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Didática do Ensino Di dá tic a do E ns in o Su pe rio r Superior Didática do Ensino Superior Jane Rangel Alves Barbosa Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-1924-3 Didática do Ensino Superior Jane Rangel Alves Barbosa IESDE Brasil S.A. Curitiba 2011 2.ª edição IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2003-2011 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock Jupiter Images DPI Images B238 Barbosa, Jane Rangel Alves. / Didática do Ensino Superior. / Jane Rangel Alves Barbosa. 2. ed. – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2011. 172 p. ISBN: 978-85-387-1924-3 1. Curso Normal. 2. Educação. I. Título. CDD 378 Jane Rangel Alves Barbosa Doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Educação pela Universidade do Grande Rio (Unigranrio). Especialis- ta em Administração Escolar, Supervisão Escolar, Didática do Ensino Superior e Orientação Educacional pela Faculdade Somley, no Rio de Janeiro. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pela Faculdade de Filo- sofia, Ciências e Letras de Nova Iguaçu. Sumário A docência no Ensino Superior ........................................... 11 Profissionalização continuada e construção da identidade profissional .............. 15 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores ................... 25 Ensino Superior e docência ................................................................................................... 25 A Lei de Diretrizes e Bases e o Ensino Superior .............................................................. 26 A Lei de Diretrizes e Bases e a formação de docentes ................................................. 28 Finalidades da universidade no contexto atual ............................................................. 31 Instituições de Ensino Superior: os diversos locais de trabalho dos professores .................................................................................................. 32 Seleção e carreira do magistério superior ........................................................................ 32 Ensino Superior brasileiro: desafios a enfrentar ............................................................. 33 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático .................................... 39 O conceito de educação como fundamento da ação educativa ............................. 40 Prática educativa, pedagogia e didática .......................... 55 Prática educativa na sociedade ............................................................................................ 55 Didática e metodologia........................................................................................................... 59 Tendências pedagógicas da prática escolar .................................................................... 60 Ensinar e aprender: a construção do conhecimento... 73 Analisando a realidade atual ................................................................................................. 73 O ensino e a aprendizagem na vida humana ................................................................. 74 Ensinar e aprender: significados e mediações ................................................................ 77 Planejamento da ação didática: uma prática em questão ........................................................ 87 Planejamento: níveis e suas relações ................................................................................. 87 O planejamento no Ensino Superior .................................................................................. 95 Planejamento de ensino numa perspectiva crítica ....107 O processo de planejamento no Ensino Superior .......................................................108 Planejamento: ação pedagógica essencial ....................................................................110 Planejamento de ensino: processo integrador entre a universidade e o contexto social ....................................................................................111 Objetivos, conteúdos e metodologias ............................119 A formulação de objetivos educacionais ........................................................................121 Os conteúdos de ensino .......................................................................................................126 Metodologias ............................................................................................................................129 Técnica de ensino em grupo ...............................................................................................132 Técnica painel ...........................................................................................................................133 O trabalho interdisciplinar no Ensino Superior ............................................................134 Repensando a aula universitária no dia a dia ...............141 O que é aula expositiva? .......................................................................................................142 Repensando a aula universitária ........................................................................................145 Avaliação da aprendizagem: avaliar não é o que muita gente pensa ..........................155 O que faz um professor universitário em sua atividade profissional no dia a dia? ...........................................................................157 O conceito de avaliação de aprendizagem e as concepções pedagógicas ................................................................................................158 Ensino para competências ...................................................................................................160 Avaliação da aprendizagem ................................................................................................163 Apresentação A Educação Superior era, antigamente, mais uma exigência de aprimoramen- to intelectual. Hoje, porém, é uma exigência para sobrevivência e desenvolvimen- to de um país. A Educação Superior, até bem pouco, tinha caráter humanístico, era privilégio de poucos, quase todos provenientes de famílias dominantes no cenário político e econômico do país. Os estudantes buscavam mais um “aprimoramento pessoal” do que uma profissão. Mas hoje a importância que adquirem, as questões da ci- ência, tecnologia e comunicação no mundo globalizado provoca sensíveis trans- formações nas sociedades contemporâneas em todos os sentidos, sinalizando a construção de uma nova sociedade, uma nova realidade social, obrigando a edu- cação escolar a vincular-se às práticas sociais e ao mundo do trabalho. No que se refere à formação de professores para o Ensino Superior, as pesqui- sas recentes na área de educação mostram que são profissionais essenciais nos processos de mudança da sociedade. Por isso, é preciso investir em sua formação e desenvolvimento profissional. Como a Educação Superior está inserida no contexto social global, é preci- so situar a instituição de Ensino Superior, analisá-la e criticá-la como instituição social que tem compromissos historicamente definidos. No decorrer das últimas décadas, a instituição universitária vem experimen- tando muitas alterações, colocando em discussão esses compromissos e a sua relação com a sociedade em que está inserida. Jane Rangel Alves Barbosa 11 Na sensação humana de aprender... está a divina alegria de ensinar. Albert Einstein A docência no Ensino Superior Entendendo que a profissão docente constitui uma unidade, qual- quer que seja o nível de atuação – EducaçãoInfantil, Ensino Fundamen- tal, Ensino Médio ou Ensino Superior –, a profissão de professor adquirirá características peculiares conforme o nível de escolaridade em que atue, sem prejuízo de sua identidade básica. A formação de professores para o Ensino Superior no Brasil não está regulamentada sob a forma de um curso específico como na Educação Básica. De um modo geral, a Lei de Diretrizes e Bases admite que esse pro- fissional seja preparado nos cursos de pós-graduação tanto stricto sensu como lato sensu. Entretanto, a exigência legal de que todas as instituições de Ensino Superior tenham um mínimo de um terço de seus docentes titu- lados na pós-graduação stricto sensu aponta para o fortalecimento desta como o lugar para a formação do docente nesse nível de ensino. Paralelamente à questão legal, a docência universitária constitui tema relevante em diferentes países e, no nosso, só se admite a necessidade de as instituições de Ensino Superior desenvolverem programas de prepa- ração de seus professores para o exercício da docência. Essa preparação deve colocá-los a par da problemática e da complexidade do ensinar e do formar no Ensino Superior, do formar profissionais, do formar pesquisado- res e do formar professores. Então, perguntarmos: qual o papel da didática na formação de professores? 