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O NOVO TESTAMENTO INTERPRETADO VERSÍCULO POR VERSÍCULO por RussellNormanChamplin, Ph. D. Volume 3 ATOS ROMANOS ★★★ ★★★ ★★★ Direitos Reservados MAGNOS Editora Hagnos Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 Cidade Dutra - São Paulo - SP - CEP 04809-270 Copyright © 2002 por Editora Hágnos Coordenadora editorial: Marilene G. Terrengui Coordenador de produção: Mauro W. Terrengui 10a reimpressão - Dezembro de 1998 I a edição - Editora Hagnos - Janeiro de 2002 5000 exemplares Reimpressão - Outubro de 2003 - 3000 exemplares Reimpressão - Fevereiro de 2005 - 5000 exemplares Editoração, fotolito, impressão e acabamento: Imprensa da fé Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Champlin, Russell Norman, 1933 - O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo: Volume 3: Atos, Romanos / Russell Norman Champlin. São Paulo: Hagnos, 2002. 1. Bíblia N.T. - Crítica e interpretação I. Título 01-5625 CDD-225.6 índices para cátalogo sistemático: 1. Novo Testamento: Interpretação e crítica 225.6 ISBN 85-88234-32-7 Todos os direitos desta edição reservados à: Editora Hagnos Ltda Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 São Paulo - SP 04809-270 Tel/Fax: (XX I 1)5668-5668 E-mail: hagnos@hagnos.com.br www.hagnos.com.br mailto:hagnos@hagnos.com.br http://www.hagnos.com.br ATOS INTRODUÇÃO Conteúdo I. Autor II. Data, Proveniência e Destino III. Caráter Literário IV. Texto Grego do Livro de Atos V. Contactos e Influências Literárias VI. Fontes Informativas VII. Ênfase Apologético; Interesses e Propósitos Teológicos * O livro de Atos é a única história da igreja cristã em existência, escrita antes do século I II d.C. Bastaria esse fato isolado para que se reconhecesse universalmente o valor deste livro e não encará-lo como mero documento histórico. Sem o mesmo, ficaríamos virtualmente sem - qualquer registro histórico sobre o desenvolvimento inicial e a propagação do cristianismo primitivo, que o acompanha em sua rápida expansão desde a Palestina até partes distantes do mundo civilizado de então. Também é obra de grande valia na ajuda que nos presta para melhor entendermos as epístolas paulinas, que constituem uma porção avantajada do volume do Novo Testamento, posto que lhes provê valiosas informações de pano de fundo. Não obstante, o livro de Atos não encerra uma história completa de todo o movimento cristão do primeiro século de nossa era, porquanto cobre tão-somente um período de três décadas, isto é, de cerca de 33 a cerca de 63 d.C. Outrossim, se concentra sobretudo nos feitos de apenas dois dos apóstolos de Cristo: Pedro e Paulo. Cerca de metade do volume do livro se devota às atividades de Paulo, um terço às atividades de Pedro, e mais ou menos um sexto aos outros líderes cristãos primitivos de menor envergadura. O título original do livro, Atos dos Apóstolos, dificilmente teria sido conferido pelo seu autor original, embora tenha sido aquele que geralmente veio a ser-lhe atribuído. De fato, não se trata de uma narrativa dos «atos dos apóstolos», visto que apenas dois apóstolos recebem qualquer descrição de vulto ali. Muito menos ainda seria a história dos «atos de todos os apóstolos», segundo é denominado o livro do cânon muratoriano, certamente como exagero do conflito contra Márciom. Este havia rejeitado os demais apóstolos de Jesus à base do fato de que haviam abandonado a Cristo quando de seu injusto julgamento, tendo transformado Paulo em seu grande herói, como exclusiva autoridade da igreja cristã primitiva. Talvez um título mais apropriado fosse «História do Poder de Deus entre os Apóstolos» ou «História dos Atos do Espírito Santo», já que a presença guiadora do Espírito de Deus é um tema permanente desse livro. (Ver Atos 1:8). O livro de Atos é a continuação da narração do levantamento epropagação do cristianismo, sendo que a primeira metade e contada pelo evangelho de Lucas. Atos 1:1 é passagem que deixa pouquíssima dúvida de que esses dois volumes —o evangelho de Lucas e o livro de Atos—resultaram de um único esforço literário. Ê perfeitamente possível que os manuscritos originais dessas duas obras tivessem sido postos a circular juntos; ou então que os dois volumes fossem apenas secções diversas da mesma obra. Ou então o livro de Atos pode ter sido publicado pouco depois do evangelho de Lucas, em volume separado, embora com a finalidade de ser lido e usado em conjunção com esse evangelho. Juntas, essas duas obras formam o mais completo registro histórico de como se desenvolveu a nova religião revelada, em tomo da personalida de do Senhor Jesus Cristo, não como um ramo espúrio e herético do judaísmo, mas, bem ao contrário, a plena concretização dos alvos e ideais do judaísmo segundo revelado nas páginas do A.T. Pois o cristianismo bíblico preservou tudo quanto havia de bom e verdadeiro no judaísmo, embora o tenha ultrapassado em grau e em importância, de tal modo que com o cristianismo surgiu uma nova e poderosa modalidade de fé. É exatamente o desenvolvimento dessa nova fé que o livro de Atos acompanha até cerca do ano 67 d.C., quando o maior herói dessa nova fé se encontrava aprisionado em Roma. Embora o autor sagrado sem dúvida alguma tenha vivido o VIII. Conteúdo IX. Tabela Cronológica dos Acontecimentos em Confronto com a História Contemporânea X. Tabela Cronológica da Vida de Paulo XI. Bibliografia XII. Escavações Arqueológicas na Palestina e outros Locais de Interesse Bíblico ★ ★ bastante para ser testemunha do martirio do apóstolo Paulo, não fazia parte dos seus propósitos descrever esse último evento, mas antes, encerrar a sua narrativa com uma nota de triunfo e de otimismo, pois o sucesso do cristianismo fora espantoso o que se deveria encarar como resultado da sua origem e propagação divinas, mediante o poder divino do Espírito Santo. «O livro de Atos é a pedra chave que vincula as duas porções principais do Novo Testamento, isto é, o ‘evangelho’, conforme os primeiros cristãos diziam...a única ponte de que dispomos para atravessar o abismo aparentemente intranspo nível que separa Jesus de Paulo, Cristo do cristianismo, o evangelho de Jesus e o evangelho sobre a pessoa de Jesus». (H.J. Cadbury, The Making of Luke-Acts, Nova Iorque: The Macmillan Co., pág. 2). Os diversos títulos que têm sido atribuídos a esse livro, nos dias da antiguidade, são os seguintes: «Atos e Transações dos Apóstolos» (Códex Bezae) e «Atos dos Santos Apóstolos» (Códex Alexandrinus e outros, incluindo alguns dos primeiros pais da igreja). Os manuscritos mais antigos dizem simplesmente «Atos dos Apóstolos», como códex Vaticanus e outros manuscritos antigos, apesar de que o ms Aleph diga simplesmente «Atos». Alguns editores têm dado preferência a este último título, como possível representante do título original, ou, pelo menos, como aquele que mais direito tem de reivindicar originalidade. Os pais da igreja Orígenes, Tertuliano, Dídimo, Hilário, Eusébio e Epifânio também usaram meramente o título «Atos» para este livro. Já Ecumênio chamou-o de «Evangelho do Espírito Santo». E Crisóstomo apodou-se de «Livro da Demonstração da Ressurreição». I AUTOR Destaca-se acima de tudo a autoria comum e a unidade da obra Lucas-Atos. Isso faz de Lucas o mais extensivo autor de todo o Novo Testamento, pois, somando-se esses dois volumes, temos nessas duas obras mais de um quarto do total do volume do N.T., o que é mais do que qualquer outro autor sagrado contribuiu, a menos que consideremos paulina a epístola aos Hebreus (apesar de que isso não é muito provável), caso em que o apóstolo Paulo seria o mais copioso escritor do N.T. Assim sendo, se não considerarmos outro fator além do mero volume, Lucas-Atos serve de importantís sima consideração nos estudos do N.T. A autoria comum desse par de documentos, e o fato de que Lucas foi o autor de ambos, é algo óbvio e universalmente reconhecido, pois os dois volumes constituem duas divisões de uma mesma obra literária. O trecho de Atos 1:1 mostra que o autor sagrado tencionava que esses dois volumes fossem reputados uma unidade. Já desde o ano de 185 d.C. (em um escrito de Irineu, «Contra as Heresias», 3:1,14) temos uma afirmação da autoria lucana desses dois livros. Também poderíamos acrescentar a isso o testemunho do cânon muratoriano, que pertence ao fim do século II d.C., como o fazem igualmente os testemunhos de Tertuliano (Marc. iv.2)(f Orígenes, Eusébio (História Eclesiás tica, vi.25) e Jerônimo ( Vir. illustr. 