse apóstolo, mas que usualmente 
é apresentada como horrendo crime, no livro de Atos, sem que 
apareça a idéia do desígnio divino em toda essa ocorrência. 
Pode-se responder que se por um lado Paulo enfatizou o papel 
divino muito mais do que aparece no livro de Atos, contudo, 
tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos contêm esse 
conceito, segundo se vê demonstrado nas seguintes passa­
gens: em Luc. 22:19,20, onde se lê sobre a instituição da Ceia 
do Senhor e que pronuncia claramente esse tema; em Luc. 
24:44-47, que alude às profecias do A.T., todas frisando o 
papel do Messias sofredor, que traria a remissão dos pecados
4 ATOS
aos homens, por meio de sua paixão na cruz; e Atos 2:23,27, 
que mostra que os sofrimentos de Cristo haviam sido 
adredemente determinados por Deus, pois através deles é que 
receberíamos a redenção, das mãos do Messias. Ver também o 
trecho de Atos 20:28, onde esse tema é expresso nos termos 
mais definidos possíveis.
Eduard Meyer (Ursprung und Anfange des Christentums, 
Berlim: J. G. Cotta, 1921-1923), levanta objeção, em sua obra 
de três volumes, àquilo que ele denomina de objeções 
arbitrárias e de métodos arbitrários dos teólogos, que 
requerem uma abordagem completa e harmoniosa, em todos os 
assuntos, por parte de Lucas e de Paulo, meramente porque 
esses dois homens de Deus viajaram juntos. A verdade é que 
cada um desses autores sagrados se utilizou de seu próprio 
método de expressão, enfatizando certos particulares diferen­
tes um do outro, sendo fácil para nós encontrarmos pontos de 
vista em aparente contradição; contudo, dificilmente isso pode 
ser contrário à conclusão de que esses dois homens se 
conheciam bem um ao outro.
★ ★ ★
Os antigos defendiam a autoria e a autoridade lucana da 
obra Lucas-Atos, segundo se vê nas seguintes fontes 
históricas:
1. Eusébio (testemunho e comentário na sua História 
Eclesiástica iii.25). 2. Epístola das igrejas de Lyons e Viena às 
igrejas da Ásia Menor e da Frigia, de 177 d.C., segundo é 
citada por Eusébio, em sua História Eclesiástica v.2. 3. Irineu 
(Contra as Heresias iii., cap. 14). 4. Clemente de Alexandria, 
em 200 d.C. (Strom. v.12). 5. Tertuliano, em 150 d.C. (De 
baptismo, cap. 10, vol. 12; De jejuniis, cap. 10, vol. 12; 
Adv. Marnio. lib. v. §2 e iv. 2). 6. Orígenes, citado por 
Eusébio (História Eclesiástica vi.26). 7. Jerônimo, Vir. ilustr. 
7). 8. Cânon Muratoriano, do fim do século segundo de nossa 
era, que alista o livro de Atos como canônico, de autoria 
lucana. (O cânon muratoriano era uma lista de livros do N.T., 
que eram reputados autorizados, usados e lidos na adoração 
pública da igreja. Evidentemente foi traduzido para o latim, 
com base num original grego. Reflete os usos da igreja cristã de 
Roma em cerca de 200 d. C e pode ter sido escrito por Vítor, de 
Roma. O nome desse cânon se deriva do erudito italiano que o 
descobriu na biblioteca ambrosiana, em Milão, e o publicou em 
1740, como exemplar de latim bárbaro).
A secção do fragmento muratoriano confirma a autoria 
lucana do evangelho de Lucas e do livro de Atos como segue: 
«O terceiro livro do evangelho, segundo Lucas, aquele médico 
que após a ascensão de Cristo se tornou devoto auxiliar de 
Paulo, que o tomara consigo (ou talvez como ‘companheiro de 
viagens’), foi composto por ele, em seu próprio nome, por 
informes recebidos de terceiros.No entanto, ele mesmo não viu 
ao Senhor na carne, pelo que também (?.) conforme podia 
seguir, assim ele registrou (?), começando a falar desde a 
natividade de João. Mas os Atos de todos os apóstolos foram 
escritos em um livro. Lucas compilou, para o ‘excelentíssimo 
Teófilo’, os diversos acontecimentos ocorridos em sua 
presença, conforme ele claramente revela mediante a omissão 
da morte de Pedro e da partida de Paulo da cidade, quando 
viajou para a Espanha». (Fragmento muratoriano, linhas 2—8 
e 34-39, conforme traduzido por Morton Scott Enslin, que 
procurou reproduzir na tradução o latim deficiente em que o 
documento foi escrito).
A personagem de Lucas - Seu nome é contração de Lucano, 
tal como Silas o é de Silvano. Tal apelativo provavelmente 
significava, a princípio, alguém originário da Lucânia, lugar 
da baixa Itália, e vem de «luca bos», boi lucano, isto é, 
elefante, pois foi justamente na Lucânia que os romanos pela 
primeira vez puderam conhecer os elefantes, trazidos no 
exército de Pirro.
Lucas é mencionado por nome no trecho de File. 24, como 
cooperador de Paulo no trabalho missionário; em Col. 4:14, 
como o «médico amado»; em II Tim. 4:11 como o único que 
permanecera junto a Paulo, em seus sofrimentos e labores. 
Eusébio (História Eclesiástica iii.4) assevera que ele era 
natural da cidade de Antioquia. A tradição apresenta-o
como 
um—gentio —que falava o grego e a natjireza da 
composição da obra Lucas-Atos confirma ter-se tratado de 
indivíduo bem-educado, cuja língua nativa era o grego. As 
passagens «nós» (assim chamadas porque o autor sagrado 
passa a usar a primeira pessoa do plural) do livro de Atos 
mostram que Lucas acompanhou o apóstolo Paulo em algumas 
de suas mais importantes viagens, pelo que foi testemunha 
ocular de grande parte daquilo que ele mesmo narra nesse
livro, pois nessas oportunidades mui provavelmente fez parte 
do grupo de missionários viajantes. (Ver Atos 16:10-17; 
20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28-16).
Epifânio(.fíaer. 1.12, bispo de Constância ou Salames, 
capital de Chipre, eleito para o ofício em 367 d.C.) informa-nos 
que Lucas foi um dos setenta discípulos especiais que o Senhor 
Jesus enviara a ministrar pela Galiléia (ver o décimo capítulo 
do evangelho de Lucas). Mas é claro, conforme o prefácio do 
evangelho de Lucas, que o autor não fora testemunha ocular 
do ministério de Jesus, ainda que tenha tido contacto com 
muitas dessas testemunhas oculares, o que não podemos de 
forma alguma duvidar. Essa tradição, transmitida por 
Epifânio, provavelmente teve origem na circunstância de que 
somente o evangelho de Lucas registra esse ministério especial 
dos setenta discípulos de Jesus. Os conhecimentos que Lucas 
tinha do fato, entretanto, não fora adquirido em primeira mão, 
mas sem dúvida resultara de suas diversas pesquisas nessas 
questões que circundavam a vida e o ministério de Cristo 
Jesus e de seus apóstolos, às quais devemos muitos outros 
pormenores e narrativas sobre tais ocorrências, que os demais 
evangelhos nada registram.
