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Maria Beatriz Machado PEDIATRIA – AULA 03 – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) 1. INTRODUÇÃO Precisamos entender que não existe uma criança com transtorno do espectro autista IGUAL a outra! Elas possuem características semelhantes, porém cada uma é diferente Exatamente por esse motivo chamamos de “espectro”. E também, por esse motivo o símbolo do TEA é um guarda-chuva, porque ele abriga diversas características, mas todas elas são consideradas parte do espectro. Hoje temos diversas denominações de acordo com a referência que estamos utilizando, mas na verdade elas significam a mesma coisa: Autismo X Transtorno invasivo do desenvolvimento X Transtorno global do desenvolvimento X TEA (utilizado hoje). A referência principal quando pensamos em Transtorno do Espectro Autista é o Manual diagnóstico das doenças neuropsiquiátricas (DSM-V) Portanto, quando vamos fazer o diagnóstico do TEA, utilizamos os critérios do DSM-V. Para que o paciente faça parte do espectro autista, ele precisa ter as duas características seguintes: Déficit qualitativo na interação social e na comunicação O paciente com o espectro pode falar e interagir, porém com uma qualidade abaixo do esperado. Padrões de comportamentos e interesses repetitivos e restritos. 2. QUADRO CLÍNICO (interação, comunicação e comportamentos) 2.1. INTERAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO As dificuldades na interação social podem manifestar-se como: Isolamento ou comportamento social impróprio. Contato visual pobre. Dificuldades de participar de atividades em grupo. Indiferença afetiva ou demonstração inapropriada de afeto. Falta de empatia social ou emocional Se veem alguém chorando, eles não tem aquela empatia de consolar a pessoa, eles não entendem porque ela está chorando. As dificuldades de comunicação ocorrem em graus variados (verbal/não verbal): Algumas crianças não desenvolvem habilidades de comunicação. Outras tem linguagem imatura (jargão, ecolalia, uso de terceira pessoa, prosódia anormal e entonação monótona). Os que tem capacidade expressiva adequada: inabilidade em iniciar ou manter conversação. Dificuldades na comunicação: Evitam o contato ocular. Não entendem o significado de um sorriso, de uma piscada ou de um aceno. 40% das crianças com autismo não falam. 25% começam a falar entre os 12 e 18 meses, mas logo perdem a habilidade da fala Caso isso ocorra, é mandatório fazer uma investigação intensa para verificar se ela não parou de falar por alguma outra doença. Algumas crianças com autismo têm dificuldade em formar frases 2.2. COMPORTAMENTO E INTERESSE 2.2.1. ESTEROTIPIA – É o comportamento e interesse restrito e repetitivo Quando falamos sobre o espectro autista, ouvimos muito o termo “estereotipia”, e ele se relaciona com os movimentos bem marcados e repetitivos que as crianças com espectro autista tendem a fazer. Maria Beatriz Machado O termo estereotipado significa: Marcado, sem originalidade, repetido, esquematizado, caracterizado por um estereótipo: Gestos estereotipados O gesto mais comum é o “flapping”. Uma das estereotipias mais comuns nas crianças com espectro autista é a obsessão por empilhar objetos. Outras estereotipias: Ficar rodando ao redor do próprio eixo Brincar obsessivamente com objetos sem valor. Tendência de enfileirar brinquedos/objetos Tendência a fazer separação por cor. 3. CURIOSIDADES Na maioria das amostras epidemiológicas das pessoas com TEA, aproximadamente 50% tinham déficit intelectual severo ou profundo, 35% de leve a moderado e os outros 20% tinham QI na faixa normal. OBS: O fato de 50% das crianças com espectro autista terem déficit intelectual severo acaba dificultando o diagnóstico diferencial (veremos adiante). Há uma grande variedade de sintomas que não são considerados como core, mas que são proeminentes em uma boa parcela de indivíduos com TEA, como dificuldade atencional, crise convulsiva, alterações do sono, e disfunções gastrointestinais. 