7). Pelos fins do segundo século, essa era a tradição corrente na igreja de Roma. Evidências lingüísticas dão apoio às reivindicações do prefácio do evangelho de Lucas, bem como às declarações constantes nas tradições acima citadas. Quase que o dobro de palavras é peculiar ao livro de Atos e ao evangelho de Lucas quando comparados entre si, do que quando se confronta o livro de Atos com os evangelhos sinópticos. Muitas palavras e expressões características do 1 2 ATOS estilo do evangelho de Lucas se encontram em ambos esses documentos. Tais declarações, entretanto, têm sido desafiadas (como, por exemplo, por A.C. Clark, em sua obra The Actsof the Apostles), o que esse autor fez especialmente com base em considerações lingüísticas. Porém, tais desafios são quase universalmente considerados não-convincentes, sobretudo à luz de muitas evidências positivas, que consubstanciam a autoria lucana desses dois notáveis documentos do N.T. Na história antiga existem alguns comentários desfavorá veis ao livro de Atos como livro genuíno de Lucas, especialmente entre os primeiros gnósticos, como Cerinto e a sua escola (conforme é registrado por Eusébio, em sua História Eclesiástica 1.4). Todavia, essas críticas não se alicerçaram em qualquer avaliação crítica, mas meramente em considerações subjetivas e doutrinárias, a saber, por causa do conteúdo geral do livro de Atos, que não concordava com os seus pontos doutrinários mais salientes. Márciom (150 d.C.) rejeitava o livro de Atos, embora Paulo fosse o seu grande herói, tendo selecionado algumas das epístolas paulinas e uma porção mutilada do livro de Lucas como seu «cânon» das Escrituras do N.T. Márciom rejeitava o livro de Atos como genuíno porque sentia que os discípulos originais haviam sido infiéis ao Senhor Jesus, pelo que também foram rejeitados; e, no entanto, o livro de Atos exalta ao apóstolo Pedro, algo que ele não podia aceitar. Mas, ao assim fazer, Márciom tambem rejeitava a principal autenticação das atividades apostólicas de Paulo. Tambem rejeitava o livro de Atos porque não somente Paulo é magnificado no livro, mas Pedro também o é (além de alguns outros indivíduos, ainda que em grau muito menos intenso). Isso não concordava com a sua opinião de que somente Paulo possuía autoridade para escrever livros sagrados, segundo as razões dadas acima. Também devemo- nos lembrar que Márciom rejeitava totalmente o A.T., tendo procurado fundar uma religião inteiramente diferente, de forma alguma alicerçada no registro do A.T., mediante o uso dos escritos de Paulo e de sua autoridade apostólica. Por semelhante modo, entre Os antigos, houve outros indivíduos, como Severo, discípulo de Taciano, que rejeitavam o livro de Atos; mas, igualmente nesse caso, o verdadeiro motivo eram os preconceitos doutrinários e não tinha base em qualquer avaliação verdadeiramente critica. Os eruditos modernos, entretanto, quer liberais, quer conservadores, têm quase — universalmente— atribuído ambos esses livros à pena de Lucas, aquele que era o companheiro de viagens do apóstolo Paulo, o médico amado. Até mesmo os estudiosos mais radicais reconhecem a validade dessa reivindicação. Nordem e Loisy se erguem quase isolados, em sua afirmativa de que somente uma de suas fontes informativas, o diário de viagens que constitui a sua narrativa central, na realidade foi escrita pelo mesmo autor sagrado que registrou o evangelho de Lucas, pois outras fontes históricas poderiam ser também percebidas. Todavia, a evidência lingüística é poderosa em favor da conclusão de que apesar do autor sagrado ter-se valido, naturalmente, de muitas fontes informativas, tendo-as reunido em sua multicolorida narrativa, algumas das cenas não foram vistas ou testemunhadas por ele de forma alguma; mas que, a despeito disso, o mesmo autor editou e compôs o livro de Atos. A autoria comum do evangelho de Lucas e do livro de Atos, pode ser demonstrada pelas seguintes considerações: 1. Considerações lingüísticas —Quase o dobro de palavras é peculiar ao evangelho de Lucas, em comparação com o livro de Atos, do que ao livro de Atos em confronto com os outros evangelhos sinópticos. Muitas palavras e expressões são peculiares somente à obra Lucas-Atos. Sem dúvida alguma há mais afinidades, no vocabulário, entre esses dois livros, do que entre quaisquer outros dois escritos do N.T. Por exemplo, existem dezessete vocábulos que se encontram tanto em Mateus como nos livros de Atos, embora não apareçam em nenhuma outra porção do N.T.; existem catorze dessas palavras no evangelho de Marcos e no livro de Atos, mas que não figuram em qualquer outro livro do N.T.; mas existem cerca de cinqüenta e oito dessas palavras da obra Lucas-Atos que não se encontram fora desses dois livros em nenhuma outra porção do N.T. (A obra de Vincent «Word Studies in the N.T.» alista muito mais do que isso, nas páginas 601-611, primeiro volume). 2. O monumental Alford's Greek New Testament alista os seguintes sinais estilísticos que comprovam a autoria lucana e permeiam tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos: a. a descrição de enfermidades que subentende um homem mais versado nessas questões que os escritores ordinários do N.T.; b. o emprego do termo «nós» nas passagens vazadas na primeira pessoa do plural, que são obviamente distinguidas dos trechos escritos na terceira pessoa do singular; e c. o fato de sabermos que Lucas foi um dos quase constantes companheiros de viagens do apóstolo Paulo. (Ver II Tim. 4:11). As secções que usam a primeira pessoa do plural (chamadas secções «nós», pelos estudiosos) são as seguintes: Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28:16. As comparações lingüísticas parecem demonstrar que o restante do livro foi escrito pelo mesmo autor dessas secções «nós». Idênticas considerações ligam esse autor ao evangelho de Lucas, mesmo quando não levamos em conta a clara afirmativa nesse sentido, que há no trecho de Atos 1:1. Além dessas formas de comprovação, Alford examinou diversas circunstâncias histó ricas que subentendem a autoria lucana, tanto do evangelho de Lucas como do livro de Atos. 3. Tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos foram endereçados a Teófilo. O trecho de Atos 1:1 esclarece-nos que ambos os livros foram escritos como duas partes de uma mesma obra literária, e a linguagem em que ambos esses volumes foram escritos, no que tange à qualidade do grego koiné, distingue Lucas dos autores dos outros evangelhos e de todos os demais livros do N.T. Trata-se de excelente grego «koiné» literário, superior ao grego dos demais evangelhos e no mesmo nível das melhores porções literárias dos demais livros do N.T., mostrando-se inferior somente à epístola aos Hebreus e a mais um ou dois outros livros. (Quanto a maiores detalhes sobre essa questão, ver o item introdutório ao comentário intitulado «Linguagem do N.T.», que descreve o grego usado no N .T., em termos gerais, e que também caracteriza de modo passageiro o grego «koiné» de cada um dos livros do N.T.). Não foi por mero acidente que o mesmo excelente grego «koiné», vazado no mesmo estilo, e com o mesmo vocabulário distintivo, permeia a obra Lucas-Atos. E isso é um dos motivos que têm levado os estudiosos a concordar, quase universalmente, sobre o fato de que Lucas foi o autor de ambos esses volumes. 4. De conformidade com um tipo mais clássico de grego, podemos observar, tanto no evangelho de Lucas como no livro de Atos, o emprego do modo optativo grego, o qual figura com muito maior freqüência do que nos livros de qualquer outro dos autores do N.T., posto que ocorre ali por nada menos de vinte e oito vezes. Ora, esse é o tipo de fator que distingue não somente o estilo, como também a cultura de um autor. O modo optativo havia desaparecido quase inteiramente no grego «koiné», excetuando em certas expressões estereotipadas. No entanto, Lucas utiliza uma linguagem mais elevada, em seu caráter literário, que nos faz lembrar mais das obras clássicas do grego antigo. E o evangelho de Lucas e o livro de Atos possuem tais características. 5. O fato de que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos foram escritos pelo mesmo autor é igualmente demonstrado pelo fato de que ambos enfatizam os mesmos temas, do princípio ao fim, alguns dos quais são os seguintes: a. A universalidade da religião cristã, que abandonou o caráter provinciano do judaísmo. Agora todas as raças e todos os povos se tomaram igualmente objetos do amor e da graça de Deus. (Comparar Lucas 2:32; 4:23-27; 10:29-37 e 17:15-18 com Atos 10:35; 13:46,47; 17:26-28 e 28:28). b. O Espírito Santo, em sua atuação, se destaca tanto no evangelho de Lucas como no livro de Atos, muito mais do que nos evangelhos sinópticos. O evangelho de João também salienta o papel do Espírito Santo na economia cristã. (Comparar Luc. 1:15,35; 2:25-27; 4:1, 18; 10:21 e 24:49 com Atos 1:2,8; 2:1-4,38; 8:14-17,29,39; 10:44-47; 13:2,4,9; 15:28; 16:7 e 19:1-7). c. Ambos esses livros demonstram uma marcante simpatia pelos pobres e pelos grupos desprezados da sociedade antiga. (Comparar Luc. 3:11; 4:18; 6:20 e 16:22 com Atos 2:44,45; 4:33-35 e9:36,39). d. Ambos os volumes demonstram antipatia pelos ricos. (Comparar Luc. 1:53; 6:24; 12:13-21 e 16:14,19 com Atos 8:18-24). e. Há saliência sobre o dever e o uso apropriado das riquezas. (Comparar Luc. 12:42-48; 16:1-13 e 19:12-27 com Atos 4:36,37; 5:1-11 e 20:35). f. Há ênfase em ambos os volumes sobre o papel desempenhado pelas mulheres na vida de Cristo e no desenvolvimento da igreja primitiva. (Comparar Luc. 1:39-56; 2:36-38; 7:37,38; 8:1-3; 19:49; 23:27-29 e 24:10 com Atos 1:14; 5:1; 9:36; 12:12,13; 16:13-18; 18:2; 24:24 e 25:13). g. Há em ambos os livros intensa ênfase sobre a necessidade de oração por parte do crente. (Comparar Luc. 11:5-13; 18:1-5,9-14 e 22:39-46 com ATOS 3 Atos 1:24,25; 2:42; 4:31; 6:6; 10:2,9; 12:12; 13:3; 16:25 e21:5). h. O tema da graça divina figura nessas duas obras com muito maior freqüência que nos evangelhos sinópticos, porquanto no evangelho de Lucas essa palavra aparece por oito vezes, ao passo que no livro de Atos aparece por dezesseis vezes. (Comparar Luc. 1:30; 2:40,52; 4:22; 6:32-34 e 17:34 e 17:9 com Atos 2:47; 4:33; 11:43; 13:43; 14:3,26; 15:11,40; 18:27; 20:24,32; 24:27 e 25:3,9). A palavra «graça» não aparece nos evangelhos de Mateus e de Marcos, apesar de figurar por quatro vezes no evangelho de João. Aparece com maior abundância nos escritos do apóstolo Paulo, conforme também já seria de se esperar. (Por nada menos de cento e duas vezes, sem contarmos a epístola aos Hebreus). i. Há no evangelho de Lucas e no livro de Atos maior destaque ao tema do perdão dos pecados do que no caso dos evangelhos sinóp ticos. (Comparar Luc. 1:77; 7:47; 11:4; 15:11-32 e 24:47 com Atos 2:38; 5:31; 10:43; 13:38 e 26:18). j. Nesses dois volumes se vê, igualmente destaque sobre o quadro político, na tentativa de mostrar que o cristianismo não era subversivo, merecendo ser aceito pelo estado romano como movimento religioso legítimo. (Comparar Luc. 20:20-23 e 23:4,13-16,20-22,47 com Atos 13:7,12; 16:35-40; 18:12-17; 19:31,37; 23:26-30; 24:23; 25:25-27; 26:30-32; 27:43 e 28:30,31). 