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Formação da Cozinha Brasileira Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Uma Cozinha Indígena • A Cozinha do Brasil Colonial • Cozinha do Brasil: Monarquia e República Objetivos de Aprendizagem • Estudar na literatura especializada a formação da cozinha brasileira • Resgatar e identificar algumas técnicas das cozinhas de origem. • Compreender e contextualizar os elementos formadores da cozinha nacional. • Entender a identidade da cozinha de raiz. Introdução Nesta unidade abordaremos um pouco sobre a história e a cultura do Brasil para desenvolvermos fundamentos que nos tragam a compreensão da formação da Cozinha Brasileira. Falaremos da cozinha praticada pelos índios habitantes da região antes da chegada de Pedro Alvares de Caminha, seus costumes, hábitos alimentares, técnicas de preparo desses alimentos e utensílios utilizados pelos primeiros habitantes do Brasil tudo isto sem deixar de ter uma visão crítica de estudos que não levam em consideração a diversidade das várias nações indígenas encontradas do Brasil. Entraremos no conteúdo da Cozinha Colonial, caracterizada pelo período em que a Coroa Portuguesa inicia, de forma efetiva, a colonização do Brasil, por meio da primeira Expedição e do início do cultivo da cana-de-açúcar. Cultura agrícola que vai estruturar a sociedade colonial e influenciá-la de tal forma que observaremos resquícios do latifúndio açucareiro no Brasil atual. A casa grande e a senzala, sua estrutura e intimidade irão determinar de forma definitiva o jeito de ser brasileiro. Posteriormente ao ciclo da cana-de-açúcar o ciclo da mineração, por motivos diferentes, também será marcado pela ausência de uma lavoura de subsistência capaz de abastecer o mercado interno, portanto o quintal, a horta e o pomar ganham papel de destaque na alimentação do brasileiro. Não esqueceremos de abordar as duas exceções no longo processo de ocupação da chamada América Portuguesa. A primeira diz respeito à colonização da Amazônia, baseada no extrativismo, e a segunda, ao povoamento da vila São Paulo, que, ao contrário das regiões litorâneas de monocultura da cana, se voltou para a produção agrária de subsistência. Nesta unidade, também abordaremos a Cozinha do Império e da República: a primeira, temos a influência direta da cozinha portuguesa, ou seja, a entrada mais efetiva do paladar português, que irá se manifestar pelos ingredientes e técnicas. O caráter pioneiro da expansão marítima portuguesa vai desenvolver uma burguesia já consumidora de produtos atlânticos e índicos, portanto já aberta a novidades, característica que vai influenciar o “diálogo alimentar” entre o português e o ameríndio, sem esquecer das relações de poder envolvidas neste “diálogo”. Já no outro período, inaugura-se uma república nacional, nela, teremos um Brasil com cara mais cosmopolita, mais moderna, afinal de contas, já teremos um Estado com a declaração da república, e o Estado Novo Nacional se consolida. Resumindo, nesta unidade, nós vamos estudar os períodos de formação de nossa cozinha, para compreendermos nossa identidade gastronômica, entendermos e valorizarmos nossos ingredientes, nossa terra e nosso jeito de fazer cozinha. Uma Cozinha Indígena A cozinha indígena é nossa primeira cozinha, ou seja, a cozinha praticada pelos índios que os portugueses quando aqui chegaram, encontraram. No presente tópico, compreenderemos o que é a cozinha indígena, suas características e sabores. Tarefa instigante essa, principalmente quando afirmamos que essa é a cozinha mais “excêntrica” que temos e a que mais se manteve fiel a sua origem, sem dizer que nesse período existiam, só na região Amazônica, mais de seiscentas nações, portanto não podemos falar um uma cozinha indígena, mais de cozinhas indígenas. No entanto, faremos aqui um breve estudo sobre características semelhantes entre estas cozinhas, guardadas as devidas exceções. Quando falamos de uma cozinha excêntrica, estamos nos referindo a uma parcela grande da população brasileira. Só para ilustrar a nosso desconhecimento, pelo menos da maioria dos brasileiros. Qual é o gosto do arubé? Este molho à base de tucupi (sumo da mandioca) conhecido como mostarda indígena, é o primeiro molho do Brasil, utilizado para conservar carnes de caça e peixe. Se você pensa que o molho, esse instituído por Carême, era conhecido apenas da cozinha clássica, saiba que não, os nossos indígenas já o apreciavam na forma de arubé antes da chegada dos europeus a esta terra. Arubé com peixe Antes de falarmos das características (sabores, cores e cheiros) dessa cozinha, vamos dar uma olhada no documento que comprova que esta é a nossa primeira cozinha, a carta do descobrimento, mais conhecida como a carta de Pero Vaz de Caminha (escrivão da expedição de Cabral), datada de 24 de abril de 1500. Nela, encontramos o primeiro depoimento sobre a alimentação na Terra de Vera Cruz (apud CASCUDO, 2004, p. 74-75): Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi e nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. Nesta última frase do trecho transcrito acima temos duas observações importantes para fazer. A primeira é que se sabe, indiscutivelmente, pelos estudos, que esse alimento, chamado pelos portugueses de inhame, na verdade, inhame não era, pois ele virá mais tarde apenas do contato com os africanos. Na verdade, Caminha falava da mandioca, frutos semelhantes entre si, em função de suas raízes. A mandioca, essa sim, era a raiz que alimentava o brasileiro (e alimenta). Segundo, a visão do índio como alguém de tal forma próximo a natureza que sua “contribuição” se restringe, sobretudo, às atividades extrativistas (...que a terra e as árvores de si lançam) é reducionista. Principalmente quando é lembrado por um produto que exige muito mais que apenas coletar. Exige, como veremos a seguir, uma técnica complexa, envolvendo