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ARAÚJO, Luciana Corrêa de - O cinema em Pernambuco nos anos 1920

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1 
[Araújo, Luciana Corrêa de. “O cinema em Pernambuco nos anos 1920”. I Jornada 
Brasileira de Cinema Silencioso (catálogo). São Paulo: Cinemateca Brasileira, 2007, 
p.33, 71-6] 
 
O cinema em Pernambuco nos anos 1920 
Luciana Corrêa de Araújo 
 
 A produção de filmes em Pernambuco ao longo da década de vinte faz parte do 
que se costuma chamar de “ciclos regionais” do cinema silencioso brasileiro, 
denominação que abriga as experiências cinematográficas, sobretudo no terreno da 
ficção, em cidades fora do eixo econômico formado pelas capitais Rio de Janeiro e São 
Paulo. É assim que vamos encontrar não só o “Ciclo do Recife”, como também os ciclos 
de Barbacena, Pelotas, Campinas, Porto Alegre e Cataguases, entre outros. 
O termo “ciclo” é uma classificação confortável e já suficientemente consolidada 
entre os estudos cinematográficos brasileiros, mas se trata de uma classificação cada vez 
menos satisfatória e precisa. Na maioria dos casos, a noção de “ciclo” privilegia os 
filmes de enredo, os “posados”, desconsiderando a produção de “naturais” (não-ficção). 
Enquanto o termo “regionais” bem aponta o caráter centralizador embutido na 
expressão, resultado de um discurso historiográfico ancorado no eixo Rio de 
Janeiro/São Paulo, desconhecendo outras possíveis atividades cinematográficas nos 
estados, ainda pouco ou nada pesquisadas e divulgadas. É, pois, seguindo o critério do 
filme de ficção, que se delimita o início e o final do “Ciclo do Recife”, que começa com 
a criação da Aurora-Film por Gentil Roiz e Edison Chagas e as filmagens de 
Retribuição (1925), e se encerra com os dois últimos filmes de enredo produzidos, No 
cenário da vida e Destino das rosas, ambos lançados em 1930. A produção de naturais, 
contudo, se desenrola desde anos anteriores e continuaria pelas décadas seguintes. 
Feitas as devidas ressalvas, é inegável que a partir de 1924 e até o final da 
década (1930) acontece em Pernambuco uma expressiva atividade cinematográfica. 
Nesse período, são produzidos e exibidos quase 50 filmes, entre longas e curtas. 
Inúmeras produtoras foram criadas ou anunciadas, e pelo menos 12 delas chegaram a 
finalizar e exibir seus filmes, verdadeira proeza para a produção brasileira da época, 
quase sempre às voltas com a exigüidade de recursos e as restrições do mercado 
exibidor aos títulos nacionais. 
 2 
Quando acontece o encontro entre o cinegrafista Edison Chagas e o ourives, fã 
de cinema, Gentil Roiz? Quando eles dão início às filmagens de Retribuição, 
considerado o primeiro filme de enredo pernambucano? Em que ano é criada por eles a 
produtora Aurora-Film? As datas flutuam conforme as fontes. A se confiar nas respostas 
de Gentil Roiz ao questionário preparado por Jota Soares em 1963, as filmagens teriam 
começado “em setembro de 1922 (vago)” [sic] e se prolongado por vinte meses, sendo a 
Aurora fundada em 1923. É no final deste ano que surge uma referência, um tanto 
cifrada, na revista carioca Para todos..., que reponde ao leitor “Gentil (Recife)”: 
“Escreva sempre relatando-nos o correr dos trabalhos. Temos imensa satisfação de estar 
a par de todo o movimento” 
1
. Daí em diante, as atividades cinematográficas em 
Pernambuco passarão a ser acompanhadas de perto pelos jornalistas Adhemar Gonzaga 
e Pedro Lima, que promovem sem suas colunas em Para todos..., Selecta e Cinearte (a 
partir de 1926) uma sistemática campanha pelo cinema brasileiro. Os seis anos da 
campanha, de 1924 a 1930, coincidem com o período em que se desenvolve a produção 
pernambucana de filmes de enredo, o grande interesse dos dois jornalistas cariocas que 
nunca deixaram de combater os naturais. 
