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Diabetes gestacional: Introdução: Qualquer gravidez é caracterizada, fisiologicamente, pela resistência à insulina e hiperinsulinemia, mas algumas pacientes estão predispostas ao desenvolvimento de diabetes gestacional durante a gestação (DG). O diabetes Mellitus (DM) é a complicação clínica mais comum da gestação, devido à defeito na secreção ou na ação da insulina. Vários processos estão implicados, como a destruição autoimune das células beta-pancreáticas e anormalidades que resultam em resistência à ação da insulina. O DM é responsável por 6 a 10% dos casos de malformações, sobretudo em gestantes que concebem sem um controle glicêmico adequado e a prevalência de DG é em torno de 18% no Brasil. A definição formal de DG é: intolerância aos carboidratos, em variados graus de intensidade, inciada durante a gestação, e que pode ou não persistir após o parto. A paciente que engravida já com o diagnóstico firmado de diabetes, seja ele tipo I ou tipo II, não é chamada de gestacional, e sim de diabetes prévio ou pré-gestacional. Transcorridas 6 a 8 semanas do parto, a paciente deve ser reavaliada, fora do ciclo gestacional, com o TOTG. Neste caso, pode ser reclassificada como: - Portadora de Diabetes Mellitus; - Portadora de comprometimento da tolerância à glicose; - Normoglicêmica. Fatores de risco: Classificação: O diabetes é atualmente classificado com base no processo patogênico envolvido. A deficiência absoluta de insulina caracteriza o diabetes tipo 1, enquanto o defeito na secreção de insulina ou sua resistência caracteriza o diabetes tipo 2. Obs.: existe também a Classificação de Priscilla White, que não mais é utilizada para avaliação clínica. Em termos de provas, o importante é saber que ela classifica o DG controlado com dieta como A1 e o DG controlado com insulinoterapia como A2. Fisiopatologia: Hormônios contra-insulínicos: - Hormônio lactogênico placentário; - Estrogênio; - Cortisol; - Progesterona; - Prolactina. Hipoglicemia de jejum -> hiperglicemia pós-prandial: - Primeiro trimestre: grande tendência à hipoglicemia; - Segundo trimestre: elevação das necessidades de insulina (aumento dos hormônios contra-insulínicos); - Terceiro trimestre: elevação das necessidades de insulina até próximo ao termo, quando novamente haverá tendência à hipoglicemia. - Puerpério: queda brusca das necessidades de insulina. Outros eventos fisiopatológicos: - Glicosúria; - Infecção urinária; - Candidíase vaginal; - Progressão de lesões vasculares; - Associação com pré-eclampsia; Diagnóstico: Uma gestante com glicemia randômica superior a 200 mg/dl associada a sintomas clássicos, como polidipsia, poliúria e emagrecimento, é considerada diabética. Entretanto, aquelas que apresentam alterações mínimas do metabolismo de carboidratos podem dificultar o diagnóstico. O DG é caracteristicamente um distúrbio da gestação avançada, de forma que a hiperglicemia identificada no 1º trimestre geralmente denota doença prévia. No entanto, dependendo do protocolo utilizado, a classificação pode mudar. O protocolo mais importante é o da International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG), que está presente nos dois principais livros nacionais de obstetrícia (Rezende e Zugaib) e é seguindo, em partes, por outras instituições como ADA, OMS e MS. No geral, o rastreio começa com a glicemia de jejum para todas as pacientes, independente de fatores de risco, na primeira consulta. Se o resultado estiver entre 92 mg/dl e 126 mg/dl, faz-se o diagnóstico de diabetes gestacional, sem necessidade de TOTG. As pacientes que não tiveram diagnóstico de diabetes no começo da gravidez, devem realizar o TOTG 75g entre 24 a 28 semanas, cujos valores para diagnóstico de DG são: glicemia de jejum ≥ 92 mg/dl, 1 hora ≥ 180 mg/dl e 2 horas ≥ 153 mg/dl. Qualquer valor alterado confirma o diagnóstico. O MS apresenta pequenas variações. Ele recomenta o TOTG 75g entre 24 e 28 semanas como primeiro exame caso a paciente inicie o pré-natal entre 20 e 28 semanas, ou imediatamente caso inicie após 28 semanas. Além disso, se a glicemia de jejum for > 126 mg/dl ou do TOTG após 2 horas > 200 mg/dl, o