Pelo livro de Atos aprendemos que ele se reuniu a Paulo, em 
Trôade "(Atos 16:10), tendo-o acompanhado em sua viagem a 
Roma. Com base nas epístolas desse apóstolo (ver II Tim. 
4:11), ficamos sabendo que ele permaneceu em companhia de 
Paulo, até mesmo após o seu primeiro encarceramento e 
soltura, e, evidentemente, até o tempo do martírio do grande 
apóstolo, em cerca de 67 d.C., após um segundo encarcera­
mento. Lucas não registrou tais acontecimentos para nós, e é 
possível que estivesse planejando um terceiro volume para 
completar a sua história, ou então, propositalmente, ignorou o 
fim negativo da carreira de Paulo, a fim de não entrar em 
antagonismo com as autoridades romanas, pois Roma, pelo 
tempo em que foi escrito o livro de Atos, já vinha perseguindo 
a igreja cristã. (Quanto a outras razões possíveis para o término 
abrupto mas otimista do livro de Atos, ver as notas 
expositivas referentes aos versículos finais desse livro).
A tradição cristã primitiva observa igualmente a fidelidade 
toda especial de Lucas ao apóstolo Paulo. Outras tradições 
existem que nos dizem que Lucas teve um longo ministério e 
finalmente faleceu na Boécia, na Grécia, com oitenta e quatro 
anos de idade. Outras tradições, ainda, indicam que ele morreu 
como mártir, algum tempo perto do fim do primeiro século de 
nossa era.
Os livros de Lucas —o evangelho de seu nome e o livro de 
Atos -mostram que ele era um grego bem-educado, dotado de 
considerável habilidade literária, porquanto as suas obras em 
nada ficam a perder para os escritos dos melhores 
historiadores gregos. Sua capacidade dramática, descritiva e 
de narração impressionou de tal modo o erudito francês, 
Ernest Renan, que este o chamava de um novo Homero 
(segundo citação de Sypherd, pág. 168). Um outro autor, 
Chase (págs. 185-186), também chamou a atenção para os 
quadros falados de Lucas, bem como para os seus episódios 
dramáticos. (Ver Wilbur O. Sypherd, The Literature of the 
English Bible, Nova Iorque, Oxford University Press, 1936; e 
The Bible and the Common Reader, por Mary Ellen Chave, 
Nova Iorque, Macmillan Co., 1952).
Pelas obras que escreveu, depreendemos que Lucas era 
homem humilde e disciplinado, que sempre preferiu manter-se 
em segundo plano, permitindo que o Senhor Jesus fulgurasse 
resplandecentemente, como também Pedro e Paulo, os maiores 
discípulos do Mestre. Entretanto, ele mostra um orgulho 
justificável em suas obras literárias, bem como nas pesquisas 
que fez para escrevê-las, porquanto, em seu prólogo ao 
evangelho de Lucas não hesita esse autor em afirmar que fizera 
um trabalho intensivo e completo de investigação, examinan­
do todas as questões que fazem parte da produção de seus 
livros, tendo transmitido até nós uma narrativa inteiramente 
fidedigna das cenas por ele descritas.
II. DATA, PROVENIÊNCIA, DESTINO
A. Data
A data aproximada da dupla obra Lucas-Atos pode ser 
melhor determinada mediante o exame mais do livro de Atos 
que mesmo do evangelho, porquanto, em Atos pelo menos 
podemos determinar, com alguma exatidão, certos aconteci­
mentos históricos, quanto à data em que ocorreram.
A data mais recuada possível é a de 60 d.C., por ser esse o 
tempo mais cedo em que Paulo poderia ter chegado a Roma. O 
livro de Atos não poderia ter sido escrito antes dos últimos
ATOS 5
incidentes ali registrados. Supondo-se que Lucas escreveu esse 
livro imediatamente depois do encarceramento de Paulo, então 
tal volume poderia ter sido escrito em cerca de 60 d.C. A data 
mais avançada possível é a de 150 d.C., quando Márciom fez 
uso bem definido do evangelho de Lucas, razão pela qual 
sabemos que o livro de Atos já existia por essa altura.
Entretanto, Lucas foi companheiro de viagens missionárias 
de Paulo, pelo que também não podia ser homem de idade 
muito diferente da do apóstolo. Não é muito provável, pois, 
que ele tivesse vivido para além do ano 100 d.C., e isso 
significa que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos 
devem ter sido escritos antes dessa data. Outrossim, não é 
razoável pensarmos que Lucas tivesse esperado por mais de 
trinta anos, antes de registrar as suas impressões, muitas das 
quais vividas como testemunha ocular.
Em favor daquela data mais remota, alguns eruditos, como 
Harnack, têm opinado que a data de 63-64 d.C. seria a correta, 
salientando o término abrupto do livro de Atos, o que nos 
deixa supor que Paulo ainda não fora mandado executar a 
mando do imperador Nero (em cerca de 67 d.C.), pois, se isso 
já tivesse ocorrido não se há de duvidar que Lucas teria 
registrado tão importante acontecimento. Outrossim, não é 
provável que o trecho de Atos 20:25,38, segundo alguns 
frisam, dissesse que Paulo não mais veria os seus amigos de 
Èfeso, se o autor sagrado tivesse sabido (com base nos 
acontecimentos subseqüentes) que de fato, ele tornou a 
encontrar-se com eles, conforme nos mostram as epístolas 
pastorais (I e II Timóteo e Tito).
Além disso, não há qualquer menção à destruição de 
Jerusalém (que ocorreu no ano 70 d.C.), e nem às perseguições 
movidas por Nero contra os cristãos. O livro de Atos termina 
com uma atitude de otimismo, narrando como Paulo 
continuou a pregar livremente em Roma, embora tolhido em 
seus movimentos, pois estava continuamente sob a custódia 
militar, encerrado em sua própria casa. Alguns estudiosos, 
pois, raciocinam que esse otimismo não teria sido possível se a 
perseguição imperial contra os cristãos já estivesse em 
processo há muitos anos.
A' maioria dos eruditos recentes, entretanto, concorda que 
uma data intermediária entre aqueles dois extremos, digamos 
70-75 d.C., é a que tem maiores probabilidades de estar certa, 
como data em que foi composta a obra Lucas-Atos. Mas, 
contrariando a opinião desses eruditos, expomos as seguintes 
razões, que nos obrigam a aceitar uma data anterior a essa, 
para os livros de Lucas-Atos:
1. O término abrupto do livro de Atos, que não faz qualquer 
menção à soltura de Paulo, ao seu encarceramento subseqüen­
te e à sua execução, talvez tenha tido por motivo o desejo de 
Lucas de evitar menção a tais ocorrências, a fim de não 
provocar o antagonismo das autoridades romanas, que já 
haviam talvez começado a perseguir a igreja cristã. Mencionar 
oficialmente e descrever os maus-tratos contra o principal 
campeão do cristianismo, que certamente teria exigido
um 
juízo negativo de alguma forma, talvez só provocasse o 
incremento da perseguição ao cristianismo. Contudo, alguns 
estudiosos têm pensado que talvez Lucas tivesse planejádo 
escrever um outro volume, narrando os acontecimentos 
subseqüentes, embora tal obra nunca tivesse sido concretiza­
da. Ainda outros intérpretes pensam ser possível que Lucas 
sabia que Teófilo, para quem a dupla obra, Lucas-Atos, foi 
escrita, além de outros indivíduos interessados, já estivessem 
bem familiarizados com os acontecimentos mais recentes da 
vida de Paulo, pelo que seria desnecessário um terceiro volume 
de narrativas, para quem já as conhecia a sobejo. Outrossim, o 
propósito do autor sagrado —mostrar que o cristianismo não 
era mero ramo herético do judaísmo, mas antes, marchara 
triunfalmente desde Jerusalém até Roma, pelo que merecia o 
respeito e o reconhecimento das autoridades romanas, tal 
como o judaísmo obtivera esse respeito e reconhecimento -e 
em nada ganharia se fosse narrado qualquer final negativo da 
vida do apóstolo Paulo. Para aqueles que preferem uma data 
posterior para a escrita de Lucas-Atos, por um outro autor que 
não Lucas, a explicação informativa, e não se aventurava a 
fazer qualquer adição de sua própria palavra.