6. Sobre a autoria comum de Lucas-Atos, Morton Scott Enslin, em seu livro The Literature ofthe Christian Movement (Harper and Brothers, Nova Iorque, 1956, pág. 413), diz: «O livro de Atos é a continuação da história do surgimento e da propagação do cristianismo, cuja primeira metade consiste no evangelho de Lucas, o que é tão universalmente aceito que requer pouquíssimo argumento. A comum dedicação dessas obras a Teófilo; o reinicio da narrativa nestes últimos capítulos, precisamente no ponto onde termina o evangelho; a partida final de Jesus da presença de seus discípulos; uma sutil mas não obstante inequívoca unidade de propósitos, de atitudes, de ênfase e de fraseologia, tudo isso dificilmente poderia ter sucedido por mero acidente». Não obstante, existem argumentos contrários à autoria lucana do livro de Atos, a saber: 1. O próprio livro de Atos é anônimo, isto é, em porção alguma o seu autor se desvenda, não dando qualquer indício sobre a sua identidade. Mostrar que a obra Lucas-Atos tem um autor comum é fácil; mas não há justificação alguma em identificar esse autor com Lucas, tendo sido apenas uma opinião especulativa dos primeiros pais da igreja. A essa objeção, entretanto, podemos replicar que essa é a opinião universal dos pais da igreja e dos séculos subseqüentes, sendo que essa declaração universal mui provavelmente estava bem alicerçada nos fatos, sabendo-se sobejamente, além de tudo, que Lucas foi companheiro quase constante do apóstolo Paulo em suas viagens missionárias. (Ver Col. 4:14; Fil. 24 e II Tim. 4:11). Sobre isso, ver os diversos antigos testemunhos acerca da autoria lucana, sobre o que tratamos mais abaixo). 2. Diversos eruditos têm procurado demonstrar, com base nos termos médicos da obra Lucas-Atos que foi um «médico» quem escreveu essa dupla obra, mas essa asseveração não tem podido resistir à luz das investigações. Acima de todos, H. J. Cadbury tem solapado essa idéia (em sua obra The Style and Literary Method of Luke, Cambridge: Harvard University Press, 1920, págs. 39-72; e Lexical Notes on Luke-Acts, The Journal of Biblical Literature, XLV, 1026, págs. 190-209). Dentre os quatrocentos termos supostamente médicos, usualmente salientados como parte do vocabulário dos médicos, nada menos de trezentos e sessenta se encontram na Septuaginta, sem que isso indique qualquer uso especializado. Outros autores, como Filo, Plutarco e Luciano (o último dos quais usa nada menos de noventa por cento dos chamados termos «médicos»), empregaram tais vocábulos, sem que quisessem dar a entender qualquer linguagem própria de médicos. Josefo e a Septuaginta, se considerados juntamente, contêm trezentos e noventa desses quatrocentos vocábulos, emergindo assim a verdade de que não havia qualquer vocabulário médico especializado nos tempos de Lucas. Por conseguinte, é justo dizermos que se alguém não tivesse feito a conexão entre o «médico» Lucas e este livro de Atos, para em seguida sair à caça de um vocabulário «médico», com a mesma facilidade o autor sagrado poderia ter sido considerado como «capitão da marinha» ou «advogado», porquanto existem ali diversos termos náuticos, além de expressões legais, sobretudo nos capítulos finais do livro de Atos. No que tange ao argumento acima exposto, contrário à autoria lucana parece que o mesmo diz essencialmente a verdade; e isso parece eliminar um dos argumentos favoritos em favor da autoria lucana do livro de Atos. No entanto, esse argumento contrário não é fatal à posição geral em favor da autoria de Lucas, a qual pode facilmente sobreviver sem esse elemento relativo aos termos «médicos». Contudo, embora nenhum vocabulário «médico» especial pode ser demonstrado na obra Lucas-Atos, muitos eruditos acreditam que ainda transparece nessa obra um interesse desusado pelas questões «médicas», além de um interesse todo especial pelas curas motivadas pela fé. (Ver Luc. 7:18-23; Atos 5:12-16 e 19:11, passagens cuja finalidade é a de demonstrar que o poder curador de Jesus continuava em operação através dos apóstolos, o que é especificamente salientado em Atos 3:12,13 e 4:7-10). Deve-se observar como o trecho de Luc. 8:43 modifica a passagem de Marc. 5:26, a interesse do bom nome da profissão médica. Assim sendo, apesar de que o próprio vocabulário usado na obra Lucas-Atos não possa servir de prova definitiva acerca da autoria lucana, o conteúdo desses dois livros, no que diz respeito a essa questão, parece confirmar que o autor sagrado era indivíduo extraordinaria mente interessado pelas questões médicas, o que aponta fortemente para Lucas, o «médico amado». 3. É possível que o argumento favorito, contrário à autoria lucana do livro de Atos, seja a tentativa de demonstrar queo autor sagrado não poderia ter conhecido o apóstolo Paulo tão bem como se pensa, porque mui provavelmente não fora seu companheiro de viagens. O quadro que tal autor pinta do apóstolo, especialmente no que tange às suas crenças doutrinárias, difere tão radicalmente do que Paulo expressa, além do fato de que apresenta alguns acontecimentos históricos que não estão de acordo com o que transparece nas epístolas daquele apóstolo. E em seguida os opositores argumentam que o autor sagrado jamais teria feito isso, se realmente o tivesse conhecido bem. Segundo um ponto de vista histórico, os trechos do primeiro capítulo da epístola aos Gálatas e de Atos 9:20-30, que falam sobre as atividades de Paulo, imediatamente após a sua conversão, diferem muitíssimo, quanto aos pormenores e ao que fica implícito, do que nos diz o livro de Atos, porquanto este último não se refere aos três anos de ausência de Paulo, mas antes, faz alusão ao fato de que imediatamente ele se pôs a pregar, viajando e associando-se a outros líderes cristãos. Outras considerações difíceis são aquelas que falam de Paulo, que freqüentemente andava em conflito com o elemento judaico no seio da igreja cristã, não se harmonizam entre o livro de Atos e as epístolas onde esse apóstolo faz alusão a tais fatos. (As epístolas aos Gálatas e aos Romanos são apresentadas como escritos em harmonia contra a totalidade da narrativa de Atos, como também no que diz respeito à circuncisão de Timóteo e no que diz respeito aos votos que Paulo fez, no templo de Jerusalém —ver Atos 16:1-3 e 20:17-26), ações essas que nos parecem impossíveis pelo que sabemos de Paulo através de suas epístolas aos Gálatas e aos Romanos. Esses problemas podem ser solucionados como segue: 1. Os trechos paulinos que parecem incandescentemente partidários foram escritos sob a pressão da controvérsia, e talvez Paulo nem sempre tivesse sido tão antijudaico, tão antilegal e tão anti-ritual como essas suas epístolas nos indicam; ou talvez tenha havido períodos em que ele demonstrou maior simpatia pelos caminhos antigos, o çpe, corretamente, seria apenas natural e humano. 2. Não ha razão alguma para pensarmos que Lucas precisava ter pleno conhecimento de todos os detalhes dos —primeiros anos— da vida cristã de Paulo. Ê óbvio que a narrativa lucana é apenas uma apre sentação parcial daqueles primeiros anos, onde se devem esperar alguns lapsos. No que tange às idéias doutrinárias que são tão importantes para Paulo, segundo transparece em suas epístolas, mas que não são intensamente mencionadas no livro de Atos, especialmente no que concerne à morte de Cristo, que é fato central nos escritos desse apóstolo, mas que usualmente é apresentada como horrendo crime, no livro de Atos, sem que apareça a idéia do desígnio divino em toda essa ocorrência. Pode-se responder que se por um lado Paulo enfatizou o papel divino muito mais do que aparece no livro de Atos, contudo, tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos contêm esse conceito, segundo se vê demonstrado nas seguintes passa gens: em Luc. 22:19,20, onde se lê sobre a instituição da Ceia do Senhor e que pronuncia claramente esse tema; em Luc. 24:44-47, que alude às profecias do A.T., todas frisando o papel do Messias sofredor, que traria a remissão dos pecados 4 ATOS aos homens, por meio de sua paixão na cruz; e Atos 2:23,27, que mostra que os sofrimentos de Cristo haviam sido adredemente determinados por Deus, pois através deles é que receberíamos a redenção, das mãos do Messias. Ver também o trecho de Atos 20:28, onde esse tema é expresso nos termos mais definidos possíveis. Eduard Meyer (Ursprung und Anfange des Christentums, Berlim: J. G. Cotta, 1921-1923), levanta objeção, em sua obra de três volumes, àquilo que ele denomina de objeções arbitrárias e de métodos arbitrários dos teólogos, que requerem uma abordagem completa e harmoniosa, em todos os assuntos, por parte de Lucas e de Paulo, meramente porque esses dois homens de Deus viajaram juntos. A verdade é que cada um desses autores sagrados se utilizou de seu próprio método de expressão, enfatizando certos particulares diferen tes um do outro, sendo fácil para nós encontrarmos pontos de vista em aparente contradição; contudo, dificilmente isso pode ser contrário à conclusão de que esses dois homens se conheciam bem um ao outro. ★ ★ ★ Os antigos defendiam a autoria e a autoridade lucana da obra Lucas-Atos, segundo se vê nas seguintes fontes históricas: 1. Eusébio (testemunho e comentário na sua História Eclesiástica iii.25). 2. Epístola das igrejas de Lyons e Viena às igrejas da Ásia Menor e da Frigia, de 177 d.C., segundo é citada por Eusébio, em sua História Eclesiástica v.2. 3. Irineu (Contra as Heresias iii., cap. 14). 4. Clemente de Alexandria, em 200 d.C. (Strom. v.12). 5. Tertuliano, em 150 d.C. (De baptismo, cap. 10, vol. 12; De jejuniis, cap. 10, vol. 12; Adv. Marnio. lib. v. §2 e iv. 2). 6. Orígenes, citado por Eusébio (História Eclesiástica vi.26). 7. Jerônimo, Vir. ilustr. 7). 