conhecimento, tempo e muito trabalho. Mandioca a rainha do Brasil A mandioca – Manihot esculenta, esse alimento fantástico, milenar, que até hoje se faz base da alimentação brasileira, podemos classificá-la, de forma genérica, em dois grupos de acordo com o grau de sua toxidade. Mandioca doce: consideradas não venenosas, são conhecidas por nomes diferentes, conforme a região do Brasil – macaxeiras, no Norte, ou Aipim, no Rio de Janeiro –, podem ser consumidas cozidas, em forma de apetitosas farinhas brancas e, também, em variados bolos. Mandioca amarga, bravas ou venenosas, apesar de muito ricas em amido, são chamadas assim porque contêm o mortal ácido cianídrico e, por isso, necessitam de “preparo” antes do consumo. Um pouco das técnicas envolvidas no beneficiamento da mandioca: A mandioca brava, depois de ralada é espremida em um cano comprido de palha vegetal trançada criado pelos índios chamado tipiti, que deixa a massa da mandioca quase seca ao ser prensada. Depois, os blocos de massa prensada são passados numa peneira e pode ser torrada em tachos para virar farinha. Mas também pode ser utilizada ainda úmida quando recebe o nome de carimã e puba (quando a massa é fermentada) e é usada em bolo e doces. O liquido venenoso que sai do tipiti é fermentado ao sol e fervido longamente com temperos para se transformar no tucupi, usado como base para caldos e bebidas. De sua primeira decantação extrai-se um amido, conhecido como goma fresca. Ela também é chamada de tapioca, termo que aqui no Sudeste é usado para denominar o beiju de tapioca, ou seja, o beiju feito na chapa com a tapioca. Depois de secar ao sol, a goma passa a ser chamada de polvilho doce e de polvilho azedo quando é fermentada. A mandioca era e será, por muitos séculos, a comida base do brasileiro. Com os índios, os portugueses irão aprender a beneficiar essa raiz preciosa e irão se render ao seu paladar, o que os levou a melhorarem as casas de farinha, com máquinas e equipamentos. Mas porque o português se rendeu a este alimento? Primeiro que essa será a comida de sustância, que “enche o bucho” característica importante para uma fase de carência alimentar. Segundo ela suportará as longas viagens, seja em terras tupiniquins, seja em terras portuguesas, seja em viagens ao continente Africano, as quais buscavam a mão de obra escrava. Os pães portugueses, os biscoitos e carnes não suportavam as viagens delongadas. Dos subprodutos da mandioca produzidos pelos índios destacam-se as farinhas e os beijus. O primeiro item era companheiro irremediável de tudo o que se comia, fosse nos dias comuns ou nos de festas. A farinha sempre foi um conduto principal. Já o beiju, além de comida de matolagem, era consumido em ocasiões de comensalidade, sendo considerado comida de ritos. O beiju, conhecido como farinha de guerra, que era seco e grosso, resistia às viagens dos índios e, mais tarde, foi companheiro das longas viagens de navio entre as terras brasileiras e Portugal. Outra iguaria feita pelos índios é o pirão escaldado, feito a partir da farinha de mandioca, esse sim comido só aqui nas nossas terras. Já o pirão cozido que demanda um avanço na técnica, utensílios e equipamentos, pode já ser uma influência das açordas portuguesas. Além da mandioca e seus produtos, o índio também consumia peixe, carne de caça (caititus, porco do mato, macaco, anta, lagarto etc.) e insetos (cupins, tanajuras cruas ou cozidas, com farinha, besouros, e o tapuro). As carnes eram assadas no Moquém e/ou no espeto assador (neste caso, consumidas quase cruas). Já no caso do moquém, que é uma grelha de madeira de formato quadrangular que se apóia sobre quatro forquilhas de madeira fincadas ao solo, além de assar as carnes ele evitava que elas apodrecessem uma vez que ao submetê-la ao fumeiro, diminuía-se a sua umidade deixando-a bem seca. Cascudo (2004) conta que a carne moqueada nunca era consumida de imediato, pois era comida de matolagem, de sobrevivência. O Biaribi é outra forma de assar os alimentos, de forma subterrânea: faz-se um buraco, na terra, e no fundo põem folhas grandes de árvores; e por cima das folhas a carne a ser assada; cobrem-na de mais folhas e terra; e por fim, uma fogueira. A Yapuna é uma vasilha de barro, chamada de forno, usada para cozer a farinha e fazer os beijos, hoje substituída por tachos de ferro. Mais do que simplesmente apresentar novos ingredientes o índio transmitiu estas técnicas ao português. Yapuna Moquém Tipiti Biaribi Os peixes eram um dos alimentos favoritos dos indígenas, sendo cozidos ou assados. Quando assados inteiros, quase sempre não eram esvaziados e nem escamados antes. Também se fabricava a farinha de peixe, que era mais farnel para viagens ou caçada que alimento habitual. Há de se ressaltar que eles também plantavam e comiam abóbora, feijão, fava, cará e amendoim, sendo esse último muito apreciado. As frutas não eram plantadas, apenas colhidas, como exemplo de frutas consumidas pelos índios podem ser citadas: as pacovas, o abacaxi, a goiaba, o maracujá, o caju, o mamão, dentre tantas outras que a farta terra dava. Com a pacova ou banana da terra, sempre cozida ou assada, eram feitos mingaus, caldos e bebidas. Mais tarde, com o açúcar do engenho, iremos ter as bebidas adoçadas e os doces das frutas. E como os índios comiam essas comidas? Qual o tempero das cunhãs (índias cozinheiras) que conquistaram também a cozinha portuguesa? Sabemos que o índio sempre apreciou as pimentas, das mais ardidas às mais doces, puras ou acompanhadas. Temos, também, que deixar claro que o hábito de temperar a comida antes de prepará-la é influência do homem branco, pois o índio sempre temperou seus manjares na boca. Para tanto, utilizava sal, que era extraído das margens dos rios, das águas represadas ou de algumas plantas. Assim, o sal e a pimenta eram pilados, dando origem a uma pasta chamada de ionquet. Então, o consumo, que