O nome Aurora-Film é um belo batismo para uma iniciativa que se pretendia 
pioneira, iniciadora de um novo momento na cinematografia pernambucana. Roiz 
dominava noções básicas de técnica e escrevia roteiros de filmes de aventura. Chagas 
vinha de uma experiência no Rio de Janeiro, no laboratório do cinegrafista João 
Stamato. Talvez aí já estivesse presente Ary Severo, que traz sua noiva Almery Steves 
para atuar em Retribuição, cujas filmagens se prolongam por meses, restritas aos finais 
de semana, quando todos estavam de folga de seus trabalhos, e sujeitas às limitações de 
recursos para compra de filme virgem e outras despesas. Enquanto a Aurora não conclui 
seu primeiro filme, a “fábrica” de maior destaque no meio cinematográfico local é a 
Pernambuco-Film, respaldada sobretudo pelos dois filmes produzidos como propaganda 
para o governo Sergio Loreto, lançados no curto intervalo entre outubro de 1924 e 
janeiro de 1925: Recife no 1º Centenário da Confederação do Equador e Pernambuco e 
sua exposição de 1924. 
Quando Retribuição estréia em março de 1925, recebe generosa acolhida por 
parte do público e da imprensa, entusiasmados diante da novidade de assistir a um filme 
de enredo realizado na própria cidade. É preciosa a contribuição do português Joaquim 
 
1
 “Questionário”. Para todos..., n.262, 22 dez 1923. 
 3 
Mattos, gerente do cine Royal, que apesar de não ser o cinema mais luxuoso da cidade 
(era o Moderno), ainda se mantinha como sala lançadora, uma das principais do 
circuito. Mattos não só abre espaço na programação para os filmes de enredo da Aurora 
como arma para eles uma atraente estratégia promocional. Antes da estréia, colava fotos 
do filme na fachada e projetava pequenos trechos “para fazer reclame” 
2
. Para o 
lançamento, fazia questão de iluminar a fachada e decorar especialmente a sala, 
espalhando folhas de canela no chão para perfumar o ambiente. Na imprensa local e nas 
revistas cariocas, não faltam referências ao sucesso de Retribuição no Royal, cujas 
exibições “arrastaram enchentes” (para usa a expressão bastante comum na época) e, de 
tão concorridas, chegaram a perturbar o trânsito na rua Nova. O levantamento nos 
jornais indica que o filme alcançou um total de doze dias em cartaz, percorrendo um 
circuito que começou no Royal (sessão especial e exibição durante dois dias), passando 
em seguida para os cinemas Helvetica, Ideal, Odeon, Guanabara e Santo Amaro. 
Sem desmerecer a relevância do Royal, é preciso ressaltar que não se tratava da 
única sala a exibir as produções pernambucanas. Pelo contrário, boa parte dos filmes 
entra em cartaz em outras salas, tanto no centro quanto nos bairros, especialmente nos 
anos de maior atividade (1925 e 1926). 
A recepção calorosa de Retribuição, superando as expectativas, não repercute 
apenas na Aurora, que logo parte para uma nova produção. Também serve como 
estopim para a criação de outras produtoras, como a Planeta-Fim, “dissidência” da 
Aurora formada por atores do elenco de Retribuição: o galã Barreto Júnior e os vilões 
Tancredo Seabra e Eronides Gomes. Quem banca a iniciativa é o pai de Eronides, 
Paulino Gomes, que pelo visto desfrutava de considerável prestígio, a ponto de 
conseguir exibir Filho sem mãe, primeiro e único filme da produtora, em sessão especial 
para o governador Sergio Loreto. Apesar de anunciarem as filmagens do natural Jornal 
da Planeta e do posado Herança perdida, encerram as atividades sem nenhum outro 
lançamento. 
No segundo semestre de 1925 surgem também a Veneza-Film, que exibe o 
natural A pega do boi, e a Olinda-Film, que lançará Grandezas de Pernambuco, em 
janeiro do ano seguinte, e o longa de enredo Revezes..., em 1927. À lista de novas 
fábricas, vêm se juntar as “mambembes” Victoria-Film e Maria-Film, mencionadas na 
revista Para todos.... 
 
2
 Carta de Gentil Roiz a Pedro Lima. Recife, 14 set 1925. 
