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A formação da cozinha brasileira apostila univeritas

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Formação da Cozinha Brasileira 
Plano de Estudo 
 
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta 
unidade: 
 
• Uma Cozinha Indígena 
• A Cozinha do Brasil Colonial 
• Cozinha do Brasil: Monarquia e República 
 
 
Objetivos de Aprendizagem 
 
• Estudar na literatura especializada a formação da cozinha 
brasileira 
• Resgatar e identificar algumas técnicas das cozinhas de 
origem. 
• Compreender e contextualizar os elementos formadores 
da cozinha nacional. 
• Entender a identidade da cozinha de raiz. 
 
 
 
 
 
Introdução 
Nesta unidade abordaremos um pouco sobre a história e a cultura do Brasil para 
desenvolvermos fundamentos que nos tragam a compreensão da formação da 
Cozinha Brasileira. 
Falaremos da cozinha praticada pelos índios habitantes da região antes da 
chegada de Pedro Alvares de Caminha, seus costumes, hábitos alimentares, 
técnicas de preparo desses alimentos e utensílios utilizados pelos primeiros 
habitantes do Brasil tudo isto sem deixar de ter uma visão crítica de estudos que 
não levam em consideração a diversidade das várias nações indígenas 
encontradas do Brasil. 
Entraremos no conteúdo da Cozinha Colonial, caracterizada pelo período em 
que a Coroa Portuguesa inicia, de forma efetiva, a colonização do Brasil, por 
meio da primeira Expedição e do início do cultivo da cana-de-açúcar. Cultura 
agrícola que vai estruturar a sociedade colonial e influenciá-la de tal forma que 
observaremos resquícios do latifúndio açucareiro no Brasil atual. A casa grande 
e a senzala, sua estrutura e intimidade irão determinar de forma definitiva o jeito 
de ser brasileiro. 
Posteriormente ao ciclo da cana-de-açúcar o ciclo da mineração, por motivos 
diferentes, também será marcado pela ausência de uma lavoura de subsistência 
capaz de abastecer o mercado interno, portanto o quintal, a horta e o pomar 
ganham papel de destaque na alimentação do brasileiro. Não esqueceremos de 
abordar as duas exceções no longo processo de ocupação da chamada América 
Portuguesa. A primeira diz respeito à colonização da Amazônia, baseada no 
extrativismo, e a segunda, ao povoamento da vila São Paulo, que, ao contrário 
das regiões litorâneas de monocultura da cana, se voltou para a produção 
agrária de subsistência. 
Nesta unidade, também abordaremos a Cozinha do Império e da República: a 
primeira, temos a influência direta da cozinha portuguesa, ou seja, a entrada 
mais efetiva do paladar português, que irá se manifestar pelos ingredientes e 
técnicas. O caráter pioneiro da expansão marítima portuguesa vai desenvolver 
uma burguesia já consumidora de produtos atlânticos e índicos, portanto já 
aberta a novidades, característica que vai influenciar o “diálogo alimentar” entre 
o português e o ameríndio, sem esquecer das relações de poder envolvidas 
neste “diálogo”. Já no outro período, inaugura-se uma república nacional, nela, 
teremos um Brasil com cara mais cosmopolita, mais moderna, afinal de contas, 
já teremos um Estado com a declaração da república, e o Estado Novo Nacional 
se consolida. 
Resumindo, nesta unidade, nós vamos estudar os períodos de formação de 
nossa cozinha, para compreendermos nossa identidade gastronômica, 
entendermos e valorizarmos nossos ingredientes, nossa terra e nosso jeito de 
fazer cozinha. 
Uma Cozinha 
Indígena 
 
A cozinha indígena é nossa primeira cozinha, ou seja, a cozinha praticada pelos 
índios que os portugueses quando aqui chegaram, encontraram. 
No presente tópico, compreenderemos o que é a cozinha indígena, suas 
características e sabores. Tarefa instigante essa, principalmente quando 
afirmamos que essa é a cozinha mais “excêntrica” que temos e a que mais se 
manteve fiel a sua origem, sem dizer que nesse período existiam, só na região 
Amazônica, mais de seiscentas nações, portanto não podemos falar um uma 
cozinha indígena, mais de cozinhas indígenas. No entanto, faremos aqui um 
breve estudo sobre características semelhantes entre estas cozinhas, guardadas 
as devidas exceções. 
 
Quando falamos de uma cozinha excêntrica, estamos nos referindo a uma 
parcela grande da população brasileira. Só para ilustrar a nosso 
desconhecimento, pelo menos da maioria dos brasileiros. Qual é o gosto do 
arubé? 
 
Este molho à base de tucupi (sumo da mandioca) conhecido como mostarda 
indígena, é o primeiro molho do Brasil, utilizado para conservar carnes de caça 
e peixe. 
Se você pensa que o molho, esse instituído por Carême, era conhecido apenas 
da cozinha clássica, saiba que não, os nossos indígenas já o apreciavam na 
forma de arubé antes da chegada dos europeus a esta terra. 
 
 
 Arubé com peixe 
Antes de falarmos das características (sabores, cores e cheiros) dessa cozinha, 
vamos dar uma olhada no documento que comprova que esta é a nossa primeira 
cozinha, a carta do descobrimento, mais conhecida como a carta de Pero Vaz 
de Caminha (escrivão da expedição de Cabral), datada de 24 de abril de 1500. 
Nela, encontramos o primeiro depoimento sobre a alimentação na Terra de Vera 
Cruz (apud CASCUDO, 2004, p. 74-75): 
 
 
 
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi e nem vaca, nem 
cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra 
alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem 
comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa 
semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. 
 
 
 
 
 
Nesta última frase do trecho transcrito acima temos duas observações 
importantes para fazer. A primeira é que se sabe, indiscutivelmente, pelos 
estudos, que esse alimento, chamado pelos portugueses de inhame, na verdade, 
inhame não era, pois ele virá mais tarde apenas do contato com os africanos. 
Na verdade, Caminha falava da mandioca, frutos semelhantes entre si, em 
função de suas raízes. A mandioca, essa sim, era a raiz que alimentava o 
brasileiro (e alimenta). 
 
Segundo, a visão do índio como alguém de tal forma próximo a natureza que sua 
“contribuição” se restringe, sobretudo, às atividades extrativistas (...que a terra e 
as árvores de si lançam) é reducionista. Principalmente quando é lembrado por 
um produto que exige muito mais que apenas coletar. Exige, como veremos a 
seguir, uma técnica complexa, envolvendo conhecimento, tempo e muito 
trabalho. 
 
