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Cuiabá, 2010 Oreste Preti PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO: ORIENTAÇÕES TÉCNICAS E PEDAGÓGICAS PROCESSO DE PRODUÇÃO DO TEXTO DIDÁTICO É na fala do educador, no ensinar (intervir, devolver, encaminhar), expressão do seu desejo, casado com o desejo que foi lido, compreendido pelo educando, que ele tece o seu ensinar. Ensinar e aprender são movidos pelo desejo e pela paixão (Madalena Freire, 1999). Existe diferença entre um modelo pedagógico baseado na aprendizagem [focado na pessoa que aprende, cujo sentido é educar] e um modelo pedagógico que se sus- tenta fundamentalmente no ensino [focado na pessoa que ensina, cujo propósito é somente ensinar]. Mencionamos, na primeira unidade, que na Educação a Distân- cia, tradicionalmente, foram seguidos dois caminhos para apoiar o estu- dante no processo de aprendizagem: a produção de texto didático especí- fico ou a elaboração do Guia de Estudo. 3 Figura 4 - Caminhos na elaboração do texto de apoio à aprendizagem do estudante na EaD 62 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas A elaboração de Guia de Estudo é prática usual em cursos de pós- graduação, pelo perfil dos estudantes e pelas características dos cursos com foco numa formação acadêmica mais densa. O professor seleciona uma obra de referência (texto-fonte), ou partes de uma obra ou de dife- rentes obras, e elabora o Guia de Estudo, em que orienta o estudante sobre o percurso da disciplina, as leituras a serem realizadas e as respecti- vas atividades de aprendizagem. Aqui no Brasil, a produção do texto específico é prática mais comum nas instituições que oferecem cursos a distância. Por isso, trata- rei deste segundo caminho. Encontramos em algumas instituições de EaD a prática de o professor-autor elaborar, juntamente com o Texto Didático, o Guia Didático. Por quê? O Guia Didático não é elaborado para dar suporte ao estudante, mas para orientar o professor que irá utilizar o texto didático para ensi- nar. Daí nomeá-lo de Guia Didático. Nele, o autor apresenta o texto, justifica a escolha dos temas e da abordagem, indica leituras comple- mentares (textos, filmes, sites) que podem ser propostas aos estudantes, elabora atividades de aprendizagem, sugere estratégias didáticas, ofere- ce orientações gerais sobre como proceder no uso do texto, etc. Por onde começar? Em nossa prática docente, no início do ano ou da oferta de nova disciplina, geralmente começamos definindo os temas a serem desenvol- vidos em sala de aula (conteúdo, ementas), preparamos ou selecionamos textos para cada tema, redigimos os objetivos. O Plano de Ensino está pronto. Mais tarde, elaboramos as atividades de avaliação, não é? Queremos propor-lhe um desafio. Experimente fazer outro cami- nho. Defina os objetivos e elabore atividades de aprendizagem com as respectivas respostas ou comentários às possíveis respostas que o estu- dante poderá dar. Somente depois, defina as unidades temáticas e come- ce a redigir o texto. Segundo Jesus Martin Cordero (1999), este segundo caminho, em relação ao primeiro, típico de professores do ensino presencial, apresenta vantagens, entre elas: - deixar o texto para o final evita tentações de “sair da trilha”; - escrever as atividades de autoavaliação logo após os objetivos faz com que o autor se 63Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas centre mais nos objetivos e que todos os objetivos sejam aborda- dos nas atividades; - escrever as respostas das atividades antes do texto significa que as repostas vão ser verdadeiras respostas. Você pode incorporar às respostas informações que, de outro modo, teriam que ir no texto. Assim, parte do ensino pode ser feito por meio dessas respostas; - escrever o texto ao final implica que não se vai escrever em demasia. Tudo o que você precisa é escrever o suficiente para chegar à primeira atividade de aprendizagem. Depois, escreve um pouco mais para chegar à atividade seguinte e assim por diante. Os parágrafos do texto se tornam uma espécie de “pon- te”, os quais levam de uma atividade à seguinte; - o estudante, ao perceber que parte do ensino é aprendido pelas respostas, se dá conta de que não pode prescindir das atividades. Você concorda com o autor, professor da Faculdade de Psicologia da Universidad Nacional de Educación a Distancia da Espanha (UNED)? Vai aceitar o desafio? Aqui, para que nossa conversa flua mais tranquila, vamos seguir o caminho tradicional na produção do texto. 