 4 
Em poucos meses, Recife torna-se um dos principais focos de produção do país, 
pelo número de produtoras em atividade e pela quantidade de filmes realizados e 
exibidos em circuito comercial. Nesse momento (1925), outras cidades fora do eixo Rio 
de Janeiro-São Paulo tambémabrigam expressiva movimentação cinematográfica, como 
é o caso de Campinas, que desde 1923 passava por animação semelhante à que ocorria 
em Recife, e Cataguases, onde Humberto Mauro dirigia seus primeiros filmes. 
O notável impulso que toma a produção cinematográfica em Pernambuco 
também pode ser compreendido levando-se em conta as mudanças promovidas pelo 
governo Sergio Loreto (1922-1926), que “viveu sob o signo da modernização em 
diversos espaços da administração pública”, privilegiando os investimentos em higiene, 
na melhoria do serviço de saúde e na urbanização da cidade do Recife 
3
. Fazer cinema – 
símbolo de modernidade e de uma nova sensibilidade urbana – estaria então plenamente 
inserido no projeto modernizador de Loreto. Em termos mais objetivos, pode-se dizer 
que os realizadores se beneficiam não só com a relativa estabilidade econômica 
daqueles anos como também de forma direta pelos financiamentos feitos pelo governo 
na realização de filmes naturais, encomendados seja às produtoras Pernambuco-Film e 
Aurora, seja ao cinegrafista A. Grossi ou ainda ao jornalista Manoel Monteiro. 
Deve-se creditar a Amaury de Medeiros, secretário do Departamento de Saúde e 
Assistência, boa parte da relevância adquirida pela propaganda ao longo da gestão de 
Loreto. Cunhado e braço direito do governador, Medeiros tem atuação destacada na 
melhoria dos serviços de higienização e mostra-se bastante atento tanto à realização de 
obras quanto à sua divulgação, sem excluir um tanto de promoção pessoal, como 
indicam fotos suas publicadas em Para todos..., por ocasião de eventos aos quais 
comparece no sul do país. Sabe-se que Gentil Roiz mantinha relações de amizade com o 
poderoso secretário, o que rendeu a Aurora a encomenda de um ou mais filmes de 
propaganda para o governo. 
A Aurora encerra 1925 em chave de sucesso e de crise – situação aparentemente 
incoerente, mas da qual não faltam outros exemplos ao longo da história do cinema 
brasileiro. Em dezembro, a fábrica lança Aitaré da Praia, sua produção mais cara até 
então, com chamativo anúncio na imprensa e concorridas exibições no Royal, e paralisa 
suas atividades, diante das desavenças entre a equipe e a viagem às pressas de Gentil 
Roiz para o Rio de Janeiro, fugindo dos credores. 
 
3
 Rezende, Antonio Paulo. (Des) Encantos modernos – História da cidade do Recife na década de vinte. 
Recife, Fundarpe, 1997, p.55. 
 5 
O cuidado na realização de Aitaré da Praia, desde a escolha da temática regional 
às pitorescas locações na praia e o sofisticado ambiente burguês nas cenas urbanas, que 
demandaram uma custosa estrutura de produção, já sinalizava maiores ambições por 
parte dos realizadores recifenses. O ano de 1926 só irá confirmar essa disposição, com o 
lançamento de A filha do advogado e do religioso História de uma alma, as produções 
mais dispendiosas do cinema silencioso pernambucano, bancadas respectivamente pela 
Aurora e pela recém-criada Vera Cruz-Film. 
Se em 1925 os filmes de enredo surgem sobretudo da iniciativa de jovens 
realizadores/colaboradores (com o apoio financeiro de Joaquim do Nascimento Tavares, 
na Aurora, e Paulino Gomes, na Planeta), no ano seguinte as produtoras tentam se 
estruturar em bases menos amadoras, os investidores (João Pedrosa da Fonseca, na 
Aurora, e João Carlos Vergueiro, na Vera Cruz) assumem papel ativo e valem-se de seu 
prestígio para legitimar as empresas. Além disso, a realização de filmes atrai a 
colaboração de escritores e jornalistas do meio cultural reconhecido, como o professor 
Eustórgio Wanderley. Membro da Academia Pernambucana de Letras, ele dirige o 
drama sacro baseado nas memórias de Santa Teresinha de Lisieux, cujo elenco é 
formado por nomes das melhores famílias recifenses – característica amplamente 
explorada pelas matérias de divulgação. Para o lançamento, História de uma alma 
ganha sessão especial no cinema Moderno. Não deixa de ser significativo que a primeira 
ficção local exibida na sala mais prestigiada seja produto da burguesia católica, e não 
dos jovens da Aurora, a maioria sem sobrenomes ilustres, legítimos anônimos das 
classes média e baixa. 