12 A docência no Ensino Superior O papel da didática na formação de professores não está, para muitos, ade- quadamente definido, o que gera indefinição do seu próprio conteúdo. Alguns estudiosos têm a sensação de que, ao tentar superar uma visão meramente instrumental da didática, esta se limita a suplementar conhecimentos de filo- sofia, sociologia, psicologia, passando a ser “invadida” por diferentes campos do conhecimento e perdendo especificidade própria. Outros consideram que a didática deve ser entendida como um elemento articulador dos conheci- mentos produzidos pelas disciplinas de Fundamentos da Educação e Prática Pedagógica. Trata-se de conhecimento de mediação, sendo, portanto, importante que se baseie nas diferentes disciplinas da área de Fundamentos. Sua especificidade é garantida pela preocupação com a compreensão do processo ensino-aprendi- zagem e a busca de formas de intervenção na prática pedagógica. A didática tem por objetivo “como fazer” a prática pedagógica, que só tem sentido quando articulado a “para que fazer” e a “por que fazer”. O ensino de didática parte de uma visão de totalidade do processo ensino- -aprendizagem, de uma perspectiva multidimensional; as dimensões humana, técnica e político-social da prática pedagógica devem ser compreendidas e tra- balhadas de forma articulada. Nessa linha de pensamento, a competência técnica e a competência política do professor se exigem mutuamente e se interpenetram. Não é possível disso- ciar uma da outra. A dimensão técnica da prática pedagógica tem de ser pensa- da à luz do projeto político-social que a orienta. Assim, a didática passa por um momento de revisão crítica. Há consciência da necessidade de superar uma visão meramente instrumental e pretensamente neutra do seu conteúdo. Trata-se de um momento de perplexidade, de denún- cia e anúncio, de busca de caminhos que têm de ser construídos por meio de um trabalho conjunto de profissionais da área com os professores da educação básica. É pensando a prática pedagógica concreta articulada com a perspectiva de transformação social que emergirá uma nova configuração para a didática. O ensino de didática durante muito tempo deu prioridade ao estudo das di- ferentes teorias do processo ensino-aprendizagem procurando ver as aplicações e implicações dessas teorias na prática pedagógica. Esse modo de focalizá-lo está formado por uma visão em que teoria e prática são momentos justapostos. É necessário rever essa postura, partindo da prática pedagógica, procurando A docência no Ensino Superior 13 refletir e analisar as diferentes teorias em confronto com ela. Trata-se de traba- lhar continuamente a relação entre teoria e prática, procurando, inclusive, re- construir a própria teoria a partir da prática. Estudos e pesquisas propõem discutir as questões referentes à docência no Ensino Superior, destacando a importância dos professores e do seu trabalho nesse nível de escolaridade, a qual é relegada a planos inferiores, tanto pelas instituições quanto pelos próprios docentes. Essa questão aponta para a problemática profissional do professor do Ensino Superior, tanto no que se refere à identidade, sobre o que é ser professor, quanto no que se refere à profissão, sobre as condições do exercício profissional. A construção da identidade do professor é problematizada em relação às di- versas configurações das instituições universitárias, que têm seu corpo docente composto de um conjunto de profissionais de diferentes áreas que, em sua maio- ria, não tiveram formação inicial ou continuada para o exercício da profissão. No tocante à formação de professores, os estudos têm mostrado que: [...] o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professorado. Mas ela é insuficiente. (BENEDITO, 1995, p. 131) Tal constatação tem favorecido inúmeras iniciativas, que caracterizam a for- mação continuada ou em serviço mediante cursos, palestras, semanas acadêmi- cas, seminários, disciplinas de pós-graduação lato sensu etc. No entanto, essas iniciativas não constituem regra geral, pois há um certo consenso de que a do- cência no Ensino Superior não precisa de qualquer formação no campo do en- sinar, sendo suficiente o domínio de conhecimentos específicos, o que significa dizer que o que habilita o professor a lecionar no Ensino Superior é a pesquisa e/ ou o exercício profissional no campo. Nesse conceito, o professor é aquele que ensina, isto é, dispõe os conhecimentos aos alunos. Se estes aprenderam ou não, não é problema do professor, mas sim dos alunos. Na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as universidades, embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passaram a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 37) 14 A docência no Ensino Superior Como se percebe, a questão da docência no Ensino Superior ultrapassa os processos de sala de aula, colocando em discussão as finalidades dos cursos de graduação. No atual panorama nacional e internacional, há preocupação com o crescente número de profissionais não qualificados para a docência universitária em atuação. Considere-se, também, o contexto da globalização e da sociedade glo- balizada que estão a exigir um posicionamento da comunidade universitária sobre essa necessária profissionalização. Entendendo que a profissão docente é atividade de educação, discutem-se os seus significados na sociedade da informação e do conhecimento e o papel dos professores universitários. Examinando o panorama internacional, constata-se, nas instituições educati- vas dos países mais avançados, um crescimento da preocupação com a forma- ção e o desenvolvimento profissional dos professores universitários e com as inovações no campo da didática. Sem dúvida, tal fato se explica pela expansão quantitativa da educação superior e o consequente aumento do número de docentes. No entanto, em sua maioria, são professores improvisados, não preparados para desenvolver a função de pesquisadores e sem formaçãopedagógica, segundo dados da Unesco (UNESCO/CRESALC, 1996). Também notamos a preocupação com a qualidade dos resultados do Ensino Superior, sobretudo do ensino na graduação, apontando para a importância da preparação no campo específico e no campo pedagógico de seus docentes. Além disso, novas demandas são postas sob a responsabilidade desses profissio- nais, impulsionando estudos e pesquisas na área. Expressando preocupações com temas do campo educacional até então ausentes na docência universitária, o documento da Conferência Internacional sobre Ensino Superior – uma perspectiva docente (Paris, 1997) destaca temas como a qualidade da educação, a educação a distância e as novas tecnologias, a gestão e o controle do Ensino Superior, o financiamento do ensino e da pes- quisa, o mercado de trabalho e a sociedade, a autonomia e as responsabilidades das instituições, os direitos e liberdades dos professores do Ensino Superior, as condições de trabalho, entre outros. A docência no Ensino Superior 15 Esses temas têm conduzido à preocupação dos docentes universitários, pois o grau de qualificação é fator fundamental no fomento da qualidade em qualquer profissão, especialmente na educação, que experimenta constantes mudanças. O professor que deseja melhorar suas competências profissionais e metodo- lógicas de ensino, além da própria reflexão e atualização sobre o conteúdo da matéria ensinada, precisa estar em estado permanente de aprendizagem. É certo que a sociedade contemporânea está mudando o papel das institui- ções de ensino e dos professores, os quais devem se pôr em dia com a tecnolo- gia. No entanto, o professor que quer ser visto sempre como um “mestre” precisa ter consciência de que sua ação profissional competente não será substituída pelas máquinas nem convertida em suporte da aprendizagem. Qualquer que seja a solução dada às questões colocadas até o momento, não desobriga o professor de adotar novas posturas em relação ao novo aluno que a cada ano chega às salas de aula. Os professores exercem papel imprescindível, essencial e insubstituível nos processos de mudança da sociedade. No pensamento de Pimenta e Anastasiou (2002, p. 143), é interessante destacar que, embora o sistema não se preocupe com a profissionalização dos docentes e não estabeleça princípios e diretrizes para a profissionalização dos docentes do Ensino Superior, realiza uma série de verificações externas sobre a docência: os resultados que os alunos obtêm no provão, os índices de professores com mestrado e doutorado nas instituições, o prazo em 2004 para que seja feita a avaliação dos definidores de qualidade. Profissionalização continuada e construção da identidade profissional Constatada e reconhecida a importância do desenvolvimento profissional da profissão docente para os professores que atuam na universidade, vários cami- nhos são experimentados nos últimos anos. Primeiro, a inclusão da disciplina Metodologia do Ensino Superior, resumida a uma duração de 60 horas em média, a única oportunidade de uma reflexão sistemática sobre a sala de aula, o papel do docente, o ensinar e o aprender, o pla- nejamento, a organização dos conteúdos curriculares, a metodologia, as técnicas de ensino, o processo avaliatório, o curso e a realidade social em que atuam. 