Mandioca a rainha do Brasil 
 
A mandioca – Manihot esculenta, esse alimento fantástico, milenar, que até hoje 
se faz base da alimentação brasileira, podemos classificá-la, de forma genérica, 
em dois grupos de acordo com o grau de sua toxidade. 
 
Mandioca doce: consideradas não venenosas, são conhecidas por nomes 
diferentes, conforme a região do Brasil – macaxeiras, no Norte, ou Aipim, no Rio 
de Janeiro –, podem ser consumidas cozidas, em forma de apetitosas farinhas 
brancas e, também, em variados bolos. 
Mandioca amarga, bravas ou venenosas, apesar de muito ricas em amido, são 
chamadas assim porque contêm o mortal ácido cianídrico e, por isso, necessitam 
de “preparo” antes do consumo. 
 
 
Um pouco das técnicas envolvidas no beneficiamento da mandioca: 
A mandioca brava, depois de ralada é espremida em um cano comprido de palha vegetal 
trançada criado pelos índios chamado tipiti, que deixa a massa da mandioca quase seca 
ao ser prensada. Depois, os blocos de massa prensada são passados numa peneira e 
pode ser torrada em tachos para virar farinha. Mas também pode ser utilizada ainda 
úmida quando recebe o nome de carimã e puba (quando a massa é fermentada) e é 
usada em bolo e doces. O liquido venenoso que sai do tipiti é fermentado ao sol e 
fervido longamente com temperos para se transformar no tucupi, usado como base 
para caldos e bebidas. De sua primeira decantação extrai-se um amido, conhecido como 
goma fresca. Ela também é chamada de tapioca, termo que aqui no Sudeste é usado 
para denominar o beiju de tapioca, ou seja, o beiju feito na chapa com a tapioca. Depois 
de secar ao sol, a goma passa a ser chamada de polvilho doce e de polvilho azedo 
quando
é fermentada. 
 
 
A mandioca era e será, por muitos séculos, a comida base do brasileiro. Com os 
índios, os portugueses irão aprender a beneficiar essa raiz preciosa e irão se 
render ao seu paladar, o que os levou a melhorarem as casas de farinha, com 
máquinas e equipamentos. 
 
Mas porque o português se rendeu a este alimento? 
 
Primeiro que essa será a comida de sustância, que “enche o bucho” 
característica importante para uma fase de carência alimentar. Segundo ela 
suportará as longas viagens, seja em terras tupiniquins, seja em terras 
portuguesas, seja em viagens ao continente Africano, as quais buscavam a mão 
de obra escrava. Os pães portugueses, os biscoitos e carnes não suportavam 
as viagens delongadas. 
 
Dos subprodutos da mandioca produzidos pelos índios destacam-se as farinhas 
e os beijus. O primeiro item era companheiro irremediável de tudo o que se 
comia, fosse nos dias comuns ou nos de festas. A farinha sempre foi um conduto 
principal. Já o beiju, além de comida de matolagem, era consumido em ocasiões 
de comensalidade, sendo considerado comida de ritos. O beiju, conhecido como 
farinha de guerra, que era seco e grosso, resistia às viagens dos índios e, mais 
tarde, foi companheiro das longas viagens de navio entre as terras brasileiras e 
Portugal. 
 
Outra iguaria feita pelos índios é o pirão escaldado, feito a partir da farinha de 
mandioca, esse sim comido só aqui nas nossas terras. Já o pirão cozido que 
demanda um avanço na técnica, utensílios e equipamentos, pode já ser uma 
influência das açordas portuguesas. 
 
Além da mandioca e seus produtos, o índio também consumia peixe, carne de 
caça (caititus, porco do mato, macaco, anta, lagarto etc.) e insetos (cupins, 
tanajuras cruas ou cozidas, com farinha, besouros, e o tapuro). 
As carnes eram assadas no Moquém e/ou no espeto assador (neste caso, 
consumidas quase cruas). Já no caso do moquém, que é uma grelha de madeira 
de formato quadrangular que se apóia sobre quatro forquilhas de madeira 
fincadas ao solo, além de assar as carnes ele evitava que elas apodrecessem 
uma vez que ao submetê-la ao fumeiro, diminuía-se a sua umidade deixando-a 
bem seca. Cascudo (2004) conta que a carne moqueada nunca era consumida 
de imediato, pois era comida de matolagem, de sobrevivência. 
O Biaribi é outra forma de assar os alimentos, de forma subterrânea: faz-se um 
buraco, na terra, e no fundo põem folhas grandes de árvores; e por cima das 
folhas a carne a ser assada; cobrem-na de mais folhas e terra; e por fim, uma 
fogueira. 
A Yapuna é uma vasilha de barro, chamada de forno, usada para cozer a farinha 
e fazer os beijos, hoje substituída por tachos de ferro. 
Mais do que simplesmente apresentar novos ingredientes o índio transmitiu 
estas técnicas ao português. 
 
Yapuna Moquém 
 
 
 
Tipiti Biaribi 
 
Os peixes eram um dos alimentos favoritos dos indígenas, sendo cozidos ou 
assados. Quando assados inteiros, quase sempre não eram esvaziados e nem 
escamados antes. Também se fabricava a farinha de peixe, que era mais farnel 
para viagens ou caçada que alimento habitual. 
 
Há de se ressaltar que eles também plantavam e comiam abóbora, feijão, fava, 
cará e amendoim, sendo esse último muito apreciado. As frutas não eram 
plantadas, apenas colhidas, como exemplo de frutas consumidas pelos índios 
podem ser citadas: as pacovas, o abacaxi, a goiaba, o maracujá, o caju, o 
mamão, dentre tantas outras que a farta terra dava. Com a pacova ou banana 
da terra, sempre cozida ou assada, eram feitos mingaus, caldos e bebidas. Mais 
tarde, com o açúcar do engenho, iremos ter as bebidas adoçadas e os doces 
das frutas. 
 
E como os índios comiam essas comidas? Qual o tempero das cunhãs (índias 
cozinheiras) que conquistaram também a cozinha portuguesa? 
 
Sabemos que o índio sempre apreciou as pimentas, das mais ardidas às mais 
doces, puras ou acompanhadas. Temos, também, que deixar claro que o hábito 
de temperar a comida antes de prepará-la é influência do homem branco, pois o 
índio sempre temperou seus manjares na boca. Para tanto, utilizava sal, que era 
extraído das margens dos rios, das águas represadas ou de algumas plantas. 
 