É quando se pode observar um certo aburguesamento no cinema pernambucano. 
Os dois principais filmes de 1926, História de uma alma e A filha do advogado (e, antes 
deles, Aitaré da Praia) apontam claramente o desejo de superar a influência dos filmes 
de aventura e seriados americanos, que marcou as primeiras produções da Aurora. 
Popularíssimos mas sem qualquer prestígio artístico na época, além de associados em 
geral ao gosto dos espectadores das classes mais baixas, tais filmes constituíam uma 
inspiração negativa que comprometia as iniciativas locais, como apontam diversas 
críticas que lamentavam os “americanismos” de Retribuição e Jurando vingar. Passa-se 
a investir em produções mais ambiciosas, tanto em termos de custos financeiros 
(locações, cenários, figurinos, adereços) quanto em termos temáticos e narrativos (o 
apelo regionalista, religioso, mundano; a opção pelo drama, gênero mais nobre e de 
maior reconhecimento). O cinema aproxima-se da elite (capitalistas, clero), que por sua 
 6 
vez o assume e o legitima como forma de expressão. A presença de famílias da “boa 
sociedade” pode ser verificada tanto na ficha técnica dos filmes quanto nos enredos – 
História de uma alma exemplifica bem o primeiro caso, enquanto o segundo encontra 
em A filha do advogado sua mais acabada manifestação. 
Quando acontece o movimento de profissionalização, entretanto, o mercado 
local deixa evidentes suas limitações. São precisamente os filmes de maior sucesso e 
maior investimento (A filha do advogado e História de uma alma) que mostram a 
inviabilidade de se sustentar um mecanismo de produção em bases profissionais (fluxo 
contínuo de produção, equipe e elencos ganhando pelo trabalho nos filmes) apenas com 
as exibições na cidade e eventualmente no interior do estado. As exibições comerciais 
fora de Pernambuco – algumas delas podem ser traçadas por meio das cartas de leitores 
das revistas cariocas – são esporádicas e não atingem o ideal de regularidade capaz de 
trazer lucros que compensassem os investimentos. 
A partir de 1927, voltariam os esquemas amadores de meados da década, quando 
se sobressai mais uma vez a inabalável desenvoltura de Edison Chagas. No início do 
ano, ao deixar a Aurora (que pouco depois iria à falência) e fundar a Liberdade-Film, 
envia carta à imprensa em que explica seu desligamento voluntário – e não demissão, 
como havia sido divulgado –, anuncia para breve a filmagem de uma novela regional e 
deixa claro que a nova empresa também fará trabalhos de “letreiros, cópias e 
contratipos, etc” 
4
. Como de costume, o mais importante para Edison é continuar em 
atividade. É ele quem consegue viabilizar a profissionalização possível dentro do 
cinema brasileiro da época, sem se importar com as críticas e constantes acusações de 
ser um cavador. Combatida pelos defensores do filme de enredo (Gonzaga e Lima à 
frente) como a forma mais baixa da atividade cinematográfica no país, a cavação 
significava toda uma variedade de expedientes utilizados pelos cinegrafistas para 
conseguir dinheiro para filmar: desde convencer poderosos (fazendeiros, políticos, 
famílias abastadas) a encomendar filmes que registrassem suas propriedades, atividades 
e modos de vida até criar escolas de cinema que, sob o aceno glamouroso de 
transformar os alunos em estrelas de cinema, valiam-se do dinheiro das mensalidades 
para produzir filmes e com isso acabavam por criar núcleos de trabalho e de formação 
de técnicos. É verdade que havia um lado ainda mais condenável, quando a cavação 
nada mais era do que um golpe, uma armação para passar a perna no cliente, como fugir 
 
4
 Jornal do Commercio, 1 jan 1927, p.5.7 
com o dinheiro antes da filmagem ou girar a manivela sem que houvesse película na 
câmera. 