para nós pode parecer um ritual, se dava da seguinte forma: colocava-se um punhado de carne na boca, em seguida, juntava- se um bocado de ionquet e pronto, os sabores se completavam. A alimentação para o índio é perpassa a questão da nutrição, vai além, alimenta o espirito e cura. Faz parte de sua cosmologia e ocupa papel importante nos rituais. Simplificadamente de acordo com Adguar Bastos, pesquisador paraense, podemos dividir os alimentos consumidos em 6 categorias: Mágicos, de Resguardo, Interditos, Compensatórios, Privativos e Sagrados. Formas diferentes se relacionar com o alimento que vão apontar para uma cultura complexa e diversa. Por exemplo, alguns índios do Mato Grosso não comem nenhum animal que tem pelo, o que restringe bastante as opções de caça, portanto a dieta alimentar do índio não está baseada apenas no que está a sua disposição na natureza. Originário das Américas, o milho foi cultivado pelos povos indígenas brasileiros, que o utilizavam, além da alimentação, para rituais e como adornos. Essas práticas, entretanto, são pouco conhecidas os estudos privilegiaram a pesquisadas sobre a mandioca. Mas sabemos até que existiram algumas poucas tribos que não conheciam a mandioca e tinham como base da alimentação o milho. Finalmente, sobres as bebidas há uma variedade enorme de tipos de bebida consumidos pelos índios: os caxiris, os cauins, a jacuba ou xibé, o cacau, as de diversas raízes, os sucos de frutas, que são heranças dos portugueses. As bebidas fermentadas pela saliva, a partir da mastigação das mulheres mais velhas, tinham o seu uso relacionado ao sobrenatural, dentre elas o caxiri e o cauim. A primeira era feita a partir da fermentação da mandioca e a segunda, a partir da fermentação do milho. Podemos ver neste breve estudo a instigante cozinha indígena e sua importância na formação da cozinha brasileira. A Cozinha do Brasil Colonial Abordaremos, neste tópico, a cozinha do Brasil Colonial, a qual foi marcada pela chegada da coroa portuguesa que estava determinada a colonizar essas terras, com o objetivo de explorar e habitar a Colônia, que sofria, em função da dimensão territorial, ataques dos holandeses, ingleses, franceses (que ficaram fora do Tratado de Tordesilhas) e de piratas. Relembrando: Tratado de Tordesilhas O Tratado de Tordesilhas foi um acordo assinado em 7 de junho de 1494 entre a Espanha e Portugal. Esse acordo visava a resolver disputas relativas às terras em que Cristóvão Colombo e outros exploradores do final do século XV haviam aportado. Logo depois que a Espanha chegou pela primeira vez ao hemisfério ocidental, espanhóis e portugueses entraram em conflito sobre os direitos de colonização do Novo Mundo. Em 1493, após ouvir os relatos de Cristóvão Colombo, os monarcas espanhóis Fernando e Isabel procuraram o apoio papal para garantir o controle do território no Novo Mundo. Eles pretendiam inibir os portugueses e outros possíveis rivais. Em 1493, o papa Alexandre VI (que era espanhol) determinou a demarcação de uma linha que se localizaria 100 léguas a oeste de Cabo Verde. As expedições portuguesas deveriam manter-se a leste dessa linha. Todos os territórios a oeste dessa linha pertenceriam à Espanha. Em troca, a Espanha assumiria o compromisso de difundir o cristianismo no Novo Mundo. O rei dom João II de Portugal ficou insatisfeito com a decisão do papa Alexandre VI. A demarcação deixava quase nenhum território para Portugal no Novo Mundo. Para resolver esse conflito, embaixadores espanhóis e portugueses se encontraram na vila de Tordesilhas, na Espanha, em 1494. Um novo acordo foi assinado e a linha foi movida, passando a localizar-se 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Naquela época, ninguém sabia qual era a real extensão do hemisfério ocidental. Foi o Tratado de Tordesilhas que permitiu a Portugal tomar posse da região litorânea onde Pedro Álvares Cabral aportou em 1500 e que mais tarde veio a se tornar o Brasil. Mas como era a cozinha de Portugal desse tempo? O que fazia parte de suas mesas? Pelo pioneirismo na expansão marítima, Portugal desenvolveu uma burguesia abastada, consumidora de uma culinária requintada apreciada em toda Europa. Uma cozinha enriquecida pelos produtos atlânticos e índicos que manipulou por séculos, através de entrepostos, feitorias e ilhas – entre outros, Madeira, Açores e Cabo Verde. Esse país terá sido a plataforma de insuspeitas experiências econômicas, humanas e alimentares. Lisboa de Quinhentos tornara-se o centro da Europa. Na cidade havia formas de viver e de pensar que surpreendiam viajantes cultos. Comia-se de variados modos, com gostos exóticos. Os camponeses, por outro lado, terão em suas mesas as sopas engrossadas (sempre com um cereal), os grãos (como as favas), comia-se, mas peixe do que carne – alimento para privilegiados. Quando se tinha carnes era de preferência seca e defumada. Nas ruas frigia-se peixe: sardinhas e pescadas. Consumia-se aletria e fava-rica, tripas e tutanos, mariscos, pão, mel e queijos. Os doces e as guloseimas tinham apreciadores entre os cem mil habitantes. Durante séculos, Portugal ficou sob o domínio dos mouros, o que influenciou de forma significativa a sua cozinha. Na obra Livro de Cozinha da Infanta Dona Maria, do início do século XVI, encontraremos inúmeras receitas com tal influência, como as de doces, a pastelaria, uso de especiarias etc. A exuberância das receitas, a riqueza dos cardápios, a decoração das iguarias, pode ser é comprovada por Domingos Rodrigues, no seu livro A arte de cozinhar, que teve a sua primeira edição em 1693. A família portuguesa ou o português que aqui chegava nesse período trazia tudo que mais apreciava de sua terra de origem na tentativa de recriar o ambiente familiar, principalmente no tocante à comida. Cascudo (1983, p. 264) completa: Como bem lembrou Câmara Cascudo: Quem diz do viajante é a bagagem que leva. Instalando-se