2. O fato de que a destruição de Jerusalém não é aludida é 
mais difícil de explicar, por parte dos que preferem uma data 
posterior para a composição da obra Lucas-Atos. Porém, esse 
silêncio pode ter sido causado simplesmente porque o autor 
sagrado não chegara até àquela altura das ocorrências, em sua 
narrativa, e qualquer menção desse evento seria um
deslocamento cronológico, um anacronismo. Outrossim, o 
evangelho de Lucas (escrito antes do livro de Atos parece fazer 
alguma alusão distante à destruição de Jerusalém. Isso pode 
significar que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos 
foram escritos depois de 70 d.C. (Quanto a outras informações 
sobre isso, ver a introdução ao evangelho de Lucas, sob o título 
«Data»). As passagens de Luc. 19:43,44 e 21:20-24 sugerem 
fortemente que o autor sagrado, quando registrou os 
acontecimentos ali narrados, sabia que a melancólica predição 
de Jesus já tivera cumprimento. (Note-^“e, igualmente, a 
predição de Jesus sobre o anticristo, em Marc. 13:14 —que 
aparece como exércitos a cercarem Jerusalém, se assemelhan­
do à indicação de que o autor desse evangelho tinha 
conhecimento que essa ocorrência já jazia no passado).
Não querendo ser parciais, em favor de um ponto de vista, 
oferecemos abaixo as evidências positivas que favorecem uma 
data intermediária para a composição da dupla obra 
Lucas-Atos:
1. O conhecimento de que a predição de Jesus se cumprira 
(acerca da destruição de Jerusalém), segundo se subentende 
pela leitura, especialmente do evangelho de Lucas, serve de 
evidência positiva de que essa obra foi escrita após o ano 70 
d.C. (Ver dois parágrafos acima).
2. A primeira Epistola de Clemente indica que por aquele 
tempo (corria o ano de 95 d.C.) já se fizera uma coletânea 
preliminar das epístolas do apóstolo Paulo, as quais eram 
encaradas pela igreja cristã como dotadas de autoridade 
espiritual, isto é, haviam alcançado posição canônica. Se 
Lucas tivesse escrito após esse tempo, mui provavelmente 
teria feito várias referências ou citações a essas epístolas. Não 
obstante, tais referências ou citações mostram-se completa­
mente ausentes no livro de Atos. (Ver a secção V sobre essa 
questão).
3. A dupla obra, Lucas-Atos, diferentemente do evangelho 
de João, não reflete as primitivas controvérsias dos cristãos 
com os gnósticos, conforme seria de esperar. Dessa maneira, a 
obra de Lucas foi escrita antes de ter florescido essa 
controvérsia, que surgiu nos fins do primeiro século da era 
cristã e nos princípios do segundo século. (Alguns estudiosos 
encaram o trecho de Atos 20:29,30 como exceção a essa 
declaração; porém, o que lemos nessa passagem tem natureza 
extremamente geral, e pode não ter essa aplicação de forma 
alguma).
4. O ecumenismo que transparece na obra Lucas-Atos 
parece também refletir uma data intermediária entre 60 e 150 
d.C. Em outras palavras, a visão clara sobre a missão de 
âmbito mundial, por parte da igreja cristã, parece refletir uma 
época mais avançada. Por conseguinte, uma data posterior a 
67d.C., mas anterior a 90 d.C., parece ser a mais acertada 
conforme os pontos (2) e (3), acima, nos indicam.
5. Alguns eruditos pensam haver certa dependência do 
evangelho de Lucas aos escritos de Josefo (o qual escreveu de­
pois de 90 d.C.); mas essa idéia não tem sido bem recebida por 
parte da maioria dos estudiosos.
6. Não é razoável pensarmos que Lucas, tendo sido 
companheiro de viagens de Paulo, tivesse esperado por mais 
de trinta anos, antes de encetar a sua grande obra histórica. 
Considerando-se todos os fatores, portanto, conclui-se que 
Lucas escreveu entre os anos de 70- 85 d.C. O evangelho de 
Lucas, por conseguinte, também se encaixa bem dentro desse 
período.
B. Proveniência
Não temos maneira certa e segura para afirmar onde o livro 
de Atos foi escrito (especialmente certas porções, em que o 
autor sagrado passa a usar a primeira pessoa do plural, 
descrevendo cenas das quais Lucas participara pessoalmente, 
isto é, Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28:16. Poderiam 
ter sido extraídas de um diário conservado por Lucas, mais 
tarde incorporado no livro de Atos). Pois a narrativa poderia 
ter sido escrita em diversos lugares ao redor do mundo 
mediterrâneo. Porém isso não solucionaria o problema do 
local onde a obra foi composta e editada. Desde os tempos 
de Jerônimo, a tradição favorece Roma como esse local; mas 
provavelmente isso se deve à circunstância de que é nesse 
ponto que a narrativa do livro de Atos nos deixa, 
subentendendo-se que Lucas acompanhou o apóstolo Paulo 
até ali. Há, igualmente, uma outra consideração que favorece 
essa tradição, a saber, que o autor parece ansioso por mostrar 
a expansão da igreja de Cristo desde Jerusalém até Rõma, isto 
é, a universalidade do cristianismo. Se ele estivesse vivendo
6 ATOS
então em Roma, essa teria sido um atitude perfeitamente 
compreensível. Além disso, o próprio livro de Atos salienta a 
reação favorável de muitos oficiais romanos para com os 
primeiros missionários cristãos, porquanto, na realidade, se 
dirigia a um membro da aristocracia romana.
Mas outros estudiosos têm sugerido Antioquia como lugar 
da composição e edição da obra Lucas-Atos, sobretudo porque 
há uma tradição que faz menção dessa cidade como terra natal 
do autor sagrado, além do interesse especial desse autor por 
essa cidade (ver Atos 18:24,26; 19:17-38). Porém, ambas essas 
condições poderiam existir nesse livro sem que Antioquia 
tivesse sido o lugar de sua compilação. Por falta de uma 
melhor idéia, Roma tem permanecido como melhor alternati­
va, pelo menos para o livro de Atos, ainda, que isso não se 
aplique, necessariamente, ao evangelho de Lucas.
