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Mario Cesar Vidal Guia para Análise Ergonômica do Trabalho (AET) na Empresa M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 2 GUIA PARA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO NA EMPRESA UMA METODOLOGIA REALISTA, ORDENADA E SISTEMÁTICA Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 3 Sumário PARTE I TEORIA E PRÁTICA DA AET ....................................................... 12 CAPÍTULO 1 A DEMANDA POR ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO . 13 1.1 A NECESSIDADE CONTEMPORÂNEA DA AET ..................................................................... 15 1.2 OS RESULTADOS ESPERADOS DA AET ............................................................................ 22 1.3 UMA METODOLOGIA REALISTA ............................................................................. 24 1.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................... 25 1.5 QUESTÕES DE REVISÃO ................................................................................................. 25 1.6 EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 25 1.7 REFERÊNCIAS DO CAPITULO ...................................................................................... 26 CAPÍTULO 2 PANORÂMICA DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO . 28 2.1 DEMANDA GERENCIAL: AS PREMISSAS DA AET ................................................................. 30 2.2 OS PROCEDIMENTOS DA AET: O FLUXO PRINCIPAL DA AET .............................................. 32 2.3 OS RESULTADOS DA AET: O CADERNO DE ENCARGOS ...................................................... 38 2.4 UMA METODOLOGIA ORDENADA..................................................................................... 40 2.5 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................... 42 2.6 QUESTÕES DE REVISÃO ................................................................................................. 42 2.7 EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 43 2.8 REFERÊNCIAS DO CAPITULO ...................................................................................... 43 CAPÍTULO 3 OS CONTEÚDOS DA AET ........................................................... 44 3.1 ANÁLISE DE SISTEMAS DE TRABALHO FÍSICO ..................................................................... 47 3.2 ANÁLISE DE SISTEMAS COGNITIVOS ................................................................................. 50 3.3 ANÁLISE DE SISTEMAS ORGANIZACIONAIS ........................................................................ 53 3.4 UMA METODOLOGIA SISTEMÁTICA ................................................................................... 56 3.5 SÍNTESE ...................................................................................................................... 58 3.6 QUESTÕES DE REVISÃO ................................................................................................. 59 3.7 EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 59 3.8 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 60 CAPÍTULO 4 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA AET .................................. 63 4.1 O DISPOSITIVO DE CONSTRUÇÃO SOCIAL EM AET ............................................................. 63 4.2 A DINÂMICA DA AÇÃO ERGONÔMICA ................................................................................ 66 4.3 EXEMPLOS DE CONSTRUÇÃO SOCIAL ............................................................................... 72 4.4 UMA METODOLOGIA SITUADA .......................................................................................... 76 4.5 SÍNTESE DO CAPITULO ................................................................................................... 76 4.6 QUESTÕES DE REVISÃO ................................................................................................. 77 4.7 EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 77 4.8 REFERÊNCIAS DO CAPITULO ........................................................................................... 77 PARTE II INSTRUÇÃO DA DEMANDA ...................................................... 79 CAPÍTULO 5 APRECIAÇÃO DA DEMANDA GERENCIAL ................................ 81 5.1 ASPECTOS CENTRAIS DA APRECIAÇÃO INICIAL DA DG ....................................................... 82 5.2 OS ERROS BÁSICOS NA APRECIAÇÃO DA DEMANDA GERENCIAL ........................................... 94 5.3 A ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA ...................................................................................... 95 5.4 UM ROTEIRO PARA APRECIAÇÃO DA DEMANDA GERENCIAL ................................................. 99 5.5 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 101 M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 4 5.6 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 102 5.7 EXERCÍCIOS: .............................................................................................................. 103 5.8 REFERÊNCIAS DO CAPITULO ......................................................................................... 104 CAPÍTULO 6 ANÁLISE GLOBAL I MÉTODOS OBSERVACIONAIS .............. 106 6.1 A ANÁLISE GLOBAL NO CONTEXTO DA AET .................................................................... 107 6.2 MÉTODOS OBSERVACIONAIS PARA ANÁLISE GLOBAL ........................................................ 109 6.3 UM CONJUNTO DE FERRAMENTAS TOPOGRÁFICAS .......................................................... 124 6.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 125 6.5 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 126 6.6 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 126 6.7 REFERÊNCIAS DO CAPITULO .................................................................................... 126 CAPÍTULO 7 ANÁLISE GLOBAL II MÉTODOS INTERACIONAIS ................ 128 7.1 O CONTEXTO DAS INTERAÇÕES EM ERGONOMIA ............................................................. 129 7.2 AS ENTREVISTAS ESTRUTURADAS ................................................................................. 133 7.3 TÉCNICA DE INCIDENTE CRÍTICO ................................................................................... 134 7.4 ANÁLISE COLETIVA DO TRABALHO ................................................................................. 135 7.5 ROTEIROS DINÂMICOS ................................................................................................. 136 7.6 CONVERSA-AÇÃO ........................................................................................................ 141 7.7 UMA GAMA DE OPÇÕES ANAMNÉTICAS ........................................................................... 159 7.8 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 159 7.9 QUESTÕES DE REVISÃO ...............................................................................................160 7.10 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 160 7.11 REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO ......................................................................................... 161 CAPÍTULO 8 ESTABELECIMENTO DA DEMANDA ERGONÔMICA ............. 162 8.1 CARACTERIZAÇÃO FINAL DE DEMANDAS ERGONÔMICAS ................................................... 164 8.2 AS DEMANDAS ERGONÔMICAS E A VERIFICAÇÃO DE CUSTO-EFETIVIDADE ........................... 169 8.3 CONTRATO DE AÇÃO ERGONÔMICA ............................................................................... 