Se Edison se destaca como o grande impulsionador da produção de filmes 
posados em Recife, tal façanha não pode ser desvinculada de sua sem-cerimônia em 
fazer qualquer outro tipo de serviço. Entre os dois longas de ficção da Liberdade, 
Dança, amor e ventura (1927) e No cenário da vida (1930), filma um bairro da cidade 
(o Arruda), uma luta livre, as atividades da Faculdade de Medicina do Recife (Os 
progressos da ciência médica, 1927), as comemorações do 15º aniversário da Liga de 
Desportos (Festa em comemoração à passagem do 15º aniversário da Liga 
Pernambucana dos Desportos Terrestres, em 16.6.930). Como cinegrafista contratado, 
faz trabalhos para a Norte-Film, inclusive registrando a chegada do hidroavião Jahú em 
Recife (O filme do Jahú, 1927), o tão aguardado acontecimento que deixa a cidade em 
festa. 
Personagem fascinante, Chagas não é só o profissional mais ativo como também 
fonte inesgotável de histórias, intrigas e boatos. Ao que parece, deu sua contribuição 
para expandir o repertório das estratégias de cavação ao noivar com a irmã de Dustan 
Maciel, ator em Dança, amor e ventura, apenas para conseguir dinheiro emprestado 
com a família e assim concluir o filme. Quando é cobrado pela dívida, imediatamente 
desmancha o compromisso. 
Depois do lançamento em 1927 de Dança, amor e ventura e Revezes..., da 
Olinda-Film, a produção de enredo perde fôlego e só voltaria a dar sinais de atividade 
em 1929, quando a Liberdade-Film anuncia novos projetos e Ary Severo funda com 
Luis Maranhão a Spia-Film (Sociedade Pernambucana de Indústrias Artísticas). 
Enquanto isso, o circuito exibidor recifense registra grande movimentação. A partir de 
1928, aumenta a concorrência entre os exibidores que, aliados às agências de 
distribuição, passam a investir mais na propaganda e divulgação dos filmes e das 
sessões especiais. Para a exibição de Fausto (F.W. Murnau, 1926), por exemplo, o 
Polytheama enfeita a fachada com lâmpadas vermelhas, que formam a figura de 
Mefistófeles. O leitor Ed. Novarro, de Recife, escreve a Cinearte empolgado com o ano 
cinematográfico de 1928: “Em toda minha vida de fã não tenho lembrança de ano 
superior ao de 1928. Filmes bons, regulares e formidáveis muitos”, entre eles Miguel 
Strogoff, The big parade (King Vidor, 1925), Sétimo céu (Frank Borzage, 1927) 
5
. As 
 
5
 “Página dos leitores”. Cinearte, ano IV, n.156, 20 fev 1929, p.25. 
 8 
notícias sobre a grande novidade do cinema sonoro começam a circular e finalmente em 
março de 1930 acontece a “inauguração do cinema sincronizado” com A divina dama 
(Frank Lloyd, 1929) e, logo depois, é a vez do cinema falado com The Broadway 
melody (Harry Beaumont, 1929). 
1929-30 é também um período de particular florescimento da crônica 
cinematográfica local. A atuação de jovens profissionais como Nehemias Gueiros, 
Evaldo Coutinho e Danilo Torreão marca o que provavelmente constitui o primeiro 
momento de exercício da crítica de cinema especializada nos jornais do Recife, 
substituindo as resenhas esparsas e as matérias de divulgação redigidas por repórteres 
ou por especialistas de outras áreas, como o teatro. A produção crítica inclui não só 
resenhas dos filmes em cartaz como também artigos sobre as novas tecnologias, 
considerações sobre a linguagem cinematográfica e reportagens sobre as atividades do 
meio cinematográfico local. Nesses textos, fica claro que os críticos eram leitores 
atentos dos dois principais veículos voltados para cinema: a revista Cinearte e a 
publicação O Fan, do Chaplin Club. 