C. Destino
O livro de Atos, tal como o evangelho de Lucas, foi escrito 
para um oficial romano de nome Teófilo (ver as notas 
expositivas sobre Atos 1:1). Por conseguinte, o livro foi 
enviado a um membro da aristocracia romana, que mui 
provavelmente residia em Roma. Foi escrito esse livro com a 
finalidade de apresentar a esse oficial, e a outras pessoas 
interessadas, uma defesa do cristianismo - não se tratava de 
um ramo herético do judaísmo, não era uma organização 
política, contrária ao estado romano. Segundo parece, não foi 
obra dirigida principalmente às comunidades cristãs, confor­
me sucede ao resto do Novo Testamento, mas antes, visava 
circular entre os lançamentos literários da época, para 
benefício do público leitor gentílico, visando os propósitos 
descritos acima. Pelo menos parcialmente, trata-se, pois, de 
uma apologia apresentada ao mundo gentílico pagão, 
sobretudo à aristocracia romana. Não é por isso, contudo, que 
haveríamos de eliminar o livro de Atos da lista das obras 
sagradas dirigidas à igreja cristã universal, como se não
tencionasse explicar aos cristãos as origens e os primeiros 
desenvolvimentos do cristianismo, que emprestavam validade 
à sua missão de âmbito universal.
III. CARÁTER LITERÁRIO
«Os Atos dos Apóstolos eleva-se bem alto como obra 
literária. Possui o mesmo brilho, o mesmo calor, a mesma 
ternura e o mesmo entusiasmo que se encontram como grandes 
características do evangelho de Lucas. O autor demonstra 
soberba habilidade na apresentação dos episódios dramáticos: 
as ocorrências do tempo do Pentecoste (Atos 2:1-41), a 
carreira de Filipe lado a lado com a carruagem do eunuco 
etíope (Atos 8:26-39), a conversão de Paulo (Atos 9:1-9) e o 
naufrágio de Paulo (Atos 27:14-44). Outrossim, há muitos 
retratos notabilíssimos de pessoas interessantes: o ousado e 
confiante Pedro, o astuto e oportunista Simão Mago, o 
enganador Ananias, e o erudito e zeloso Paulo. A narrativa 
prossegue suave e logicamente, de acordo com um plano 
adredemente traçado: o avanço do evangelho, desde Jerusa­
lém, até lugares os mais distantes.
As habilidades dramáticas, descritivas e de narração de 
Lucas impressionaram de tal maneira a Ernest Renan que ele 
intitulou o autor do livro de Atos de um novo Homero.
Como narrador exato, Lucas se compara favoravelmente 
com Heródoto, Xenofonte, Josefo, Tito Lívio e Tácito; em 
questões como costumes, geografia e topografia, gue podem 
ser averiguadas pela pesquisa histórica e arqueológica, o livro 
de Atos se tem mostrado extraordinariamente digno de 
confiança... Uma comparação do livro de Atos, de Lucas, com 
os ‘Atos’ apócrifos de diversos personagens da igreja, escritos 
no segundo século d.C., revela que estes últimos são meros 
romances, ao passo que o volume de Lucas é uma história 
séria». (Buckner B. Trawick, «The New Testament as 
Literature», Barnes and Noble, College Outline Series, 1964).
«A exatidão histórica da narrativa de Lucas tem sido 
amplamente confirmada pelas descobertas da arqueologia. 
Apesar de haver em sua obra interesses apologéticos e 
teológicos, essas coisas em nada diminuem a sua detalhada 
exatidão, embora tais interesses controlem a sua seleção dos 
fatos a serem apresentados. Lucas encaixa a narrativa dentro 
do arcabouço da história contemporânea; suas páginas estão 
repletas de referências a magistrados das cidades, a 
governadores das províncias, a reis vassalos e outros vultos 
semelhantes. Essas alusões, vez após vez mostram-se 
exatamente apropriadas para o local e o período de tempo em 
foco. Com um mínimo de palavras ele transmite a verdadeira 
cor local de cidades que diferiam tanto entre si, mencionadas
em sua narrativa. A sua descrição sobre a viagem de Paulo 
(vigésimo sétimo capitulo do livro de Atos) até o dia de hoje 
permanece como um dos mais importantes documentos sobre a 
vida marinha antiga». (The New Bible Dictionary: Grand 
Rapids, Michigan, Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1962, pág. 
11) .
O estilo de Lucas é superior ao dos autores dos evangelhos 
sinópticos. Ele não titubeia em polir, adornar e modificar de 
qualquer outro modo a linguagem utilizada no evangelho de 
Marcos (que Lucas usou como esboço básico, em seu 
evangelho). Essa mesma linguagem estilizada se evidencia no 
livro de Atos, com exceção de algumas secções, tais como as 
que falam sobre o dom do Espírito Santo, a conversão de 
Cornélio, a história de Filipe, o evangelista, onde se destaca o 
estilo mais tipicamente arcaico e redundante dos documentos 
escritos em hebraico. Mui provavelmente isso reflete as fontes 
informativas das quais ele tomou por empréstimo o seu 
material histórico, e onde ele quase não fez revisões literárias, 
permitindo que transpareça o sabor hebraico original. Outros 
trechos, como o que alude ao comparecimento de Paulo no 
areópago, são verdadeiramente vazados em grego, pratica­
mente clássicos em sua tonalidade, sempre no melhor estilo do 
grego «koiné» literário. Por conseguinte, o estilo de Lucas 
demonstra variações, dependendo da fonte informativa que 
usava no momento, conforme também observou H.H. 
Moulton: «Ele (Lucas), firma o seu estilo na fraseologia bíblica, 
extraída do A.T. grego, enquanto a sua narrativa se 
desenvolve em solo palestino, onde quem falava obviamente 
usava um grego que para eles era um idioma estrangeiro, ao 
passo que se afasta instintivamente desse estilo, quando o 
assunto o afasta das terras e do povo bíblico». (A Grammar 
of New Testament Greek, Edinburgh: T. and T. Clark, 1919,
II, págs. 7-8).
No tocante ao grego «koiné» empregado por Lucas em sua 
dupla obra, Lucas-Atos, podemos tecer as seguintes 
considerações:
Lucas, o médico amado (ver Col. 4:14), demonstrou 
considerável aptidão como escritor na língua grega. Suas 
peças literárias exibiram maior versatilidade do que qualquer 
outra obra do N.T. Seu prefácio, elaboradamente redigido 
para o evangelho (ver Luc. 1:14), pode ser comparado 
favoravelmente com os prefácios de famosos historiadores 
gregos, como Heródoto e Tucídides. Lucas demonstra possuir 
sólida cultura ao usar um grande e bem escolhido vocabulário. 
