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DISCURSO DE BOLSONARO E IDEOLOGIA

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1 
 
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 
Centro de Comunicação e Letras | Campus Higienópolis 
Especialização em Língua Portuguesa e Literatura 
Comunicação e linguagem 
Professora Dra. Nancy Arakaki 
Leonardo Assunção Segovia 
São Paulo, 18 de abril de 2020 
 
DISCURSO DE BOLSONARO E IDEOLOGIA 
 
Em 24 de março de 2020, por volta das 20h, o atual presidente do Brasil, Jair 
Bolsonaro, pronunciou-se em rádio e televisão para incentivar a população “retornar 
à realidade”, além de culpar a imprensa brasileira por espalhar pânico acerca da 
disseminação do novo coronavírus (COVID-19). O discurso, a seguir reproduzido, 
será lido a partir de conceitos da análise do discurso de linha francesa, sobretudo a 
importância da ideologia na construção de sentidos de um texto. 
1. O CORPUS 
Abaixo encontra-se a transcrição do pronunciamento do presidente a ser usado 
neste trabalho. O texto foi extraído do endereço eletrônico do Palácio do Planalto 
(2020): 
Boa noite. 
Desde quando resgatamos nossos irmãos em Wuhan, na China, numa 
operação coordenada pelos ministérios da Defesa e Relações Exteriores, 
surgiu para nós o sinal amarelo. 
Começamos a nos preparar para enfrentar o Coronavírus, pois sabíamos que 
mais cedo ou mais tarde ele chegaria ao Brasil. Nosso ministro da Saúde 
reuniu-se com quase todos os secretários de Saúde dos estados para que o 
planejamento estratégico de enfrentamento ao vírus fosse construído. E, 
desde então, o Dr. Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente 
trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de 
possíveis vítimas. 
Mas, o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e, 
ao mesmo tempo, traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego 
em massa. Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. 
Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam 
exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do 
grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e 
2 
 
com um clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, 
potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse 
pelo nosso País. 
Contudo, percebe-se que de ontem para hoje parte da imprensa mudou o seu 
editorial: pedem calma e tranquilidade. Isso é muito bom, parabéns imprensa 
brasileira. É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. 
O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa 
vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das 
famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. 
Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o 
conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de 
comércio e o confinamento em massa. 
O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas 
acima dos 60 anos. Então por que fechar escolas? Raros são os casos fatais 
de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos 
qualquer manifestação, caso se contamine. Devemos sim, é ter extrema 
preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos 
nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da 
Saúde. 
No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado 
pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, 
acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele 
conhecido médico daquela conhecida televisão. 
Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O 
FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a 
comprovação da eficácia da Cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso 
governo tem recebido notícias positivas sobre esse remédio fabricado no 
Brasil, largamente utilizado no combate à malária, ao lupus e à artrite. 
Acredito em Deus, que capacitará cientistas e pesquisadores do Brasil e do 
mundo na cura dessa doença. 
Aproveito para render minha homenagem a todos os profissionais de saúde 
- médicos, enfermeiros, técnicos e colaboradores - que na linha de frente nos 
recebem nos hospitais, nos tratam e nos confortam. 
Sem pânico ou histeria, como venho falando desde o princípio, venceremos 
o vírus e nos orgulharemos de estar vivendo nesse novo Brasil, que tem tudo, 
sim, tudo para ser uma grande nação. 
Estamos juntos, cada vez mais unidos. 
Deus abençoe nossa Pátria querida. 
 
2. NOÇÕES DE DISCURSO 
Por muito tempo, o estudo de um texto limitava-se à dicotomia língua x fala, 
num modelo proposto desde Saussure (1916/2006). A evolução nos estudos da 
linguagem depois desse modelo acabou nos ensinando que a análise de um texto ou 
3 
 