definitivamente para ficar no Brasil, o Português recriou o ambiente familiar, cercando-se dos recursos de curral, quintal e horta, desejando quando possível prolongar o tratamento em que se habituara, secularmente. O português trará, dessa maneira, para a Colônia seus animais (ovelhas, cabritos, bois, vacas, galinhas, patos, gansos) e plantará suas frutas variadas, legumes, hortas com suas hortaliças, cereais. Trará, também, sua cultura, costumes e religião, bem como suas festas, como a de São João, Natal, Carnaval e a Quaresma, com suas comidas e danças. Das frutas, trará a laranja, o limão, a lima, o melão, as tâmaras e os figos. Dentre os cereais, o arroz. E mais, nabos, abóboras, gengibre, mostarda etc. Suas ervas – salsa, cominho, cebolinha, manjericão, alfavaca – e hortaliças, como agrião, espinafre, couve etc. Ora, o português trouxe para o Brasil modos de explorar a cozinha: de preparar, dosear, confeccionar, temperar e conservar os alimentos. Levou consigo os utensílios, as horas de refeição, a ordem dos pratos, os pesos e as medidas (as proporções dos alimentos), as contenções religiosas e, com certeza, muitos preconceitos. O “diálogo alimentar” entre o português e o ameríndio deu todas as vantagens ao primeiro, numa troca desigual. Mas, esse contato instigou o espírito sagaz do portugues. Mesmo já acostumado com as descobertas trazidas pelas grandes navegações, ele ficou surpreso com o que viu, cheirou e saboreiou – do manancial alimentar que se assenhoreou. Além do interesse de proteger e povoar o litoral das novas terras, outro fator que trouxe os portugues ao Brasil foi a possibilidade de cultivo da cana de açúcar. Ciclo da Cana-de- açúcar Em 1530, a Coroa Portuguesa, temendo perder as terras nacionais, organizou a 1ª expedição com o objetivo de colonizar, essa foi comandada por Martin Afonso, com a missão de povoar o território, expulsar os invasores e iniciar o cultivo da cana no Brasil. Inauguramos, então, o Ciclo da Cana-de-Açúcar, produto que tinha grande demanda na Europa, o que despertou o interesse da Coroa Portuguesa, uma vez que o território Brasileiro oferecia condições ideais de adaptabilidade, pelo seu clima e solo, principalmente na região do Nordeste. O açúcar era uma iguaria e custava caro, um luxo permitido só aos abonados, isto é, a nobreza e o clero. Mesmo por estes, o açúcar era usado com moderação e guardado em arcas especiais, fechadas a sete chaves. Raro e caro, o açúcar também era vendido por boticários, pois consideravam que curavam dores de cabeça e melancolias. A cana-de-açúcar chegará ao Brasil com as expedições portuguesas, sendo plantadas primeiramente em São Vicente e, mais tarde, em Pernambuco, onde irá se adaptar pelo clima úmido e solo rico em massapé. A cana chegará a outras regiões, como Espírito Santo e Bahia, mas será em Pernambuco que essa cultura irá se aclimatizar. Para abastecer o mercado externo com o produto tão caro e precioso os donatários das capitanias hereditárias necessitavam, além de generosos pedaços de terra, de alto contingente de mão de obra, pois a manufatura do açúcar só é rentável se praticada em grande escala. Deste modo, foi feita a substituição da mão de obra indígena, que se demostrou inadequada, pela mão de dos negros africanos inaugurando o mercado escravagista negreiro para a Colônia. Os escravos iam desembarcando dos navios negreiros, os portugueses entravam com suas famílias e se instalavam, assim nascia o povo do Brasil, que terá ascendência de índios, portugueses e africanos. Dessa maneira, a sociedade foi se organizando de forma estratificada, sendo que no topo estavam os Senhores de Engenho, detentores de poderes políticos, no meio, alguns trabalhadores livres e funcionários públicos e, na base, os escravos de origem africana e os índios. A chamada economia colonial estava então baseada no plantation, cujas características são a existência de Senhores de Engenho (Grandes Latifúndios), monocultura da cana-de-açúcar, mão de obra escrava e comercialização apenas com a Coroa, constituindo-se, assim, o Pacto Colonial. Brasil se formou nesse período, no sentido de que se estruturou uma sociedade em torno da cultura da cana. Os Engenhos de Açúcar vão caracterizar essa sociedade e influenciá-la de tal maneira que observaremos resquícios do latifúndio açucareiro no Brasil atual. A casa grande e a senzala, sua estrutura e intimidade irão determinar de forma definitiva o jeito de ser brasileiro. Ilustração de Cícero Dias para Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre. Como vimos o comércio do açúcar, por ter grande valor no mercado Europeu, logo fará que a vida e, consequentemente, a cozinha desse período se desenvolvam em torno do engenho de açúcar, onde a maioria das pessoas morará. O engenho, além do local para a extração do açúcar, possuía a Casa Grande do Senhor do Engenho para sua família e escravos, a Igreja e a Senzala. A cozinheira indígena (cunhã) será substituída aos poucos pela escrava negra (nhá-bas), que trazia em sua experiência uma culinária mais elaborada com técnicas e temperos, mas, independentemente de onde vinham, todas eram cozinheiras natas, que irão conquistar a Sinhá (Senhora do Engenho). Vale lembrar que o negro não tinha a esperança de retorno ao seu país de origem, o que lhe conferia uma melhor adaptação e domesticação do que o indígena. Essa trágica característica será explorada pelos Senhores da época seja na cozinha, seja na cama, seja na senzala. Comida de escravo Durante o tempo do negro escravo no Brasil, eles ocuparam tarefas nos engenhos, nas lavouras de cana, nas minas de ouro e, mais tarde, nos cafezais. Foram aproveitados também como escravos domésticos, nas dependências das fazendas, principalmente nas cozinhas, e como escravos urbanos. As mucamas eram amas de leite das crianças das sinhás. Como atesta Gilberto Freyre (2005 p. 592), em Casa Grande