16 A docência no Ensino Superior Estudos mais recentes mostram que ações mais efetivas para a formação do- cente ocorrem em processos de profissionalização continuada que contemplam diversos elementos, entrelaçando os vários saberes da docência: os saberes da experiência, do conhecimento e os saberes pedagógicos, na busca da constru- ção da identidade profissional, vista como processo de construção do profissio- nal contextualizado e historicamente situado (PIMENTA, 1996). Segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p. 111-112), nos processos de profissio- nalização continuada e de construção da identidade do docente, destacam-se os aspectos relativos aos sujeitos presentes no universo da docência; aos deter- minantes do processo educativo; à ação do docente na universidade. Sujeitos presentes no universo da docência O professor como pessoa e como profissional. � O aluno como sujeito do processo cognitivo. � Os processos cognitivos compartilhados entre os diferentes sujeitos. � Determinantes do processo educativo O Projeto Político Pedagógico institucional e sua inserção no contexto social. � O projeto de curso e os dados da realidade institucional. � A teoria didática praticada e a desejada na sala de aula. � A responsabilidade com a atuação técnica e social do profissional no mer- � cado de trabalho. Ação do docente na universidade A construção coletiva interdisciplinar. � A definição de conteúdos e os enfoques metodológicos. � O acompanhamento do processo mediante a avaliação. � Esses aspectos revelam um quadro teórico complexo, considerando a caracte- rística essencialmente reflexiva da profissão docente e dos processos de profis- sionalização continuada. A docência no Ensino Superior 17 Ao tratar da construção da identidade docente, Nóvoa (1992a) destaca que três processos são essenciais: desenvolvimento pessoal � – que se refere aos processos de produção da vida do professor; desenvolvimento profissional � – que se refere aos aspectos da profissio- nalização docente; desenvolvimento institucional � – que se refere aos investimentos da ins- tituição para a consecução de seus objetivos educacionais. Assim, podemos dizer que os processos de profissionalização continuada bem conduzidos se assentam nesse tríplice investimento. Concluindo Para se tornar professor universitário hoje, dependendo da instituição a que se vincule, será exigido do profissional um tipo específico de produção: docên- cia, atividades de extensão e pesquisa, sendo a primeira a atividade comum a todas as instituições que compõem o Ensino Superior. Assim, a relação profissional do professor com as instituições de Ensino Supe- rior inicia-se pelo papel de docente. Texto complementar A didática e a formação profissional do professor (LIBÂNEO, 1998, p. 27-29) A formação profissional do professor é realizada nos cursos de Habilita- ção ao Magistério em nível de 2.º grau e superior. Compõe-se de um conjun- to de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos objetivos e conte- údos devem confluir para uma unidade teórico-metodológica do curso. A formação profissional é um processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-científica e técnica do professor para dirigir compe- tentemente o processo de ensino. 18 A docência no Ensino Superior A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teó- rico-científica, incluindo a formação acadêmica específica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pe- dagogia que contribuem para o esclarecimento do fenômeno educativo no contexto histórico-social; a formação técnico-prática, visando à preparação profissional específica para a docência, incluindo a didática, as metodologias específicas, a Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras. A organização dos conteúdos da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são ne- cessariamente referidas à prática escolar, de modo que os estudos específi- cos realizados no âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo, os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo tempo em que fornecemà teoria os problemas e desa- fios da prática. A formação profissional do professor implica, pois, uma contí- nua interpenetração entre teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática e ação prática orientada teoricamente. Nesse entendimento, a didática se caracteriza como mediação entre as bases teórico- científicas da educação escolar e a prática docente. Ela opera como que uma ponte entre o “o quê” e o “como” do processo pedagógico escolar. A teoria pedagógica orienta a ação educativa escolar mediante objetivos, conteúdos e tarefas da formação cultural e científica, tendo em vista exigências sociais concretas; por sua vez, a ação educativa somente pode realizar-se pela atividade prática do professor, de modo que as situ- ações didáticas concretas requerem o “como” da intervenção pedagógica. Esse papel de síntese entre a teoria pedagógica e a prática educativa real assegura a interpenetração e interdependência entre fins e meios da edu- cação escolar e, nessas condições, a didática pode constituir-se em teoria do ensino. O processo didático efetiva a mediação escolar de objetivos, conte- údos e métodos das matérias de ensino. Em função disso, a didática descre- A docência no Ensino Superior 19 ve e explica os nexos, relações e ligações entre o ensino e a aprendizagem, investiga os fatores codeterminantes desses processos; indica princípios, condições e meios de direção do ensino, tendo em vista a aprendizagem, que são comuns ao ensino das diferentes disciplinas de conteúdos especí- ficos. Para isso, recorre às contribuições das ciências auxiliares da Educação e das próprias metodologias específicas. É, pois, uma matéria de estudo que integra e articula conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas de formação acadêmica, formação pedagógica e formação técnico-prática, provendo o que é comum, básico e indispensável para o ensino de todas as demais disciplinas de conteúdo. A formação profissional para o magistério requer, assim, uma sólida forma- ção teórica e prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfató- rio teórico-prático do professor na sala de aula depende de vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. É verdade que muitos professores manifestam especial tendência e gosto pela profissão, assim como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no desempenho profissional. Entretanto, o domínio das bases teórico-científicas e técnicas e sua articulação com as exigências concretas do ensino permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganha base para pensar sua prática e aprimora sempre mais a qualidade do seu trabalho. Entre os conteúdos básicos da didática figuram os objetivos e tarefas do ensino na nossa sociedade. A didática se baseia em uma concepção de homem e sociedade e, portanto, subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação escolar a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira. O processo de ensino é uma atividade conjunta de professores e alunos, organizado sob a direção do professor, com a finalidade de prover as condi- ções e meios pelos quais os alunos assimilam ativamente conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções. Esse é o objetivo de estudo da didática. Os elementos constitutivos da didática, o seu desenvolvimento histórico, as características do processo de ensino e aprendizagem, e a atividade de estudo como condição do desenvolvimento intelectual. Os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas do ensino, es- pecialmente a aula, constituem o objeto da mediação escolar. 20 A docência no Ensino Superior Atividades 1. Com base no texto complementar, responda: a) Por que se afirma que a didática é o eixo da formação profissional do professor? b) Que dimensões a formação do professor abrange na opinião do autor? A docência no Ensino Superior 21 2. Leia o capítulo “Educação, identidade e profissão docente” do livro Docência no Ensino Superior, de Léa das Graças Anastasiou e Selma Garrido Pimenta. Partindo da óptica das autoras, discuta e apresente as conclusões sobre as questões da identidade e profissão docente. 22 A docência no Ensino Superior Referências BENEDITO, V. et al. La Formación Universitária a Debate. Barcelona: Universi- dad de Barcelona, 1995. BRANDÃO, C. R. O que é Educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. ______. O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal, 1984. BRASIL. Lei 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. ______. Presidência da República. Parecer 2.207, de 15 de abril de 1997. Publi- cado no DOU de 16 de abril de 1997. Brasília, 1997. CUNHA, M. I. da. O Professor Universitário na Transição de Paradigmas. Ara- raquara: J. M., 1998. GRILLO, M. C. O Professor e a Docência: o encontro com o aluno. In: ENRICONE, D. Ser Professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. LIBÂNEO, J. C. 