Seus dois livros contêm cerca de setecentos e cinqüenta 
vocábulos que não se encontram em nenhuma outra parte do 
N.T., e isso é uma grande proporção, considerando-se que o 
vocabulário total do N.T. é de apenas cerca de cinco mil 
palavras. O pensamento freqüentemente repetido de que o 
seu vocabulário exibe um vocabulário «médico» especial não 
tem sido bem recebido pela maioria dos eruditos modernos, 
mas pelo menos essas palavras indicam uma boa educação e 
uma sólida cultura. Todavia, é definidamente verdadeiro que a 
sua posição como médico e os seus conhecimentos da medicina 
deixaram traços que se destacam no evangelho de Lucas e no 
livro de Atos. (Ver Luc. 4:38, em comparação com Mat. 8:14 e 
Marc. 1:30, onde Lucas dá uma descrição mais exata sobre a 
«febre alta»; outro tanto se verifica com respeito a Luc. 5:12, 
em contraste com Mat. 8:2 e Marc. 1:40, onde Lucas diz que o 
homem estava «coberto de lepra»),
Lucas emprega o modo optativo por vinte e oito vezes, 
embora esse modo já tivesse quase desaparecido no grego 
koiné de seus dias, e não figure nos escritos de Mateus, João, 
Tiago e no livro de Apocalipse. Seu emprego do idioma grego é 
muito diferente do grego de Políbio, Dioscórides e Josefo. Os 
autores dotados de boa cultüra não apreciavam palavras 
estrangeiras de som estranho, e Lucas exibiu essa aversão. 
Assim é que ele omite palavras tais como «Boanerges», 
conforme se vê no/evangelho de Marcos, além de muitas 
palavras distintamente aramaicas, como «Hosana», «Getsê- 
mani», «abba», «Gólgota» e «Eloi, Eloi, lama sabachthani». 
Ao invés do vocábulo aramaico rabi, que aparece por dezesseis 
vezes nos demais evangelhos, ele usa a palavra distintamente 
grega de mestre. Não obstante, Lucas não reescreveu 
completamente as narrativas de Marcos e de outras fontes 
menos literárias que usou, e nessas secções encontramos 
influências de expressões aramaicas, bem como outros 
elementos indesejáveis do ponto de vista literário. Por 
conseguinte, podem ser vistos dois níveis de qualidade. Por 
exemplo, no livro de Atos, a primeira porção do livro, que diz 
respeito a situações e testemunhos palestinos, pode-se
ATOS 7
observar um grego menos culto, que algumas vezes contém 
semitismos claríssimos. A última parte do livro, porém, que 
foi escrita acerca de situações totalmente gentílicas, foi vazada 
em um grego «koiné» muito mais elegante.
Classificação do Tipo Literário'.
O volume de Lucas-Atos não pode ser classificado como 
simples biografia, paralelamente a outras obras antigas, como 
Vidas Paralelas , de Plutarco, Vidas dos Césares, de Suetônio, 
ou Agrícola, de Tácito. Tanto o evangelho de Lucas como o 
livro de Atos, embora incorporem características como 
biografias, ultrapassam esse simples plano. Por semelhante 
modo, essa obra lucana não pode ser reputada como uma 
«história», apesar do caráter definitivamente histórico desses 
documentos, pois, apesar de serem uma história séria, contudo 
são
muito mais do que isso. Lucas não procurou apresentar 
coisa alguma similar a uma completa descrição de seus 
personagens, e nem tentou expor um delineamento histórico 
de sua época, nem ao menos no que tange aos personagens ali 
descritos. Tais personagens passam pelas páginas dessa dupla 
obra lucana mais como atores de um drama do que objetos de 
uma biografia formal. Naturalmente o livro de Atos consiste 
mais em história formal do que o evangelho de Lucas, mas até 
mesmo ali apenas trinta anos de acontecimentos são cobertos, 
e o assunto se limita mais ainda em seu escopo do que se veria 
nas modernas histórias. Naturalmente isso não nega que 
dentro das páginas do livro de Atos encontramos grande 
volume de história contemporânea valiosa, que não se pode 
encontrar em qualquer outra fonte histórica.
A verdade, entretanto, é que tanto o evangelho de Lucas 
como o livro de Atos fazem parte da apologética cristã, eivada 
de interesses cristãos tradicionais, o que faz dessas obras mais 
tratados do que mesmo histórias. Ã parte dessas característi­
cas, há uma outra particularidade que distingue o livro de 
Atos dos evangelhos, biografias e histórias — é seu sabor 
«popular», no sentido de que não somente a obra foi escrita 
para as massas (o que, no caso do livro de Atos é menos óbvio 
do que nos evangelhos de Mateus e Marcos, por exemplo), mas 
também no sentido de que se desenvolveram com base na vida 
comum, «popular», da igreja cristã, como representantes 
dessa comunidade e de quaisquer de seus interesses.
Pode-se perceber, portanto, que o evangelho de Lucas (como 
também os demais evangelhos) e o livro de Atos realmente 
criaram uma nova forma literária, devendo ser classificados 
como um grupo literário à parte. Os evangelhos e Atos 
apócrifos copiaram esse novo estilo literário, dando-nos outros 
documentos dessa natureza, posto que espúrios.
IV. TEXTO GREGO DO LIVRO DE ATOS
Não existe outro livro, em todo o N.T., que exiba tão 
numerosas e importantes variantes, nos manuscritos gregos 
existentes, bem como nas versões, como o livro de Atos dos 
Apóstolos. Podem-se distinguir dois niveisdiferentes de texto:
1. O chamado texto neutro (conforme se acha nos 
manuscritos papiros A, B, Aleph, versões Vulgata, Peshitta 
siríaca e nos escritos dos pais gregos da igreja Clemente de 
Alexandria, Orígenes e Crisóstomo), também denominado 
«alexandrino» (por não ser demonstração de preferências e 
aberrações «locais», o que explica o seu apodo «neutro» ou 
«alexandrino», porque preserva a tradição alexandrina, que 
geralmente é reconhecida como «mais» original do que as 
demais tradições). O termo que mais se tem preferido, para 
indicar esse tipo de texto, é «alexandrino», apesar de «neutro» 
ser a designação mais antiga.
2. O texto ocidental (que inclui o códex D, as antigas 
versões latinas e siríacas, e citações feitas pelos pais ocidentais 
da igreja, como Irineu, Tertuliano, Cipriano e Agostinho, o 
qual representa um texto mais longo, com variantes nas 
seguintes passagens: Atos 1:2,5; 4:18; 5:15,18,39; 6:10; 7:24; 
8:24,37,39; 9:4,5,7,8; 10:25; 11:2,17,27,28; 12:10,23; 13:33,43; 
14:2,7; 15:2,5,20; 16:4,35,39; 17:15; 18:21,27; 19:1;9,15; 
21:16,25; 23:15,23,24,27; 24:6-8,10,24,27; 25:24,25; 27:1; 
28:16,19,29,31).
Essas variantes (que não aparecem no tipo de texto 
«neutro» e que podem ser examinadas nas referências dadas no 
parágrafo acima, são tão numerosas que alguns eruditos têm 
pensado que o livro original de Atos circulou em duas edições
- talvez ambas as edições lançadas por Lucas, ou uma como 
edição posterior à outra. Nesse caso, os estudiosos têm 
defendido o tipo de texto «alexandrino» como o mais 
primitivo, mas outros têm dado suas preferências ao tipo de 
texto «ocidental». Friedrick Wilhelm Blass era de opinião que
a versão original de Lucas se assemelhava mais ao tipo de 
texto «ocidental», e que uma edição do mesmo, apos ter 
passado pelas mãos da comunidade cristã de Roma, circulou 
francamente a partir daquele centro. Porém, Lucas teria 
enviado igualmente uma outra versão, revisada por ele 
mesmo, um tanto mais breve, a qual seria a versão 
«alexandrina», que esse autor designou como «alfa». As 
outras versões ele chamou de «beta» e «ocidental». (Ver Acta).