Assim, o sal e a pimenta eram pilados, dando origem a uma pasta chamada de 
ionquet. Então, o consumo, que para nós pode parecer um ritual, se dava da 
seguinte forma: colocava-se um punhado de carne na boca, em seguida, juntava-
se um bocado de ionquet e pronto, os sabores se completavam. 
 
A alimentação para o índio é perpassa a questão da nutrição, vai além, alimenta 
o espirito e cura. Faz parte de sua cosmologia e ocupa papel importante nos 
rituais. 
 
Simplificadamente de acordo com Adguar Bastos, pesquisador paraense, 
podemos dividir os alimentos consumidos em 6 categorias: Mágicos, de 
Resguardo, Interditos, Compensatórios, Privativos e Sagrados. Formas 
diferentes se relacionar com o alimento que vão apontar para uma cultura 
complexa e diversa. Por exemplo, alguns índios do Mato Grosso não comem 
nenhum animal que tem pelo, o que restringe bastante as opções de caça, 
portanto a dieta alimentar do índio não está baseada apenas no que está a sua 
disposição na natureza. 
 
Originário das Américas, o milho foi cultivado pelos povos indígenas brasileiros, 
que o utilizavam, além da alimentação, para rituais e como adornos. Essas 
práticas, entretanto, são pouco conhecidas os estudos privilegiaram a 
pesquisadas sobre a mandioca. Mas sabemos até que existiram algumas poucas 
tribos que não conheciam a mandioca e tinham como base da alimentação o 
milho. 
 
Finalmente, sobres as bebidas há uma variedade enorme de tipos de bebida 
consumidos pelos índios: os caxiris, os cauins, a jacuba ou xibé, o cacau, as de 
diversas raízes, os sucos de frutas, que são heranças dos portugueses. As 
bebidas fermentadas pela saliva, a partir da mastigação das mulheres mais 
velhas, tinham o seu uso relacionado ao sobrenatural, dentre elas o caxiri e o 
cauim. A primeira era feita a partir da fermentação da mandioca e a segunda, a 
partir da fermentação do milho. 
 
Podemos ver neste breve estudo a instigante cozinha indígena e sua importância 
na formação da cozinha brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Cozinha do 
Brasil Colonial 
 
Abordaremos, neste tópico, a cozinha do Brasil Colonial, a qual foi marcada pela 
chegada da coroa portuguesa que estava determinada a colonizar essas terras, 
com o objetivo de explorar e habitar a Colônia, que sofria, em função da 
dimensão territorial, ataques dos holandeses, ingleses, franceses (que ficaram 
fora do Tratado de Tordesilhas) e de piratas. 
 
 
Relembrando: Tratado de Tordesilhas 
 
 
 
O Tratado de Tordesilhas foi um acordo assinado em 7 de junho de 1494 entre 
a Espanha e Portugal. Esse acordo visava a resolver disputas relativas às terras em 
que Cristóvão Colombo e outros exploradores do final do século XV haviam aportado. Logo 
depois que a Espanha chegou pela primeira vez ao hemisfério ocidental, espanhóis e 
portugueses entraram em conflito sobre os direitos de colonização do Novo Mundo. Em 1493, 
após ouvir os relatos de Cristóvão Colombo, os monarcas espanhóis Fernando e 
Isabel procuraram o apoio papal para garantir o controle do território no Novo Mundo. Eles 
pretendiam inibir os portugueses e outros possíveis rivais. Em 1493, o papa Alexandre VI (que 
era espanhol) determinou a demarcação de uma linha que se localizaria 100 léguas a oeste 
de Cabo Verde. As expedições portuguesas deveriam manter-se a leste dessa linha. Todos os 
territórios a oeste dessa linha pertenceriam à Espanha. Em troca, a Espanha assumiria o 
compromisso de difundir o cristianismo no Novo Mundo. O rei dom João II de Portugal ficou 
insatisfeito com a decisão do papa Alexandre VI. A demarcação deixava quase nenhum território 
para Portugal no Novo Mundo. Para resolver
esse conflito, embaixadores espanhóis e 
portugueses se encontraram na vila de Tordesilhas, na Espanha, em 1494. Um novo acordo foi 
assinado e a linha foi movida, passando a localizar-se 370 léguas a oeste de Cabo Verde. 
Naquela época, ninguém sabia qual era a real extensão do hemisfério ocidental. Foi o Tratado 
de Tordesilhas que permitiu a Portugal tomar posse da região litorânea onde Pedro Álvares 
Cabral aportou em 1500 e que mais tarde veio a se tornar o Brasil. 
 
 
Mas como era a cozinha de Portugal desse tempo? O que fazia parte de 
suas mesas? 
 
Pelo pioneirismo na expansão marítima, Portugal desenvolveu uma burguesia 
abastada, consumidora de uma culinária requintada apreciada em toda Europa. 
Uma cozinha enriquecida pelos produtos atlânticos e índicos que manipulou por 
séculos, através de entrepostos, feitorias e ilhas – entre outros, Madeira, Açores 
e Cabo Verde. Esse país terá sido a plataforma de insuspeitas experiências 
econômicas, humanas e alimentares. 
Lisboa de Quinhentos tornara-se o centro da Europa. Na cidade havia formas de 
viver e de pensar que surpreendiam viajantes cultos. Comia-se de variados 
modos, com gostos exóticos. 
 
Os camponeses, por outro lado, terão em suas mesas as sopas engrossadas 
(sempre com um cereal), os grãos (como as favas), comia-se, mas peixe do que 
carne – alimento para privilegiados. Quando se tinha carnes era de preferência 
seca e defumada. Nas ruas frigia-se peixe: sardinhas e pescadas. Consumia-se 
aletria e fava-rica, tripas e tutanos, mariscos, pão, mel e queijos. 
 
Os doces e as guloseimas tinham apreciadores entre os cem mil habitantes. 
Durante séculos, Portugal ficou sob o domínio dos mouros, o que influenciou de 
forma significativa a sua cozinha. Na obra Livro de Cozinha da Infanta Dona 
Maria, do início do século XVI, encontraremos inúmeras receitas com tal 
influência, como as de doces, a pastelaria, uso de especiarias etc. 
 
