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SINGER P Apresentação In RICARDO Princípios

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SINGER, P. Apresentação. In: RICARDO, D. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
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É difícil exagerar a importância de David Ricardo para a Economia Política moderna. Basta dizer que os adeptos das principais escolas atuais de pensamento econômico se consideram herdeiros da tradição ricardiana.
1. Quem foi David Ricardo
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O que tem imortalizado o pensamento de Ricardo – assim como o de Smith, Malthus, Marx, Walras e outros – é o fato de ele ser autor de numerosas abordagens clássicas, que se tornaram pontos de referência obrigatórios para todos aqueles que querem apreender, aplicar ou rediscutir os fundamentos da Economia Política.
David Ricardo nasceu em Londres, em 18 de abril de 1772, filho de um negociante holandês de religião judaica. Ricardo era “sefaradita”, isto é, descendente de judeus portugueses, expulsos da península ibérica no fim do século XV. Este, porém, casou-se com uma jovem “quaker”, o que o fez abandonar o judaísmo e separar-se do pai.
David Ricardo mostrou possuir amplo conhecimento prático da vida econômica capitalista antes mesmo de tentar dominá-la no plano teórico.
Em 1799, Ricardo leu A Riqueza das Nações, a partir de quando passou a dedicar-se com grande interesse à Economia Política. 
Sua primeira contribuição teórica apareceu sob a forma de artigos de jornal a respeito de questões monetárias, em 1809. 
Os escritos de Ricardo chamaram a atenção de vários importantes economistas – James Mill, Thomas Malthus, Jeremy Bentham, Jean-Baptiste Say - que se tornaram seus amigos.
Ricardo incorporou contribuições desses autores, como as teses sobre a população de Malthus, com o qual divergia a respeito da possibilidade de a demanda efetiva ser insuficiente para absorver toda a produção colocada no mercado.
Em 1815, Ricardo despertava a atenção com a publicação de outro panfleto sobre a disputada questão do protecionismo à agricultura e seus efeitos sobre a repartição da renda e o crescimento econômico. Já nessa época ele era considerado o mais destacado economista do país.
Com a publicação dos Princípios de Economia Política e Tributação, em 1817, Ricardo tornou-se o legítimo sucessor de Adam Smith como o grande mestre da Economia Política.
Ricardo adquiriu uma cadeira na Câmara dos Comuns, em 1819, como representante de Portarlington, um condado irlandês que constituía então um dos condados podres, cuja representação era vendida por dinheiro. 
 
Além de pronunciar discursos no Parlamento, Ricardo continuou escrevendo. Publicou Sobre a Proteção da Agricultura em 1822 e deixou um Plano para o Estabelecimento de um Banco Nacional, publicado postumamente, em 1824. Morreu, bastante moço, em 1823.
Ricardo testemunhou duas das mais importantes revoluções da época moderna: a Revolução Industrial na Grã-Bretanha e a Revolução Francesa.
Na verdade, na época em que viveu Ricardo, a Revolução Industrial tinha se concentrado apenas na indústria de tecidos de algodão, cuja importância era enorme.
2. A época de Ricardo
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“A demanda derivada do algodão [...] é por si suficiente para justificar uma ampla proporção do crescimento econômico da Grã-Bretanha até os anos 1830 [...]. Manufaturas de algodão formavam de 40 a 50% de todas exportações britânicas entre 1816 e 1848” (HOBSBAWM, E., 1962).
A agricultura também era revolucionada pelas enclousures, ou seja, pela transformação de áreas de uso comum em propriedades privadas. Esse tipo de transformação já vinha ocorrendo na Grã-Bretanha há séculos, mas parece ter atingido seu auge entre 1760 e 1815, quando milhões de acres de terras comunais foram repartidas e cercadas.
Em 1851, 4/7 de terra estavam em mãos de 4 mil proprietários, que a arrendavam a 250 mil agricultores, a cujo serviço estavam cerca de 1,25 milhão de trabalhadores assalariados.
A Revolução Industrial e Agrícola arruinou e, em grande parte, eliminou as classes pré-capitalistas: o camponês e o artesão independentes; fazendo surgir o proprietário capitalista da terra, o empresário capitalista e o trabalhador assalariado.
A Revolução Francesa, que eliminou a monarquia, acabou com os privilégios da nobreza e do clero, aboliu a servidão e dividiu a terra entre os camponeses. Sua principal consequência foi a transformação do liberalismo de mera doutrina político-filosófica numa força política real. 
3. Ricardo e a política monetária
A partir de 1792, a Grã-Bretanha se viu envolvida numa série quase contínua de guerras, nas quais ela integrava diversas coligações dirigidas contra a França revolucionária.