diagnóstico será de DM prévio em qualquer momento da gestação, e não apenas no primeiro trimestre. Em locais com viabilidade financeira parcial, apenas a glicemia de jejum é utilizada, tanto na primeira consulta quanto entre 24 a 28 semanas. Assim, espera-se detectar até 86% dos casos de DG. Nas pacientes com DG, é mandatório o TOTG 6 semanas após o parto e a orientação de dieta e atividade física, já que essas mulheres têm 50% de chance de tornarem-se diabéticas em 10 anos Complicações: Complicações gestacionais: Há uma maior incidência de abortamento nas gestantes diabéticas devido a alterações metabólicas maternas resultantes do descontrole da sua glicemia, como a acidose metabólica fetal. - Mortes fetais tardias: mortes fetais tardias “inexplicáveis” apresentam provável relação com acidose metabólica fetal. É a complicação mais temida da gravidez em pacientes com diabetes e acomete 1% dos casos. Geralmente ocorre por volta de 35 semanas ou mais, caracteristicamente nos casos de hiperglicemia de jejum > 105 mg/dl persistente. - Alterações do volume do líquido amniótico: a polidramnia acomete 25% das grávidas diabéticas e resulta do aumento da diurese fetal, que ocorre devido à hiperglicemia. A maior concentração de glicose no líquido amniótico provoca aumento da captação de água para o líquido (osmose). ILA superior a 18 possuem relação com macrossomia fetal. A avaliação ultrassonográfica deve ser realizada a cada quatro semanas após a 28ª semana. Complicações fetais: Anomalias congênitas: há uma incidência 3 a 6 vezes maior de anomalias congênitas em fetos de mães diabéticas do que na população geral. O efeito negativo da hiperglicemia no organogênese se deve a uma maior ação de radicais livres e a uma menor ação de genes que são responsáveis pela produção do ácido araquidônico, causando defeitos no tubo neural. A origem dessas anomalias se deve especialmente a dano à vesícula vitelina. Destacam-se os efeitos cardíacos, os de fechamento de tubo neural e a síndrome de regressão caudal. Incidem nas fases precoces da organogênese e resultam da ausência de controle periconcepcional do diabetes. Obs.: no DG, o risco de anomalias fetais não está aumentado, assim como de abortamento, já que no DG a hiperglicemia surge no segundo trimestre após o período de organogênese. - Distúrbios do crescimento: pode ocorrer macrossomia. A hiperglicemia materna facilita a passagem transplacentária de elevada quantidade de glicose, que estimula o pâncreas fetal saudável a produzir insulina, que não consegue participar adequadamente do controle glicêmico do feto mas exerce seus efeitos anabólicos (acúmulo de gordura e visceromegalia), o que confere ao neonato aspecto característico. - Distocia de espáduas: é definida como a dificuldade na liberação dos ombros fetais durante o parto vaginal de feto em apresentação cefálica. Pode ocorrer em qualquer gestação, mas tem sua frequência aumentada com o aumento do peso fetal. Durante o desprendimento dos ombros, deve ser usada suavidade ao abaixar ou elevar a cabeça. Em casos de distocia, evitar tração sobre o pescoço (risco de paralisia do plexo braquial). Várias manobras devem ser, então, utilizadas para liberar os ombros impactados. - Crescimento intrauterino restrito: resulta do comprometimento das trocas placentárias em função da doença vascular do vilo terciário. - Sofrimento fetal: ainda não estão bem esclarecidas as causas. - Prematuridade: decorre da hiperdistensão uterina da polidramnia, da insuficiência placentária, de alterações metabólicas e por indução de nascimento pré-termo em benefício materno ou fetal. Complicações neonatais: - Síndrome da angústia respiratória: os altos níveis de insulina fetal retardam e alteramo mecanismo fisiológico de amadurecimento pulmonar, interferindo no metabolismo dos fosfolipídios, com redução da produção de surfactante pulmonar. - Hipoglicemia neonatal: o nascimento do feto resulta na interrupção do aporte materno excessivo de glicose após o clampeamento do cordão umbilical. A glicemia torna-se, então, desproporcional aos níveis de insulina e a hipoglicemia se instala. - Hipocalcemia: associa-se a prematuridade, a causa é