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Situación de la Educación Superior en América Latina y Caribe. Kingston (Jamaica): VII Conferência Regional de Ministros de Educación, 1996. ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores Ensino Superior e docência Há algum tempo, a Educação Superior, era mais uma exigência de apri- moramento intelectual. Hoje, porém, é uma exigência para sobrevivência e desenvolvimento de um país. Até bem pouco tempo, tinha um caráter humanístico, era privilégio de poucos, quase todos provenientes de famí- lias dominantes no cenário político e econômico do país. Os estudantes buscavam mais um “aprimoramento pessoal” do que uma profissão. Mas, a importância que adquirem, hoje, as questões da ciência, tecnologia e da comunicação no mundo globalizado, provoca sensíveis transforma- ções nas sociedades contemporâneas em todos os sentidos, sinalizando a construção de uma nova sociedade, uma nova realidade social, obrigando a educação escolar a vincular-se às práticas sociais e ao mundo do traba- lho, e, ao mesmo tempo, provocando mudanças significativas na Educa- ção Superior brasileira. No que se refere à formação de professores para o Ensino Superior, as pesquisas recentes na área de educação mostram que eles são profissio- nais essenciais nos processos de mudança da sociedade. Por isso, é preciso investir em sua formação e desenvolvimento profissional. Como a Educação Superior está inserida no contexto social global, é preciso situar a instituição de Ensino Superior, analisá-la e criticá-la como instituição social que tem compromissos historicamente definidos. No decorrer das últimas décadas, a instituição universitária vem expe- rimentando muitas alterações, colocando em discussão esses compromis- sos e sua relação com a sociedade na qual está inserida. 25 26 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores A Lei de Diretrizes e Bases e o Ensino Superior A Lei 9.394, de 20 de dezembrode 1996, também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, define a educação escolar brasileira em dois níveis: � Educação Básica – compreendendo a Educação Infantil, o Ensino Funda- mental e o Ensino Médio; � Educação Superior – com os cursos sequenciais, de graduação, pós-gra- duação e extensão. Segundo o artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Educação Básica tem por objetivo: “desenvolver o educando e assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer ao educando meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. A Educação Superior tem os seguintes objetivos: I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade, e comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII – promover a extensão aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. (LDB, art. 43) Conforme o artigo 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os cursos e programas da Educação Superior são: I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente; Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 27 II – de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o Ensino Médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; III – de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; IV – de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino. (grifos nossos) Outros aspectos importantes a serem destacados, conforme a Lei de Diretri- zes e Bases vigente: a autorização, o reconhecimento e o credenciamento das universidades � e instituições de Ensino Superior terão prazos limitados e renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação; o ano letivo, independentemente do ano civil, tem, no mínimo, 200 dias � de trabalho efetivo, excluindo o tempo reservado aos exames finais, quan- do houver; os programas de cursos e demais componentes curriculares, sua duração, � requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação serão obrigatoriamente informados aos interessados pelas res- pectivas instituições; a frequência dos alunos e professores é obrigatória, a não ser nos progra- � mas de educação a distância; os diplomas expedidos por universidades serão por elas mesmas regis- � trados e terão validade nacional, os de instituições não universitárias, por universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e te- rão, também, validade nacional; a transferência de alunos regulares poderá ser aceita se houver vagas e � mediante processo seletivo. É importante destacar, também, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (art. 13) define de forma pioneira, as atribuições dos professores, que são: I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; 28 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Na sociedade brasileira contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de informação e comunicação invadem fortemente a instituição de Ensino Superior, aumentando os desafios para torná-la uma conquista demo- crática efetiva. O desafio é educar as pessoas, propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico, de modo que adquiram condições para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. A Lei de Diretrizes e Bases e a formação de docentes No contexto brasileiro, a Lei 9.394/96, que define as diretrizes e bases da edu- cação nacional, e o Decreto 2.207/97, que regulamenta o Sistema Federal de Ensino, fazem referência explícita à preparação pedagógica para o exercício da docência no Ensino Superior ao exigirem que as instituições de Ensino Superior tenham professores titulados em nível de pós-graduação: Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós- -graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. E, em seu parágrafo único, afirma que “O notório saber, reconhecido por uni- versidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico”. Como podemos observar, a Lei não concebe a docência universitária como um processo de formação, mas como preparação para o exercício do magistério superior, que será realizada prioritariamente em pós-graduação stricto sensu. Essa questão tem sido considerada, tanto no âmbito da pesquisa sobre os processos de formação como nas formulações das políticas de Ensino Superior, no que se refere ao ensino e à pesquisa, exigência que caracteriza o exercício da profissão em geral. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 29 E, por sua vez, a didática e as licenciaturas, caminhos tradicionalmente per- corridos na formação de professores para a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), são sempre lembradas ao lado das críticas que historicamente foram construídas sobre elas. Torna-se consensual a ideia de que a formação de professores deve ser con- tínua e continuada, muito além da graduação específica, mesmo em nível supe- rior, em processos institucionalizados e de contínua avaliação, nas mais variadas formas de pesquisa e investigação. A formação exigida para o exercício do magistério superior, conforme a Lei de Diretrizes e Bases, pode ser assim resumida: pós-graduação � lato sensu em cursos de especialização em diferentes áreas de conhecimento, com, no mínimo, 360 horas-aula e direito a certificados após cumprimento de todas as exigências da instituição formadora; pós-graduação � stricto sensu prioritariamente em programas de mestra- do e doutorado, com duração de três e cinco anos respectivamente, com direito a diploma. Entendemos que a valorização da docência no Ensino Superior é fortemente impregnada do significado que se atribuià universidade na sociedade contemporânea. A universidade como instituição educativa tem por finalidade o permanente exercício da crítica, que se sustenta no ensino, na pesquisa e na extensão. Para Edgard Morin (2000, p. 9-10), “a universidade conserva, memoriza, inte- gra e ritualiza uma herança cultural de saberes, ideias e valores que acaba por ter um efeito regenerador, porque a universidade se incumbe de reexaminá-la e transmiti-la”. Assim, as funções da universidade podem ser sistematizadas, segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p. 163), da seguinte forma: criação, desenvolvimento, transmissão e crítica da ciência, da técnica e da � cultura; preparação para o exercício de atividade profissional que exija a aplicação � de conhecimentos e métodos científicos e para a criação artística; apoio científico e técnico ao desenvolvimento cultural, social e econômico � das sociedades. 