de um discurso vai além de seus aspectos linguísticos, abordando também vários 
outros aspectos extralinguísticos. 
Nesse sentido, vale destacar Foucault (1969/2008), quando versa sobre o 
conceito de discurso. Para o autor, quando acionamos um discurso, o fazemos a partir 
de lugares de enunciação, em circunstâncias históricas, sociais e geográficas pré-
definidas ou estabelecidas. No mesmo sentido, Pêcheux entende que “[...] a 
linguagem está sempre atrelada ao histórico, e dele dependem seus sentidos” (LORD, 
2018, p. 290). 
Esses lugares de enunciação, as circunstâncias históricas, sociais e 
geográficas são, então, essenciais na construção de sentido de um discurso. Uma vez 
que a construção de sentidos é a base de qualquer texto, sua existência depende da 
observação desses aspectos e a análise de um discurso não pode ignorá-los. 
Por essa razão, procuraremos observar a intencionalidade do pronunciamento 
do presidente em cadeia nacional. A depender da formação ideológica de cada leitor 
ou espectador, que discurso é apresentado quando se pronuncia o presidente? 
3. O PRONUNCIAMENTO 
 É a partir da ideologia que o sujeito é formado, “inscreve-se em uma Formação 
Discursiva e consegue atribuir sentido.” (MEDEIROS, 2016, p. 24). Assim, vê-se, a 
atribuição de sentidos está diretamente ligada à formação discursiva e ideológica 
segundo a qual ele é concebido e interpretado. 
Sobre isso, é importante demarcar que convencionou-se no Brasil, em razão 
das últimas eleições, dividir o país em dois polos: esquerda e direita. Embora esses 
termos signifiquem muito além do que têm sido empregados, apenas para delimitar 
esse pequeno estudo eles serão utilizados também aqui. 
Bolsonaro, atual presidente do país, autor do pronunciamento que nos serve 
de corpus, seria encaixado, nesse contexto, no polo da direita. As características 
principais desse polo observadas em Bolsonaro, resumidamente, são: costumes 
conservadores baseados sobretudo nos preceitos cristãos neopentecostais, presença 
mínima do Estado, autoritarismo, liberalismo econômico e anticientificismo. 
4 
 
Aliadas, essas características todas pautaram o discurso, que foi motivado, 
inicialmente, como uma crítica a medidas interpretadas pelo presidente como 
extremas por parte de governadores e do próprio Ministério da Saúde para contenção 
da disseminação do Corona Vírus, ambas baseadas em experiências mundiais, na 
OMS e em pesquisadores também do mundo todo. Segundo o presidente, o 
tratamento que deve ser dado para a contenção do vírus não pode fechar comércios 
ou impedir as pessoas de irem trabalhar: tudo deve funcionar como se o vírus não 
existisse para que a economia não quebre. 
Para tanto, Bolsonaro roga a Deus proteção para o país e para os profissionais 
da saúde, tornando o discurso político quase um discurso religioso. 
O discurso, então, revela muito mais no interdiscurso do que se imagina. Os 
aspectos além das palavras são fundamentais para se entender a linha política e 
ideológica de Bolsonaro e porque não é surpresa o discurso. Tudo o que sabemos 
sobre ele acaba se revelando naquelas palavras, ativando, assim, nossa memória 
discursiva. Sobre isso, com base em Orlandi e Pecheux, vale destacar:“Introdutoriamente, você pode pensar o interdiscurso como o espaço que abriga o 
conjunto das diferentes formações discursivas e disponibiliza os dizeres que o sujeito 
pode vir a mobilizar nos processos discursivos” (MEDEIROS, 2006, p. 25) 
Os eleitores de Bolsonaro, que seguem a mesma linha política e ideológica, ao 
ler ou ouvir o discurso, sentem-se acolhidos e identificados. Da mesma forma, aqueles 
que pensam de forma diferente do “polo da direita”, e se encaixam melhor no “polo da 
esquerda”, é provável que repudiem o pronunciamento porque as mobilizações de 
seus processos discursivos são contrastantes e sua formação ideológica é 
praticamente oposta. 
Será repudiada, dessa forma, o cuidado maior pela economia que pela vida dos 
brasileiros, serão repudiadas as medidas que vão contra o que dizem os cientistas, 
será repudiado o uso de Deus como forma de dar força ao discurso político etc. 
4. CONCLUSÃO 
Por meio dessa pequena análise, conclui-se que o discurso vai muito além das 
palavras e engloba diversos aspectos. Não é possível separar, por exemplo, o texto 
daquele que o escreveu, de quando ou de onde ele foi escrito. Para entender a 
5 
 
intencionalidade, bem como o sentido proposto num discurso, é preciso ativar várias 
memórias e conhecimentos ideológicos e discursivos e aplica-los. Também por isso, 
um discurso quase nunca é interpretado ou recebido da mesma forma, como se vê 
com o discurso usado como corpus. 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BRASIL. Planalto. Pronunciamento do Senhor Presidente da República, Jair 
Bolsonaro, em cadeia de rádio e televisão. 24 mar. 2020. Disponível em: 
https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-
planalto/pronunciamentos/pronunciamentos-do-presidente-da-
republica/pronunciamento-em-cadeia-de-radio-e-televisao-do-senhor-presidente-da-
republica-jair-bolsonaro. Acesso em 18 abr. 2020. 
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1969]. 
LORD, Lucio Jose Dutra. Análise do discurso político: um estudo sobre o Supremo 
Tribunal Federal. Letras, Santa Maria, v. 28, n. 56, p. 283-302, jan./jun. 2018. 
MEDEIROS, Lais Virginia Alves. Análise do Discurso. Porto Alegre: SAGAH, 2016. 
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006 
[1916]

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