Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA VARA DA COMARCA DE PORTO ALEGRE Sentença n. XXX/2019 Processo n. 0.00.000000-0 Ação: REPARAÇÃO DE DANOS Autor: Vânia Pedrita Réu: Estado do Rio Grande do Sul Juíz: XXXXX XXXX Data: 04/11/2019 ___________________________________________ Vistos, Vânia Pedrita ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE DANOS contra o Estado do Rio Grande do Sul, reportando, em síntese, que, na noite de 01.10.2019, na Avenida Loureiro da Silva, em Porto Alegre, o policial militar xxxxx xxxxx, conduzindo uma viatura, abalroou seu automóvel modelo Gol 1.0, 2019, placas xxxxxxx, que ocasionou a perda total dele. Alega que a viatura estava com a sirene e com as luzes de advertências desligadas, e em alta velocidade. Requereu a procedência da ação para condenar o demandado ao pagamento de R$ 39.320,00 pelos dos danos provocados ao veículo, as despesas hospitalares de R$ 101.000,00, somados a quantia de R$ 7.500,00 devida a impossibilidade da conclusão de seu estágio, e R$ 17.500,00 a título de lucros cessantes, totalizando R$ 161.320,00. Além de solicitar danos morais e assistência judicial gratuita. O demandado foi citado e realizou sua contestação. Alegou que no dia 01/10/2019, estava em perseguição a um veículo ocupado por suspeitos de roubo, e que a autora da ação não teria respeitado a preferência que a viatura possui ao transitar com a sirene e com as luzes ligadas, e que a mesma veio a surpreender a polícia provocando o acidente; alegou ainda que não poderá lhe ser atribuída culpa pelo evento danoso, já que a polícia estava no estrito cumprimento de suas funções. Solicita a total rejeição dos pedidos contidos na petição inicial, ou que seja parcialmente acolhido se for entendido que a parte ré concorreu com a culpa. Fora realizada audiência de instrução e julgamento, na qual fora rejeitada a possibilidade de acordo, houve a oitiva de testemunhas de ambas partes. Encerrada a fase instrutória, foram realizados de forma oral os debates e as razões finais. Indeferido o pedido de gratuidade de justiça ao demandante Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR. 1. DA CULPA A figura da responsabilidade civil divide-se em objetiva e subjetiva, em ambas se busca a reparação de dano causado por ato ilícito, retornando sempre que possível, a status quo ante, sem prejuízo de indenização ou compensação. No caso em apreço, ocorre a responsabilidade civil objetiva, instituída pelo risco administrativo e com forte na Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. - Constituição Federal Após a análise do referido artigo, entende-se que a responsabilidade a ser tratada aqui é objetiva, logo, do Estado do Rio Grande do Sul, podendo ser cabível em outro momento a possibilidade de regresso. Superado este ponto, parte-se para a análise dos fatos, os quais são incontroversos de que a viatura, ao perseguir os suspeitos de roubo, atingiu o veículo da autora, quando o semáforo abria para a autora e fechava para a polícia e que havia pouco movimento na via. Entende-se que a viatura estava em alta velocidade devido a perseguição e com forte nos testemunhos de Anderson Pompéia, Clebertista Suzano, e também conforme o testemunho de Catiusca Valandro, que firmou que a viatura estava “um pouco rápido”, o que é comprovado também pela perda total do veículo da autora. Acerca do uso das sirenes e luzes de advertências por parte da brigada militar, o policial revestido com a fé pública afirmou que ligou as sirenes e luzes, somado ao fato de ter um longa carreira policial, pela qual este erro nunca ocorreu, já o autor alegou que não ouviu a sirene, viu que as luzes estavam desligadas e depois só acordou no hospital, o que foi oposto pelo seu próprio procurador que disse que Vânia nem sequer viu a viatura por ela ter vindo em direção lateral-traseira, não há como ter visto que as luzes estavam desligadas se nem ao menos viu a viatura. Em adição, a vítima do roubo pelo qual os policiais perseguiam os suspeitos, afirmou “com certeza” que os “policiais ligaram as sirenes e luzes e foram atrás dos ladrões”. Assume-se portanto, que as sirenes e luzes estavam ligadas. Tomadas estas conclusões acerca do fato, parte-se para a análise legal, do Código de Trânsito Brasileiro: Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas: (...) VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições: a) quando os dispositivos estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando, se necessário; b) os pedestres, ao ouvir o alarme sonoro, deverão aguardar no passeio, só atravessando a via quando o veículo já tiver passado pelo local; c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência; d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código; - Código de Trânsito Brasileiro. A autora da ação, ao avançar o sinal, não respeitou a preferência da viatura policial na forma do art. 29, VII, do CTB, agindo com descuido e desatenção, tornando sua conduta imprudente para fins de responsabilidade civil, pois avançou no sinal ouvindo a sirene, ou suficientemente desatenta a ponto de não ter ouvido o alto barulho emitido pela sirene da viatura. A partir disso, não há mais que se falar em culpa exclusiva do Estado do Rio Grande do Sul. A ação do policial ao dirigir o veículo em alta velocidade e seguir na via mesmo com o sinal vermelho, não caracteriza ato ilícito, tendo em vista que ligou as sirenes e luzes de advertência. Não há como exigir do policial, ao conduzir um veículo em perseguição as mesmas cautelas de um motorista comum. Todavia, o art. 29, VII, “d”, do CTB, elenca como dever do condutor durante a prioridade de passagem que, nos cruzamentos, reduzaa velocidade e tome os devidos cuidados. Ou seja, se a viatura, que estava em perseguição em uma via pouco movimentada, tivesse tomado os devidos cuidados e reduzido a velocidade, poderia ter freado e desviado do veículo de Vânia, ou ao menos, ter reduzido os danos causados. Logo, não há mais que