4. FATORES GENÉTICOS X AMBIENTAIS Gemelaridade monozigótica (> 60 a 90% de chance ambos apresentarem) Como não é 100% das vezes que ambos os gêmeos monozigóticos apresentam autismo, então não há apenas o componente genético, há também o componente ambiental. Gemeralidade dizigótica (3% de chance de ambos apresentarem). Família que possui membro com TEA (2 a 8% de chance para novo caso – aumenta em 6x a chance). Além disso, os membros das famílias com crianças autistas são mais propícios a ter atrasos na linguagem, dificuldades sociais e transtornos mentais. Maria Beatriz Machado OBS: Até a década de 80, acreditavam que crianças com espectro autista eram autistas porque a mãe não havia dado carinho para elas “Teoria da mãe geladeira”. OBS: Não se sabe ao certo porque os casos de TEA têm aumentado. Existem muitas hipóteses para isso. 5. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico de acordo com os critérios do DSM-V. Deve ser feita uma avaliação multidisciplinar para se chegar ao diagnóstico de transtorno do espectro autista. Exames complementares (não obrigatórios – devemos fazer quando julgarmos necessário): Estudos genéticos Devemos pedir quando pensarmos na possibilidade do paciente apresentar alguma síndrome que é necessário fazer diagnóstico. Estudos de neuroimagem (RM encefálica/TC crânio) Devemos pedir quando pensarmos na possibilidade do paciente apresentar alguma malformação cerebral (como hidrocefalia, microcefalia..) Eletroencefalograma Devemos fazer quando suspeitamos que o paciente possa ter sintomatologia epiléptica. DSM – V: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DOS TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA 299.00 (F84.0) A Deficiências persistentes na comunicação e interação social: Limitação na reciprocidade social e emocional Limitação nos comportamentos de comunicação não verbal utilizados para interação social Limitação em iniciar, manter e entender relacionamentos, variando de dificuldades com adaptação de comportamento para se ajustar as diversas situações sociais. Cromossomopatias: Qualquer alteração cromossômica pode levar ao comportamento do transtorno do espectro autista Síndrome do X-frágil, Síndrome de Down, etc. É importante entender isso porque o transtorno do espectro autista é um transtorno COMPORTAMENTAL, então uma criança com outra síndrome pode apresentar também esse transtorno. EX: Um paciente com síndrome de Down, por exemplo, pode ter também transtorno do espectro autista (antigamente achavam que não era possível). Maria Beatriz Machado B Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, manifestadas por pelo menos dois dos seguintes aspectos observados, ou pela história clínica: Movimentos repetitivos e estereotipados no uso de objetos ou fala Insistência nas mesmas coisas, aderência inflexível às rotinas ou padrões ritualísticos de comportamentos verbais e não-verbais. Interesses restritos que são anormais na intensidade e foco. Hiper ou hiporreativo à estímulos sensoriais do ambiente C Os sintomas devem estar presentes nas primeiras etapas do desenvolvimento. Eles podem não estar totalmente manifestos até a demanda social exceder suas capacidades, ou podem ficar mascarados por algumas estratégias de aprendizado ao longo da vida. OBS: É difícil fazer diagnóstico de TEA antes dos 2 anos de vida, porque precisamos ver a persistência dos sintomas. Por esse motivo, o melhor é que o diagnóstico seja feito por volta dos 3 anos de idade (a média no Brasil é de 5 anos de idade). D Os sintomas causam prejuízo clínico significativo nas áreas social, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento atual do paciente. E Esses distúrbios não são melhores explicados por deficiência cognitiva ou atraso globaldo desenvolvimento. OBS: Como diferenciar uma criança com espectro autista e deficiência intelectual, de uma criança com deficiência intelectual e alguns sintomas do espectro autista? A criança que tem deficiência intelectual, apesar de ter sintomas do espectro autista, não terá uma permanência deles. Ou seja, os sintomas do espectro tendem a desaparecer com os anos. Já a criança com espectro autista que também tem deficiência intelectual, terá uma permanência dos sintomas do