8. Cânon Muratoriano, do fim do século segundo de nossa era, que alista o livro de Atos como canônico, de autoria lucana. (O cânon muratoriano era uma lista de livros do N.T., que eram reputados autorizados, usados e lidos na adoração pública da igreja. Evidentemente foi traduzido para o latim, com base num original grego. Reflete os usos da igreja cristã de Roma em cerca de 200 d. C e pode ter sido escrito por Vítor, de Roma. O nome desse cânon se deriva do erudito italiano que o descobriu na biblioteca ambrosiana, em Milão, e o publicou em 1740, como exemplar de latim bárbaro). A secção do fragmento muratoriano confirma a autoria lucana do evangelho de Lucas e do livro de Atos como segue: «O terceiro livro do evangelho, segundo Lucas, aquele médico que após a ascensão de Cristo se tornou devoto auxiliar de Paulo, que o tomara consigo (ou talvez como ‘companheiro de viagens’), foi composto por ele, em seu próprio nome, por informes recebidos de terceiros.No entanto, ele mesmo não viu ao Senhor na carne, pelo que também (?.) conforme podia seguir, assim ele registrou (?), começando a falar desde a natividade de João. Mas os Atos de todos os apóstolos foram escritos em um livro. Lucas compilou, para o ‘excelentíssimo Teófilo’, os diversos acontecimentos ocorridos em sua presença, conforme ele claramente revela mediante a omissão da morte de Pedro e da partida de Paulo da cidade, quando viajou para a Espanha». (Fragmento muratoriano, linhas 2—8 e 34-39, conforme traduzido por Morton Scott Enslin, que procurou reproduzir na tradução o latim deficiente em que o documento foi escrito). A personagem de Lucas - Seu nome é contração de Lucano, tal como Silas o é de Silvano. Tal apelativo provavelmente significava, a princípio, alguém originário da Lucânia, lugar da baixa Itália, e vem de «luca bos», boi lucano, isto é, elefante, pois foi justamente na Lucânia que os romanos pela primeira vez puderam conhecer os elefantes, trazidos no exército de Pirro. Lucas é mencionado por nome no trecho de File. 24, como cooperador de Paulo no trabalho missionário; em Col. 4:14, como o «médico amado»; em II Tim. 4:11 como o único que permanecera junto a Paulo, em seus sofrimentos e labores. Eusébio (História Eclesiástica iii.4) assevera que ele era natural da cidade de Antioquia. A tradição apresenta-o como um—gentio —que falava o grego e a natjireza da composição da obra Lucas-Atos confirma ter-se tratado de indivíduo bem-educado, cuja língua nativa era o grego. As passagens «nós» (assim chamadas porque o autor sagrado passa a usar a primeira pessoa do plural) do livro de Atos mostram que Lucas acompanhou o apóstolo Paulo em algumas de suas mais importantes viagens, pelo que foi testemunha ocular de grande parte daquilo que ele mesmo narra nesse livro, pois nessas oportunidades mui provavelmente fez parte do grupo de missionários viajantes. (Ver Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28-16). Epifânio(.fíaer. 1.12, bispo de Constância ou Salames, capital de Chipre, eleito para o ofício em 367 d.C.) informa-nos que Lucas foi um dos setenta discípulos especiais que o Senhor Jesus enviara a ministrar pela Galiléia (ver o décimo capítulo do evangelho de Lucas). Mas é claro, conforme o prefácio do evangelho de Lucas, que o autor não fora testemunha ocular do ministério de Jesus, ainda que tenha tido contacto com muitas dessas testemunhas oculares, o que não podemos de forma alguma duvidar. Essa tradição, transmitida por Epifânio, provavelmente teve origem na circunstância de que somente o evangelho de Lucas registra esse ministério especial dos setenta discípulos de Jesus. Os conhecimentos que Lucas tinha do fato, entretanto, não fora adquirido em primeira mão, mas sem dúvida resultara de suas diversas pesquisas nessas questões que circundavam a vida e o ministério de Cristo Jesus e de seus apóstolos, às quais devemos muitos outros pormenores e narrativas sobre tais ocorrências, que os demais evangelhos nada registram. Pelo livro de Atos aprendemos que ele se reuniu a Paulo, em Trôade "(Atos 16:10), tendo-o acompanhado em sua viagem a Roma. Com base nas epístolas desse apóstolo (ver II Tim. 4:11), ficamos sabendo que ele permaneceu em companhia de Paulo, até mesmo após o seu primeiro encarceramento e soltura, e, evidentemente, até o tempo do martírio do grande apóstolo, em cerca de 67 d.C., após um segundo encarcera mento. Lucas não registrou tais acontecimentos para nós, e é possível que estivesse planejando um terceiro volume para completar a sua história, ou então, propositalmente, ignorou o fim negativo da carreira de Paulo, a fim de não entrar em antagonismo com as autoridades romanas, pois Roma, pelo tempo em que foi escrito o livro de Atos, já vinha perseguindo a igreja cristã. (Quanto a outras razões possíveis para o término abrupto mas otimista do livro de Atos, ver as notas expositivas referentes aos versículos finais desse livro). A tradição cristã primitiva observa igualmente a fidelidade toda especial de Lucas ao apóstolo Paulo. Outras tradições existem que nos dizem que Lucas teve um longo ministério e finalmente faleceu na Boécia, na Grécia, com oitenta e quatro anos de idade. Outras tradições, ainda, indicam que ele morreu como mártir, algum tempo perto do fim do primeiro século de nossa era. Os livros de Lucas —o evangelho de seu nome e o livro de Atos -mostram que ele era um grego bem-educado, dotado de considerável habilidade literária, porquanto as suas obras em nada ficam a perder para os escritos dos melhores historiadores gregos. Sua capacidade dramática, descritiva e de narração impressionou de tal modo o erudito francês, Ernest Renan, que este o chamava de um novo Homero (segundo citação de Sypherd, pág. 168). Um outro autor, Chase (págs. 185-186), também chamou a atenção para os quadros falados de Lucas, bem como para os seus episódios dramáticos. (Ver Wilbur O. Sypherd, The Literature of the English Bible, Nova Iorque, Oxford University Press, 1936; e The Bible and the Common Reader, por Mary Ellen Chave, Nova Iorque, Macmillan Co., 1952). Pelas obras que escreveu, depreendemos que Lucas era homem humilde e disciplinado, que sempre preferiu manter-se em segundo plano, permitindo que o Senhor Jesus fulgurasse resplandecentemente, como também Pedro e Paulo, os maiores discípulos do Mestre. Entretanto, ele mostra um orgulho justificável em suas obras literárias, bem como nas pesquisas que fez para escrevê-las, porquanto, em seu prólogo ao evangelho de Lucas não hesita esse autor em afirmar que fizera um trabalho intensivo e completo de investigação, examinan do todas as questões que fazem parte da produção de seus livros, tendo transmitido até nós uma narrativa inteiramente fidedigna das cenas por ele descritas. II. DATA, PROVENIÊNCIA, DESTINO A. Data A data aproximada da dupla obra Lucas-Atos pode ser melhor determinada mediante o exame mais do livro de Atos que mesmo do evangelho, porquanto, em Atos pelo menos podemos determinar, com alguma exatidão, certos aconteci mentos históricos, quanto à data em que ocorreram. A data mais recuada possível é a de 60 d.C., por ser esse o tempo mais cedo em que Paulo poderia ter chegado a Roma. O livro de Atos não poderia ter sido escrito antes dos últimos ATOS 5 incidentes ali registrados. Supondo-se que Lucas escreveu esse livro imediatamente depois do encarceramento de Paulo, então tal volume poderia ter sido escrito em cerca de 60 d.C. A data mais avançada possível é a de 150 d.C., quando Márciom fez uso bem definido do evangelho de Lucas, razão pela qual sabemos que o livro de Atos já existia por essa altura. Entretanto, Lucas foi companheiro de viagens missionárias de Paulo, pelo que também não podia ser homem de idade muito diferente da do apóstolo. Não é muito provável, pois, que ele tivesse vivido para além do ano 100 d.C., e isso significa que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos devem ter sido escritos antes dessa data. Outrossim, não é razoável pensarmos que Lucas tivesse esperado por mais de trinta anos, antes de registrar as suas impressões, muitas das quais vividas como testemunha ocular. Em favor daquela data mais remota, alguns eruditos, como Harnack, têm opinado que a data de 63-64 d.C. seria a correta, salientando o término abrupto do livro de Atos, o que nos deixa supor que Paulo ainda não fora mandado executar a mando do imperador Nero (em cerca de 67 d.C.), pois, se isso já tivesse ocorrido não se há de duvidar que Lucas teria registrado tão importante acontecimento. Outrossim, não é provável que o trecho de Atos 20:25,38, segundo alguns frisam, dissesse que Paulo não mais veria os seus amigos de Èfeso, se o autor sagrado tivesse sabido (com base nos acontecimentos subseqüentes) que de fato, ele tornou a encontrar-se com eles, conforme nos mostram as epístolas pastorais (I e II Timóteo e Tito). Além disso, não há qualquer menção à destruição de Jerusalém (que ocorreu no ano 70 d.C.), e nem às perseguições movidas por Nero contra os cristãos. O livro de Atos termina com uma atitude de otimismo, narrando como Paulo continuou a pregar livremente em Roma, embora tolhido em seus movimentos, pois estava continuamente sob a custódia militar, encerrado em sua própria casa. Alguns estudiosos, pois, raciocinam que esse otimismo não teria sido possível se a perseguição imperial contra os cristãos já estivesse em processo há muitos anos. A' maioria dos eruditos recentes, entretanto, concorda que uma data intermediária entre aqueles dois extremos, digamos 70-75 d.C., é a que tem maiores probabilidades de estar certa, como data em que foi composta a obra Lucas-Atos. Mas, contrariando a opinião desses eruditos, expomos as seguintes razões, que nos obrigam a aceitar uma data anterior a essa, para os livros de Lucas-Atos: 1. O término abrupto do livro de Atos, que não faz qualquer menção à soltura de Paulo, ao seu encarceramento subseqüen te e à sua execução, talvez tenha tido por motivo o desejo de Lucas de evitar menção a tais ocorrências, a fim de não provocar o antagonismo das autoridades romanas, que já haviam talvez começado a perseguir a igreja cristã. Mencionar oficialmente e descrever os maus-tratos contra o principal campeão do cristianismo, que certamente teria exigido um juízo negativo de alguma forma, talvez só provocasse o incremento da perseguição ao cristianismo. Contudo, alguns estudiosos têm pensado que talvez Lucas tivesse planejádo escrever um outro volume, narrando os acontecimentos subseqüentes, embora tal obra nunca tivesse sido concretiza da. Ainda outros intérpretes pensam ser possível que Lucas sabia que Teófilo, para quem a dupla obra, Lucas-Atos, foi escrita, além de outros indivíduos interessados, já estivessem bem familiarizados com os acontecimentos mais recentes da vida de Paulo, pelo que seria desnecessário um terceiro volume de narrativas, para quem já as conhecia a sobejo. Outrossim, o propósito do autor sagrado —mostrar que o cristianismo não era mero ramo herético do judaísmo, mas antes, marchara triunfalmente desde Jerusalém até Roma, pelo que merecia o respeito e o reconhecimento das autoridades romanas, tal como o judaísmo obtivera esse respeito e reconhecimento -e em nada ganharia se fosse narrado qualquer final negativo da vida do apóstolo Paulo. Para aqueles que preferem uma data posterior para a escrita de Lucas-Atos, por um outro autor que não Lucas, a explicação informativa, e não se aventurava a fazer qualquer adição de sua própria palavra. 