“Em 1797, o pagamento em ouro a clientes privados foi suspenso e a nota bancária inconversível tornou-se de fato a moeda efetiva [...]. Pagamentos em metal não foram plenamente restabelecidos antes de 1821” (HOBSBAWM, 1962).
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Esse foi o tema que marcou a estreia de Ricardo na controvérsia econômica. Em 1809, [...] ele publicou seus pontos de vista no Morning Chronicle sob a forma de carta de um leitor anônimo. 
Mais tarde, Ricardo resolveu desenvolver suas ideias de forma mais completa, num panfleto denominado O Alto Preço do Ouro, uma Prova da Depreciação das Notas Bancárias, publicado em 1810.
Ao analisar o efeito do crescimento do volume de meios de pagamento sobre os preços, Ricardo formulou uma “Teoria Quantitativa da Moeda”, que até hoje fundamenta a teoria monetária. 
Estabeleceu também as regras do chamado “Padrão Ouro”, ao demonstrar que, em condições de liberdade de comércio internacional, se todos os países utilizarem moeda plenamente conversível, o volume de moeda se distribuirá entre eles de tal modo que em cada um o nível de preços será praticamente constante.
Para Ricardo, a Inglaterra deveria voltar a um padrão monetário plenamente conversível para garantir os possuidores de dinheiro contra a desvalorização da moeda.
Já naquele tempo sabia-se que “estava muito bem para os ricos, que podiam levantar quanto crédito necessitassem, impor deflação rígida e ortodoxia monetária à economia depois das Guerras Napoleônicas: era o pequeno que sofria e em todos os países durante todo o século XIX, reivindicava crédito fácil e heterodoxia financeira” (HOBSBAWM, 1962). 
Para que o preço do ouro baixasse cerca de 15% - esta era então a desvalorização da nota bancária inglesa – Ricardo calculava que seria preciso recolher essa proporção do meio circulante. A sua proposta [...] não foi imediatamente aceita. 
[...] foi somente em 1819, quando já era membro do parlamento, que Ricardo conseguiu que seu plano de restauração da conversibilidade plena da moeda britânica fosse adotado.
[...] ao contrário do que Ricardo previa, a volta do padrão-ouro, em 1821, ocasionou forte deflação. “No fim de 1821 Ricardo admitia que ela era de 10% e em 1822 reconhecia-se, em geral, como sendo muito mais do que isso. Os prejuízos decorrentes dessa queda de preços foram amplamente atribuídos a Ricardo” (SAYERS, R., 1971). 
O ponto forte de Ricardo – a consistência lógica – era também seu ponto fraco. Preocupado com a relação entre o valor da moeda e o seu volume, ele abstraía os demais fatores que influíam sobre os preços. 
Acontece que uma queda de preços afeta os lucros antes que a baixa de custos possa compensá-la. No meio tempo, as empresas menos sólidas quebram, os investimentos se retraem [...] e o nível de atividade diminui. Ricardo não tinha adversários capazes de mostrar isso.
O padrão-ouro proposto por Ricardo, foi adotado não só pela Grã-Bretanha como pela maioria das nações capitalistas, vigorando quase continuamente até a Primeira Guerra Mundial. No século XX, com duas devastadoras guerras mundiais etc., o sistema rapidamente sucumbiu.
Hoje, a independência da autoridade monetária já não basta. O que se exige dela não é apenas a preservação do valor da moeda, mas a defesa do nível de emprego e a garantia do crescimento econômico. [...] não se trata mais de neutralizar o Estado, mas de colocá-lo sob o controle e a serviço da maioria da população.
Durante o período de guerrascom a França (1793 – 1815), o comércio da Grã-Bretanha com a Europa foi gravemente perturbado, o que proporcionou à agricultura pleno domínio do mercado interno.
A industrialização avolumou a população urbana, que precisava ser alimentada por uma agricultura com limitadas possibilidades de expansão, tendo resultado daí considerável aumento dos preços agrícolas.
4. Agricultura e Comércio Internacional
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Restabelecida a paz, a possibilidade do país voltar a se abastecer de cereais no exterior se colocou concretamente. [Entretanto,] a queda dos preços mobilizou os agricultores, que passaram a exigir proteção contra a concorrência do produto estrangeiro.
A contribuição de Ricardo ao debate portava o título de Um Ensaio Sobre a Influência do Baixo Preço do Trigo Sobre os Lucros do Capital, Mostrando a Inconveniência de Restrições à Importação.
Face à proposta das Corn Laws (Leis dos Cereais), que proibiam a importação de trigo se o seu preço descesse abaixo de 80 xelins por quarter, Ricardo e Malthus tomaram posições opostas.