 A exuberância das receitas, a riqueza dos cardápios, a decoração das iguarias, 
pode ser é comprovada por Domingos Rodrigues, no seu livro A arte de 
cozinhar, que teve a sua primeira edição em 1693. 
A família portuguesa ou o português que aqui chegava nesse período trazia tudo 
que mais apreciava de sua terra de origem na tentativa de recriar o ambiente 
familiar, principalmente no tocante à comida. Cascudo (1983, p. 264) completa: 
 
Como bem lembrou Câmara Cascudo: Quem diz do viajante é a bagagem que 
leva. Instalando-se definitivamente para ficar no Brasil, o Português recriou o 
ambiente familiar, cercando-se dos recursos de curral, quintal e horta, desejando 
quando possível prolongar o tratamento em que se habituara, secularmente. 
 
O português trará, dessa maneira, para a Colônia seus animais (ovelhas, 
cabritos, bois, vacas, galinhas, patos, gansos) e plantará suas frutas variadas, 
legumes, hortas com suas hortaliças, cereais. Trará, também, sua cultura, 
costumes e religião, bem como suas festas, como a de São João, Natal, 
Carnaval e a Quaresma, com suas comidas e danças. Das frutas, trará a laranja, 
o limão, a lima, o melão, as tâmaras e os figos. Dentre os cereais, o arroz. E 
mais, nabos, abóboras, gengibre, mostarda etc. Suas ervas – salsa, cominho, 
cebolinha, manjericão, alfavaca – e hortaliças, como agrião, espinafre, couve etc. 
 
Ora, o português trouxe para o Brasil modos de explorar a cozinha: de preparar, 
dosear, confeccionar, temperar e conservar os alimentos. Levou consigo os 
utensílios, as horas de refeição, a ordem dos pratos, os pesos e as medidas (as 
proporções dos alimentos), as contenções religiosas e, com certeza, muitos 
preconceitos. 
O “diálogo alimentar” entre o português e o ameríndio deu todas as vantagens 
ao primeiro, numa troca desigual. Mas, esse contato instigou o espírito sagaz do 
portugues. Mesmo já acostumado com as descobertas trazidas pelas grandes 
navegações, ele ficou surpreso com o que viu, cheirou e saboreiou – do 
manancial alimentar que se assenhoreou. 
Além do interesse de proteger e povoar o litoral das novas terras, outro fator que 
trouxe os portugues ao Brasil foi a possibilidade de cultivo da cana de açúcar. 
 
Ciclo da Cana-de- açúcar 
Em 1530, a Coroa Portuguesa, temendo perder as terras nacionais, organizou a 
1ª expedição com o objetivo de colonizar, essa foi comandada por Martin Afonso, 
com a missão de povoar o território, expulsar os invasores e iniciar o cultivo da 
cana no Brasil. Inauguramos, então, o Ciclo da Cana-de-Açúcar, produto que 
tinha grande demanda na Europa, o que despertou o interesse da Coroa 
Portuguesa, uma vez que o território Brasileiro oferecia condições ideais de 
adaptabilidade, pelo seu clima e solo, principalmente na região do Nordeste. 
 
O açúcar era uma iguaria e custava caro, um luxo permitido só aos abonados, 
isto é, a nobreza e o clero. Mesmo por estes, o açúcar era usado com moderação 
e guardado em arcas especiais, fechadas a sete chaves. Raro e caro, o açúcar 
também era vendido por boticários, pois consideravam que curavam dores de 
cabeça e melancolias. 
 
A cana-de-açúcar chegará ao Brasil com as expedições portuguesas, sendo 
plantadas primeiramente em São Vicente e, mais tarde, em Pernambuco, onde 
irá se adaptar pelo clima úmido e solo rico em massapé. A cana chegará a outras 
regiões, como Espírito Santo e Bahia, mas será em Pernambuco que essa 
cultura irá se aclimatizar. 
 
Para abastecer o mercado externo com o produto tão caro e precioso os 
donatários das capitanias hereditárias necessitavam, além de generosos 
pedaços de terra, de alto contingente de mão de obra, pois a manufatura do 
açúcar só é rentável se praticada em grande escala. Deste modo, foi feita a 
substituição da mão de obra indígena, que se demostrou inadequada, pela mão 
de dos negros africanos inaugurando o mercado escravagista negreiro para a 
Colônia. 
 
 
 
 
 
Os escravos iam desembarcando dos navios negreiros, os portugueses 
entravam com suas famílias e se instalavam, assim nascia o povo do Brasil, que 
terá ascendência de índios, portugueses e africanos. 
Dessa maneira, a sociedade foi se organizando de forma estratificada, sendo 
que no topo estavam os Senhores de Engenho, detentores de poderes políticos, 
no meio, alguns trabalhadores livres e funcionários públicos e, na base, os 
escravos de origem africana e os índios. 
 
A chamada economia colonial estava então baseada no plantation, cujas 
características são a existência de Senhores de Engenho (Grandes Latifúndios), 
monocultura da cana-de-açúcar, mão de obra escrava e comercialização apenas 
com a Coroa, constituindo-se, assim, o Pacto Colonial. 
 
Brasil se formou nesse período, no sentido de que se estruturou uma sociedade 
em torno da cultura da cana. Os Engenhos de Açúcar vão caracterizar essa 
sociedade e influenciá-la de tal maneira que observaremos resquícios do 
latifúndio açucareiro no Brasil atual. A casa grande e a senzala, sua estrutura e 
intimidade irão determinar de forma definitiva o jeito de ser brasileiro. 
 
 
Ilustração de Cícero Dias para Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre. 
 
 
Como vimos o comércio do açúcar, por ter grande valor no mercado Europeu, 
logo fará que a vida e, consequentemente, a cozinha desse período se 
desenvolvam em torno do engenho de açúcar, onde a maioria das pessoas 
morará. O engenho, além do local para a extração do açúcar, possuía a Casa 
Grande do Senhor do Engenho para sua família e escravos, a Igreja e a Senzala. 
A cozinheira indígena (cunhã) será substituída aos poucos pela escrava negra 
(nhá-bas), que trazia em sua experiência uma culinária mais elaborada com 
técnicas e temperos, mas, independentemente de onde vinham, todas eram 
cozinheiras natas, que irão conquistar a Sinhá (Senhora do Engenho). Vale 
lembrar que o negro não tinha a esperança de retorno ao seu país de origem, o 
que lhe conferia uma melhor adaptação e domesticação do que o indígena. 
Essa trágica característica será explorada pelos Senhores da época seja na 
cozinha, seja na
cama, seja na senzala. 
 