Senzala, “Eram elas que amamentavam as crianças brancas, as ninavam, preparavam a comida e o banho morno e contavam histórias”. Do milho, os negros faziam o angu de fubá, o mungunzá, adoçado com mel ou com rapadura. O pirão de farinha de mandioca era outra constante, foi desenvolvido um pirão escaldado especial, que era consumido com malagueta para fazer render a pequena porção de comida que recebiam. Essa era a base da alimentação dos escravos, com exceção do escravo da casa grande que trabalhava na cozinha, as doceiras, as copeiras, as amas de leite, que tinham uma comida privilegiada, pois consumiam os restos das refeições do senhor. Como bem acrescenta Cascudo, nesse sentido (2004, p. 202-203): Para o norte, a farinha de mandioca garantia o pirão, indispensável, diário, sinônimo do próprio alimento geral. Pelo interior da Bahia, para o centro e sul do Brasil, estendia a geografia do milho. A farinha de mandioca não era ignorada e nem ausente no Sul e Centro, tal e qual o milho ocorria no Norte e Nordeste, mas sem predominância do primeiro elemento, característicos dos repastos [...]. Já no Rio de Janeiro a farinha de mandioca figurava inevitavelmente na comida do escravo, ao lado do feijão-negro [...]. A alimentação do negro numa propriedade abastada compõe-se de canjica, feijão-negro, toucinho, carne seca, laranjas e bananas. [...] Angu de milho, toucinho, alguma carne semanal era o regime do escravo em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Os escravos negros “trouxeram” para a colônia o quiabo, a vinagreira, o inhame, o hibisco, o gengibre, o gergelim, dentre outros. Ensinaram ao brasileiro o consumo da galinha-d’Angola, que contribuirá para o cardápio nacional. É importante enfatizar que os alimentos tradicionais africanos que chegaram ao Brasil vieram por meio dos comerciantes, ou seja, fazendo parte do comércio atlântico Portugal - Brasil – África, pelo qual o negro também era vendido. Portanto falar em uma bagagem trazida pelos negros dentro dos navios negreiros é no mínimo ingênuo, podemos falar um uma bagagem cultural que contenha maneiras de viver (neste caso sobreviver) e, consequentemente, de se alimentar, com suas prescrições, proibições, técnicas e sobretudo, significados atribuídos ao que se come. A Sinhá (mulher portuguesa) transplantada para uma terra distante, dividindo espaços com escravas negras e indígenas e privada de produtos aos quais estava acostumada impõe e adapta (mais adapta) os hábitos de uma cozinha europeia às restrições da colônia, uma verdadeira cozinha de subsistência focada no comer sozinho ou em pequenos grupos sem os requintes da comensalidade de além mar. A Cozinha da Sinhá Para o arquiteto Carlos Lemos, a cozinha dos trópicos se caracteriza por ser “extrovertida”, isto é, voltada para o lado de fora da casa, mais afastada das habitações íntimas por causa do calor. Sob influência dos costumes indígenas, perfeitamente adaptados aos caprichos tropicais e aos alimentos da terra, o fogão é expulso da casa, e as chaminés de requintado estilo francês, trazidas de Portugal, são esquecidas e abandonadas no quintal. A solução de aliar um “puxado” ao lado externo da cozinha, que servia tanto para abrigar o jirau como para preparar a comida na trempe, também é de inspiração indígena, enquanto a ligação da casa com o quintal ou pátio de serviço é herança lusitana. No decorrer do século, implantou-se a divisão entre cozinha “suja” e “limpa”. Até então, a cozinha era uma parte suja da casa, de terra batida com três ou quatro pedras, que acomodavam o fogo. A cozinha suja era destinada ao trato primário dos ingredientes, tais como limpeza (entranhas, pele, gordura de animais), retirada de cascas, secagem, corte, escaldagem e fervura, e feitura de doces; na limpa, as refeições eram finalizadas. A cozinha “limpa” (interna) também eram para o preparo de doces finos feitos pelas mãos da sinhá e determinantes de uma distinção social. A cozinha nascida nos engenhos, portanto, tinha muito de indígena, principalmente nos modos de preparo, nos alimentos usados, na forma de comê- los, caracterizando-se por uma comida seca, à base de farinha, carne e peixe secos, tubérculos cozidos sem tempero. Mas era uma cozinha feita por negras, que empregavam, por sua vez, outros produtos e temperos diferentes dos indígenas, como o coentro e as pimentas, encontrados também em suas terras. Todos esses ingredientes, por outro lado, por mais estranhos que fossem, precisavam adequar-se ao paladar português, acostumado a açordas, cozidos e comida com muito caldo. Uma comida simples determinada pelas senhoras donas da casa, porém, permeáveis ao saber local, que indicava qual o melhor modo de preparar as verduras amargas, uma eventual carne de caça ou mesmo um angu de todo dia. Novos ingredientes foram descobertos e substituíram velhos conhecidos, como a gordura de porco e a castanha de caju utilizadas no lugar da manteiga e das nozes. Nesse processo criativo de adaptação, a nova cozinha tinha o complexo - horta, pomar e quintal - como seu principal aliado. A despensa da cozinha colonial: Quintal, Horta e Pomar Voltada para o mercado externo, a economia colonial se apoiava numa única lavoura, a da cana de açúcar. Assim, grande parte dos alimentos necessários à subsistência da família senhoral vinha dos quintais, hortas e pomares. Posteriormente, no Ciclo do Ouro, por motivos diferentes – reserva de toda a mão de obra para a extração de ouro e a dificuldade de abastecimento devido as péssimas condições de acesso à região mineradora – também podemos perceber a importância deste tripé para a subsistência alimentar mineira, guardada as devidas singularidades. O quintal era lugar das pequenas criações. Porcos, aves, vacas, ovelhas e cabras eram alimentados com milho e bagaço de mandioca e, em certas ocasiões, faziam parte da refeição. Circunstância especial, marcada pela chagada