2. O fato de que a destruição de Jerusalém não é aludida é mais difícil de explicar, por parte dos que preferem uma data posterior para a composição da obra Lucas-Atos. Porém, esse silêncio pode ter sido causado simplesmente porque o autor sagrado não chegara até àquela altura das ocorrências, em sua narrativa, e qualquer menção desse evento seria um deslocamento cronológico, um anacronismo. Outrossim, o evangelho de Lucas (escrito antes do livro de Atos parece fazer alguma alusão distante à destruição de Jerusalém. Isso pode significar que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos foram escritos depois de 70 d.C. (Quanto a outras informações sobre isso, ver a introdução ao evangelho de Lucas, sob o título «Data»). As passagens de Luc. 19:43,44 e 21:20-24 sugerem fortemente que o autor sagrado, quando registrou os acontecimentos ali narrados, sabia que a melancólica predição de Jesus já tivera cumprimento. (Note-^“e, igualmente, a predição de Jesus sobre o anticristo, em Marc. 13:14 —que aparece como exércitos a cercarem Jerusalém, se assemelhan do à indicação de que o autor desse evangelho tinha conhecimento que essa ocorrência já jazia no passado). Não querendo ser parciais, em favor de um ponto de vista, oferecemos abaixo as evidências positivas que favorecem uma data intermediária para a composição da dupla obra Lucas-Atos: 1. O conhecimento de que a predição de Jesus se cumprira (acerca da destruição de Jerusalém), segundo se subentende pela leitura, especialmente do evangelho de Lucas, serve de evidência positiva de que essa obra foi escrita após o ano 70 d.C. (Ver dois parágrafos acima). 2. A primeira Epistola de Clemente indica que por aquele tempo (corria o ano de 95 d.C.) já se fizera uma coletânea preliminar das epístolas do apóstolo Paulo, as quais eram encaradas pela igreja cristã como dotadas de autoridade espiritual, isto é, haviam alcançado posição canônica. Se Lucas tivesse escrito após esse tempo, mui provavelmente teria feito várias referências ou citações a essas epístolas. Não obstante, tais referências ou citações mostram-se completa mente ausentes no livro de Atos. (Ver a secção V sobre essa questão). 3. A dupla obra, Lucas-Atos, diferentemente do evangelho de João, não reflete as primitivas controvérsias dos cristãos com os gnósticos, conforme seria de esperar. Dessa maneira, a obra de Lucas foi escrita antes de ter florescido essa controvérsia, que surgiu nos fins do primeiro século da era cristã e nos princípios do segundo século. (Alguns estudiosos encaram o trecho de Atos 20:29,30 como exceção a essa declaração; porém, o que lemos nessa passagem tem natureza extremamente geral, e pode não ter essa aplicação de forma alguma). 4. O ecumenismo que transparece na obra Lucas-Atos parece também refletir uma data intermediária entre 60 e 150 d.C. Em outras palavras, a visão clara sobre a missão de âmbito mundial, por parte da igreja cristã, parece refletir uma época mais avançada. Por conseguinte, uma data posterior a 67d.C., mas anterior a 90 d.C., parece ser a mais acertada conforme os pontos (2) e (3), acima, nos indicam. 5. Alguns eruditos pensam haver certa dependência do evangelho de Lucas aos escritos de Josefo (o qual escreveu de pois de 90 d.C.); mas essa idéia não tem sido bem recebida por parte da maioria dos estudiosos. 6. Não é razoável pensarmos que Lucas, tendo sido companheiro de viagens de Paulo, tivesse esperado por mais de trinta anos, antes de encetar a sua grande obra histórica. Considerando-se todos os fatores, portanto, conclui-se que Lucas escreveu entre os anos de 70- 85 d.C. O evangelho de Lucas, por conseguinte, também se encaixa bem dentro desse período. B. Proveniência Não temos maneira certa e segura para afirmar onde o livro de Atos foi escrito (especialmente certas porções, em que o autor sagrado passa a usar a primeira pessoa do plural, descrevendo cenas das quais Lucas participara pessoalmente, isto é, Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1 - 28:16. Poderiam ter sido extraídas de um diário conservado por Lucas, mais tarde incorporado no livro de Atos). Pois a narrativa poderia ter sido escrita em diversos lugares ao redor do mundo mediterrâneo. Porém isso não solucionaria o problema do local onde a obra foi composta e editada. Desde os tempos de Jerônimo, a tradição favorece Roma como esse local; mas provavelmente isso se deve à circunstância de que é nesse ponto que a narrativa do livro de Atos nos deixa, subentendendo-se que Lucas acompanhou o apóstolo Paulo até ali. Há, igualmente, uma outra consideração que favorece essa tradição, a saber, que o autor parece ansioso por mostrar a expansão da igreja de Cristo desde Jerusalém até Rõma, isto é, a universalidade do cristianismo. Se ele estivesse vivendo 6 ATOS então em Roma, essa teria sido um atitude perfeitamente compreensível. Além disso, o próprio livro de Atos salienta a reação favorável de muitos oficiais romanos para com os primeiros missionários cristãos, porquanto, na realidade, se dirigia a um membro da aristocracia romana. Mas outros estudiosos têm sugerido Antioquia como lugar da composição e edição da obra Lucas-Atos, sobretudo porque há uma tradição que faz menção dessa cidade como terra natal do autor sagrado, além do interesse especial desse autor por essa cidade (ver Atos 18:24,26; 19:17-38). Porém, ambas essas condições poderiam existir nesse livro sem que Antioquia tivesse sido o lugar de sua compilação. Por falta de uma melhor idéia, Roma tem permanecido como melhor alternati va, pelo menos para o livro de Atos, ainda, que isso não se aplique, necessariamente, ao evangelho de Lucas. C. Destino O livro de Atos, tal como o evangelho de Lucas, foi escrito para um oficial romano de nome Teófilo (ver as notas expositivas sobre Atos 1:1). Por conseguinte, o livro foi enviado a um membro da aristocracia romana, que mui provavelmente residia em Roma. Foi escrito esse livro com a finalidade de apresentar a esse oficial, e a outras pessoas interessadas, uma defesa do cristianismo - não se tratava de um ramo herético do judaísmo, não era uma organização política, contrária ao estado romano. Segundo parece, não foi obra dirigida principalmente às comunidades cristãs, confor me sucede ao resto do Novo Testamento, mas antes, visava circular entre os lançamentos literários da época, para benefício do público leitor gentílico, visando os propósitos descritos acima. Pelo menos parcialmente, trata-se, pois, de uma apologia apresentada ao mundo gentílico pagão, sobretudo à aristocracia romana. Não é por isso, contudo, que haveríamos de eliminar o livro de Atos da lista das obras sagradas dirigidas à igreja cristã universal, como se não tencionasse explicar aos cristãos as origens e os primeiros desenvolvimentos do cristianismo, que emprestavam validade à sua missão de âmbito universal. III. CARÁTER LITERÁRIO «Os Atos dos Apóstolos eleva-se bem alto como obra literária. Possui o mesmo brilho, o mesmo calor, a mesma ternura e o mesmo entusiasmo que se encontram como grandes características do evangelho de Lucas. O autor demonstra soberba habilidade na apresentação dos episódios dramáticos: as ocorrências do tempo do Pentecoste (Atos 2:1-41), a carreira de Filipe lado a lado com a carruagem do eunuco etíope (Atos 8:26-39), a conversão de Paulo (Atos 9:1-9) e o naufrágio de Paulo (Atos 27:14-44). Outrossim, há muitos retratos notabilíssimos de pessoas interessantes: o ousado e confiante Pedro, o astuto e oportunista Simão Mago, o enganador Ananias, e o erudito e zeloso Paulo. A narrativa prossegue suave e logicamente, de acordo com um plano adredemente traçado: o avanço do evangelho, desde Jerusa lém, até lugares os mais distantes. As habilidades dramáticas, descritivas e de narração de Lucas impressionaram de tal maneira a Ernest Renan que ele intitulou o autor do livro de Atos de um novo Homero. Como narrador exato, Lucas se compara favoravelmente com Heródoto, Xenofonte, Josefo, Tito Lívio e Tácito; em questões como costumes, geografia e topografia, gue podem ser averiguadas pela pesquisa histórica e arqueológica, o livro de Atos se tem mostrado extraordinariamente digno de confiança... Uma comparação do livro de Atos, de Lucas, com os ‘Atos’ apócrifos de diversos personagens da igreja, escritos no segundo século d.C., revela que estes últimos são meros romances, ao passo que o volume de Lucas é uma história séria». (Buckner B. Trawick, «The New Testament as Literature», Barnes and Noble, College Outline Series, 1964). «A exatidão histórica da narrativa de Lucas