desconhecida. - Hiperbilirrubinemia: parece advir da policitemia e de uma imaturidade do sistema enzimático que conjuga a bilirrubina. - Policitemia: possivelmente decorrente de uma hipoxemia placentária e de um aumento das necessidades de oxigênio induzida pela hiperglicemia. - Risco de diabetes na vida futuro: ocorrência do diabetes tipo 2 em até ⅓ dos filhos de diabéticas até 17 anos de idade. Conduta: Controle periconcepcional: Mulheres diabéticas que desejam engravidar devem apresentar controle glicêmico adequado no período periconcepcional para reduzir o risco de abortamentos de malformações. A hemoglobina glicada deve ser utilizada para medir o grau de controle da glicemia nas últimas semanas. - Dieta: a dieta isoladamente pode ser suficiente para controlar a glicemia das pacientes e sempre faz parte do manejo, mesmo na ausência da gravidez. De acordo com o MS, deve ser da seguinte forma: 50-55% de carboidratos, 15-20% de proteínas e 30-40% de lipídios. Idealmente, deve haver o acompanhamento de um nutricionista. - Atividade física: as atividades físicas seguras durante a gestação são: caminhada, natação, ciclismo, aeróbica de baixo impacto, yoga, pilates, corrida, esportes com uso de raquetes e treinamento de força. É recomendado um programa de exercícios de intensidade moderada, durante 20 a 30 minutos por dia na maioria dos dias da semana. Obs.: apenas dieta e exercícios físicos conseguem manter até 60% das gestantes euglicêmicas e sem maiores complicações para a gestação. Monitorização glicêmica: Pacientes com diagnóstico de DG devem ser avaliadas a partir do diagnóstico até o pós-parto. A melhor forma de avaliação durante a gravidez é a automonitorização da glicemia capilar com fitas reagentes e glicosímetro pelo menos quatro vezes por dia. As metas são: - Jejum < 95 mg/gl; - 1 hora pós-prandial < 140 mg/dl; - 2 horas pós-prandial < 120 mg/dl. As pacientes usuárias de insulina devem manter a glicemia de jejum acima de 70 mg/dl e pós-prandiais acima de 100 mg/dl. Hipoglicemiantes orais: Os hipoglicemiantes orais devem ser evitados durante a gestação. O MS considera o uso apenas da metformina como monoterapia quando há inviabilidade de adesão ou acesso à insulina ou como adjuvante em pacientes com hiperglicemia grave. Insulinoterapia: A insulina deve ser administrada nas seguintes situações: - Todas as pacientes que já faziam uso antes da gravidez; - Diabéticas tipo 2 em substituição aos hipoglicemiantes usados previamente à gestação; - Diabéticas gestacionais que não obtêm controle satisfatório com dieta e exercícios. As insulinas de ação intermediária e longa são indicadas para o controle das glicemias de jejum e pós prandiais, enquanto as insulinas de ação rápida e ultrarrápida são indicadas para controle pós-prandial. O MS recomenda preferencialmente o uso da NPH e da regular. Acompanhamento clínico: - Função renal com dosagem trimestral de ureia, creatinina e proteinúria nas diabéticas prévias; - Fundo de olho trimestral nas diabéticas prévias. Acompanhamento obstétrico: - Consultas quinzenais até 30 a 34 semanas; - Consultas quinzenais a partir de 34 semanas até o parto; - Administração de ácido fólico pré-concepcional (prevenção de defeitos no tubo neural); - Urinocultura trimestra; - USG morfológica e ecocardiograma fetal nas diabéticas prévias; - Contagem de movimentos fetais 3 vezes ao dia durante uma hora em decúbito lateral a partir de 28 semanas após uma refeição; - Dopplerfluxometria das artérias uterinas a partir de 26 semanas; - USG seriada mensal a partir de 28 semanas (estimativa de peso e volume do líquido amniótico); - Perfil biofísico fetal ou cardiotocografia basal nas diabéticas prévias. Interrupção da gestação: As gestantes com ótimo controle metabólico, sem insulina e sem morbidade obstétrica associada podem aguardar a evolução espontânea para o parto até o termo. Já pacientes no uso de insulina, o parto deve ser feito entre 38 e 39 semanas. A qualquer momento que houver bem estar fetal comprometido, também deve-se antecipar o parto. O DG não é indicação para cesariana. Ela só será indicada se o feto for macrossômico. Camila Brito.
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