30 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores O sentido da educação é a humanização. A educação possibilita que todos os seres humanos tenham condições de serem partícipes e, ao mesmo tempo, possam desfrutar dos avanços e progressos da civilização construída historica- mente, e também sejam compromissados com a solução de seus problemas. Ao consolidar a condição humana, a educação é atravessada por uma inten- cionalidade teórica, sendo uma prática simultaneamente técnica, ética e políti- ca. O ensino na universidade se constitui em um processo de busca, construção científica e de crítica ao conhecimento produzido. Esse é, portanto, o papel da universidade na construção da sociedade. Nas sociedades contemporâneas, essas atribuições do ensino universitário exigem uma ação docente na qual o professor universitário precisa atuar como profissional reflexivo, crítico, responsável e competente no âmbito de sua dis- ciplina, diferentemente do que ocorria no passado. Além disso, ele precisa ter capacidade para exercer a docência e realizar atividades de investigação. Nesse contexto, destacamos três aspectos que impulsionam o desenvolvi- mento profissional do professor universitário: a transformação da sociedade, de seus valores e suas formas de organiza- � ção e trabalho; o avanço exponencial das ciências nas últimas décadas; � a consolidação progressiva de uma ciência da educação, possibilitando a � todos o acesso aos saberes elaborados no campo da pedagogia (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 165). Assim, o desenvolvimento profissional do professor envolve a formação ini- cial e continuada, articulada num processo de valorização de sua identidade profissional. Logo, a docência constitui um campo específico de intervenção profissional na prática social. Essa percepção possibilita ao professor universitário, mediante a ação edu- cativa, a construção de sua consciência crítica, criativa e transformadora numa sociedade contemporânea globalizada e complexa. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 31 Finalidades da universidade no contexto atual As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, pesquisa, extensão, domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: Art. 52. [...] I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural quanto regional e nacional; II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Além dessas características, a Lei de Diretrizes e Bases define como facultati- va a criação de universidades especializadas por campo do saber. A universidade, enquanto instituição social, caracteriza-se como ação e prá- tica social, pautando-se por um conhecimento guiado por suas necessidades, tanto no que se refere à descoberta e invenção quanto à transmissão desse conhecimento. Desde sua origem, a universidade buscou efetivar os princí- pios de formação, criação, reflexão e crítica, tendo sua legitimidade fundamen- tada na autonomia do saber. Mas, no contexto atual, ela vem perdendo essa característica. A partir dos anos 1990, a formação de profissionais nessas universidades resume-se à transmissão rápida de conhecimentos, habilitação rápida para gra- duados que precisam entrar prontamente no mercado de trabalho. Assim, bus- ca-se restringir o papel da universidade ao treinamento, permitindo inúmeras críticas. Na opinião de Chauí (2001, p. 55), “a universidade, exatamente como a em- presa, está encarregada de produzir incompetentes sociais, presas fáceis da domi nação e da rede de autoridades”. Nessa perspectiva, a universidade está a serviço de suas próprias concepções, deixando de cumprir suas responsabilidades enquanto instituição social. 32 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores Instituições de Ensino Superior: os diversos locais de trabalho dos professores A Lei de Diretrizes e Bases admite uma variedade de tipos de instituições de Ensino Superior: universidade � – caracteriza-se pela autonomia didática, administrativa e financeira, por desenvolver ensino, pesquisa e extensão e, portanto, con- tar com um número expressivo de mestres e doutores; centro universitário � – caracteriza-se por atuar em uma ou mais áreas, com autonomia para abrir e fechar cursos e vagas de graduação e ensino de excelência; faculdades integradas � – reúnem instituições de diferentes áreas do co- nhecimento e oferecem ensino e, às vezes, extensão e pesquisa; institutos ou escolas superiores � – atuam em áreas específicas do conhe- cimento e podem ou não fazer pesquisa, além do ensino, mas dependem do Conselho Nacional de Educação para criação de novos cursos. Seleção e carreira do magistério superior A seleção para o magistério superior é feita de diferentes maneiras, atendendo às exigências de elevar a qualidade do ensino: por concurso de provas e títulos � – em que o candidato põe à prova públi- ca a sua habilitação em conteúdo e didática, da disciplina a ser lecionada; por concurso de títulos � – em que é convidado o que conseguir maior número de pontos segundo uma tabela previamente preparada; por convite � – após indicação realizada pelos professores da instituição de Ensino Superior, o critério recai sobre a reconhecida competência profis- sional do convidado na área de atuação específica, relacionada à disciplina que passará a lecionar; por convocação em jornais � – em que o candidato encaminha curriculum vitae para análise e posterior convocação, de acordo com os critérios da instituição de ensino superior. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 33 Na carreira do magistério superior, temos as seguintes categorias de professores: professor titular � – com título de doutor; professor adjunto � – com título de doutor ou mestre; professor assistente � – com título de mestre; professor auxiliar � – com título de especialista ou cursando mestrado. Temos também nas universidades, principalmente públicas: professor visitante � – professor de outra instituição de Ensino Superior, nacional ou estrangeira, que se propõe a fazer determinados estudos, prontificando-se, em colaboração, a ajudar na execução de parte de um programa ou a dar cursos de extensão referentes à sua especialidade; professor convidado � – professor renomado, que seria convidado por de- terminado tempo, a fim de orientar pesquisas ou ministrar cursos regulares ou especiais, assistidos por professores titulares, adjuntos e assistentes. É bom lembrar que o plano de carreira do magistério superior define a mu- dança de categoria e nível, respectivamente, de acordo com a titulação e a pro- dução científica dos professores. Ensino Superior brasileiro: desafios a enfrentar O Ensino Superior apresenta problemas diversos.A seguir, elencamos as questões mais comumente levantadas. Desigualdade de acesso O processo seletivo do sistema público de Ensino Superior tende a excluir os estudantes das camadas sociais menos favorecidas. Isso quer dizer que esse sistema gratuito atende, em geral, aos estudantes oriundos das elites, já privilegiadas. 34 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores Má distribuição de recursos Os recursos destinados ao sistema de Ensino Superior, especialmente o siste- ma público, estariam muito concentrados nas regiões Centro-Sul e Sudeste, em detrimento de outras mais necessitadas. Qualidade de ensino A qualidade do Ensino Superior brasileiro e, sobretudo, a sua relevância para o mercado de trabalho têm sido objeto de grandes discussões, ficando a imagem de que o Ensino Superior deixa muito a desejar. Tais questões nos levam a refletir sobre a formação de professores e sua prá- tica pedagógica nessas instituições. No contexto das profundas transformações que são consideradas necessárias ao sistema de Ensino Superior brasileiro, alguns pontos já são consensuais. Apre- sentamos alguns entre eles. Expansão do sistema O Plano Nacional de Educação (PNE) instituído no ano de 2001 e encerrado em 2010 estabeleceu que o sistema de Ensino Superior brasileiro precisava se expandir e, pelo menos, duplicar-se no período de dez anos. O governo Lula havia proposto ampliar as vagas, especialmente nas institui- ções públicas, em taxas compatíveis com o PNE, que previa atingir 30% da faixa etária de 18 a 24 anos. Sistema de avaliação mais eficaz O atual sistema de avaliação das instituições de ensino superior ainda carece de uma análise mais vigorosa quanto aos mecanismos associados aos sistemas permanentes de avaliação de desempenho, que permitam a avaliação da quali- dade do ensino e do preparo do universitário para o exercício da profissão que escolheu. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 35 Atividades 1. Leia individualmente o capítulo “Tornar-se professor universitário hoje” do livro Docência no Ensino Superior, de Léa das Graças Anastasiou e Selma Gar- rido Pimenta. 2. Entreviste professores universitários sobre o seu ingresso e atuação nas ins- tituições de Ensino Superior. 3. Relate os resultados das entrevistas, tirando conclusões sobre como se tor- nar professor universitário hoje. 36 Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores Referências BRASIL. Lei 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. ______. Presidência da República. Parecer 2.207, de 15 de abril de 1997. Publi- cado no DOU de 16 de abril de 1997. Brasília, 1997. CHAUÍ, M. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: Unesp, 2001. LIMA, B. B. Ampla Didática. Niterói: UFF, 1984. MOREIRA, D. A. (Org.). Didática do Ensino Superior: técnicas e tendências. São Paulo: Pioneira, 1997. MORIN, E. Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da universidade e do Ensino Fundamental. Natal: EDUFRN, 2000. MOROSINI, M. C. Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Porto Alegre: FAPERG/RIES, 2003. NËRICI, I. G. Metodologia do Ensino Superior. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1973. PIMENTA, S. G. ; ANASTASIOU, L. das G. C. A Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002. SOUZA, P. N .P. de. A LDB e o Ensino Superior. São Paulo: Pioneira, 2002. TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. TEODORO, A.; VASCONCELOS, M. L. Ensinar e Aprender no Ensino Superior: por uma epistemologia da curiosidade na formação universitária. São Paulo: Cortez, 2003. ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Universidades e faculdades isoladas: diversos locais de trabalho dos professores 37 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático Neste milênio, o debate sobre as questões educacionais, em que a escola é chamada a ser mais do que um locus de apropriação do conhe- cimento socialmente relevante, o científico, um espaço de diálogo entre diferentes saberes (científico, social...) e linguagens, muitas são as formas de acesso ao conhecimento, não se podendo atribuir à escola a quase exclu- sividade dessa função. A instituição social educativa assim concebida “é um espaço de busca, construção, diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista de espaço, des- coberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo o pro- cesso educativo” (CANDAU, 2002, p. 18). O impacto dos meios de comunicação de massa e, principalmente, da informática está revolucionando as formas de construir conhecimentos. Essas formas estão sendo chamadas a se multiplicar nos próximos anos. Por outro lado, a cultura escolar se relaciona com a articulação entre igual- dade e diferença, com o aqui “são todos iguais”. Assim, as instituições edu- cativas são cada vez mais desafiadas a enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, étnica e social dos seus sujeitos e atores. Hoje, os movimentos sociais são situados cada vez mais na perspectiva da promoção de uma educação verdadeiramente intercultural e da cons- trução de uma nova cidadania, como princípio configurador de um siste- ma educacional como um todo e não somente orientada a determinadas situações e grupos sociais. Nessa nova escola para novos tempos e espaços, a questão da cidada- nia é fundamental; a partir de uma abordagem que conceba a cidadania como prática social cotidiana, que perpassa os diferentes âmbitos da vida, articula o cotidiano, o conjuntural e estrutural, assim como o local e regio- nal, numa progressiva ampliação do horizonte, sempre na perspectiva de um projeto diferente de sociedade e humanidade. 39 40 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático Assim, a educação é um típico “o que fazer” humano, ou seja, um tipo de ati- vidade que se caracteriza fundamentalmente por uma preocupação, por uma finalidade a ser atingida. A educação dentro de uma sociedade não se mani- festa como um fim em si mesma, mas como um instrumento de manutenção ou transformação social. Assim, ela necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem e orientem os seus caminhos. A sociedade, dentro da qual a edu- cação está, deve possuir alguns valores norteadores de sua prática educativa. A profissão docente é uma prática educativa, ou seja, como tantas outras, é uma forma de intervir na realidade social, no caso, mediante a educação. O conceito de educação como fundamento da ação educativa O problema fundamental com que se depara o professor ao planejar e imple- mentar a ação educativa consiste na necessidade que há de conceituar educa- ção, visto que a ação educativa é função direta do conceito de educação. Antes de analisar os aspectos didáticos, é muito importante refletir um pouco sobre o sentido da atividade docente. Para ter consciência do sentido de sua atividade profissional, o professor precisa se perguntar: – Para que ensino? – Para que serve o que estou fazendo? Isso não quer dizer que os aspectos didáticos não sejam importantes. Isso sig- nifica dizer que eles devem estar subordinados à definição de propósitos educa- tivos válidos para orientar o trabalho docente. E como, num sentido amplo, a educação considera a interação de todos os aspectos do indivíduo com a sociedade na qual ele está inserido, são múltiplos os posicionamentos tomados pelos professores e, em decorrência, muitos são os conceitos estabelecidos sobre a educação. Necessariamente, um conceito de educação considera o homem e a socieda- de. Disso, decorrem os questionamentos: – Que tipo de homem desejamos obter com o produto do nosso trabalho? Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 41 – Que tipo de sociedade interage com esse homem que pretendemos formar? Quantoao tipo de homem que pretendemos formar, a educação é um processo que se desenvolve no tempo, considerando o homem: desenvolvido em todos os aspectos, que tem consciência de � suas possi- bilidades e limitações, munido de uma cultura que lhe permita conhecer, compreender e refletir sobre o mundo; independente, mas não isolado, que, conhecendo suas capaci � dades físi- cas, intelectuais e emocionais e dotado de uma visão crítica da realidade, seja capaz de atuar de forma eficaz e eficiente nessa realidade. Em relação à sociedade, a educação deve considerar o seu importante papel de transformação social, tomando como pontos referenciais: uma sociedade que supere os modelos econômicos e políticos de hoje, � em busca de uma solidariedade entre as pessoas e os povos; uma sociedade que, apesar de integrar os indivíduos e os povos, respeite � profundamente as características individuais, favorecendo o desenvolvi- mento das sociedades. O professor necessita ter em mente a educação como um processo que se desenvolve em um tempo dinâmico e um espaço que sofre transformações constantes. Essas transformações por que passa o mundo ocorrem em decor- rência, sobretudo, dos avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e desenvolvimento, da compreensão do papel do Estado e das mu- danças no sistema educacional, na organização do trabalho e nos hábitos de consumo. Paralelamente, a instituição social educativa é questionada acerca do seu papel ante as transformações econômicas, sociais, políticas e culturais do mundo contemporâneo. Embora a didática se preocupe primordialmente com o “como ensinar”, ou seja, com os métodos e técnicas de ensino, julgamos importante, antes de estudá-los, refletir sobre o seu fundamento, sobre as raízes do seu emprego e sobre os fatores que intervêm em sua aplicação. Caso contrário, corremos o risco de nos converter em escravos dos instrumentos (métodos e técnicas). Para evitar isso, é de fundamental importância refletirmos sobre a educação. 42 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático O que é educação? Em um mundo globalizado como o de hoje, faz-se necessário rever com ur- gência os conceitos sobre a educação. Não se trata simplesmente de inventar novas metodologias para melhorar o que existe. É necessário repensar, desde as raízes, todo o sistema de educação. De nada adianta a reformulação dos métodos e dos meios, se a educação oferecida não corresponde ao homem moderno. O professor deve estar atento a esse aspecto, a fim de planejar uma ação edu- cativa capaz de conduzir o aluno a um discernimento quanto aos valores e con- cepções de vida, de homem e de sociedade. Sintetizando, é necessário que o professor considere fundamentalmente a educação como um processo de ação da sociedade sobre o aluno, visando in- tegrá-lo, seguindo seus padrões sociais, econômicos, políticos e seus interesses. Nesse sentido, a educação tem como características: ser um fato histórico, pois se realiza no tempo; � ser um processo que se preocupa com a formação do homem em sua � plenitude; buscar a integração dos membros de uma sociedade ao modelo social � vigente; simultaneamente, buscar a transformação da sociedade em benefício de � seus membros; ser um fenômeno cultural, pois transmite a cultura de um contexto de for- � ma global; direcionar o aluno para a autoconsciência; � ser ao mesmo tempo conservadora e inovadora. � Dessa forma, a educação é fundamental na manutenção da vida de um grupo ou mesmo da sociedade. À medida que vai aumentando a complexidade da vida de um grupo, a educação vai se tornando cada vez mais relevante, a tal ponto que, na sociedade contemporânea, a educação está sempre presente em lugar de destaque. O objetivo da educação é a socialização do indivíduo, ou seja, por meio da educação, o indivíduo adquire as condições pessoais necessárias para engajar-se adequadamente ao grupo a que pertence e no qual desempenhará suas funções. Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 43 Logo, não há uma forma única de educação nem um modelo de educação. Em cada sociedade ou país, existe uma maneira diferente de educar. A educação é inerente à sociedade humana. Conclui-se que a educação é um processo que se baseia na reflexão sobre a reali dade e, ao mesmo tempo, assimila suas necessidades e a crítica em suas inconsis tências, agindo no sentido de atendê-la em muitos aspectos. Portanto, está embasada na Filosofia, Sociologia, Psicologia, Antropologia e no contexto histórico. Objetivos da educação brasileira Segundo Dermeval Saviani, em face da realidade concreta do homem brasi- leiro, temos os objetivos gerais da educação brasileira, conforme a seguir. Educação para a subsistência O homem brasileiro não sabe tirar proveito das possibilidades da situa- ção e, por não sabê-lo, frequentemente acaba por destruí-la. Isso nos revela a necessidade de uma educação para a subsistência. É preciso que o homem aprenda a tirar da situação adversa os meios para sobreviver. Educação para a libertação Como pode o homem utilizar os elementos da situação se ele não é capaz de intervir nela, decidir, engajar-se e assumir pessoalmente a responsabilidade de suas escolhas? As condições de liberdade do homem brasileiro são tão precárias, marcadas por uma tradição de inexperiência democrática, marginalização eco- nômica, política e cultural. Daí decorre a necessidade de uma educação para a libertação: é preciso saber escolher e ampliar as possibilidades de ação. Educação para a comunicação Como intervir na situação sem uma consciência das suas possibilidades e dos seus limites? Essa consciência só se adquire por meio da comunicação. Daí o terceiro objetivo – educação para a comunicação. É preciso que se adquiram os instrumentos adequados para a comunicação intersubjetiva. 44 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático Educação para a transformação Os objetivos anteriores só serão atingidos com uma mudança sensível do pa- norama nacional atual, quer geral, quer educacional. Daí o quarto objetivo – a educação para a transformação. Funções sociais da educação As ações humanas estão sempre impregnadas de crenças e valores que as orientam para determinadas finalidades. Consciente ou inconscientemente, ex- plícita ou implicitamente, quem vive possui uma filosofia de vida, uma concep- ção de homem, sociedade e mundo. Pela busca do senso crítico da educação, os professores podem entendê-la, segundo Luckesi (1994, p. 39-51), de três maneiras diferentes, ou seja, cumprin- do as funções sociais de redentora da sociedade, reprodutora da sociedade e transformadora da sociedade. Redentora da sociedade A função redentora concebe a sociedade como um conjunto de seres huma- nos que vivem e sobrevivem num todo orgânico e harmonioso, com desvios de grupos e indivíduos que ficam à margem desse todo. Ou seja, a sociedade está naturalmente composta com todos os seus elementos, o que importa é integrar em sua estrutura tanto os novos elementos (novas gerações), quanto os que, por qualquer motivo, encontram-se à sua margem. A educação como instância social que está voltada à formação da personalidade dos indivíduos para o de- senvolvimento de suas habilidades e para a veiculação dos valores éticos neces- sários à convivência social, que nada mais tem de fazer além de se estabelecer como redentora da sociedade, integrando harmonicamente os indivíduos no todo social já existente. Reprodutora da sociedade A função reprodutora afirma que a educação faz, integralmente, parte da so- ciedade e a reproduz. Aborda a educação como uma instância dentro da socie- dade e exclusivamente ao seu serviço. A educação atua sobre a sociedade como uma instância corretora dos seus desvios, tornando-a melhor e mais próxima do modelo de perfeição social harmônico idealizado. Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 45 Transformadora da sociedadeA função transformadora compreende a educação como mediação de um projeto social. Nesse sentido, ela nem redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado de outros meios, para realizar um projeto de sociedade, que pode ser conservador ou transformador. Não coloca a educação a serviço da conservação, pretende demonstrar que é possível compreender a educação dentro da sociedade, com seus determinantes e condicionantes, mas com a pos- sibilidade de trabalhar pela sua democratização. Além disso, Dermeval Saviani (1983, p. 36) nos alerta para a dificuldade, di- zendo-nos o seguinte: O caminho é repleto de armadilhas, já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com anseios da classe dominada. Para evitar esse risco, é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista. Concluindo, o autor indica a necessidade de cuidar daquilo que é específico da escola, para que esta venha a cumprir um papel de mediadora em um projeto democrático de sociedade. Perspectivas atuais Estamos no terceiro milênio, sob o signo da perplexidade, da crise de concep- ções e paradigmas em todos os campos das ciências, da cultura e da sociedade. É um momento novo e rico de possibilidades. Entretanto, para não sermos omissos, vamos apresentar algumas tendências atuais, apoiados naqueles educadores e filósofos que tentaram apontar cami- nhos em meio a essa perplexidade. Crises e alternativas A educação tradicional e a educação nova têm um traço comum que é conce- ber a educação como um processo de desenvolvimento pessoal e individual. O traço mais original deste século, na educação, é o deslocamento da forma- ção puramente individual do homem para o social, político, ideológico. A educa- ção do fim do século passado tornou-se permanente e social. 46 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático O compromisso social e ético dos professores (LIBÂNEO, 1998b, p. 47-48) O trabalho docente constitui o exercício profissional do professor e esse é o seu primeiro compromisso com a sociedade. Sua responsabilidade é Há tendências universais, entre elas, a de considerar como conquista deste século a ideia de que não existe idade para a educação, de que ela se estende pela vida e que não é neutra. Caminhamos para uma mudança da própria função social da escola. Entre nós, chamamos essa nova educação de educação popular, não porque ela seja destinada apenas às camadas populares, mas pelo caráter popular, socialista e democrático que essa concepção traz. Parece-nos que o melhor caminho de superação da crise educacional é vivê-la intensamente, evidenciando suas contradições e disfunções. Contudo, como a crise da educação e da sociedade são inseparáveis, o desenvolvimento das contradições escolares e a sua transformação também são inseparáveis do desenvolvimento e da superação das contradições sociais. Falar em futuro da educação é, à luz da história da educação, antever os pró- ximos passos associando teoria pedagógica e prática educacional a uma análise sócio-histórica. Observando o desenvolvimento educacional do século XX, podemos afirmar que a educação tornou-se instrumento de luta e de emancipação, associando a luta social à luta pedagógica. Não se trata mais de reforçar apenas a “escola para todos”, burocrática, unifor- mizadora, que é a essência da teoria educacional burguesa. Uma educação para todos não pode ser consequência de uma concepção elitista: os privilégios não são estendidos, mas eliminados, se se quer atingir a democracia. A democracia na educação, quantitativa e qualitativamente, não pode ser um ato de pura “recomendação”, como pretendem os teóricos da educação da década de 1970. A educação, instrumento da paz, é o resultado da luta, do mo- vimento popular. Texto complementar Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 47 preparar os alunos para se tornarem cidadãos ativos e participantes na fa- mília, no trabalho, nas associações de classe, na vida cultural e política. É uma atividade fundamentalmente social, porque contribui para a formação cultural e científica do povo, tarefa indispensável para outras conquistas democráticas. A característica mais importante de atividade profissional do professor é a mediação entre o aluno e a sociedade, entre as condições de origem do aluno e sua destinação social na sociedade, papel que cumpre provendo as condições e os meios (conhecimentos, métodos, organização do ensino) que assegurem o encontro do aluno com as matérias de estudo. Para isso, plane- ja, desenvolve suas aulas e avalia o processo de ensino. O sinal mais indicativo da responsabilidade profissional do professor é seu permanente empenho na instrução e educação dos seus alunos, diri- gindo o ensino e as atividades de estudo de modo que estes dominem os conhecimentos básicos e as habilidades, e desenvolvam suas forças, capaci- dades físicas e intelectuais, tendo em vista equipá-los para enfrentar os de- safios da vida prática no trabalho e nas lutas sociais pela democratização da sociedade. O compromisso social, expresso primordialmente na competência profis- sional, é exercido no âmbito da vida social e política. Como toda profissão, o magistério é um ato político porque se realiza no contexto das relações sociais onde se manifestam os interesses das classes sociais. O compromisso ético-político é uma tomada de posição frente aos interesses sociais em jogo na sociedade. Quando o professor se posiciona, consciente e explicitamente, do lado dos interesses da população majoritária da sociedade, ele insere sua atividade profissional – ou seja, sua competência técnica – na luta ativa por esses interesses: a luta por melhores condições de vida e de trabalho e ação conjunta pela transformação das condições gerais (econômicas, políticas, culturais) da sociedade. Essas considerações justificam a necessidade de uma sólida preparação profissional face às exigências colocadas pelo trabalho docente. Essa é a tarefa básica do curso de habilitação ao magistério e, particularmente, da didática. 