tem sido amplamente confirmada pelas descobertas da arqueologia. Apesar de haver em sua obra interesses apologéticos e teológicos, essas coisas em nada diminuem a sua detalhada exatidão, embora tais interesses controlem a sua seleção dos fatos a serem apresentados. Lucas encaixa a narrativa dentro do arcabouço da história contemporânea; suas páginas estão repletas de referências a magistrados das cidades, a governadores das províncias, a reis vassalos e outros vultos semelhantes. Essas alusões, vez após vez mostram-se exatamente apropriadas para o local e o período de tempo em foco. Com um mínimo de palavras ele transmite a verdadeira cor local de cidades que diferiam tanto entre si, mencionadas em sua narrativa. A sua descrição sobre a viagem de Paulo (vigésimo sétimo capitulo do livro de Atos) até o dia de hoje permanece como um dos mais importantes documentos sobre a vida marinha antiga». (The New Bible Dictionary: Grand Rapids, Michigan, Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1962, pág. 11) . O estilo de Lucas é superior ao dos autores dos evangelhos sinópticos. Ele não titubeia em polir, adornar e modificar de qualquer outro modo a linguagem utilizada no evangelho de Marcos (que Lucas usou como esboço básico, em seu evangelho). Essa mesma linguagem estilizada se evidencia no livro de Atos, com exceção de algumas secções, tais como as que falam sobre o dom do Espírito Santo, a conversão de Cornélio, a história de Filipe, o evangelista, onde se destaca o estilo mais tipicamente arcaico e redundante dos documentos escritos em hebraico. Mui provavelmente isso reflete as fontes informativas das quais ele tomou por empréstimo o seu material histórico, e onde ele quase não fez revisões literárias, permitindo que transpareça o sabor hebraico original. Outros trechos, como o que alude ao comparecimento de Paulo no areópago, são verdadeiramente vazados em grego, pratica mente clássicos em sua tonalidade, sempre no melhor estilo do grego «koiné» literário. Por conseguinte, o estilo de Lucas demonstra variações, dependendo da fonte informativa que usava no momento, conforme também observou H.H. Moulton: «Ele (Lucas), firma o seu estilo na fraseologia bíblica, extraída do A.T. grego, enquanto a sua narrativa se desenvolve em solo palestino, onde quem falava obviamente usava um grego que para eles era um idioma estrangeiro, ao passo que se afasta instintivamente desse estilo, quando o assunto o afasta das terras e do povo bíblico». (A Grammar of New Testament Greek, Edinburgh: T. and T. Clark, 1919, II, págs. 7-8). No tocante ao grego «koiné» empregado por Lucas em sua dupla obra, Lucas-Atos, podemos tecer as seguintes considerações: Lucas, o médico amado (ver Col. 4:14), demonstrou considerável aptidão como escritor na língua grega. Suas peças literárias exibiram maior versatilidade do que qualquer outra obra do N.T. Seu prefácio, elaboradamente redigido para o evangelho (ver Luc. 1:14), pode ser comparado favoravelmente com os prefácios de famosos historiadores gregos, como Heródoto e Tucídides. Lucas demonstra possuir sólida cultura ao usar um grande e bem escolhido vocabulário. Seus dois livros contêm cerca de setecentos e cinqüenta vocábulos que não se encontram em nenhuma outra parte do N.T., e isso é uma grande proporção, considerando-se que o vocabulário total do N.T. é de apenas cerca de cinco mil palavras. O pensamento freqüentemente repetido de que o seu vocabulário exibe um vocabulário «médico» especial não tem sido bem recebido pela maioria dos eruditos modernos, mas pelo menos essas palavras indicam uma boa educação e uma sólida cultura. Todavia, é definidamente verdadeiro que a sua posição como médico e os seus conhecimentos da medicina deixaram traços que se destacam no evangelho de Lucas e no livro de Atos. (Ver Luc. 4:38, em comparação com Mat. 8:14 e Marc. 1:30, onde Lucas dá uma descrição mais exata sobre a «febre alta»; outro tanto se verifica com respeito a Luc. 5:12, em contraste com Mat. 8:2 e Marc. 1:40, onde Lucas diz que o homem estava «coberto de lepra»), Lucas emprega o modo optativo por vinte e oito vezes, embora esse modo já tivesse quase desaparecido no grego koiné de seus dias, e não figure nos escritos de Mateus, João, Tiago e no livro de Apocalipse. Seu emprego do idioma grego é muito diferente do grego de Políbio, Dioscórides e Josefo. Os autores dotados de boa cultüra não apreciavam palavras estrangeiras de som estranho, e Lucas exibiu essa aversão. Assim é que ele omite palavras tais como «Boanerges», conforme se vê no/evangelho de Marcos, além de muitas palavras distintamente aramaicas, como «Hosana», «Getsê- mani», «abba», «Gólgota» e «Eloi, Eloi, lama sabachthani». Ao invés do vocábulo aramaico rabi, que aparece por dezesseis vezes nos demais evangelhos, ele usa a palavra distintamente grega de mestre. Não obstante, Lucas não reescreveu completamente as narrativas de Marcos e de outras fontes menos literárias que usou, e nessas secções encontramos influências de expressões aramaicas, bem como outros elementos indesejáveis do ponto de vista literário. Por conseguinte, podem ser vistos dois níveis de qualidade. Por exemplo, no livro de Atos, a primeira porção do livro, que diz respeito a situações e testemunhos palestinos, pode-se ATOS 7 observar um grego menos culto, que algumas vezes contém semitismos claríssimos. A última parte do livro, porém, que foi escrita acerca de situações totalmente gentílicas, foi vazada em um grego «koiné» muito mais elegante. Classificação do Tipo Literário'. O volume de Lucas-Atos não pode ser classificado como simples biografia, paralelamente a outras obras antigas, como Vidas Paralelas , de Plutarco, Vidas dos Césares, de Suetônio, ou Agrícola, de Tácito. Tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos, embora incorporem características como biografias, ultrapassam esse simples plano. Por semelhante modo, essa obra lucana não pode ser reputada como uma «história», apesar do caráter definitivamente histórico desses documentos, pois, apesar de serem uma história séria, contudo são muito mais do que isso. Lucas não procurou apresentar coisa alguma similar a uma completa descrição de seus personagens, e nem tentou expor um delineamento histórico de sua época, nem ao menos no que tange aos personagens ali descritos. Tais personagens passam pelas páginas dessa dupla obra lucana mais como atores de um drama do que objetos de uma biografia formal. Naturalmente o livro de Atos consiste mais em história formal do que o evangelho de Lucas, mas até mesmo ali apenas trinta anos de acontecimentos são cobertos, e o assunto se limita mais ainda em seu escopo do que se veria nas modernas histórias. Naturalmente isso não nega que dentro das páginas do livro de Atos encontramos grande volume de história contemporânea valiosa, que não se pode encontrar em qualquer outra fonte histórica. A verdade, entretanto, é que tanto o evangelho de Lucas como o livro de Atos fazem parte da apologética cristã, eivada de interesses cristãos tradicionais, o que faz dessas obras mais tratados do que mesmo histórias. Ã parte dessas característi cas, há uma outra particularidade que distingue o livro de Atos dos evangelhos, biografias e histórias — é seu sabor «popular», no sentido de que não somente a obra foi escrita para as massas (o que, no caso do livro de Atos é menos óbvio do que nos evangelhos de Mateus e Marcos, por exemplo), mas também no sentido de que se desenvolveram com base na vida comum, «popular», da igreja cristã, como representantes dessa comunidade e de quaisquer de seus interesses. Pode-se perceber, portanto, que o evangelho de Lucas (como também os demais evangelhos) e o livro de Atos realmente criaram uma nova forma literária, devendo ser classificados como um grupo literário à parte. Os evangelhos e Atos apócrifos copiaram esse novo estilo literário, dando-nos outros documentos dessa natureza, posto que espúrios. IV. TEXTO GREGO DO LIVRO DE ATOS Não existe outro livro, em todo o N.T., que exiba tão numerosas e importantes variantes, nos manuscritos gregos existentes, bem como nas versões, como o livro de Atos dos Apóstolos. Podem-se distinguir dois niveisdiferentes de texto: 1. O chamado texto neutro (conforme se acha nos manuscritos papiros A, B, Aleph, versões Vulgata, Peshitta siríaca e nos escritos dos pais gregos da igreja Clemente de Alexandria, Orígenes e Crisóstomo), também denominado «alexandrino» (por não ser demonstração de preferências e aberrações «locais», o que explica o seu apodo «neutro» ou «alexandrino», porque preserva a tradição alexandrina, que geralmente é reconhecida como «mais» original do que as demais tradições). O termo que mais se tem preferido, para indicar esse tipo de texto, é «alexandrino», apesar de «neutro» ser a designação mais antiga. 