3.1 PLANO DE ENSINO Ao ser convidado para escrever o texto didático de sua disciplina, é fundamental que você redija e apresente à coor- denação do curso breve documento em que você apresentará sua proposta. Antes de fazer opção pelos temas que pretende desenvolver, procure: - definir com clareza os objetivos da disciplina (geral e especí- ficos); - justificar a importância da disciplina na formação do profissio- nal e sua relação com as demais do curso; - indicar e justificar a bibliografia básica que servirá de referência na produção de seu texto, que deverá estar disponibilizada na biblioteca (virtual e do Polo de Apoio Presencial). Disciplina (do latim): instrução, ensinamento, lição, adestramento. 64 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Ao elaborar o plano, não esqueça que os papéis dos dois sujeitos envolvidos nesse processo formativo devem estar bem-definidos em sua proposta: Professor / Autor Estudante / Leitor Por quê? Justificar Importância da disciplina, seu contexto Para quê? Definir objetivos O que deve dar conta (aprendizagem) O quê? Selecionar conteúdo O que faz (competência final) Como? Orientar aprendizagem Como fazer (estratégias metacognitivas) Avaliar o quê, Organizar atividades Com o quê (condição) Como? Definir avaliação Com que rendimento (critérios) Quando? Em que momentos (processo) Mais que tudo, seu texto didático deverá oferecer ao estudante pistas e marcas do que se espera dele no processo de leitura e de aprendi- zagem. Por onde começar, então? a- Seleção de conteúdo A seleção dos pontos-chave de sua disciplina, da escolha dos “nós” que servirão para amarrar sua rede textual e propiciar integração com todos os componentes desta rede, é momento crucial. Dele depende- rá grande parte de sua facilidade ou dificuldade em escrever de maneira integrada e do estudante compreender, ou não, seu texto. Como fazer esta seleção? Sua experiência docente pode lhe indicar o caminho. Aqui uma sugestão. Para definir os temas/conceitos que você considera importantes serem aprendidos pelo estudante, pode recorrer à dinâmica do mapa conceitual. Certamente, você deve saber de que se trata e já fazer uso dele, ou, pelo menos, já ouviu falar dele. De que se trata? Trata-se de técnica desenvolvida pelo psicólogo americano Joseph D. Novak e seus colaboradores (Univ. de Cornell - EUA), a partir das contribuições de David P. Ausubel. É uma ferramenta para organizar e representar conhecimento, para buscar estabelecer conexões e relações simbólicas entre conceitos/temas de determinada área do conhecimento. O mapa, na realidade, é um diagrama que apresenta relações (simbólicas e de “hierarquias” conceituais) entre conceitos de uma disci- plina e que deriva sua existência da própria estrutura da disciplina. Por Técnica criada pelo psicólogo inglês Tony Buzan, na década de 1970. 65Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas isso, o mapa não é autoexplicativo; quem o faz dá o sentido. Em palavras mais simples, é um organizador prévio que oferece um panorama do “conteú- do” de sua disciplina, expressando os conceitos fundamentais que serão tratados e suas relações. É um “mapa da disciplina”, que permite visualizar a estrutura e a organização global de seus concei- tos-chave. Você poderá, na abertura da disciplina, apresentar este mapa ao estudante, descrever como o construiu, os sentidosque você lhe atribui, para que ele também pos sa visualizar como você pensou a disciplina, saber o que é significativo para você como professor da disciplina, quais os conceitos principais e as relações entre eles. Organizadores prévios - são ajudas, ferramentas que podem melhorar a assimilação do texto pelo leitor; - oferecem ao leitor contexto significativo; - favorecem estratégias de codificação para integrar informa- ção nova num contexto significativo. Ex. Lista de conteúdo, diagrama com representação da estrutura do módulo em estudo, tempo de duração do estudo, documentos para consulta (mapas, relatórios…), equipamentos a serem utilizados (microscópio, lupa, computador…), metas e objetivos, visão geral do curso, sumário Atenção! Ao selecionar os conceitos básicos de sua disciplina e ao apresentá-los no mapa conceitual de sua disciplina, não se esqueça de relacioná-los com os objetivos propostos e de estabelecer relações claras. Alguns exemplos, a título de ilustração. 