de um viajante ou por uma data comemorativa. As aves, principalmente as galinhas, eram consideradas iguarias para os dias mais importantes, assim como alimento especial para as mulheres que haviam acabado de parir e alguns outros enfermos em convalescença. O porco também tinha um ligar de destaque neste complexo alimentar, para o historiador Alfred Crosby, o porco assemelhava-se a uma erva daninha, já que se criava praticamente sozinho, alimentando-se de restos, sem grande ônus econômico para o seu dono. Além disso, dos suínos se aproveita quase tudo, do focinho ao rabo. Por fim, era consenso, na época, a opinião de a carne de porco era infinitamente mais saborosa e macia do que as raras porções de carne de vaca que se comia raramente. A horta, por sua vez, era destinada às tentativas de aclimatação de espécies europeias e ainda a pequeno cultivo de outras “nacionais”. Agrião, alcachofra, couve-flor, alface, acelga, couve, mostarda, repolho, brócolis, escarola, espinafre e serralha cresciam ao lado de variedades nativas de abóbora-moranga, taioba, batata doce, mangarito, chicória, jiló, cará e quiabo. As espécies aclimatadas cresciam a olhos vistos, mas logo as verduras e legumes da terra invadiram as hortas “europeias”, e não demorou para que se iniciasse, na cozinha brasileira, um processo de substituição dos ingredientes originais da receita por equivalentes locais. Nos pomares, misturavam-se frutas das mais variadas espécies. Cajus e maracujás eram cultivados ao lado de maçãs, peras e marmelos: laranjas, bananas e pêssegos com goiabadas e jabuticabas – frutas estranhas ao paladar, à visão ao tato estrangeiro, que traziam consigo o mistério das cores vibrantes e dos cheiros embriagantes. Entretanto, foi na mistura com o já conhecido açúcar que as frutas tropicais se impuseram, de uma vez por toda, ao paladar europeu nestas terras. O consumo de frutas frescas não era comum entre brancos da época, que receavam seus efeitos, sendo destinadas, em grande parte, à alimentação dos escravos. Os senhores só comiam frutas se cozidas com açúcar – na forma de compostas, geleias, doces secos e cristalizados – que serviam para conservá- las e neutralizar possíveis efeitos adversos. Albert Eckhout, iconografia tropical A cozinha caipira Com o declínio dos negócios da cana na Europa, a Coroa e os proprietários do latifúndio açucareiro passarão a ter a necessidade de procurar novas riquezas no Brasil. Para tanto, surgirão movimentos financiados pela Coroa e pelos proprietários de terra: as Entradas e as Bandeiras, que terão o intuito de buscar novas riquezas, aprisionar índios e negros rebeldes fugitivos. As entradas e as bandeiras serão responsáveis pela ampliação do território além do Tratado de Tordesilhas. Serão os Bandeirantes que encontrarão as primeiras jazidas de ouro na região das Minas Gerais, o que inauguraria, no final do século XVIII, no Brasil Colonial, o Ciclo do Ouro. Guiados pelos bugres (índios escravizados), os Bandeirantes adentravam a mata abrindo caminhos e estradas. Em um primeiro momento os bandeirantes comiam basicamente o que os nativos ofereciam - a caça, a pesca e a colheita, além de produtos de suas roças. A partir do século XVII, os portugueses passaram a adotar as técnicas indígenas com forme a necessidade imposta em seus deslocamentos. Na sua matolagem, levavam mantimentos, como a farinha de milho e farinha de pau ou de guerra (mandioca), que era torrada em tachos de barro. Para cozinhar, usavam uma trempe ou montavam um fogareiro com pedras e ali aqueciam seus caldeirões. A falta de comida seria suprida pelas roças de subsistência, uma vez que, por onde passavam, deixavam plantadas raízes, abóboras, milho e feijão. Neste caso o milho tornou-se ingrediente essencial, pelo fácil consumo de sua farinha e a possibilidade de duas colheitas anuais – ao contrário da mandioca, que só pode ser colhida 18 meses após sua plantação. Comida era pouco farta, mas sempre de sustância, em que a rapadura era uma constante juntamente com a farinha de milho ou de mandioca, o toucinho, o feijão e as frutas que encontravam pelo caminho. Seu café da manhã era composto pela jacuba, pirão apreciado nesses tempos, espécie de pirão feito com farinha de milho socada, sobre a qual se derramava água fervente, adoçada com rapadura. A corrida pelo ouro trará aventureiros de todo o Brasil e gente ainda de Portugal, o que promoverá um rápido desenvolvimento da região das Minas Gerais em diversas dimensões: urbana, cultural, econômica e social (geração de novos empregos). Isso implicará, inclusive, a mudança da capital da colônia para a região sudeste, ou seja, de Salvador para o Rio de Janeiro. Por outro lado, essa superpopulação causará um desabastecimento da região mineira, em relação a produtos básicos, tais como alimentos e vestuário. Os viajantes ou tropeiros terão uma grande importância nesse período, uma vez que serão eles que abastecerão as regiões mineradoras com animais de carga e mantimentos. No que diz respeito a sua comida, ela se assemelhava à do bandeirante, com pequenas diferenciações, uma vez que também era comida de matolagem. Usavam com maior frequência a carne de porco, este era aproveitado quase tudo: eram salgados as orelhas, o rabo e os pés, e a banha era usada para conservar as outras partes. Uma forma de enfrentar a dificuldade de abastecimento foi o desenvolvimento das roças caseiras, que cultivarão a comida de todos os dias: a couve, o milho, o feijão, a mandioca e alguns animais, como a galinha e o porco. Já a carne de boi virá mais tarde apenas, com o declínio da mineração. Assim, teremos nesse período o desenvolvimento da cozinha caipira, de fundo de quintal, resultado da escassez de produtos e da carestia dos insumos na região das Minas Gerais. Assim, a comida de viagem se mistura com a comida de fundo de quintal, com suas farinhas, paçocas de carne, os farnéis, a