De certa forma, é a crítica de cinema que reabilita as fábricas pernambucanas, 
pelo menos em termos de espaço na imprensa. Provocados por um artigo de Nehemias 
Gueiros, para quem as tentativas de fazer cinema no estado haviam sido 
“verdadeiramente lamentáveis”, os realizadores procuram o crítico com informações 
sobre seus projetos e trabalhos. A partir daí, e mesmo sem abdicar da ironia, Gueiros 
abre espaço freqüente para divulgar as fábricas locais, que “trabalham num dinamismo 
alarmante”: Liberdade-Film, Spia-Film, Gloria-Film e Vera Cruz-Film 
6
. De todos os 
projetos anunciados, apenas dois serão concluídos. No cenário da vida, da Liberdade-
Film, é lançado em setembro de 1930, divulgado como “o primeiro filme pernambucano 
sincronizado e dançado” 
7
. Para tanto não foi necessária nenhuma nova técnica: a 
“sincronia” era alcançada por meio de discos que Jota Soares (diretor de algumas 
seqüências do filme) ia tocando ao longo de cada sessão. A recepção na imprensa é 
pouco calorosa, apesar dos elogios ao diretor Luis Maranhão e alguns intérpretes. 
Destino das rosas, da Spia-Film, só entra em cartaz em novembro de 1930 e tem 
apenas um dia de exibição no Moderno e outro no Cine Theatro N.S. da Paz, sala de 
bairro. São tempos conturbados, ainda sob o impacto dos conflitos da revolução 
ocorrida em outubro. As salas de espetáculos mal haviam retornado às atividades e 
 
6
 “Cinematographia”. Jornal do Commercio, 29 dez 1929, p.10. 
7
 Jornal do Commercio, 27 set 1930, p.12. 
 9 
órgãos importantes da imprensa como Jornal do Commercio e A Província, justamente 
os jornais que abrigavam os principais críticos de cinema, haviam sido empastelados e 
ficariam fora de circulação por um bom tempo. À exceção de notas e anúncios antes da 
estréia, o filme é exibido sem qualquer repercussão na imprensa local. Diante das 
incertezas quanto aos desdobramentos da revolução e com o público já conquistado pelo 
cinema sonoro, o impacto dos dois últimos filmes de enredo silenciosos pernambucanos 
é mínimo. Ironicamente, o filme que substitui No cenário da vida na tela do Moderno é 
Diz isso cantando, com Al Jolson, um conselho difícil de ser seguido pelas produções 
locais naquele momento. 
Ao contrário dos filmes de enredo anteriores, a exibição de No cenário da vida e 
Destino das rosas acontece no Moderno, e não mais no Royal. A ligação do Royal com 
a produção pernambucana só se mantém até 1927, com Dança, amor e ventura. Por 
ocasião do lançamento dos últimos filmes, em 1930, a sala gerenciada por Joaquim 
Mattos parece estar sob o controle mais rígido do grupo Luiz Severiano Ribeiro. A 
partir de 1928, a empresa investe na programação e em estratégias promocionais tanto 
para o Royal quanto o Helvetica, que passam a exibir filmes do consórcio Metro-
Goldwyn-First. No ano seguinte, Severiano Ribeiro realiza ampla reforma no Theatro 
do Parque, tornando-o a principal e mais luxuosa sala de exibição da cidade, 
desbancando o Moderno. Para fazer frente à concorrência, o Moderno por sua vez 
começa a produzir complementos com temas locais, a exemplo de Miss Pernambuco 
(1929), e enfim abre espaço para os filmes de enredo pernambucanos – até então havia 
exibido apenas História de uma alma, em 1926, e assim mesmo em sessão especial. 
Celebrada nas décadas seguintes como uma importante manifestação artística e 
cultural do estado, ao longo dos anos 1920 a produção cinematográfica pernambucana 
não chega a alcançar o mesmo grau de prestígio e unanimidade. É certo que não faltam 
incentivos ao grupo do cinema por parte da imprensa local, ainda que a acolhida aos 
filmes possa variar entre a recepção calorosa e o comentário mais reticente. Em 1930, o 
então jovem crítico Evaldo Coutinho recebe No cenário da vida com reservas, 
estendidas no mais à produção brasileira, que considera “um caso perdido”, devido à 
“falta completa de conhecimentos de cinema” 
8
. Na década de setenta, Coutinho iria 
reconhecer que os filmes locais, apesar de despertarem sempre comentários no meio 
 
8
 Jornal do Commercio, 30 set 1930, p.3. 
 10 
estudantil, eram “recebidos com uma certa galhofa, pois ninguémqueria recebê-los 
como algo sério” 
9
. 