66 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Fonte: http://penta2.ufrgs.br/edu/colaborede/groupware Para construção de mapa conceitual pode usar o software gratuito: IHMC CMap Tools (Institute for Human and Machine Cognition) - http://ihmc.us http://cmap.ihmc.us/ download Exemplo 1 67Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas MOREIRA, Marco Antônio. Mapas conceituais: instrumentos didáticos de avaliação e de análise de currículo. S. Paulo: Moraes, 1987. Leia o cap. 2 – Mapas Conceituais como instrumento de ensi- no (p. 35-44), em que o autor tece comentários sobre o uso de mapas conceituais na preparação de sua unidade de ensino e dá exemplos. Do mesmo autor, que fez parte da equipe do psicólogo Joseph D. Novak (1987-88), o texto “Mapas conceituais e Aprendizagem Significativa” (1997), disponível em: www.if.ufrgs.br/~moreira. Além de discutir o que se entende por mapa conceitual e fundamentar o conceito, o autor exemplifica como pode ser usado no ensino e sugere passos na construção de um mapa conceitual. AMORETTI, Maria Suzana Marc. Mapas conceituais: modelagem colaborativa do conhecimento. Informática na Educação: Teoria & Prática. Vol. 3, n.12. Porto Alegre, set. 2000. p. 49-55. Disponível em: http://www.pgie.ufrgs.br/~suzana. Exemplo 2 68 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas A autora, Ph. D. em ciências da linguagem, tem publicações nacionais e internacionais em congressos e revistas científicas de renome. Trabalha também com a linha de pesquisa em Mapas Con- ceituais no Tratamento da Informação. (http://www.planeta.terra.com.br/educacao/suzana) TAVARES, Romero. Construindo mapas conceituais. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v12/m347187.pdf. Acesso em: 4-4-09. Site educacional UFRGS http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapasconceituais/ b- Organização do conteúdo em unidades temáticas Após discussões com os demais professores do curso, cada um apresentando o mapa conceitual de sua disciplina, definem-se os concei- tos e os temas centrais que cada um irá trabalhar no texto didático, e como serão interligados. A equipe de professores do mesmo curso busca identificar te- mas/conceitos que podem servir de conexão entre diferentes campos do saber/disciplinas, para que o MDI ofereça ao estudante, pelo menos, cer- ta multidisciplinaridade do conteúdo em foco. Para isso, os autores de- vem verificar, no projeto pedagógico, quais os eixos norteadores ou os princípios propostos para balizar a formação do estudante, do futuro pro- fissional. O desejável seria que a equipe pudesse construir o MDI de ma- neira interdisciplinar. Em seguida, definir uma primeira estrutura do texto didático, que poderá ser modificada no processo de redação e revisão do texto. Unidade I - tema geral 1.1 - tema específico 1.2 - tema específico 1.3 - tema específico Unidade II Unidade III Exemplo, retirado do texto didático: Estudar a distância: uma aventura acadêmica. Vol 2 – A construção da pesquisa (PRETI, 2005): 69Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Nos caminhos da aventura: os trabalhos acadêmicos 1 A pesquisa 2 No início, a pergunta 3 Os caminhos 3.1 Por onde caminhar? 3.2 Ponto de partida 3.3. Planejamento [...] 4 O Seminário Temático 4.1 Em busca do sentido “original” 4.2 Outros sentidos [...] 