se falar em culpa exclusiva de alguma das partes, restando apenas pela culpa concorrente. A culpa concorrente ocorre quando, há mais de uma conduta culposa, dentro do nexo causal. No caso em apreço, ambos praticaram conduta culposa, as quais o acidente não teria ocorrido ou ao menos não seria tão gravoso, se apenas uma das partes agisse em desacordo com a Lei. Ela possui amparo tanto a doutrina, quanto na jurisprudência e no Código Civil: “Há casos em que a culpa da vítima é apenas parcial, ou concorrente com a do agente causador do dano. Autor e vítima contribuem, ao mesmo tempo, para a produção de um mesmo fato danoso. É a hipótese, para alguns, de “culpas comuns”, e, para outros, de “culpa concorrente”. Nesses casos, existindo uma parcela de culpa também do agente, haverá repartição de responsabilidades, de acordo com o grau de culpa.” - GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 17.ed. - São Paulo : Saraiva, 2016. Pág.653. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. - Código Civil. RECURSO INOMINADO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ABALROAMENTO ENTRE O VEÍCULO DA PARTE AUTORA E VIATURA DA BRIGADA MILITAR. CULPA CONCORRENTE. DANOS MATERIAIS POR METADE. PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de ação na qual a parte autora objetivava a condenação do demandado ao pagamento de indenização em decorrência de abalroamento entre o seu veículo e viatura da Brigada Militar. A culpa concorrente da parte autora foi considerada pelo Julgador a quo, razão pela qual o ente estatal foi condenado ao pagamento de apenas 50% (cinqüenta por cento) dos danos materiais. A Brigada Militar concluiu em Inquérito Técnico pela existência de culpa do agente estatal, não havendo, portanto, como se afastar o nexo causal. Acrescento que o argumento de compensação com os danos materiais sofridos pelo ente estatal em decorrência da necessidade de conserto na viatura da Brigada Militar não merece apreciação, uma vez que configura inovação recursal. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. (Recurso Cível No 71005939988, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Thais Coutinho de Oliveira, Julgado em 22/09/2016) CIVIL. COLISÃO DE VEÍCULOS. DANOS MATERIAIS. CULPA CONCORRENTE. 1. Deve ser deferida a assistência judiciária se os elementos dos autos confirmam a declaração de hipossuficiência da parte ré. 2. Evidenciado que a ré manobrava seu veículo em vaga localizada na entrada do estacionamento do Shopping Pier 21, olhando apenas para a direita, e que a condutora do veículo da autora, por sua vez, adentrou o estacionamento sem as devidas cautelas, deve ser reconhecida a culpa concorrente pela colisão. 3. Se ambas as partes contribuíram para a ocorrência do resultado danoso e inexistem nos autos elementos para precisar o grau de culpa de cada uma delas, deve ser prestigiada a sentença que condenou a ré a arcar com metade do prejuízo material experimentado pela autora. 4. Recursos conhecidos e não providos. 5. Recorrentes condenados a pagarem as custas processuais. A exigibilidade fica suspensa em relação à parte ré ante a concessão da assistência judiciária. Condenada a autora a pagar honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação. 6. Acórdão lavrado nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95.(TJ-DF - ACJ: 20140110049160 DF 0004916-20.2014.8.07.0001, Relator: EDI MARIA COUTINHO BIZZI, Data de Julgamento: 07/10/2014, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/10/2014 . Pág.: 274) 2. DOS DANOS A autora deve receber indenização pelo seu veículo, o qual sofreu sua completa perda conforme o relatório pericial, e pelas despesas hospitalares que foram devidamente comprovadas pelo hospital. Tem direito a receber também a quantia referente a sua contraprestação do serviço de estágio, a título de lucro cessante, conforme a indicação do art. 402, do Código Civil, que dispõem que as perdas e danos abrangem “além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.” Acerca da perda da chance, alegada pela autora, não há provas concretas de que ela passaria no exame da ordem, nem sequer fora apresentado o histórico de aproveitamento do curso de direito. E ainda não fora comprovada sua futura efetivação como advogada. Não há danos morais, devido ao fato desses danos serem configurados pela violação de algum direito da personalidade, o que não ocorreu no presente caso. 3. DO JULGAMENTO Julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na ação de reparação de danos ajuizada por Vânia Pedrita em face do Estado do Rio Grande do Sul, razão pela qual condeno: a. O réu ao pagamento de R$ 19.660,00 à autora como indenização pela metade dos danos materiais sofrido com a perda total do veículo, corrigidos monetariamente pelo IGP-M da data do fato e acrescido de juros de mora de 1% ao mês da data da citação; b. A parte ré ao pagamento de R$ 50.500,00 à autora, desta vez como indenização por 50% das despesas médicas decorrentes do acidente, corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar da data do fato e com juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação do réu no processo; c. O requerido ao pagamento de R$ 3.750,00 à autora como indenização pela metade dos valores que receberia através de seu contrato de estagio, sendo R$ 750,00 de imediato após a publicação da sentença e o restante a serem pagos em 4 parcelas de R$ 750,00, até o quinto dia útil de cada mês a contar de dezembro, corrigidos monetariamente pelo IGP-M e com juros de mora em 1% ao mês, ambos contados da data de vencimento de cada pagamento; d. A parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais e no mesmo percentual a parte requerida, do mesmo modo em honorários aos procuradores da parte contrária que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, em atenção ao art. 85, §3º, III, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Porto Alegre, 06 de Novembro de 2019 XXXXX XXXX Juiz de Direito
Compartilhar