 
Comida de escravo 
 
Durante o tempo do negro escravo no Brasil, eles ocuparam tarefas nos 
engenhos, nas lavouras de cana, nas minas de ouro e, mais tarde, nos cafezais. 
Foram aproveitados também como escravos domésticos, nas dependências das 
fazendas, principalmente nas cozinhas, e como escravos urbanos. As mucamas 
eram amas de leite das crianças das sinhás. Como atesta Gilberto Freyre (2005 
p. 592), em Casa Grande Senzala, “Eram elas que amamentavam as crianças 
brancas, as ninavam, preparavam a comida e o banho morno e contavam 
histórias”. 
 
Do milho, os negros faziam o angu de fubá, o mungunzá, adoçado com mel ou 
com rapadura. O pirão de farinha de mandioca era outra constante, foi 
desenvolvido um pirão escaldado especial, que era consumido com malagueta 
para fazer render a pequena porção de comida que recebiam. Essa era a base 
da alimentação dos escravos, com exceção do escravo da casa grande que 
trabalhava na cozinha, as doceiras, as copeiras, as amas de leite, que tinham 
uma comida privilegiada, pois consumiam os restos das refeições do senhor. 
Como bem acrescenta Cascudo, nesse sentido (2004, p. 202-203): 
 
Para o norte, a farinha de mandioca garantia o pirão, indispensável, diário, 
sinônimo do próprio alimento geral. Pelo interior da Bahia, para o centro e sul do 
Brasil, estendia a geografia do milho. A farinha de mandioca não era ignorada e 
nem ausente no Sul e Centro, tal e qual o milho ocorria no Norte e Nordeste, mas 
sem predominância do primeiro elemento, característicos dos repastos [...]. Já 
no Rio de Janeiro a farinha de mandioca figurava inevitavelmente na comida do 
escravo, ao lado do feijão-negro [...]. A alimentação do negro numa propriedade 
abastada compõe-se de canjica, feijão-negro, toucinho, carne seca, laranjas e 
bananas. [...] Angu de milho, toucinho, alguma carne semanal era o regime do 
escravo em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. 
 
Os escravos negros “trouxeram” para a colônia o quiabo, a vinagreira, o inhame, 
o hibisco, o gengibre, o gergelim, dentre outros. Ensinaram ao brasileiro o 
consumo da galinha-d’Angola, que contribuirá para o cardápio nacional. 
 
É importante enfatizar que os alimentos tradicionais africanos que chegaram ao 
Brasil vieram por meio dos comerciantes, ou seja, fazendo parte do comércio 
atlântico Portugal - Brasil – África, pelo qual o negro também era vendido. 
Portanto falar em uma bagagem trazida pelos negros dentro dos navios 
negreiros é no mínimo ingênuo, podemos falar um uma bagagem cultural que 
contenha maneiras de viver (neste caso sobreviver) e, consequentemente, de se 
alimentar, com suas prescrições, proibições, técnicas e sobretudo, significados 
atribuídos ao que se come. 
 
A Sinhá (mulher portuguesa) transplantada para uma terra distante, dividindo 
espaços com escravas negras e indígenas e privada de produtos aos quais 
estava acostumada impõe e adapta (mais adapta) os hábitos de uma cozinha 
europeia às restrições da colônia, uma verdadeira cozinha de subsistência 
focada no comer sozinho ou em pequenos grupos sem os requintes da 
comensalidade de além mar. 
A Cozinha da Sinhá 
 
Para o arquiteto Carlos Lemos, a cozinha dos trópicos se caracteriza por ser 
“extrovertida”, isto é, voltada para o lado de fora da casa, mais afastada das 
habitações íntimas por causa do calor. Sob influência dos costumes indígenas, 
perfeitamente adaptados aos caprichos tropicais e aos alimentos da terra, o 
fogão é expulso da casa, e as chaminés de requintado estilo francês, trazidas de 
Portugal, são esquecidas e abandonadas no quintal. A solução de aliar um 
“puxado” ao lado externo da cozinha, que servia tanto para abrigar o jirau como 
para preparar a comida na trempe, também é de inspiração indígena, enquanto 
a ligação da casa com o quintal ou pátio de serviço é herança lusitana. 
 
 
 
 
No decorrer do século, implantou-se a divisão entre cozinha “suja” e “limpa”. Até 
então, a cozinha era uma parte suja da casa, de terra batida com três ou quatro 
pedras, que acomodavam o fogo. A cozinha suja era destinada ao trato primário 
dos ingredientes, tais como limpeza (entranhas, pele, gordura de animais), 
retirada de cascas, secagem, corte, escaldagem e fervura, e feitura de doces; na 
limpa, as refeições eram finalizadas. A cozinha “limpa” (interna) também eram 
para o preparo de doces finos feitos pelas mãos da sinhá e determinantes de 
uma distinção social. 
 
A cozinha nascida nos engenhos, portanto, tinha muito de indígena, 
principalmente nos modos de preparo, nos alimentos usados, na forma de comê-
los, caracterizando-se por uma comida seca, à base de farinha, carne e peixe 
secos, tubérculos cozidos sem tempero. Mas era uma cozinha feita por negras, 
que empregavam, por sua vez, outros produtos e temperos diferentes dos 
indígenas, como o coentro e as pimentas, encontrados também em suas terras. 
Todos esses ingredientes, por outro lado, por mais estranhos que fossem, 
precisavam adequar-se ao paladar português, acostumado a açordas, cozidos e 
comida com muito caldo. 
 
Uma comida simples determinada pelas senhoras donas da casa, porém, 
permeáveis ao saber local, que indicava qual o melhor modo de preparar as 
verduras amargas, uma eventual carne de caça ou mesmo um angu de todo dia. 
Novos ingredientes foram descobertos e substituíram velhos conhecidos, como 
a gordura de porco e a castanha de caju utilizadas no lugar da manteiga e das 
nozes. 
 
Nesse processo criativo de adaptação, a nova cozinha tinha o complexo - horta, 
pomar e quintal - como seu principal aliado. 
 
 
A despensa da cozinha colonial: Quintal, Horta e Pomar 
 
Voltada para o mercado externo, a economia colonial se apoiava numa única 
lavoura, a da cana de açúcar. Assim, grande parte dos alimentos necessários à 
subsistência da família senhoral vinha dos quintais, hortas e pomares. 
 
Posteriormente, no Ciclo do Ouro, por motivos diferentes – reserva de toda a 
mão de obra para a extração de ouro e a dificuldade de abastecimento devido 
as péssimas condições de acesso à região mineradora – também podemos 
perceber a importância deste tripé para a subsistência alimentar mineira, 
guardada as devidas singularidades. 
 