5 Redigindo trabalhos acadêmicos 5.1 Aprenda a escrever, aprenda a pensar 5.2 Construção lógica do texto [...] Enfim, à aventura Referências Estrutura Conjunto de ideias de base que são tratadas no texto, a ordem com que se apresentam estas ideias e as relações que possuem entre si [...] É a base da compreensão na leitura. [...] (LANDRY, 1985, p. 222). Segundo a autora, a estrutura um texto não se limita a traçar um plano. É muito mais, pois você precisa ter em conta uma quantidade de variáveis e integrar perspectivas diferentes, como: - as variáveis didáticas e epistemológicas: cada área de conhe- cimento tem estrutura própria, mas ela não pode se distanciar das demais do curso e necessita integrar sua abordagem com as de outras disciplinas. A forma como você ira estruturar e apresentar sua disciplina, seu texto, irá influenciar na compre- ensão do leitor; 70 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - a credibilidade da disciplina: o autor necessita manter equilíbrio entre o conhecimento produzido em sua área e sua opção episte- mológica e ideológica, pois isso contribui na formação sólida do estudante; - as características dos estudantes: saber o que eles já estudaram no curso e o que conhecem sobre o tema de sua disciplina, até que ponto dominam conceitos básicos e/ou termos particulares para poder compreender novos conceitos que você pretende ensinar em sua disciplina, sua capacidade leitora; - as opções pedagógicas: cada professor-autor tem seu jeito de ensinar, sua maneira de ser em sala de aula, estratégias próprias para conseguir se comunicar com os estudantes, etc. Cuidado, porém, com a tentação de repassarmos muito mais conteúdo, porque o dominamos melhor, e fazer pouco recurso a estratégias didáticas, como as atividades de aprendizagem; - a coesão do texto: a estrutura de seu texto precisa ficar clara também para o estudante. Abordaremos isto no tópico que trata da redação. Para C. M. Reigeluth e Merill (1982 apud LANDRY, 1985), as ideias básicas (organizadoras do conteúdo) formam a estrutura prin- cipal do texto, ao redor da qual vão se elaborando as ideias de suporte, em planos sucessivos. Sugerem, então, sete etapas para melhor estru- turar um texto: - escolher, ordenar e ajustar as ideias de base; - escolher as ideias que vão sustentar as de base e ordenar a maté- ria sequencialmente; - escolher estratégias que possibilitem reter informações novas às informações anteriores (analogias, exemplos, etc.); - escolher estratégias de revisão (resumos, sínteses, exercícios, etc.) - redigir os elementos das estratégias; - definir a apresentação do texto (formato, ilustrações, etc.). Você pode ir além dessa simples estrutura de seu texto. Pode traçar, de maneira mais detalhada e prática, seu percurso na elaboração do texto. Quando realizamos oficinas com autores, sugerimos o preenchi- mento do seguinte quadro. 71Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Quadro 2 – Quadro do planejamento da disciplina para produção do MDI Disciplina: Ementa: Objetivo(s) Geral(is): Disciplina que serve de base para a sua: Disciplinas com afinidade: Sua disciplina é base para que disciplina: Ao planejar seu percurso na elaboração do texto didático, antes de iniciar a escrever, você será levado a pensar previamente diferentes aspec- tos e estratégias didáticas que tornarão seu texto, pedagógico e comunica- tivo. Além disso, a elaboração deste quadroo ajudará a não perder a dire- ção e chegar mais tranquilamente ao final de sua caminhada como autor. Certamente não terá dificuldade em realizar este planejamento, pois, ao longo de sua trajetória docente, deve ter armazenado rico materi- al de suporte às suas aulas (anotações, questões, contos, charges, ilustra- ções, contos, casos, atividades de avaliação, etc.). Chegou a hora de retirar tudo isto do baú para ganhar espaço ao sol e iluminar seu texto. Finalizada esta fase de planejamento, é o momento de você “pôr a mão na massa” e começar o longo, intenso e prazeroso trabalho de reda- ção. Você irá escrever sobre um tema que domina, mas, de importância não menor, deverá prestar atenção “para quem” você está escrevendo. Isso lhe exigirá cuidados para que sua linguagem, sem deixar de ser técnica e precisa, seja simples e clara, o que a tornará compreensível. Unidades I II III Tópicos Subtemas Objetivos Específicos Atividades exercícios Glossário Link Saber mais Dados Fatos Exemplos Contos Metáforas Imagens Fotos Charges Desenhos Quadros Tabelas Diagramas Previsão n. pág. 72 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas É o desafio de você se equilibrar sobre uma corda bamba, entre expressar conteúdo teórico e científico com precisão e fazê-lo de manei- ra acessível ao estudante, mantendo-o motivado ao longo da leitura. Ao desenvolver seu tema, procure ter como caráter central a solução de um desafio, e não o esclarecimento de uma solução; um discurso mais interrogativo e menos afirmativo; não “como” acontecem as coisas, os fatos, mas “por que” acontecem de determinado modo e não de outro. 