2. O texto ocidental (que inclui o códex D, as antigas versões latinas e siríacas, e citações feitas pelos pais ocidentais da igreja, como Irineu, Tertuliano, Cipriano e Agostinho, o qual representa um texto mais longo, com variantes nas seguintes passagens: Atos 1:2,5; 4:18; 5:15,18,39; 6:10; 7:24; 8:24,37,39; 9:4,5,7,8; 10:25; 11:2,17,27,28; 12:10,23; 13:33,43; 14:2,7; 15:2,5,20; 16:4,35,39; 17:15; 18:21,27; 19:1;9,15; 21:16,25; 23:15,23,24,27; 24:6-8,10,24,27; 25:24,25; 27:1; 28:16,19,29,31). Essas variantes (que não aparecem no tipo de texto «neutro» e que podem ser examinadas nas referências dadas no parágrafo acima, são tão numerosas que alguns eruditos têm pensado que o livro original de Atos circulou em duas edições - talvez ambas as edições lançadas por Lucas, ou uma como edição posterior à outra. Nesse caso, os estudiosos têm defendido o tipo de texto «alexandrino» como o mais primitivo, mas outros têm dado suas preferências ao tipo de texto «ocidental». Friedrick Wilhelm Blass era de opinião que a versão original de Lucas se assemelhava mais ao tipo de texto «ocidental», e que uma edição do mesmo, apos ter passado pelas mãos da comunidade cristã de Roma, circulou francamente a partir daquele centro. Porém, Lucas teria enviado igualmente uma outra versão, revisada por ele mesmo, um tanto mais breve, a qual seria a versão «alexandrina», que esse autor designou como «alfa». As outras versões ele chamou de «beta» e «ocidental». (Ver Acta). Essa teoria, entretanto, não tem sido bem acolhida pelos críticos textuais. Pois não é muito provável que um autor fizesse a revisão de seu livro, reduzindo as suas informações históricas, eliminando importantes descrições ou incidentes interessantes. O ponto de vista defendido pela maioria dos críticos modernos, portanto, é que a edição «ocidental» do livro de Atos na realidade é o tipo «neutro» revisado, corrigido e expandido por algum escritor de tempos bem remotos, ou por editores que possuíam conhecimento específico de elementos geográficos ou outros, que circundam os acontecimentos ali descritos. Parte dessa revisão «ocidental» visa efeitos de harmonização, como se vê em Atos 9:5,6 (uma expansão do texto comum), e foi tomada de empréstimo do trecho de Atos 22:10; como também as passagens de Atos 26:14 e 13:33, que são a simples adição da citação baseada em Sal. 2:7,8. O trecho de Atos 18:27 pode ter sido um empréstimo feito da passagem de I Cor. 16:12. Outras adições visam conferir maior exatidão quanto às questões de tempos e datas, como Atos 1:5, sobre o Pentecoste; Atos 5:21, que fala em «levantando-se cedo» e Atos 12:1, que diz «que pertenciam à igreja na Judéia». Mas há variantes que parecem ter sido feitas por motivo de mera alteração de estilo. Essas formas de variantes subentendem que a revisão «alexandrina» do texto é a mais primitiva. O texto chamado ocidental, apesar de ocupar posição secundária, na realidade fornece-nos algumas informações históricas autênticas, muito interessantes, como os «sete degraus», em Atos 12:10; ou como os prisioneiros de «Trogílio», em Atos 20:15 («Trogílio» era uma localização geográfica) que foram entregues pelo centurião ao «stratope- darch» (ver Atos 28:16; ver as notas expositivas em todos esses versículos citados). V. CONTACTOS E INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS Apesar de que, em termos gerais, o livro de Atos pode ser perfeitamente encaixado dentro de uma cronologia histórica, paralelamente às epístolas do apóstolo Paulo, a maioria dos estudiosos modernos tem pronunciado a idéia de que o livro de Atos de modo algum dependeu dessas epístolas, pois Lucas não as teria usado ao escrever o mesmo. É natural que ele soubesse muitas coisas a respeito dessas epístolas, e, como é óbvio, conhecia as condições de muitas igrejas que são igualmente descritas nas epístolas paulinas. Porém, a menos que ele tivesse ignorado propositalmente muitas coisas escritas nessas epístolas, parece não haver dúvida de que Lucas não lançou mão delas, como fonte informativa, em qualquer sentido, ao compilar material histórico para o seu volume de Atos. Baseados em várias referências históricas, sabemos que as epístolas de Paulo (pelo menos algumas delas) já tinham alçado a um posição canônina ou quase-canônica pelos fins do primeiro séc. da era cristã. Geralmente se pensa, por exemplo, que a primeira epístola de Clemente fornece-nos provas deque as epístolas do apóstolo Paulo já circulavam amplamente, pelo menos em Roma e que já se fizera uma coletânea das mesmas. No entanto, o livro de Atos não mostra qualquer evidência de que punha confiança no mesmo, o que provavelmente teria sido feito se porventura houvesse sido escrito depois do ano 90 d.C. Essa é uma das razões pelas quais os estudiosos preferem datar o livro de Atos antes desse tempo. (Quanto a uma discussão sobre a data provável da escrita do livro de Atos, ver a parte II desta introdução). Se o livro de Atos tivesse dependido das epístolas de Paulo, então poderíamos esperar encontrar citações e reflexos verbais das mesmas, mas tudo isso se faz surpreendentemente ausente. Outrossim, o retrato falado que Lucas traça de Paulo é extremamente diferente daquele que obtemos da parte do próprio Paulo, sobretudo nas tendências paulinas mais radicalmente antijudaicas e antilegalistas, que se fazem notoriamente ausentes no livro de Atos. Um exame que se faça nas epístolas mais clássicas de Paulo — Romanos, I e I I , Coríntios e Gálatas—, que ninguém duvida terem sido da lavra desse apóstolo, não revela (quando 8 ATOS as comparamos com o livro de Atos) que Lucas tivesse dependido das mesmas, ou que as tivesse utilizado em qualquer sentido. No livro de Atos, a cidade de Roma parece ser o alvo final de Paulo, provavelmente por causa do interesse demonstrado pelo autor sagrado em mostrar como o evangelho se propagara desde Jerusalém até Roma, assim conquistando e mostrando-se triunfal por todo o mundo, atingindo a mais importante capital de seu tempo. No entanto, na epistola aos Romanos, vemos que o apóstolo Paulo meramente tencionava passar pela capital, a caminho da Espanha, fato esse que de forma alguma aparece na narrativa do livro de Atos. Nem podemos descobrir neste último que Lucas exibisse qualquer conhecimento que já existisse na capital do império uma grande igreja cristã, que não era fruto do trabalho de Paulo, existência essa que se depreende facilmente da leitura da epistola aos Romanos. Pelo contrário, o livro de Atos deixa essa questão de lado, como se em Roma já não existisse uma punjante igreja cristã, quando Paulo ali chegou prisioneiro. A primeira e a segunda epístolas aos Corintios nos dão muitos nomes de indivíduos que residiam em Corinto, como também nos fornecem informações sobre diversas facções e dificuldades naquela comunidade cristã, embora o livro de Atos coisa alguma nos revele a respeito. A primeira epístola aos Corintios também menciona algumas ocorrências impor tantes da vida de Paulo, como a sua luta contra as feras de Êfeso (I Cor. 15:32; essa primeira epístola aos Corintios foi escrita de Êfeso), ao passo que o livro de Atos nada nos adianta sobre esse particular. Mui provavelmente, aconteci mentos tão notáveis, se fossem do conhecimento do autor sagrado, mediante o seu contacto com as epístolas paulinas, teriam sido inclusos na narrativa do livro de Atos. Outras expressões das severas provações experimentadas pelo apóstolo Paulo, em II Cor. 1:8, também teriam sido incluídas na história do livro de Atos, se Lucas tivesse contado com as epístolas de Paulo quando escreveu esse livro. Mas é em confronto com a epístola de Paulo aos Gálatas que se podem perceber as diferenças mais violentas, entre os escritos de Paulo e o livro de Atos. Por exemplo, na narrativa das atividades de Paulo após a sua conversão, especialmente no que diz respeito às suas visitas a Roma e à questão de sua conferência com os outros apóstolos, tudo aparece de modo diverso, entre o primeiro capitulo da epístola aos Gálatas e as passagens do livro de Atos que narram os mesmos eventos, a saber, Atos 9:20-29; 15:1-29. (Comparar essas passagens com Gál. 1:15 - 2:10). Parece impossível que Lucas, se tivera oportunidade de ler a epístola aos Gálatas, tivesse apresenta do outro arranjo e apresentação do material, do que se encontra nessa epístola, onde Paulo conta pessoalmente quais os seus primeiros passos na carreira cristã. Ora, tudo isso nos conduz a diversas importantíssimas conclusões, a saber: 1. A despeito do fato de que Lucas não dependeu das epístolas de Paulo ao escrever o livro de Atos, e a despeito de algumas aparentes discrepâncias assim criadas, contudo.de maneira geral, essas obras concordam entre si. Isso confirma a exatidão histórica geral de ambas, pois, embora tivessem sido escritas independentemente umas das outras, narram essen cialmente a mesma história. 2. 0 fato de que Lucas não dependeu das epístolas de Paulo confirma uma data relativamente remota para sua composi ção, certamente antes ao ano 90 d.C., e provavelmente entre 75 e 85 d.C. 3. De forma indireta, tudo isso confirma a autoria lucana do livro de Atos, porquanto um escritor que chegasse à cena mais tarde, e que desejasse escrever uma obra como o livro de Atos, certamente teria procurado fontes informativas onde lhe fosse possível encontrá-las, e sem dúvida ter-se-ia valhido das epístolas do apóstolo Paulo, dependendo pesadamente delas. Mas Lucas, tendo sido testemunha oçular de grande parte dos acontecimentos por ele mesmo narrados, tendo dependido, por semelhante modo, de testemunhas oculares que haviam acompanhado o apóstolo em suas andanças, antes dele mesmo ter começado a acompanhá-lo em suas viagens missionárias (antes dò décimo sexto capítulo do livro de Atos), não precisou depender de tais fontes informativas. Pelo contrário, valeu-se daqueles documentos ou informações que foi recolhendo ao longo do caminho, como relatórios pessoais de outros apóstolos, do próprio Paulo, de sua própria memória e do conhecimento pessoal que tinha das ocorrências que ele descreve em seu livro de Atos. No que tange à suposta dependência de Lucas aos escritos de Josefo, o grande historiador judeu, podemos considerar o seguinte: Alguns estudiosos, que favorecem uma data posterior para o evangelho de Lucas, bem como um outro autor para o livro de Atos, têm procurado demonstrar que o autor de Atos dependeu muito do historiador Josefo, na narração de vários episódios contados ali. Ora, posto que Josefo escreveu em cerca de 93 d.C., isso nos forçaria a aceitar uma data para o livro de Atos para pelo menos a partir dessa data em diante. Isso também indicaria que outro, e não Lucas, foi o autor do livro de Atos, porquanto é extremamente improvável que Lucas tivesse esperado tantos anos para compilar o seu evangelho. E verdade que testes lingüísticos elaborados indicam certa afinidade, no tocante ao vocabulá rio, entre os escritos de Lucas e de