48 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático Atividades 1. Com base no texto complementar “O compromisso social e ético dos pro- fessores”, como se concretiza o compromisso social e ético do professor na prática de sala de aula? Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 49 2. Discuta a posição dos autores sobre o conceito de educação (MARTINS, 1985, p. 31): a) Álvaro Vieira Pinto (1982) Que é educação? Em sentido amplo a educação diz respeito à existência humana em toda a sua duração e em todos os seus aspectos. Dessa maneira, deve-se justificar lógica e sociologicamente o problema da educação de adultos. Daqui deriva a verdadeira definição de educação: “a educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem em função de seus interesses.” b) Pierre Furter (1976) Se a educação contemporânea tende cada vez mais a ser passada no desenrolar de um tempo dinâmico, é, também, evidente que o espaço em que se situa a sua ação está em franca expansão. Este mundo, isto é, a imagem que o homem faz, em certa época, da relação entre a sua terra e o universo, é hoje um mundo planetário. 50 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 3. Procure identificar a contradição de Furter e o ensino conservador. Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 51 4. Considerando os fundamentos da educação e o posicionamento dos autores citados na atividade 2, estabeleça um conceito de educação. 52 Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático Referências CANDAU, V. M. A Didática em Questão. Petrópolis: Vozes, 2002. FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. FREIRE, P.; SHDRT, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1987. GADOTTI, M. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2001. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1998. LUCKESI, C. C. A Prática Docente e Avaliação. Rio de Janeiro: ABT, 1990. ______. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. ______. Avaliação da Avaliação Escolar. São Paulo: Cortez, 1995. MARTINS , J. do P. Didática Geral: fundamento, planejamento, metodologia e avaliação. São Paulo: Atlas, 1985. SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1983. SCHMITZ, E. Fundamentos de Didática. São Leopoldo: Unisinos, 1993. ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Elementos para a compreensão do cotidiano e o processo didático 53 Prática educativa, pedagogia e didática Prática educativa na sociedade O trabalho docente é parte integrante do processo educativo global pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social. A educação, ou seja, a prática educativa é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e ao funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades, prepará-los para a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade A prática educativa não é apenas exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos de conhecimentos e experi- ências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e transformá- -los em função de suas necessidades econômicas, sociais e políticas. Pela ação educativa, o meio exerce influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se capazes de estabele- cer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam por meio de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações, transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações. Assim, educação é um fenômeno social complexo. Significa que a prática educativa – especialmente os objetivos, os conteúdos de ensino e o trabalho docente – está determinada por fins e exigências sociais, políticas e ideológi- cas. Ela é determinada por valores, pelas normas e pela estrutura social. 55 56 Prática educativa, pedagogia e didática A prática educativa é parte integrante da dinâmica das relações sociais e das formas da organização social. Então, a prática educativa, a vida cotidiana, as rela- ções professor-aluno, os objetivos da educação e o trabalho docente, estão carre- gados de significados sociais que se constituem na dinâmica das relações sociais. Nesse sentido, a educação é inerente à sociedade humana, conforme Bran- dão (1981, p. 64) afirma: A educação está presente em casa, na rua, na igreja, na mídia em geral e todos nos envolvemos com ela, seja para aprender, para ensinar e para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias [...] Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece; o ensino escolar não é a única prática, e o professor profissional não é seu único praticante. Assim, a educação é um processo natural que ocorre na sociedade humana pela ação de seus agentes sociais como um todo, configurando uma sociedade pedagógica (BEILLEROT, 1985). Desenvolvendo essa ideia, podemos citar vários exemplos com inúmeras situações da presença do pedagógico na sociedade. Nas mídias, entre outros exem- plos, há intervenção pedagógica na televisão, no rádio, nas revistas, nos jornais e em todo material informativo, pois a mídia atua na modificação dos estados mental e afetivo das pessoas e nos modos de pensar, disseminando saberes e modos de agir e de sentir. No entanto, segundo Libâneo (1998a, p. 21), é “surpreendente que instituições e profissionais cuja atividade está permeada de ações pedagógicas desconheçam a teoria pedagógica”. O papel da pedagogia na sociedade Para tornar efetivo o processo educativo, é preciso dar-lhe uma orientação sobre as finalidades e os meios da sua realização, conforme as opções que se façam quanto ao tipo de indivíduo que se deseja formar e ao tipo de sociedade a que se aspira. Essa tarefa pertence à pedagogia como teoria e prática do processo educativo. O que é pedagogia? A palavra pedagogia vem do grego pais, paidós, que significa criança; agein, que é conduzir e logos, que quer dizer trabalho, ciência. Prática educativa, pedagogia e didática 57 Na Grécia Antiga, eram chamados de pedagogos os escravos que acompa- nhavam crianças que iam para a escola. Como escravo, ele era submisso à crian- ça, mas tinha de fazer valer sua autoridade quando necessária. Por esse motivo, esses escravos desenvolveram grande habilidade no trato com as crianças. Hoje, pedagogo é o especialista em assuntos educacionais, e pedagogia é o conjunto de conhecimentos sistemáticos relativos ao fenômeno educativo. Então, pedagogia é o campo de conhecimento que investiga a natureza das fi- nalidades da educação em uma determinada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social. Uma vez que a prática educativa é o processo pelo qual são assimilados co- nhecimentos e experiências pela prática social da humanidade, cabe à peda- gogia assegurá-lo, orientando-o para finalidades sociais e políticas, criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo. Então, a pedagogia, sendo a ciência da e para a educação, estuda a educação, a instrução e o ensino. Conforme Libâneo (1998a, p. 24), “a pedagogia é um campo de conheci- mentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa”. A pedagogia, enquanto campo teórico da prática educacional, não se restrin- ge à didática da sala de aula nos espaços escolares, mas está presente nas ações educativas da sociedade em geral. Para tanto, compõe-se de ramos próprios, como a teoria da educação, a didá- tica, a organização escolar e a história da educação e da pedagogia. Ao mesmo tempo, busca, em outras ciências, os conhecimentos teóricos e práticos que con- correm para o esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas: filosofia da educação, sociologia da educação, psicologia da educação, políti- ca educacional, biologia da educação, economia da educação, antropologia e outras. Assim compreendida, A pedagogia [...] possibilita que as instituições e os profissionais cuja atividade está permeada de ações pedagógicas se apropriem criticamente da cultura pedagógica para compreender e alargar a sua visão das situações concretas nas quais realizam seu trabalho, para nelas imprimir a direção de sentido, a orientação sociopolítica que valorizam, a fim de transformar a realidade. Incluindo também a atividade de ensinar, que tem na didática sua sistematização teórica. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 66) 58 Prática educativa, pedagogia e didática Concluindo, a pedagogia é a reflexão sistemática sobre o ideal de educação e da formação humana, podendo se ressignificar à medida que tomar a ação como a referência da qual parte e para a qual se volta. Entretanto, enquanto as ciências da educação abordam o fenômeno educa- tivo na perspectiva dos conceitos e métodos que lhes são próprios, a pedagogia postula o educativo propriamente dito. Seu campo compreende as ações edu- cativas e seus agentes contextualizados, tais como: o aluno como sujeito do processo de socialização e de aprendizagem; � os agentes de formação (entre
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