3.2 REDAÇÃO Aprender a escrever é, em grande parte, se não princi- palmente, aprender a pensar, aprender a encontrar ideias e a concatená-las, pois, assim como não é possí- vel dar o que não se tem, não se pode transmitir o que a mente não criou ou não aprovisionou (GARCIA, 1977). Escrever bem é o resultado de um percurso constituído de muita prática, muita reflexão e muita leitura. É uma ação em que o sujeito se envolve […] Não existem esquemas prévios ou roteiros infalíveis que possam substituir tal envolvimento. É a voz do indivíduo que orienta o texto. Portanto, este é imprevisível (GARCEZ, 2004. p. 6). Othon M. Garcia, em sua conhecida obra “Comunicação em prosa moderna” (1967), e Lucília Helena do Carmo Garcez, autora de “Técnica de Redação - o que é preciso saber para bem escrever” (2001), são claros: sem reflexão não há produção escrita. O filósofo alemão Georg W. F. Hegel (1770-1831) também dizia que, quando faltam as palavras, na realidade o que falta é o pensamento. Um provérbio francês, bastante conhecido, traduz bem esse pensamento: “o que é bem-concebido é enunciado claramente, e as palavras para expressá-lo vêm facilmente”. Portanto, escrever implica expor o que armazenamos, no andar do tempo, em nossos pensamentos e reflexões, a partir de nossa prática como docentes e como cidadãos. Por isso, não há regras ou roteiros a serem seguidos que nos levem com tranquilidade e segurança à produção escrita. É processo particular de anos de experiência no exercício da palavra escrita. 73Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas É com a experiência de quem já trilhou o caminho da produção de textos didáticos que gostaria de apontar alguns cuidados que você deve ter como escritor, para que seu texto seja comunicativo. Alguns cuidados básicos: - redação clara, objetiva, direta, com moderada densidade de informação; - sugestões explícitas ao longo do texto (o que é importante e relevante, sugestão de leituras, atividades); - texto estruturado de maneira que propicie coerência interna (“costura”, articulação) e localização fácil da informação (por meio da numeração, destaques, ícones, etc.); - apresentação clara dos objetivos; - linguagem simples e científica, ao mesmo tempo; - linguagem coloquial, dialogando o máximo possível com o estudante (troca de opiniões com o leitor, perguntas, palavras de estímulo); - convite à crítica, à reflexão, a expandir as leituras e os conheci- mentos além do que está proposto no texto didático; - linguagem adequada às características dos estudantes, especial- mente quanto ao nível de escolaridade, idade e interesses. A estrutura do texto tem que ser nítida também para o leitor. Por meio de esquemas ou redes, podem-se identificar as idéias-base de um texto, suas relações e o que é mais importante. É isso que seu texto deve propiciar ao estudante-leitor. Além disso, você precisa ter em conta: - possíveis dificuldades do estudante (sua experiência em sala de aula certamente lhe será valiosa nesse momento): conceitos errôneos, preconceitos, lacunas importantes, conhecimentos prévios indispensáveis. Assim você poderá pensar em estratégi- as, a serem propostas em seu texto, para que o estudante supere essas dificuldades; - o que você pretende que o estudante dê conta (competências, habilidades) ao final da leitura de seu texto didático; - características próprias da disciplina; - características do texto escrito (introdução, desenvolvimento, conclusão; títulos, subtítulos, esquemas, resumos, questões, atividades). 