carne seca, a comida de tropeiro e as roças. Dois caminhos diferentes – Colonização da Amazônia e Povoamento de São Paulo Vimos que a produção subordinada ao mercado externo, como era o caso da monocultura da cana-de-açúcar e posteriormente a atividade mineradora, não favorecia o desenvolvimento de uma lavoura de subsistência capaz de abastecer o mercado interno. No entanto há duas exceções no longo processo de ocupação da chamada América Portuguesa. A primeira diz respeito à colonização da Amazônia, baseada no extrativismo, e a segunda, ao povoamento da vila São Paulo, que, ao contrário das regiões litorâneas de monocultura da cana, se voltou para a produção agrária de subsistência. Como era costume, os portugueses instalaram no local, para ser a base da colonização, plantações de cana-de-açúcar, que, no entanto, não progrediram devido as condições naturais desfavoráveis. Se a grande lavoura tropical não parecia adequar-se à região amazônica a colheita de frutos da floresta e “especiarias” - castanha, salsaparrilha, pimentas e cacau – mostrou-se uma alternativa. Embora sem grande importância econômica, já que figurava como secundária entre as outras riquezas produzidas na colônia, mas como forma possível de povoar ambiente tão inóspito. Povoamento completamente dependente do índio, antes de saber o que a terra oferecia, era necessário conseguir andar por ela, ter acesso à floresta e a seus produtos, tarefa só possível com a ajuda dos índios. Foi deste modo também que os colonos, mais do que em outros lugares, se viram às voltas com um tipo de alimentação semelhante ao dos indígenas, ou seja, baseado na caça e na pesca, no consumo da farinha e de frutas silvestres. Vários fatores desviaram São Paulo da rota do desenvolvimento açucareiro, entre eles a estreita faixa costeira, consistia em terrenos baixos de mangues e pântanos, impossíveis para a cultura da cana. Assim, estes imigrantes foram empurrados para o planalto ocupando efetivamente o território em direção ao sertão produzindo alimentos de subsistência para o mercado interno. A lavoura do planalto, não obstante pequenas variações locais, baseava-se na plantação de mandioca, milho e batata-doce. Essas culturas, por sua vez, associavam-se às do amendoim, cará, feijão de diversos tipos e banana. O milho e seus derivados de toda sorte – como os biscoitos, os bolos com melado, as pamonhas e o curau – eram parte da comida cotidiana dos paulistas. Não foram só as facilidades de solo e clima que favoreceram o cultivo do milho no sertão. Mas também a simplicidade das técnicas necessárias ao seu preparo, emprestadas dos nativos e adequadas em tudo à vida itinerante e rústica dos moradores da vila de São Paulo. Cozinha do Brasil: Monarquia e República Em janeiro de 1808, Portugal estava em via de ser invadida pelas Tropas Napoleônicas francesas. O príncipe regente D. João, sem condições de enfrentar Napoleão, foge com a corte para o Brasil Colônia. Com a família real, vieram assessores, funcionários, criados, pessoas influentes na corte. Trouxeram, também, muitos objetos de valor, obras de arte, dinheiro, documentos, livros e tudo aquilo que puderam trazer. A Europa desse período já era uma grande consumidora da boa mesa e do bem receber, já havia, na França e na Itália, a profusão de restaurantes e casas de chá e café. Dessa maneira, a corte portuguesa que aqui chegou já conhecia alimentos mais sofisticados e variados, pratos elaborados e, apesar de provinciana aos olhos do restante da Europa, já consumia a “boa mesa”. D. João, assim que chegou, tomou duas decisões importantíssimas para economia brasileira: a abertura dos portos às Nações Amigas e o fim do decreto que proibia a abertura de indústrias no território nacional. Além disto, teremos outras ações como a construção de estradas, a melhoria dos portos, a volta do desenvolvimento agrícola, investimentos na área educacional e cultural e estabelecimento de órgãos e ministérios como o Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a junta do Comércio, o Supremo Tribunal e os ministérios da Marinha, da Guerra e da Fazenda. Com abertura dos portos, a corte e os barões irão ter acesso aos produtos estrangeiros: chás, carnes embutidas, amêndoas, azeite, manteiga, dentre outros. Nas suas fartas mesas, não poderiam faltar os vinhos, champanhe e a etiqueta europeia, com suas louças e talheres. Os mais abastados vão desenvolver uma cozinha que imitará a corte no uso de produtos importados, adaptando-os aos pratos nacionais. Mas o povo comum continuará a ter uma alimentação simples. Portanto, a distinção pelo gosto de comer bem veio junto com a Corte Portuguesa, em 1808, quando desembarcaram cozinheiros e literatura específica sobre culinária em forma de livros de receitas. Desde então, os hábitos à mesa se europeizaram, os ideais alimentares e de paladar se tornaram cada vez mais semelhantes aos franceses, berço da gastronomia que conhecemos hoje. Mas não era uma prática cultivada no cotidiano do imperador. Para D.João, comida sofisticada era algo reservado a ocasiões especiais. Ele gostava mesmo era de galinhas, que dizia ter um sabor inigualável. O rei as comia em grandes quantidades, em todas as refeições e tinha um costume peculiar: gostava tanto de asinhas de frango fritas que as estocava no bolso do casaco. Além das galinhas não faltava na corte a farinha de mandioca, a carne seca a pimenta e a banana além dos produtos importados. Em 1821, D. João volta para Portugal e deixa em seu lugar seu filho como Príncipe Regente. Em 7 de setembro de 1922, D.Pedro declara a Independência de nosso país e se torna, na sequência, Imperador do Brasil. Na tentativa de negar a dominação colonial portuguesa houve uma intensificação da influência da cultura francesa após a independência. Assim, as receitas elaboradas, que vieram com dom João VI, se sofisticaram e se ampliou o mercado que absorvia