O meio cinematográfico local era formado sobretudo por jovens de poucos 
recursos, das classes média e baixa, embora houvesse também a participação de 
comerciantes bem-sucedidos, profissionais estabelecidos nos círculos culturais e nomes 
provenientes das boas famílias de sociedade. No entanto, as origens populares de muitos 
dos realizadores e envolvidos, o desprestígio do cinema brasileiro (pouco conhecido e, 
menos ainda, levado a sério), a influência americana que soava como modismo vulgar 
aos olhos da elite mais tradicional, de formação européia, certamente não colaboraram 
para que a produção local de filmes alcançasse, na época, uma inserção social e cultural 
à altura de outras manifestações mais nobres, como a literatura. A exemplo do que 
ocorria em outras cidades do país como São Paulo e Cataguases, a vida literária e a 
cinematográfica corriam em pistas paralelas, sem comunicação. As discussões em torno 
do modernismo, que no Recife tinham como contraponto o regionalismo proposto por 
um exuberante Gilberto Freyre recém-chegado da temporada de estudos no exterior, em 
nada repercutem nos filmes realizados. O cinema permanece sendo encarado como 
entretenimento popular, alijado da cultura de elite. Essa situação dá sinais de mudança 
no final da década, quando jovens como Nehemias Gueiros e Evaldo Coutinho, de 
formação irrepreensível, dedicam-se à crítica cinematográfica e levam em consideração, 
embora com inúmeras ressalvas, a produção local. No caso de Gueiros, ele ainda abre 
espaço em sua página dominical para publicar textos de um realizador pernambucano, 
Luis Maranhão, reconhecendo nele “uma inteligência aguda e perspicaz, um elemento 
francamente deslocado dentro do nosso acanhado meio cinematográfico, fértil em 
analfabetos e coisas ‘por el estilo’” 
10
. 
Além de se destacar pela quantidade de títulos, a produção cinematográfica em 
Pernambuco ao longo da década de vinte explora certa variedade de gêneros e 
abordagens. Além dos naturais, que vinham sendo realizados desde os anos 1910, havia 
aventuras inspiradas nos seriados americanos (Retribuição, Jurando vingar, Sangue de 
irmão); ambientes e dramas regionais (as plantações de cana em Jurando vingar, o 
litoral e a vida dos pescadores em Aitaré da Praia, os vaqueiros e o campo dominando 
pelo latifúndio em Revezes...); uma comédia com protagonista inspirado em Buster 
Keaton (Herói do século XX); um filme de enredo de propaganda para o medicamento 
 
9
 Marconi, Celso. “Cinema”. Jornal do Commercio, 18 jul 1974, Caderno II, p.2. 
10
 Gueiros, Nehemias. “Cinematographia”. Jornal do Commercio, 5 jan 1930, p.9. 
 11 
Garrafada do Sertão (Um ato de humanidade); dramas mostrando a burguesia urbana e 
de hábitos modernos (A filha do advogado, No cenário da vida); filmes de marcado 
aspecto religioso (História de uma alma, Revezes..., Destino das rosas). 
Vale chamar a atenção também para os filmes naturais, pouco valorizados na 
época, quando não frontalmente combatidos, como na campanha de Adhemar Gonzaga 
e Pedro Lima. Quase todas as produtoras pernambucanas que lançaram filmes de enredo 
produziram também naturais, incluindo aí a Aurora, grande aposta dos jornalistas 
cariocas para “sanar” o meio cinematográfico dos cavadores, que em 1925 mostra-se 
pródiga na confecção não só de posados quanto de filmes de propaganda para o governo 
Sergio Loreto. Os títulos preservados de outras produtoras, como Veneza americana e 
Grandezas de Pernambuco, demonstram um vigor que desmente a reputação de filmes 
de encomenda protocolares, precários veículos de propaganda. 
As atividades ligadas à produção, exibição e crítica cinematográficas no Recife 
dos anos 1920 se configuram como uma das contribuições mais notáveis dentro do 
cinema silencioso brasileiro, tanto por suas conquistas quanto por seus limites. Para a 
cidade, é uma empolgante e contraditória experiência de modernidade, permitindo ao 
mesmo tempo uma conexão com o mundo e uma reafirmação de tradicionais valores 
locais.

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