O cenário da controvérsia era a forte queda da margem de lucros da indústria algodoeira. Entre 1784 e 1812, o preço do fio de algodão tinha caído 77%, enquanto o preço da libra de algodão diminuiu apenas 25%.
 
[...] uma forma de preservar o lucro era cortar os salários, o que se tornava possível graças ao uso cada vez maior de máquinas movidas a vapor [...]. “Mas havia um limite fisiológico para tais reduções [...] (HOBSBAWM, Op. cit, p.60)”. 
Ricardo toma como ponto de partida o fato de que os lucros são um resíduo que fica nas mãos do capitalista, depois que este paga a renda ao proprietário da terra e o salário aos trabalhadores.
O problema, para Ricardo, era como evitar ou retardar o estreitamento da margem de lucro pelo aumento das proporções do produto destinadas ao pagamento tanto da renda como do salário.
Ricardo supunha que os trabalhadores recebiam como remuneração quantias apenas suficientes para adquirir bens e serviços necessários à sua subsistência.
A renda da terra, para Ricardo, decorria das diferenças de fertilidade e localização entre as explorações agrícolas, que fazem com que a mesma quantidade de produtos possa chegar às mãos do consumidor com gastos diversos de trabalho.
O ponto essencial da argumentação de Ricardo é que a população tende sempre a crescer até atingir o limite de exaustão dos recursos naturais, indispensáveis ao seu sustento.
Ricardo supunha [...] que o crescimento da população acarreta um aumento mais do que proporcional do trabalho global que tem que ser dedicado à produção de alimentos. Fato que se exprime economicamente no aumento do valor dos alimentos face ao das demais mercadorias.
Do ponto de vista da repartição, o aumento relativo do valor dos alimentos implica na elevação do salário e da renda da terra em detrimento do lucro. 
A redução da acumulação seria o resultado da exaustão dos recursos naturais que coloca um limite intransponível ao crescimento ulterior da população.
Naturalmente, Ricardo considera fatores que retardam essa evolução fatal de cada país em direção a um “estado estacionário”. Um desses fatores é o progresso técnico, que permite produzir mais com menos trabalho, reduzindo o custo e, portanto, o valor dos produtos.
Outro fator com efeitos análogos é o comércio internacional. Ricardo desenvolve, a esse respeito, a famosa “teoria das vantagens comparativas” [...].
Ricardo nega que, no comércio internacional, os países mais desenvolvidos possam ganhar em detrimento dos menos desenvolvidos. Ele pressupõe que o comércio entre nações seja regido pela livre concorrência entre os capitalistas das nações que dele participam.
A concorrência assegura que nenhum produto possa ser vendido por preços superiores ao seu valor, representado pelo tempo de trabalho nele incorporado.
Para a Grã-Bretanha dos dias de Ricardo, a superioridade do seu desenvolvimento lhe proporciona uma posição ímpar no mercado mundial. Por isso mesmo, as Corn Laws acabaram sendo revogadas em 1846 e a partir daí a Inglaterra adotou o livre-cambismo por mais de meio século.
A Teoria das Vantagens Comparativas também foi aceita nos países não-desenvolvidos; o livre-cambismo levou-os a se especializarem na produção primária – o que retardou bastante sua industrialização.
A ideia básica da teoria do valor trabalho é que na troca de mercadorias tende a haver uma troca de quantidades iguais de trabalho, utilizado em sua produção. A dificuldade surge na aplicação da Lei do Valor à repartição da renda entre capital e trabalho.
Smith [...] acabou adotando a fórmula de que o valor de cada mercadoria se compõe da soma de salários, lucro e renda, a qual, a rigor, não é compatível com a Teoria do Valor-Trabalho.
5. Teorias do Valor
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Ricardo supunha que o salário seria relativamente uniforme e constante, sempre próximo do nível de subsistência. O valor do salário, em tempo de trabalho, dependeria do tempo de trabalho necessário para produzir a subsistência do trabalhador.
Em síntese, salário e lucro variam sempre inversamente e seu movimento é basicamente determinado pelas variações da produtividade do trabalho.
Os obstáculos surgem quando se procura conciliar essa proposição com a tendência do lucro ser proporcional ao valor do capital investido por unidade de tempo.
A descoberta de Ricardo é que, se os capitais tendem à mesma taxa de lucros, o valor das mercadorias passa a depender tanto do tempo de trabalho requerido pela sua produção como do valor do capital total nela aplicado e do seu tempo de rotação.
Essa descoberta aparece a Ricardo sob a forma de variação de valores ocorridas devido a mudanças nas taxas de lucro. Se esta, por exemplo, diminui, os bens dos ramos que usam muito capital por trabalhador vão ficar mais baratos em relação aos bens de ramos em que o valor do capital por trabalhador for menor.

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