O quintal era lugar das pequenas criações. Porcos, aves, vacas, ovelhas e 
cabras eram alimentados com milho e bagaço de mandioca e, em certas 
ocasiões, faziam parte da refeição. Circunstância especial, marcada pela 
chagada de um viajante ou por uma data comemorativa. As aves, principalmente 
as galinhas, eram consideradas iguarias para os dias mais importantes, assim 
como alimento especial para as mulheres que haviam acabado de parir e alguns 
outros enfermos em convalescença. 
 
O porco também tinha um ligar de destaque neste complexo alimentar, para o 
historiador Alfred Crosby, o porco assemelhava-se a uma erva daninha, já que 
se criava praticamente sozinho, alimentando-se de restos, sem grande ônus 
econômico para o seu dono. Além disso, dos suínos se aproveita quase tudo, do 
focinho ao rabo. Por fim, era consenso, na época, a opinião de a carne de porco 
era infinitamente mais saborosa e macia do que as raras porções de carne de 
vaca que se comia raramente. 
 
A horta, por sua vez, era destinada às tentativas de aclimatação de espécies 
europeias e ainda a pequeno cultivo de outras “nacionais”. Agrião, alcachofra, 
couve-flor, alface, acelga, couve, mostarda, repolho, brócolis, escarola, espinafre 
e serralha cresciam ao lado de variedades nativas de abóbora-moranga, taioba, 
batata doce, mangarito, chicória, jiló, cará e quiabo. 
As espécies aclimatadas cresciam a olhos vistos, mas logo as verduras e 
legumes da terra invadiram as hortas “europeias”, e não demorou para que se 
iniciasse, na cozinha brasileira, um processo de substituição dos ingredientes 
originais da receita por equivalentes locais. 
 
Nos pomares, misturavam-se frutas das mais variadas espécies. Cajus e 
maracujás eram cultivados ao lado de maçãs, peras e marmelos: laranjas, 
bananas e pêssegos
com goiabadas e jabuticabas – frutas estranhas ao paladar, 
à visão ao tato estrangeiro, que traziam consigo o mistério das cores vibrantes e 
dos cheiros embriagantes. Entretanto, foi na mistura com o já conhecido açúcar 
que as frutas tropicais se impuseram, de uma vez por toda, ao paladar europeu 
nestas terras. 
 
O consumo de frutas frescas não era comum entre brancos da época, que 
receavam seus efeitos, sendo destinadas, em grande parte, à alimentação dos 
escravos. Os senhores só comiam frutas se cozidas com açúcar – na forma de 
compostas, geleias, doces secos e cristalizados – que serviam para conservá-
las e neutralizar possíveis efeitos adversos. 
 
 
 
Albert Eckhout, iconografia tropical 
 
 
A cozinha caipira 
 
Com o declínio dos negócios da cana na Europa, a Coroa e os proprietários do 
latifúndio açucareiro passarão a ter a necessidade de procurar novas riquezas 
no Brasil. Para tanto, surgirão movimentos financiados pela Coroa e pelos 
proprietários de terra: as Entradas e as Bandeiras, que terão o intuito de buscar 
novas riquezas, aprisionar índios e negros rebeldes fugitivos. 
As entradas e as bandeiras serão responsáveis pela ampliação do território além 
do Tratado de Tordesilhas. Serão os Bandeirantes que encontrarão as primeiras 
jazidas de ouro na região das Minas Gerais, o que inauguraria, no final do século 
XVIII, no Brasil Colonial, o Ciclo do Ouro. 
 
Guiados pelos bugres (índios escravizados), os Bandeirantes adentravam a 
mata abrindo caminhos e estradas. Em um primeiro momento os bandeirantes 
comiam basicamente o que os nativos ofereciam - a caça, a pesca e a colheita, 
além de produtos de suas roças. A partir do século XVII, os portugueses 
passaram a adotar as técnicas indígenas com forme a necessidade imposta em 
seus deslocamentos. 
 
Na sua matolagem, levavam mantimentos, como a farinha de milho e farinha de 
pau ou de guerra (mandioca), que era torrada em tachos de barro. Para cozinhar, 
usavam uma trempe ou montavam um fogareiro com pedras e ali aqueciam seus 
caldeirões. A falta de comida seria suprida pelas roças de subsistência, uma vez 
que, por onde passavam, deixavam plantadas raízes, abóboras, milho e feijão. 
Neste caso o milho tornou-se ingrediente essencial, pelo fácil consumo de sua 
farinha e a possibilidade de duas colheitas anuais – ao contrário da mandioca, 
que só pode ser colhida 18 meses após sua plantação. 
 
Comida era pouco farta, mas sempre de sustância, em que a rapadura era uma 
constante juntamente com a farinha de milho ou de mandioca, o toucinho, o feijão 
e as frutas que encontravam pelo caminho. Seu café da manhã era composto 
pela jacuba, pirão apreciado nesses tempos, espécie de pirão feito com farinha 
de milho socada, sobre a qual se derramava água fervente, adoçada com 
rapadura. 
 
A corrida pelo ouro trará aventureiros de todo o Brasil e gente ainda de Portugal, 
o que promoverá um rápido desenvolvimento da região das Minas Gerais em 
diversas dimensões: urbana, cultural, econômica e social (geração de novos 
empregos). Isso implicará, inclusive, a mudança da capital da colônia para a 
região sudeste, ou seja, de Salvador para o Rio de Janeiro. 
 
Por outro lado, essa superpopulação causará um desabastecimento da região 
mineira, em relação a produtos básicos, tais como alimentos e vestuário. Os 
viajantes ou tropeiros terão uma grande importância nesse período, uma vez que 
serão eles que abastecerão as regiões mineradoras com animais de carga e 
mantimentos. 
 
 
No que diz respeito a sua comida, ela se assemelhava à do bandeirante, com 
pequenas diferenciações, uma vez que também era comida de matolagem. 
Usavam com maior frequência a carne de porco, este era aproveitado quase 
tudo: eram salgados as orelhas, o rabo e os pés, e a banha era usada para 
conservar as outras partes. 
 