74 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Leia com atenção essas “curiosidades”, para melhor dimensionar a extensão de seu texto com a carga horá- ria da disciplina, o tempo disponível e a capacidade leitora do estudante. - Uma leitura reflexiva dá conta de 50 a 100 palavras por minuto (2 horas de leitura para uma unidade de 20 páginas, em média); - uma leitura lenta, que possibilite compreensão do texto, conse- gue, em média, ler entre 3 a 6 mil palavras por hora; - frases longas, tanto quanto as demasiadamente curtas, cansam. O recomendável é de 10 a 14 palavras para cada unidade signi- ficativa de informação (50 a 70 caracteres). A leitura, então, é uma experiência compartilhada desigualmente: há leitores, e leitores. Seu desafio é dar conta de atingir tanto o leitor com certa dificuldade de leitura, redigindo texto que tenha legibilidade lin- guística, como o leitor com melhor capacidade, apresentando-lhe desafi- os para que se sinta também motivado à leitura. Ainda mais. Como vimos em outra passagem, o texto escrito é um meio pouco interativo, o que exige de você desenvolver estilo e estratégias para efetivar interação com diferentes tipos de leitor. O professor da UNED Jesus Martin Cordero (1999), em oficinas realizadas aqui no Brasil com autores de material didático, e a professora Francine Landry (1985) da Télé-université du Québec (Canadá), brin- dam-nos com algumas orientações simples mas fundamentais. Vejamos algumas delas. Quadro 3 - Variáveis que atingem a legibilidade linguística Aspectos Negativos Aspectos Positivos Palavras - longas - curtas - abstratas - concretas - raras - familiares - instrumentais / técnicas - cheias de sentido - referindo-se a idéias - referindo-se a ações - polissêmicas - com sentido constante 75Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Aspectos Negativos Aspectos Positivos Frases - largas - curtas - pouco estruturadas - bem-estruturadas - passivas - ativas Verbos - transformados em nomes abstratos - de ação - no pretérito - no presente - cortina de palavras entre sujeito-verbo - sujeito próximo ao verbo - ausência de “conectores” linguísticos - conectores presentes (assim, também, quero dizer, em consequência, em resumo, ao contrário, etc.) Seu estilo de escrever pode ter impacto positivo ou negativo na compreensão do texto, dado que a legibilidade depende não somente do contexto em que está inserido seu leitor, bem assim da maneira como você escreve e busca se comunicar com esse leitor-estudante. Portanto, seguem mais algumas orientações. Na hora de redigir, faça uso de: - Realces tipográficos (negrito, itálico, sublinhado). Mas evite abusos para nãotornar o texto poluído e dificultar a leitura. - Elementos que ajudam a tornar o texto visualmente “homo- gêneo”: • definições podem aparecer com determinado ícone, ou tipo de letra, ou um símbolo que remete ao glossário; • exemplos podem aparecer em caractere menor; • atividades, questionamentos podem aparecer com destaque do texto. (Daí a importância de o projeto gráfico do material didático ser bem desenhado por sua instituição e você tomar conhecimento dele antes de começar a escrever). 76 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - Frases para chamar a atenção do leitor: Observe bem; gostaria de destacar; é muito importante; vale lembrar especialmente; o problema é; a solução para esta questão; em resumo; Efetivamente. - Palavras ou números para ordenar ou enumerar: Em primeiro lugar; 1º - 2º; A) - B); consequentemen- te; por outro lado; depois; finalmente; dando continui- dade; como acabamos de. - Partículas ou conectivas causais: Porque; em conseqüência; portanto; então; logo; devido a; uma vez que. - Conectivas adversativas: Porém; por outro lado; apesar de; em troca; mas; sem dúvida; ao contrário; contudo; entretanto. - Frases de transição: • para indicar objetivos: Nosso propósito nesta unidade; o que desejamos neste trabalho; por meio deste exemplo procuramos compro- var; o objetivo dessa unidade; esperamos que você, após o estudo deste tópico, seja capaz de. • divisão de ideias: Em primeiro lugar; depois; em seguida; outro aspecto; por um lado; se X defende esta abordagem, Y se posicio- na diferentemente. • inserção de exemplos: Para exemplificar, podemos; exemplo disso; como exem- plo; assim, é o que ocorre no caso; numa situação em que. • inserção de citações ou para paráfrases: Segundo o especialista X; X afirmou que; de acordo com o pensamento de; resumindo a teoria de. • conteúdo parcial ou final: Em vista disso podemos concluir; diante do que foi dito; em suma; em resumo; concluindo; portanto; assim. 77Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas No Apêndice, no tópico “Alguns 'pecados' dos textos didáticos”, você encontrará orientações simples e claras, com exemplos e indicações biblio- gráficas, para tornar seu texto comunicativo. Além dos aspectos da linguagem, há outros elementos que podem contri- buir na legibilidade do texto didático, os chamados índices de acesso, isto é, elementos que orientam o leitor sobre o percurso do texto, sua estrutura e aspectos centrais ou importantes a serem lembrados ou assi- milados. Mais que tudo, permitem aos estudantes selecionar as partes relativas a seus objetivos [...] contribuem, assim, a que os estudan- tes realizem leitura mais autônoma, menos dependente da pedagogia prevista pelo autor (LANDRY, 1985, 234). Quadro 4 - Índices de acesso INDICES SUMÁRIO ESQUEMA LÓGICO RESUMO LÉXICO E GLOSSÁRIO ÍNDICE DEFINIÇÃO Lista de unidades, títu- los, tópicos principais. Representação visual das ideias principais e suas relações. Resumo das ideias prin- cipais de partes do texto. Apresentação e defini- ção de termos especiali- zados, técnicos, pouco desenvolvidos no texto. Ordenação alfabética e localização de elementos importantes (conceitos, temas, pessoas, eventos). COMENTÁRIOS Dá uma ideia global do texto, contribui para loca- lizar informação. No começo de uma parte, permite visualizar rapi- damente a estrutura dessa parte. Antes de um texto, pre- para e orienta a leitura. Depois do texto, recapi- tula as ideias principais. Não deve substituir as definições postas no inte- rior do texto. Serve para completar definições en- contradas em dicionários. Seve para localizar rapi- damente uma Informa- ção. Necessita tempo. 78 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Lista de OBJETIVOS TÍTULOS SUBTÍTULOS Lembretes Chamadas Lista de competências, habilidades e mudanças de comportamento espe- radas. Designação de uma par- te do texto. Indicação de uma parte do texto. Colocados na parte supe- rior ou inferior da página. Localização de outra parte do texto ou de ou- tro texto que se refere ao tema tratado. Antes das unidades, ori- enta a leitura. Depois, servem para averiguar o apreendido. É o índice mais utiliza- do. A seleção das pala- vras dos títulos é de pri- meira Importância. É colocado no interior do texto. Geralmente repete o títu- lo da unidade. Facilita a busca rápida... Facilita a integração entre os textos e as par- tes do curso. Fonte: adaptação de LANDRY, 1985, p. 234-5. Essas breves orientações, desde que seguidas, podem contribuir em tornar a leitura do estudante mais rápida, eficiente e produtiva, levando-o a economizar tempo. A um estudante que trabalha e alega “falta de tempo” para o estudo, para realização das atividades, isso pode fazer diferença. Mas o que dizem as pesquisas sobre a redação do texto didático? A partir da psicologia cognitiva, diferentes estudos sugerem algumas estratégias para tornar o conteúdo do texto didático acessível ao estudante, entre elas: - Situar o conteúdo, contextualizando-o em seus aspectos históri- cos, conceituais; • Recuperar material significativo desde o começo; - Hierarquizar e ordenar o conteúdo; • Apresentar o tema ou tópico central no começo; - Destacar as ideias fundamentais (introdução, objetivos, esque- mas, resumos, glossário); 79Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - Simplificar a sintaxe e o vocabulário; - Usar conectores que ressaltam as relações dominantes, ao nível da macroestrutura do texto; - Recorrer a ajudas, pistas, sinalizações. Segundo os estudiosos, essas estratégias favoreceriam a compre- ensão do texto por parte do estudante. Não se preocupe diante de tantas “orientações”. Ao escrever e reescrever o texto, você irá desenvolver sua capacidade de expressão referente ao domínio do tema e ao manejo da linguagem, dando ao texto clareza, coerência, firmeza, riqueza e beleza. Você fará