produtos da Europa para a confecção das receitas francesas. Permitindo uma reprodução da culinária degustada nos palácios, o que pode ser comprovado nos cardápios impressos, predominantemente em francês, com alimentos típicos dessas ocasiões. No século 19, não era mais necessário ter berço para usufruir de itens de luxo, como os banquetes, a classe alta precisava marcar posição social. Por isso, além das artes e moda, eles prestavam atenção na comida. Após 10 anos de governo e depois de ter outorgado a nossa primeira Constituição, diante de desgastes políticos, o imperador abdicou de seu trono, voltando para Portugal, deixando em seu lugar o filho D. Pedro II. Dom Pedro II foi bem-sucedido em criar uma identidade nacional, um sentido de unidade no país, e a culinária foi um dos meios utilizados para atingir a ideia de nação. E o ponto de partida para o nascimento de uma cozinha brasileira foi o livro de receitas Cozinheiro Imperial, o primeiro livro escrito e publicado no país, em 1840. Outra obra, publicada mais tarde é O cozinheiro Nacional. Ambos, apesar de seguirem a estrutura portuguesa, com receitas lusas de influência francesa, tentaram estimular a nobreza e os ricos a acrescentarem cada vez mais ingredientes e pratos nacionais em suas festas. Pode não ter funcionado completamente no século 19, mas sem dúvida foram um marco para a culinária brasileira. Foi nesta época que começam a surgir os primeiros menus escritos em português e com pratos abrasileirados como: Peru à Brasileira, a Feijuade, Galantine de Jacu. O gosto por comer bem e a comida sofisticada, não era uma prática cultivada no cotidiano do imperador, que tinha predileção por canjas de galinha, e nem da corte nesta época. Alguns comentaristas até dizem que foi pela falta de banquetes que a monarquia não se manteve no poder. Portanto, no Brasil desta época é a alta burguesia que estimulava e ditava esse lado social e não a corte. Pedro II ofereceu apenas dois banquetes e curiosamente o segundo e último, o famoso Baile da Ilha Fiscal, marcou o ápice da gastronomia imperial e também o fim do regime imperial. Ao desembarcar na Ilha Fiscal, os 5000 convidados eram recebidos por mulheres vestidas como ninfas e sereias. Nas casas à beira-mar, a população da cidade se apertava para espiar um pouco do baile que acontecia no posto de fiscalização de navios. Recém-construído em estilo neogótico, o castelo era o ponto mais brilhante do Rio de Janeiro naquela noite. Dotado de um gerador de energia que iluminava milhares de lâmpadas dentro e fora do edifício, velas, balões e lanternas venezianas, além dos holofotes do couraçado chileno e de outros navios da Marinha ancorados ali perto, não havia quem não se impressionasse com seu esplendor. https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/polemica-na-corte-5-fatos-sobre-o-relacionamento-proibido-de-dom-pedro-com-condessa-de-barral.phtml No banquete foram servidos pratos incomuns como 14.000 sorvetes e 64 faisões e outros como: 18 pavões, 80 perus, 300 galinhas,800 kg camarão, 350 frangos, 30 fiambres, 20 mil sanduíches, 1.200 latas de aspargos, 18 mil frituras, 1.000 peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 maioneses e 25 cabeças de porco recheadas, além dos 2900 pratos repletos de doces variados. Além de 10.000 litros de cerveja e 304 caixas de vinhos e champagne. “O último baile da Ilha Fiscal” de Francisco Aurélio de Figueiredo retrata esta recepção. Menu do Baile da Ilha Fiscal em homenagem a oficias do navio chileno Almirante Cochrane Voltando a falar da mandioca, essa ainda será o principal ingrediente da mesa brasileira, juntamente com o milho. A mandioca era plantada em todas as províncias nacionais, sendo a sua farinha a principal substituta do pão, que ainda era caro e raro. E, por último, não podemos deixar de falar do café, afinal de contas, essa bebida caiu no gosto do brasileiro, dessa época até os nossos dias. O café terá nesse período um grande desenvolvimento da sua produção, vindo a dominar a produção mundial posteriormente no período da República Foi através do desenvolvimento dessa cultura que grandes famílias prosperaram, formando os barões do café. As fazendas cresceram e prosperaram, principalmente na região do oeste de São Paulo, abrindo estradas, preparando mão de obra, primeiramente, escrava, e posteriormente, imigrante. Apesar desta aristocracia, formada pelos barões de café, também copiar a influência francesa, a sua cozinha cotidiana será aquela cozinha do interior paulista (formada pelo tropeiro, bandeirante) e será essa que prevalecerá. Com a chegada do imigrante, que veio para substituir a mão de obra escrava, teremos mais uma grande contribuição para a formação da nossa cultura gastronômica, com suas macarronadas, seus molhos, a polenta, suas sopas, antepastos, pizza, técnicas de produção de queijo, salames, o vinho e as cantinas. E foi dessa maneira, que foi se consolidando a sociedade brasileira. No final do sec. XIV, as famílias mais abastadas mandavam seus filhos para a Europa estudar e copiavam tudo da França inclusive seus pratos e comportamentos. Capuano (1907 - 2016) uma das primeiras cantinas do Brasil Bibliografia: BUENO, Eduardo. Brasil: uma história.1.ed.São Paulo: Editora Ática, 2003. CARNEIRO, H. Comida e sociedade: uma história da alimentação. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2003. CASCUDO, L. da C. História da alimentação do Brasil. 3. ed. São Paulo: Global, 2004. CASCUDO, L. da C. Prelúdio da cachaça. São Paulo: Editora Global. 2006. FRANCO, A. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. 3. ed. São Paulo: Editora Senac, 2004. FREYRE, G. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50. ed. São Paulo: Global, 2005. SILVA, P. P. Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial. São Paulo: Editora Senac, 2005.
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