Essa teoria, entretanto, não tem sido bem acolhida pelos 
críticos textuais. Pois não é muito provável que um autor 
fizesse a revisão de seu livro, reduzindo as suas informações 
históricas, eliminando importantes descrições ou incidentes 
interessantes. O ponto de vista defendido pela maioria dos 
críticos modernos, portanto, é que a edição «ocidental» do 
livro de Atos na realidade é o tipo «neutro» revisado, corrigido 
e expandido por algum escritor de tempos bem remotos, ou por 
editores que possuíam conhecimento específico de elementos 
geográficos ou outros, que circundam os acontecimentos ali 
descritos. Parte dessa revisão «ocidental» visa efeitos de 
harmonização, como se vê em Atos 9:5,6 (uma expansão do 
texto comum), e foi tomada de empréstimo do trecho de Atos 
22:10; como também as passagens de Atos 26:14 e 13:33, que 
são a simples adição da citação baseada em Sal. 2:7,8. O 
trecho de Atos 18:27 pode ter sido um empréstimo feito da 
passagem de I Cor. 16:12. Outras adições visam conferir maior 
exatidão quanto às questões de tempos e datas, como Atos 
1:5, sobre o Pentecoste; Atos 5:21, que fala em «levantando-se 
cedo» e Atos 12:1, que diz «que pertenciam à igreja na 
Judéia». Mas há variantes que parecem ter sido feitas por 
motivo de mera alteração de estilo. Essas formas de variantes 
subentendem que a revisão «alexandrina» do texto é a mais 
primitiva.
O texto chamado ocidental, apesar de ocupar posição 
secundária, na realidade fornece-nos algumas informações 
históricas autênticas, muito interessantes, como os «sete 
degraus», em Atos 12:10; ou como os prisioneiros de 
«Trogílio», em Atos 20:15 («Trogílio» era uma localização 
geográfica) que foram entregues pelo centurião ao «stratope- 
darch» (ver Atos 28:16; ver as notas expositivas em todos 
esses versículos citados).
V. CONTACTOS E INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS
Apesar de que, em termos gerais, o livro de Atos pode ser 
perfeitamente encaixado dentro de uma cronologia histórica, 
paralelamente às epístolas do apóstolo Paulo, a maioria dos 
estudiosos modernos tem pronunciado a idéia de que o livro de 
Atos de modo algum dependeu dessas epístolas, pois Lucas 
não as teria usado ao escrever o mesmo. É natural que ele 
soubesse muitas coisas a respeito dessas epístolas, e, como é 
óbvio, conhecia as condições de muitas igrejas que são 
igualmente descritas nas epístolas paulinas. Porém, a menos 
que ele tivesse ignorado propositalmente muitas coisas 
escritas nessas epístolas, parece não haver dúvida de que 
Lucas não lançou mão delas, como fonte informativa, em 
qualquer sentido, ao compilar material histórico para o seu 
volume de Atos.
Baseados em várias referências históricas, sabemos que as 
epístolas de Paulo (pelo menos algumas delas) já tinham 
alçado a um posição canônina ou quase-canônica pelos fins do 
primeiro séc. da era cristã. Geralmente se pensa, por exemplo, 
que a primeira epístola de Clemente fornece-nos provas deque 
as epístolas do apóstolo Paulo já circulavam amplamente, pelo 
menos em Roma e que já se fizera uma coletânea das mesmas. 
No entanto, o livro de Atos não mostra qualquer evidência de 
que punha confiança no mesmo, o que provavelmente teria 
sido feito se porventura houvesse sido escrito depois do ano 90 
d.C. Essa é uma das razões pelas quais os estudiosos preferem 
datar o livro de Atos antes desse tempo. (Quanto a uma 
discussão sobre a data provável da escrita do livro de Atos, 
ver a parte II desta introdução). Se o livro de Atos tivesse 
dependido das epístolas de Paulo, então poderíamos esperar 
encontrar citações e reflexos verbais das mesmas, mas tudo 
isso se faz surpreendentemente ausente. Outrossim, o retrato 
falado que Lucas traça de Paulo é extremamente diferente 
daquele que obtemos da
parte do próprio Paulo, sobretudo nas 
tendências paulinas mais radicalmente antijudaicas e 
antilegalistas, que se fazem notoriamente ausentes no livro de 
Atos.
Um exame que se faça nas epístolas mais clássicas de Paulo
— Romanos, I e I I , Coríntios e Gálatas—, que ninguém 
duvida terem sido da lavra desse apóstolo, não revela (quando
8 ATOS
as comparamos com o livro de Atos) que Lucas tivesse 
dependido das mesmas, ou que as tivesse utilizado em 
qualquer sentido. No livro de Atos, a cidade de Roma parece 
ser o alvo final de Paulo, provavelmente por causa do interesse 
demonstrado pelo autor sagrado em mostrar como o evangelho 
se propagara desde Jerusalém até Roma, assim conquistando 
e mostrando-se triunfal por todo o mundo, atingindo a mais 
importante capital de seu tempo. No entanto, na epistola aos 
Romanos, vemos que o apóstolo Paulo meramente tencionava 
passar pela capital, a caminho da Espanha, fato esse que de 
forma alguma aparece na narrativa do livro de Atos. Nem 
podemos descobrir neste último que Lucas exibisse qualquer 
conhecimento que já existisse na capital do império uma 
grande igreja cristã, que não era fruto do trabalho de Paulo, 
existência essa que se depreende facilmente da leitura da 
epistola aos Romanos. Pelo contrário, o livro de Atos deixa 
essa questão de lado, como se em Roma já não existisse uma 
punjante igreja cristã, quando Paulo ali chegou prisioneiro.
A primeira e a segunda epístolas aos Corintios nos dão 
muitos nomes de indivíduos que residiam em Corinto, como 
também nos fornecem informações sobre diversas facções e 
dificuldades naquela comunidade cristã, embora o livro de 
Atos coisa alguma nos revele a respeito. A primeira epístola 
aos Corintios também menciona algumas ocorrências impor­
tantes da vida de Paulo, como a sua luta contra as feras de 
Êfeso (I Cor. 15:32; essa primeira epístola aos Corintios foi 
escrita de Êfeso), ao passo que o livro de Atos nada nos 
adianta sobre esse particular. Mui provavelmente, aconteci­
mentos tão notáveis, se fossem do conhecimento do autor 
sagrado, mediante o seu contacto com as epístolas paulinas, 
teriam sido inclusos na narrativa do livro de Atos. Outras 
expressões das severas provações experimentadas pelo 
apóstolo Paulo, em II Cor. 1:8, também teriam sido incluídas 
na história do livro de Atos, se Lucas tivesse contado com as 
epístolas de Paulo quando escreveu esse livro.