sua parte. Deixe que o leitor também faça a dele, ou, como diz nosso poeta Mario Quintana, em A coisa: A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita. A título de ilustração, leia dois textos a seguir, elaborados no processo de redação da disciplina estatística para um curso técnico, com a finalidade de apresentar, logo no início do texto didático, a disciplina do curso ao estudante. Apresentando a Disciplina - versão inicial - A estatística é um conjunto de métodos para coletar, orga- nizar, resumir, analisar, planejar experimentos, interpretar um conjunto de observações, para que se possa realizar a tomada de decisões. O objeto de estudo da estatística são os fenômenos aleatórios que representam as variabilidades dos dados dos fenômenos da natureza. Caracterizam-se por se repetirem, pelos resultados não serem os mesmos a cada repetição e por serem feitas várias repetições apresentando acentuada regularidade nos seus resultados [...] 80 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - 2ª versão - Prezado estudante: Bem-vindo ao mundo mágico da estatística, com seus números, gráficos, quadros, tabela. Um mundo capaz de nos abrir os olhos para enxergar e tentar entender o intermediário que talvez exista entre o certo e o errado, ou possibilitar a discus- são para entender cada um desses extremos. Bem-vindo a um mundo onde a aleatoriedade dos acon- tecimentos não permite que se tomem decisões ou se façam afirmações sem antes analisar e avaliar dados numéricos colhi- dos em experimentos científicos, no caso de ramos das ciências como a medicina, a biologia e a química, ou em pesquisas sobre opiniões de pessoas ou de grupos sobre os mais diversos temas ou assuntos, entre os quais têm um forteapelo cultural aqueles associados a tópicos ambientais. Tal crescimento é evidenciado pelo expressivo número de pesquisas e de publicações, bem como pela crescente atuação técnica de profissionais estatísticos e ambientalistas em ativida- des públicas e privadas que visam à elaboração de diagnósticos e análises de temas geoambientais e socioambientais. Você já pode perceber, então, a importância da Estatística em seu curso e em sua formação profissional, pois ela tornará possível sua interação com o meio ambiente, ao estudá-lo e ao tirar conclusões a partir de dados coletados e processados. [...] O que você pensou ao ter em suas mãos este fascículo de estatística? Sentiu algum tipo de resistência, imaginando se tratar de conteúdo difícil ou que nada tem que ver com sua formação como técnico [...]? Não se preocupe. Isso é comum acontecer, pois, na escola, infelizmente criamos certo “medo” de disciplinas que trabalham com números, como se fossem uma espécie de bicho-papão, não é? Ou ficou curioso para saber de que trata a estatística e em que ela pode contribuir para sua formação? 81Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Você percebeu diferenças entre a primeira versão e a outra (após idas e vindas entre o autor e designer educacional)? Na primeira, a preo- cupação central do autor é logo definir o que é estatística e sua finalidade! Já na segunda, o autor procura contextualizar este campo do saber, sua importância e utilidade, e procura provocar o leitor indagando sua atitu- de inicial diante do tema e, logo em seguida, o motiva ao estudo. Como dissemos em passagem anterior, a produção do texto didático não é atividade solitária. Você, certamente, irá contar com equi- pe multidisciplinar, disposta a contribuir na reelaboração de seu texto para torná-lo pedagógico e comunicativo. Para finalizar este tópico, queremos que você retome a reflexão por nós citada na abertura da primeira unidade, lembra? Dizia a autora que a qualidade do texto didático tem influência na aprendizagem, ou não, do estudante, embora não seja o único fator. Você concorda com a autora? Reflexão Antes de passar para a unidade seguinte para tratarmos dos ele- mentos pré-textuais e textuais de seu texto didático, gostaria de fazer breve pausa para justificar minha opção por propor que seu material didático impresso seja organizado em unidades temáticas, e não em “aulas”.
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