espectro ao longo dos anos. Ou seja, ela continuará tendo movimentos estereotipados, dificuldades na comunicação e interação, etc. 6. ESCALA M-CHAT Essa escala NÃO É DIAGNÓSTICA! É uma escala de suspeição clínica (serve para rastreamento do autismo) Ela é um checklist onde os pais vão responder sobre os sintomas do paciente. É feita em crianças entre 18 e 24 meses. É extremamente simples e não há necessidade absoluta de ser feita por médicos. É composta por 23 questões do tipo sim/não. Temos essa escala disponível no site da Sociedade Brasileira de Pediatria. Maria Beatriz Machado Temos uma necessidade de investigação formal para transtorno do espectro autista quando: Marcar > 3 “não” no total (ou seja, tem falha em 3 itens no total). Marcar 2 “não” nos itens considerados de alta suspeita, sendo eles: 2, 7, 9, 13, 14 e 15 7. NEURÔNIO ESPELHO E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Neurônio espelho: Todo neurônio tem uma função de “espelhamento”, ou seja, existe uma tendência de copiar. Já somos capazes neurologicamente para fazer esse espelhamento neuronal desde os primeiros meses de vida. EX: Quando vemos alguém bocejando e temos vontade de bocejar também. As crianças com TEA apresentam muitas disfunções no neurônio espelho, sejam elas para MAIS, ou para MENOS. EX: Quando você chega para uma criança com TEA e pergunta “você quer água?”, ela pode não responder (ou seja, ela tem disfunção do neurônio espelho para menos), ou ela pode responder com exagero repetindo – geralmente – a última palavra que dissemos (ou seja, ela tem disfunção do neurônio espelho para mais). Quando temos uma criança com TEA que possui disfunção da função de espelhamento, ela terá dificuldade de imitar, aprender e de ter empatia social. 8. LINHAS DE RACIOCÍNIO NO TEA Precisamos ter cuidado quando estamos lidando com pacientes com TEA, porque por termos um raciocínio “neurotípico”, muitas vezes não entendemos o que ele está tentando nos passar. EX: Mostramos uma figura de uma janela quadrada para o paciente e perguntamos: “O que é isso?”. E ele invés de responder janela, responde quadrado O raciocínio dele também está correto, porque a janela tem a forma de um quadrado, só depende do ponto de vista que pensamos. Precisamos sempre lembrar que a maioria das vezes a criança com TEA não terá um raciocínio como o nosso, e nem por isso o raciocínio dela estará totalmente errado. Maria Beatriz Machado 9. TRATAMENTO 9.1. FARMACOTERAPIA Não existe uma medicação ESPECÍFICA para tratar o transtorno do espectro autista, o que temos são medicações que tratam os sintomas do espectro. Quando necessário podemos utilizar: Risperidona: Para o paciente que tem muita agressividade Aripiprazol/Olanzaprina: Quando o paciente tem muita agressividade e não respondeu bem à risperidona. Metilfenidato (Ritalina): Para o paciente que tem muito déficit de atenção e dificuldade de manter a concentração. Melatonina: Para pacientes com distúrbio do sono Cloridrato de clonidina (Atensina): Para pacientes com distúrbio do sono, e dificuldades de concentração Ela aumenta a liberação de dopamina. Divalproato de sódio (Depakote): Para pacientes com crises convulsivas, como a crise de ausência. OBS: Os únicos medicamentos com respaldo na bula para uso no TEA são a risperidona e o aripiprazol. 9.2. TERAPIA Não existe um método melhor do que o outro. Temos como métodos: TEACCH ABA: É o mais aceito no mundo PECS: Ensina o paciente a utilizar cartões com imagens para se comunicar 9.3. DIETA Existem linhas de pensamento que defendem que todo paciente com espectro autista necessita ter restrição dietética (cortar glúten, leite e derivados, açúcar..). Porém, não existem evidências científicas suficientes para fazer isso somente pela criança ter espectro autista. Podemos fazer uma restrição de dieta somente quando temos uma evidência clínica individual do paciente. EX: A mãe do paciente diz que toda vez que o paciente toma leite, seu comportamento piora depois. Então nesse caso podemos pedir para a mãe restringir o leite e seus derivados para o paciente.
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