Mas é em confronto com a epístola de Paulo aos Gálatas que 
se podem perceber as diferenças mais violentas, entre os 
escritos de Paulo e o livro de Atos. Por exemplo, na narrativa 
das atividades de Paulo após a sua conversão, especialmente 
no que diz respeito às suas visitas a Roma e à questão de sua 
conferência com os outros apóstolos, tudo aparece de modo 
diverso, entre o primeiro capitulo da epístola aos Gálatas e as 
passagens do livro de Atos que narram os mesmos eventos, a 
saber, Atos 9:20-29; 15:1-29. (Comparar essas passagens com 
Gál. 1:15 - 2:10). Parece impossível que Lucas, se tivera 
oportunidade de ler a epístola aos Gálatas, tivesse apresenta­
do outro arranjo e apresentação do material, do que se 
encontra nessa epístola, onde Paulo conta pessoalmente quais 
os seus primeiros passos na carreira cristã.
Ora, tudo isso nos conduz a diversas importantíssimas 
conclusões, a saber:
1. A despeito do fato de que Lucas não dependeu das 
epístolas de Paulo ao escrever o livro de Atos, e a despeito de 
algumas aparentes discrepâncias assim criadas, contudo.de 
maneira geral, essas obras concordam entre si. Isso confirma a 
exatidão histórica geral de ambas, pois, embora tivessem sido 
escritas independentemente umas das outras, narram essen­
cialmente a mesma história.
2. 0 fato de que Lucas não dependeu das epístolas de Paulo 
confirma uma data relativamente remota para sua composi­
ção, certamente antes ao ano 90 d.C., e provavelmente entre 
75 e 85 d.C.
3. De forma indireta, tudo isso confirma a autoria lucana do 
livro de Atos, porquanto um escritor que chegasse à cena mais 
tarde, e que desejasse escrever uma obra como o livro de Atos, 
certamente teria procurado fontes informativas onde lhe fosse 
possível encontrá-las, e sem dúvida ter-se-ia valhido das 
epístolas do apóstolo Paulo, dependendo pesadamente delas. 
Mas Lucas, tendo sido testemunha oçular de grande parte dos 
acontecimentos por ele mesmo narrados, tendo dependido, por 
semelhante modo, de testemunhas oculares que haviam 
acompanhado o apóstolo em suas andanças, antes dele mesmo 
ter começado a acompanhá-lo em suas viagens missionárias 
(antes dò décimo sexto capítulo do livro de Atos), não precisou 
depender de tais fontes informativas. Pelo contrário, valeu-se 
daqueles documentos ou informações que foi recolhendo ao 
longo do caminho, como relatórios pessoais de outros 
apóstolos, do próprio Paulo, de sua própria memória e do 
conhecimento pessoal que tinha das ocorrências que ele 
descreve em seu livro de Atos.
No que tange à suposta dependência de Lucas aos escritos 
de Josefo, o grande historiador judeu, podemos considerar o 
seguinte: Alguns estudiosos, que favorecem uma data 
posterior para o evangelho de Lucas, bem como um outro 
autor para o livro de Atos, têm procurado demonstrar que o 
autor de Atos dependeu muito do historiador Josefo, na 
narração de vários episódios contados ali. Ora, posto que 
Josefo escreveu em cerca de 93 d.C., isso nos forçaria a aceitar 
uma data para o livro de Atos para pelo menos a partir dessa 
data em diante. Isso também indicaria que outro, e não Lucas, 
foi o autor do livro de Atos, porquanto é extremamente 
improvável que Lucas tivesse esperado tantos anos para 
compilar o seu evangelho. E verdade que testes lingüísticos 
elaborados indicam certa afinidade, no tocante ao vocabulá­
rio, entre os escritos de Lucas e de Josefo, mas isso pode ser 
facilmente explicado com base na suposição de que ambos 
usaram certa forma de grego «koiné» literário, dependendo 
bastante do estilo e do vocabulário do A.T. em hebraico, como 
também da versão LXX (Septuaginta) do A.T., em suas 
citações.
O trecho de Atos 5:36,37 (em que Gamaliel se refere às 
rebeliões encabeçadas por Teudas e Judas, o Galileu), segundo 
esses estudiosos, teria dependido de Josefo, o que faria Lucas 
tornar-se culpado de grosseiro anacronismo. Porém, apesar de 
que verdadeiramente há certas similaridades de expressão, 
não há razão alguma para supormos que Lucas interpretou 
Josefo erroneamente, registrando um acontecimento desloca­
do cronologicamente, de forma diversa do que de fato ocorreu. 
(Ver as notas expositivas sobre esse problema, em Atos 
5:36,37). Outra suposta dependência de Lucas a Josefo é 
quando de sua menção a Lisânias, o qual, em Lucas 1:3, 
aparece como tetrarca de Abilene, o que teve lugar no ano de 
28 d.C. Porém, o único Lisânias que sabe ter governado ali, 
morreu em 36 a.C. Não obstante, as pesquisas arqueológicas 
têm provido evidências (na forma de uma inscrição antiga) de 
que um certo Lisânias (e, portanto, um outro indivíduo do 
mesmo nome daquele que conhecíamos pela história profana) 
realmente recebeu o título de «tetrarca», tendo governado 
Abilene em algum período do primeiro século da era cristã, 
(Sobre essa questão, ver Josefo, Antiq. XX .7.1). (Ver também 
as notas expositivas referentes a Luc. 3:1).
Dessa maneira, as teses de alguns estudiosos, como Max 
Krendel, em «Josephus und Lukas», de que o autor da dupla 
obra Lucas-Atos dependeu pesadamente de Josefo, o 
historiador judeu, o que resultaria na aceitação de uma data 
posterior a 93. d.C. para essa obra, Lucas-Atos, além de uma 
autoria provavelmente não-lucana para a mesma, não têm 
podido ser bem aceitas, porquanto faltam-lhes provas 
palpáveis e conclusivas. Essa é a opinião adversa a sua tese, 
por parte da maioria dos eruditos modernos. (Assim diz 
Jackson, F.J.Foakes e LakeKirsopp,em sua obra Beginnings 
of Christianity, London: Macmillan Co., 1920-1933).
Os contactos literários de Lucas, por conseguinte, 
provavelmente se deram
todos dentro dos limites da primitiva 
igreja cristã, incluindo alguns registros escritos sobre 
ocorrências descritas em Atos antes do décimo sexto capítulo, 
registros esses que eram documentos estritos da comunidade 
cristã, que descreviam eventos do interesse da tradição cristã; 
Isso não significa, entretanto, que Lucas não tenha podido ou 
não tenha realmente usado material histórico proveniente de 
outras fontes, como quando ele menciona os reinados de 
monarcas, reis vassalos, governadores ou magistrados locais; 
mas tais documentos não são suficientemente óbvios e 
transparentes em Lucas-Atos para que se tornem identificá­
veis, ainda que, por acaso, o autor sagrado tenha se utilizado 
de alguns documentos com os quais estamos familiarizados 
hoje em dia.