Uma forma de enfrentar a dificuldade de abastecimento foi o desenvolvimento 
das roças caseiras, que cultivarão a comida de todos os dias: a couve, o milho, 
o feijão, a mandioca e alguns animais, como a galinha e o porco. Já a carne de 
boi virá mais tarde apenas, com o declínio da mineração. Assim, teremos nesse 
período o desenvolvimento da cozinha caipira, de fundo de quintal, resultado da 
escassez de produtos e da carestia dos insumos na região das Minas Gerais. 
Assim, a comida de viagem se mistura com a comida de fundo de quintal, com 
suas farinhas, paçocas de carne, os farnéis, a carne seca, a comida de tropeiro 
e as roças. 
 
 
Dois caminhos diferentes – Colonização da Amazônia e Povoamento de 
São Paulo 
 
Vimos que a produção subordinada ao mercado externo, como era o caso da 
monocultura da cana-de-açúcar e posteriormente a atividade mineradora, não 
favorecia o desenvolvimento de uma lavoura de subsistência capaz de abastecer 
o mercado interno. No entanto há duas exceções no longo processo de 
ocupação da chamada América Portuguesa. A primeira diz respeito à 
colonização da Amazônia, baseada no extrativismo, e a segunda, ao 
povoamento da vila São Paulo, que, ao contrário das regiões litorâneas de 
monocultura da cana, se voltou para a produção agrária de subsistência. 
 
Como era costume, os portugueses instalaram no local, para ser a base da 
colonização, plantações de cana-de-açúcar, que, no entanto, não progrediram 
devido as condições naturais desfavoráveis. 
 
Se a grande lavoura tropical não parecia adequar-se à região amazônica a 
colheita de frutos da floresta e “especiarias” - castanha, salsaparrilha, pimentas 
e cacau – mostrou-se uma alternativa. Embora sem grande importância 
econômica, já que figurava como secundária entre as outras riquezas produzidas 
na colônia, mas como forma possível de povoar ambiente tão inóspito. 
 
Povoamento completamente dependente do índio, antes de saber o que a terra 
oferecia, era necessário conseguir andar por ela, ter acesso à floresta e a seus 
produtos, tarefa só possível com a ajuda dos índios. 
 
Foi deste modo também que os colonos, mais do que em outros lugares, se 
viram às voltas com um tipo de alimentação semelhante ao dos indígenas, ou 
seja, baseado na caça e na pesca, no consumo da farinha e de frutas silvestres. 
 
Vários fatores desviaram São Paulo da rota do desenvolvimento açucareiro, 
entre eles a estreita faixa costeira, consistia em terrenos baixos de mangues e 
pântanos, impossíveis para a cultura da cana. 
 
Assim, estes imigrantes foram empurrados para o planalto ocupando 
efetivamente o território em direção ao sertão produzindo alimentos de 
subsistência para o mercado interno. 
 
A lavoura do planalto, não obstante pequenas variações locais, baseava-se na 
plantação de mandioca, milho e batata-doce. Essas culturas, por sua vez, 
associavam-se às do amendoim, cará, feijão de diversos tipos e banana. 
 
O milho e seus derivados de toda sorte – como os biscoitos, os bolos com 
melado, as pamonhas e o curau – eram parte da comida cotidiana dos paulistas. 
Não foram só as facilidades de solo e clima que favoreceram o cultivo do milho 
no sertão. Mas também a simplicidade das técnicas necessárias ao seu preparo, 
emprestadas dos nativos e adequadas em tudo à vida itinerante e rústica dos 
moradores da vila de São Paulo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cozinha do Brasil: 
Monarquia e República 
 