Josefo, mas isso pode ser facilmente explicado com base na suposição de que ambos usaram certa forma de grego «koiné» literário, dependendo bastante do estilo e do vocabulário do A.T. em hebraico, como também da versão LXX (Septuaginta) do A.T., em suas citações. O trecho de Atos 5:36,37 (em que Gamaliel se refere às rebeliões encabeçadas por Teudas e Judas, o Galileu), segundo esses estudiosos, teria dependido de Josefo, o que faria Lucas tornar-se culpado de grosseiro anacronismo. Porém, apesar de que verdadeiramente há certas similaridades de expressão, não há razão alguma para supormos que Lucas interpretou Josefo erroneamente, registrando um acontecimento desloca do cronologicamente, de forma diversa do que de fato ocorreu. (Ver as notas expositivas sobre esse problema, em Atos 5:36,37). Outra suposta dependência de Lucas a Josefo é quando de sua menção a Lisânias, o qual, em Lucas 1:3, aparece como tetrarca de Abilene, o que teve lugar no ano de 28 d.C. Porém, o único Lisânias que sabe ter governado ali, morreu em 36 a.C. Não obstante, as pesquisas arqueológicas têm provido evidências (na forma de uma inscrição antiga) de que um certo Lisânias (e, portanto, um outro indivíduo do mesmo nome daquele que conhecíamos pela história profana) realmente recebeu o título de «tetrarca», tendo governado Abilene em algum período do primeiro século da era cristã, (Sobre essa questão, ver Josefo, Antiq. XX .7.1). (Ver também as notas expositivas referentes a Luc. 3:1). Dessa maneira, as teses de alguns estudiosos, como Max Krendel, em «Josephus und Lukas», de que o autor da dupla obra Lucas-Atos dependeu pesadamente de Josefo, o historiador judeu, o que resultaria na aceitação de uma data posterior a 93. d.C. para essa obra, Lucas-Atos, além de uma autoria provavelmente não-lucana para a mesma, não têm podido ser bem aceitas, porquanto faltam-lhes provas palpáveis e conclusivas. Essa é a opinião adversa a sua tese, por parte da maioria dos eruditos modernos. (Assim diz Jackson, F.J.Foakes e LakeKirsopp,em sua obra Beginnings of Christianity, London: Macmillan Co., 1920-1933). Os contactos literários de Lucas, por conseguinte, provavelmente se deram todos dentro dos limites da primitiva igreja cristã, incluindo alguns registros escritos sobre ocorrências descritas em Atos antes do décimo sexto capítulo, registros esses que eram documentos estritos da comunidade cristã, que descreviam eventos do interesse da tradição cristã; Isso não significa, entretanto, que Lucas não tenha podido ou não tenha realmente usado material histórico proveniente de outras fontes, como quando ele menciona os reinados de monarcas, reis vassalos, governadores ou magistrados locais; mas tais documentos não são suficientemente óbvios e transparentes em Lucas-Atos para que se tornem identificá veis, ainda que, por acaso, o autor sagrado tenha se utilizado de alguns documentos com os quais estamos familiarizados hoje em dia. VI. FONTES INFORMATIVAS Alguns eruditos têm apresentado a hipótese de que somente as secções chamadas «nós» do livro de Atos (aquelas em que o autor desse livro passa a usar a primeira pessoa do plural, por ter participado pessoalmente dos fatos desenrolados) são composições originais do autor. Alguns desses eruditos dizem que essas porções são de autoria lucana, mas outros nem mesmo isso querem admitir (Essas secções são Atos 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1-28:16). Partindo desse ponto inicial, existem muitas conjecturas referentes à unidade, à autoria e às fontes informativas das demais secções do livro de Atos. A maioria desses estudiosos acredita que pelo menos essas secções foram escritas por um único autor; e a maioria dos ATOS 9 eruditos modernos defende a idéia que o resto do livro de Atos foi escrito pelo mesmo autor, ou, pelo menos, foi compilado por ele. (Quanto a comentários sobre essa questão, ver Autor, nesta introdução). No que concerne às fontes informativas usadas pelo autor do livro de Atos, aceita-se de modo quase universal (embora tenham surgido exceções notáveis) que a grande fonte informativa do mesmo, a partir do décimo sexto capítulo até o fim, tenha sido o testemunho ocular do próprio autor sagrado. Naturalmente a distinção e a separação entre as duas secções do livro (antes e a partir do seu décimo sexto capítulo) não são absolutas, porquanto a conversão de Paulo, personagem que passa a dominar as cenas da segunda metade do livro, é apresentada na primeira metade, no nono capítulo; e a narração sobre o concilio cristão de Jerusalém aparece no décimo quinto capítulo. Embora esse concilio tenha ocorrido antes da primeira viagem missionária de Paulo, no livro de Atos aparece como acontecimento posterior a essa viagem. Todavia, a maior parte dos problemas referentes às fontes informativas do livro de Atos giram em torno dos capítulos primeiro a décimo quinto, isto é, antes das chamadas secções nós, as quais tiveram origem no relato do próprio autor, como testemunha ocular dos fatos. Parece que não podemos fazer nada melhor do que examinar alguns desses problemas, na esperança de aprendermos algo a respeito da verdade em tomo da questão, embora não possamos embalar a esperança de encontrar qualquer resultado perfeito nessa investigação. C.H. Turner pensava que podia distinguir, no livro de Atos, seis niveis diferentes de fontes informativas, cada um dos quais representava alguma área geral do progresso no ministério do evangelho. O protagonista central dos três primeiros desses níveis seria Pedro e a figura principal dos três últimos seria Paulo. Dessa forma, o livro de Atos de dividiria em duas metades, de três secções cada uma. Seriam as seguintes: 1. A igreja cristã em Jerusalém. O trecho de Atos 6:7 ofereceria o sumário desse progresso, onde se lê: «Crescia a palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam a lei». 2. A expansão da igreja cristã por toda a Palestina. O sumário dessa secção se acharia no trecho de Atos 9:31, que diz: «A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número». 3. A expansão da igreja cristã até Antioquia. O sumário desse nível seria Atos 12:24: «Entretanto, a palavra do Senhor crescia e se multiplicava». 4. A expansão da igreja cristã pela Ãsia Menor e pela Galácia. O sumário seria o trecho de Atos 16:5: «Assim as igrejas eram fortalecidas na fé, e aumentavam em número dia a dia». 5. A expansão da igreja cristã pela Europa. O sumário se encontraria em Atos 19:20, onde se lê: «Assim a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente». 6. A expansão da igreja cristã até Roma. O sumário desse último nível se acharia em Atos 28:31, que diz: «...pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo». Por detrás dessas diversas °ecções poderíamos supor a existência de alguma fonte informativa, ou mesmo de diversas delas, algumas das quais na forma de testemunhas oculares entrevistadas por Lucas, ao passo que outras seriam tradições orais ou preservadas em forma escrita. Nas secções designadas «nós» (aquelas em que o autor passa a usar a primeira pessoa do plural, por ter participado pessoalmente das ocorrências narradas) mui provavelmente temos o reflexo de anotações diárias, feitas pelo autor sagrado, enquanto viajava. Isso significa que tais passagens nos transmitem a versão direta, em primeira mão, dos acontecimentos ali narrados, embora só tivessem sido incorporados no livro de Atos muitos anos mais tarde. A maioria dos eruditos concorda atualmente que nem todo o material das secções intituladas nós representam o testemu nho real ocular do autor sagrado, porquanto ali também encontramos o uso da terceira pessoa do plural. No entanto, há sem dúvida alguma certa integridade e harmonia que indica que o mesmo autor foi quem escreveu todas essas porções, e, ao mesmo tempo, que foi ele a sua principal fonte informativa. Por causa dos motivos acima aduzidos, os editores da obra The Beginnings of Christianity (ver a referência na bibliografia) dizem: «De maneira geral pode-se asseverar que apesar de haver alguma diferença em estilo, entre os primeiros quinze capítulos do livro de Atos e a segunda metade desse livro, não há diferença nenhuma de estilo entre as secções ‘nós’ e a narrativa em que foram encaixadas». (Vol. II, pág. 158). A isso acrescenta G.H.C. Macgregor, autor da introdução ao livro de Atos na «Interpreter’s Bible». «Nem mesmo o conteúdo daquelas porções dos capítulos dezesseis a vinte e oi to, que estão fora das ‘secções nós’ representam qualquer obstáculo insuperável, no que diz respeito à suposição de que o diarista foi a fonte informativa do todo». Isso não significa, naturalmente, que o autor sagrado tivesse estado presente a observar cada pormenor daquilo que escreveu; porém quer dizer que essas porções estavam por detrás, essencialmente, do relatório de uma testemunha ocular,pois o todo de seu livro chegou ao seu conhecimento com base em fontes informativas imediatamente disponíveis a ele, acerca de acontecimentos contemporâneos. Assim sendo, o autor das secções chamadas nós sem dúvida é igualmente o autor da primeira parte do livro de Atos (capítulos primeiro a décimo quinto); mas no caso dessas secções o autor sagrado foi testemunha ocular, como é óbvio, da maior parte dos acontecimentos. As variações de estilo confirmam a teoria que grande parte de seu trabalho, nesse caso, consistiu mais na obra de um editor e compilador, o que, em última análise, é o caso de todos os livros, com pouquíssimas exceções. O autor sagrado reuniu os seus próprios comentários, as suas elaborações, mas também partes dos quais foram copiados com pouca ou nenhuma variação. Por conseguinte, ele foi ao mesmo tempo autor e editor, como também compilador. As secções registradas com base em alguma fonte informativa oral ou escrita, que ele obteve, mui naturalmente teriam um estilo diferente do dele, quando registrada