VI. FONTES INFORMATIVAS
Alguns eruditos têm apresentado a hipótese de que somente 
as secções chamadas «nós» do livro de Atos (aquelas em que o 
autor desse livro passa a usar a primeira pessoa do plural, por 
ter participado pessoalmente dos fatos desenrolados) são 
composições originais do autor. Alguns desses eruditos dizem 
que essas porções são de autoria lucana, mas outros nem 
mesmo isso querem admitir (Essas secções são Atos 16:10-17; 
20:5-15; 21:1-18 e 27:1-28:16). Partindo desse ponto inicial, 
existem muitas conjecturas referentes à unidade, à autoria e às 
fontes informativas das demais secções do livro de Atos. A 
maioria desses estudiosos acredita que pelo menos essas 
secções foram escritas por um único autor; e a maioria dos
ATOS 9
eruditos modernos defende a idéia que o resto do livro de Atos 
foi escrito pelo mesmo autor, ou, pelo menos, foi compilado 
por ele. (Quanto a comentários sobre essa questão, ver Autor, 
nesta introdução).
No que concerne às fontes informativas usadas pelo autor do 
livro de Atos, aceita-se de modo quase universal (embora 
tenham surgido exceções notáveis) que a grande fonte 
informativa do mesmo, a partir do décimo sexto capítulo até o 
fim, tenha sido o testemunho ocular do próprio autor sagrado. 
Naturalmente a distinção e a separação entre as duas secções 
do livro (antes e a partir do seu décimo sexto capítulo) não são 
absolutas, porquanto a conversão de Paulo, personagem que 
passa a dominar as cenas da segunda metade do livro, é 
apresentada na primeira metade, no nono capítulo; e a 
narração sobre o concilio cristão de Jerusalém aparece no 
décimo quinto capítulo. Embora esse concilio tenha ocorrido 
antes da primeira viagem missionária de Paulo, no livro de 
Atos aparece como acontecimento posterior a essa viagem.
Todavia, a maior parte dos problemas referentes às fontes 
informativas do livro de Atos giram em torno dos capítulos 
primeiro a décimo quinto, isto é, antes das chamadas secções 
nós, as quais tiveram origem no relato do próprio autor, como 
testemunha ocular dos fatos. Parece que não podemos fazer 
nada melhor do que examinar alguns desses problemas, na 
esperança de aprendermos algo a respeito da verdade em tomo 
da questão, embora não possamos embalar a esperança de 
encontrar qualquer resultado perfeito nessa investigação.
C.H. Turner pensava que podia distinguir, no livro de Atos, 
seis niveis diferentes de fontes informativas, cada um dos 
quais representava alguma área geral do progresso no 
ministério do evangelho. O protagonista central dos três 
primeiros desses níveis seria Pedro e a figura principal dos três 
últimos seria Paulo. Dessa forma, o livro de Atos de dividiria 
em duas metades, de três secções cada uma. Seriam as 
seguintes:
1. A igreja cristã em Jerusalém. O trecho de Atos 6:7 
ofereceria o sumário desse progresso, onde se lê: «Crescia a 
palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o número 
dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam a 
lei».
2. A expansão da igreja cristã por toda a Palestina. O 
sumário dessa secção se acharia no trecho de Atos 9:31, que 
diz: «A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, 
Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do 
Senhor e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número».
3. A expansão da igreja cristã até Antioquia. O sumário 
desse nível seria Atos 12:24: «Entretanto, a palavra do Senhor 
crescia e se multiplicava».
4. A expansão da igreja cristã pela Ãsia Menor e pela 
Galácia. O sumário seria o trecho de Atos 16:5: «Assim as 
igrejas eram fortalecidas na fé, e aumentavam em número dia 
a dia».
5. A expansão da igreja cristã pela Europa. O sumário se 
encontraria em Atos 19:20, onde se lê: «Assim a palavra do 
Senhor crescia e prevalecia poderosamente».
6. A expansão da igreja cristã até Roma. O sumário desse 
último nível se acharia em Atos 28:31, que diz: «...pregando o 
reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento 
algum, ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo».
Por detrás dessas diversas °ecções poderíamos supor a 
existência de alguma fonte informativa, ou mesmo de diversas 
delas, algumas das quais na forma de testemunhas oculares 
entrevistadas por Lucas, ao passo que outras seriam tradições 
orais ou preservadas em forma escrita. Nas secções designadas 
«nós» (aquelas em que o autor passa a usar a primeira pessoa 
do plural, por ter participado pessoalmente das ocorrências 
narradas) mui provavelmente temos o reflexo de anotações 
diárias, feitas pelo autor sagrado, enquanto viajava. Isso 
significa que tais passagens nos transmitem a versão direta, 
em primeira mão, dos acontecimentos ali narrados, embora só 
tivessem sido incorporados no livro de Atos muitos anos mais 
tarde.
A maioria dos eruditos concorda atualmente que nem todo o 
material das secções intituladas nós representam o testemu­
nho real ocular do autor sagrado, porquanto ali também 
encontramos o uso da terceira pessoa do plural. No entanto, há 
sem dúvida alguma certa integridade e harmonia que indica 
que o mesmo autor foi quem escreveu todas essas porções, e, 
ao mesmo tempo, que foi ele a sua principal fonte informativa.
Por causa dos motivos acima aduzidos, os editores da obra
The Beginnings of Christianity (ver a referência na 
bibliografia) dizem: «De maneira geral pode-se asseverar que 
apesar de haver alguma diferença em estilo, entre os primeiros 
quinze capítulos do livro de Atos e a segunda metade desse 
livro, não há diferença nenhuma de estilo entre as secções ‘nós’ 
e a narrativa em que foram encaixadas». (Vol. II, pág. 158). A 
isso acrescenta G.H.C. Macgregor, autor da introdução ao 
livro de Atos na «Interpreter’s Bible». «Nem mesmo o 
conteúdo daquelas porções dos capítulos dezesseis a vinte e oi­
to, que estão fora das ‘secções nós’ representam qualquer 
obstáculo insuperável, no que diz respeito à suposição de que o 
diarista foi a fonte informativa do todo». Isso não significa, 
naturalmente, que o autor sagrado tivesse estado presente a 
observar cada pormenor daquilo que escreveu; porém quer 
dizer que essas porções estavam por detrás, essencialmente, 
do relatório de uma testemunha ocular,pois o todo de seu livro 
chegou ao seu conhecimento com base em fontes informativas 
imediatamente disponíveis a ele, acerca de acontecimentos 
contemporâneos.
Assim sendo, o autor das secções chamadas nós sem dúvida 
é igualmente o autor da primeira parte do livro de Atos 
(capítulos primeiro a décimo quinto); mas no caso dessas 
secções o autor sagrado foi testemunha ocular, como é óbvio, 
da maior parte dos acontecimentos. As variações de estilo 
confirmam a teoria que grande parte de seu trabalho, nesse 
caso, consistiu mais na obra de um editor e compilador, o que, 
em última análise, é o caso de todos os livros, com 
pouquíssimas exceções. O autor sagrado reuniu os seus 
próprios comentários, as suas elaborações, mas também 
partes dos quais foram copiados com pouca ou nenhuma 
variação. Por conseguinte, ele foi ao mesmo tempo autor e 
editor, como também compilador. As secções registradas com 
base em alguma fonte informativa oral ou escrita, que ele 
obteve, mui naturalmente teriam um estilo diferente do dele, 
quando registrada

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