Em janeiro de 1808, Portugal estava em via de ser invadida pelas Tropas 
Napoleônicas francesas. O príncipe regente D. João, sem condições de 
enfrentar Napoleão, foge com a corte para o Brasil Colônia. Com a família real, 
vieram assessores, funcionários, criados, pessoas influentes na corte. 
Trouxeram, também, muitos objetos de valor, obras de arte, dinheiro, 
documentos, livros e tudo aquilo que puderam trazer. 
A Europa desse período já era uma grande consumidora da boa mesa e do bem 
receber, já havia, na França e na Itália, a profusão de restaurantes e casas de 
chá e café. Dessa maneira, a corte portuguesa que aqui chegou já conhecia 
alimentos mais sofisticados e variados, pratos elaborados e, apesar de 
provinciana aos olhos do restante
da Europa, já consumia a “boa mesa”. 
D. João, assim que chegou, tomou duas decisões importantíssimas para 
economia brasileira: a abertura dos portos às Nações Amigas e o fim do 
decreto que proibia a abertura de indústrias no território nacional. Além 
disto, teremos outras ações como a construção de estradas, a melhoria dos 
portos, a volta do desenvolvimento agrícola, investimentos na área educacional 
e cultural e estabelecimento de órgãos e ministérios como o Banco do Brasil, a 
Casa da Moeda, a junta do Comércio, o Supremo Tribunal e os ministérios da 
Marinha, da Guerra e da Fazenda. 
Com abertura dos portos, a corte e os barões irão ter acesso aos produtos 
estrangeiros: chás, carnes embutidas, amêndoas, azeite, manteiga, dentre 
outros. Nas suas fartas mesas, não poderiam faltar os vinhos, champanhe e a 
etiqueta europeia, com suas louças e talheres. Os mais abastados vão 
desenvolver uma cozinha que imitará a corte no uso de produtos importados, 
adaptando-os aos pratos nacionais. Mas o povo comum continuará a ter uma 
alimentação simples. 
Portanto, a distinção pelo gosto de comer bem veio junto com a Corte 
Portuguesa, em 1808, quando desembarcaram cozinheiros e literatura 
específica sobre culinária em forma de livros de receitas. Desde então, os 
hábitos à mesa se europeizaram, os ideais alimentares e de paladar se tornaram 
cada vez mais semelhantes aos franceses, berço da gastronomia que 
conhecemos hoje. Mas não era uma prática cultivada no cotidiano do imperador. 
Para D.João, comida sofisticada era algo reservado a ocasiões especiais. 
Ele gostava mesmo era de galinhas, que dizia ter um sabor inigualável. O rei as 
comia em grandes quantidades, em todas as refeições e tinha um costume 
peculiar: gostava tanto de asinhas de frango fritas que as estocava no bolso do 
casaco. Além das galinhas não faltava na corte a farinha de mandioca, a carne 
seca a pimenta e a banana além dos produtos importados. 
Em 1821, D. João volta para Portugal e deixa em seu lugar seu filho como 
Príncipe Regente. Em 7 de setembro de 1922, D.Pedro declara a Independência 
de nosso país e se torna, na sequência, Imperador do Brasil. Na tentativa de 
negar a dominação colonial portuguesa houve uma intensificação da influência 
da cultura francesa após a independência. Assim, as receitas elaboradas, que 
vieram com dom João VI, se sofisticaram e se ampliou o mercado que absorvia 
produtos da Europa para a confecção das receitas francesas. 
Permitindo uma reprodução da culinária degustada nos palácios, o que pode ser 
comprovado nos cardápios impressos, predominantemente em francês, com 
alimentos típicos dessas ocasiões. No século 19, não era mais necessário ter 
berço para usufruir de itens de luxo, como os banquetes, a classe alta precisava 
marcar posição social. Por isso, além das artes e moda, eles prestavam atenção 
na comida. 
Após 10 anos de governo e depois de ter outorgado a nossa primeira 
Constituição, diante de desgastes políticos, o imperador abdicou de seu trono, 
voltando para Portugal, deixando em seu lugar o filho D. Pedro II. 
Dom Pedro II foi bem-sucedido em criar uma identidade nacional, um sentido de 
unidade no país, e a culinária foi um dos meios utilizados para atingir a ideia de 
nação. E o ponto de partida para o nascimento de uma cozinha brasileira foi o 
livro de receitas Cozinheiro Imperial, o primeiro livro escrito e publicado no país, 
em 1840. Outra obra, publicada mais tarde é O cozinheiro Nacional. Ambos, 
apesar de seguirem a estrutura portuguesa, com receitas lusas de influência 
francesa, tentaram estimular a nobreza e os ricos a acrescentarem cada vez 
mais ingredientes e pratos nacionais em suas festas. 
Pode não ter funcionado completamente no século 19, mas sem dúvida foram 
um marco para a culinária brasileira. Foi nesta época que começam a surgir os 
primeiros menus escritos em português e com pratos abrasileirados como: Peru 
à Brasileira, a Feijuade, Galantine de Jacu. 
O gosto por comer bem e a comida sofisticada, não era uma prática cultivada no 
cotidiano do imperador, que tinha predileção por canjas de galinha, e nem da 
corte nesta época. Alguns comentaristas até dizem que foi pela falta de 
banquetes que a monarquia não se manteve no poder. Portanto, no Brasil desta 
época é a alta burguesia que estimulava e ditava esse lado social e não a corte. 
Pedro II ofereceu apenas dois banquetes e curiosamente o segundo e último, o 
famoso Baile da Ilha Fiscal, marcou o ápice da gastronomia imperial e também 
o fim do regime imperial. 
Ao desembarcar na Ilha Fiscal, os 5000 convidados eram recebidos por 
mulheres vestidas como ninfas e sereias. Nas casas à beira-mar, a população 
da cidade se apertava para espiar um pouco do baile que acontecia no posto de 
fiscalização de navios. Recém-construído em estilo neogótico, o castelo era o 
ponto mais brilhante do Rio de Janeiro naquela noite. 
Dotado de um gerador de energia que iluminava milhares de lâmpadas dentro e 
fora do edifício, velas, balões e lanternas venezianas, além dos holofotes do 
couraçado chileno e de outros navios da Marinha ancorados ali perto, não havia 
quem não se impressionasse com seu esplendor. 
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/polemica-na-corte-5-fatos-sobre-o-relacionamento-proibido-de-dom-pedro-com-condessa-de-barral.phtml
No banquete foram servidos pratos incomuns como 14.000 sorvetes e 64 faisões 
e outros como: 18 pavões, 80 perus, 300 galinhas,800 kg camarão, 350 frangos, 
30 fiambres, 20 mil sanduíches, 1.200 latas de aspargos, 18 mil frituras, 1.000 
peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 maioneses e 25 cabeças de porco 
recheadas, além dos 2900 pratos repletos de doces variados. Além de 10.000 
litros de cerveja e 304 caixas de vinhos e champagne. 
 
“O último baile da Ilha Fiscal” de Francisco Aurélio de Figueiredo retrata esta recepção. 
 
Menu do Baile da Ilha Fiscal em homenagem a oficias do navio chileno Almirante Cochrane 
Voltando a falar da mandioca, essa ainda será o principal ingrediente da mesa 
brasileira, juntamente com o milho. A mandioca era plantada em todas as 
províncias nacionais, sendo a sua farinha a principal substituta do pão, que ainda 
era caro e raro. 
E, por último, não podemos deixar de falar do café, afinal de contas, essa bebida 
caiu no gosto do brasileiro, dessa época até os nossos dias. O café terá nesse 
período um grande desenvolvimento da sua produção, vindo a dominar a 
produção mundial posteriormente no período da República 
Foi através do desenvolvimento dessa cultura que grandes famílias 
prosperaram, formando os barões do café. As fazendas cresceram e 
prosperaram, principalmente na região do oeste de São Paulo, abrindo estradas, 
preparando mão de obra, primeiramente, escrava, e posteriormente, imigrante. 
Apesar desta aristocracia, formada pelos barões de café, também copiar a 
influência francesa, a sua cozinha cotidiana será aquela cozinha do interior 
paulista (formada pelo tropeiro, bandeirante) e será essa que prevalecerá. 
Com a chegada do imigrante, que veio para substituir a mão de obra escrava, 
teremos mais uma grande contribuição para a formação da nossa cultura 
gastronômica, com suas macarronadas, seus molhos, a polenta, suas sopas, 
antepastos, pizza, técnicas de produção de queijo, salames, o vinho e as 
cantinas. 
E foi dessa maneira, que foi se consolidando a sociedade brasileira. No final do 
sec. XIV, as famílias mais abastadas mandavam seus filhos para a Europa 
estudar e copiavam tudo da França inclusive seus pratos e comportamentos. 
 
 
Capuano (1907 - 2016) uma das primeiras cantinas do Brasil 
 
 
Bibliografia: 
 
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história.1.ed.São Paulo: Editora Ática, 2003. 
 
CARNEIRO, H. Comida e sociedade: uma história da alimentação. 3. ed. Rio de 
Janeiro: Editora Elsevier, 2003. 
 
CASCUDO, L. da C. História da alimentação do Brasil. 3. ed. São Paulo: Global, 
2004. 
 
CASCUDO, L. da C. Prelúdio da cachaça. São
Paulo: Editora Global. 2006. 
 
FRANCO, A. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. 3. ed. São 
Paulo: Editora Senac, 2004. 
 
FREYRE, G. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime 
da economia patriarcal. 50. ed. São Paulo: Global, 2005. 
 
SILVA, P. P. Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial. 
São Paulo: Editora Senac, 2005.

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