172 8.4 UM ENCAMINHAMENTO CONTRATUAL ............................................................................. 175 8.5 SÍNTESE DO CAPITULO ................................................................................................. 176 8.6 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 176 8.7 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 177 8.8 REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO ......................................................................................... 178 PARTE III MODELAGEM OPERANTE .................................................... 179 CAPÍTULO 9 O PROCESSO DE MODELAGEM ............................................... 181 9.1 OS PASSOS DE UMA MODELAGEM .................................................................................. 182 9.2 OS MODELOS EM ERGONOMIA ...................................................................................... 188 9.3 UMA DISCIPLINA DE MODELOS ÚTEIS, PRÁTICOS E APLICADOS .......................................... 194 9.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 195 9.5 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 196 9.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 196 CAPÍTULO 10 FOCALIZAÇÃO E PRÉ-DIAGNÓSTICO ................................... 198 10.1 ESCOLHA DE SITUAÇÕES CARACTERÍSTICAS. .................................................................. 200 10.2 APRECIAÇÃO DA SITUAÇÃO CARACTERÍSTICA ................................................................. 202 10.3 PRÉ-DIAGNÓSTICO ...................................................................................................... 203 10.4 SÍNTESE DO CAPITULO ................................................................................................. 205 10.5 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 206 10.6 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 207 10.7 REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO ......................................................................................... 207 CAPÍTULO 11 ANÁLISE FOCADA .................................................................... 209 Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 5 11.1 CARACTERÍSTICAS DA AET COMO DISCIPLINA SISTEMÁTICA ............................................. 210 11.2 OBSERVÁVEIS EM ERGONOMIA ..................................................................................... 216 11.3 TIPOLOGIAS DE OBSERVÁVEIS ...................................................................................... 219 11.4 REGISTRO DE DADOS SISTEMATIZADOS ......................................................................... 226 11.5 TRATAMENTO E APRESENTAÇÃO E DE DADOS ................................................................. 231 11.6 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 231 11.7 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 232 11.8 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 233 11.9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 234 CAPÍTULO 12 VALIDAÇÃO E RESTITUIÇÃO .................................................. 236 12.1 O DIAGNÓSTICO ERGONÔMICO ..................................................................................... 238 12.2 GÊNESE DA R&V ........................................................................................................ 241 12.3 ASPECTOS DEONTOLÓGICOS DA V&R ........................................................................... 244 12.4 TÉCNICAS DE V&R ...................................................................................................... 248 12.5 ÉTICA E TÉCNICA COMBINADAS ..................................................................................... 253 12.6 SÍNTESE DO CAPITULO ................................................................................................. 253 12.7 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 254 12.8 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 255 12.9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 255 CAPÍTULO 13 ESPECIFICAÇÕES ERGONÔMICAS ............................. 257 13.1 TIPOLOGIAS DE ESPECIFICAÇÕES ERGONÔMICAS ........................................................... 258 13.2 EXIGIBILIDADES NAS ESPECIFICAÇÕES ERGONÔMICAS ..................................................... 258 13.3 O RELATÓRIO FINAL DA AET ........................................................................................ 261 13.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO ................................................................................................. 264 13.5 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 264 13.6 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 264 13.7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 265 CAPÍTULO 14 A DOCUMENTAÇÃO EM AET ........................................ 266 14.1 O INTERESSE DA DOCUMENTAÇÃO ERGONÔMICA ............................................................ 266 14.2 TIPOS DE REGISTROS DA AET ..................................................................................... 268 14.3 OS CONTEÚDOS DA DOCUMENTAÇÃO DE AET ................................................................ 270 14.4 UMA METODOLOGIA CIENTÍFICA .................................................................................... 280 14.5 SÍNTESE .................................................................................................................... 281 14.6 QUESTÕES DE REVISÃO ............................................................................................... 281 14.7 EXERCÍCIOS ............................................................................................................... 282 14.8 REFERÊNCIAS DO CAPITULO .................................................................................... 282 ANEXOS ...................................................................................................... 283 ANEXO I – VOCABULÁRIO MÍNIMO DA AET ................................................................................... 284 ANEXO II - NORMA ERG-BR-1004: CÓDIGO DE DEONTOLOGIA DA PRÁTICA DA ERGONOMIA ............294 ANEXO III – MODELO DE PROPOSTA DE CONTRATO PARA A REALIZAÇÃO DE AET ............................... 299 ANEXO IV O MÉTODO MEROS PARA FOCALIZAÇÃO E PRÉ-DIAGNÓSTICO ........................................ 302 ANEXO VI – O RELATÓRIO FINAL DE AET .................................................................................... 307 M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 6 Índice de Ilustrações Figura 0-1 : Finalidades da Ergonomia .............................................................................................. 9 Figura 0-2 : A análise ergonômica numa perspectiva sociotécnica ................................................. 10 Figura 1-1 : O processo de certificação e licenciamento ................................................................. 19 Figura 1-2 : O método antropotecnológico (Wisner, 1991) .............................................................. 21 Figura 1-3 : Situações para o exercício 1-1 ..................................................................................... 26 Figura 2-1 : O fluxo da AET (Benchekroun 1997) ............................................................................ 28 Figura 2-2 : O itinerário metódico, ordenado e sistemático da AET..................................................30 Figura 2-3 : Visão esquemática de uma organização ...................................................................... 31 Figura 2-4 : Instrução da Demanda ................................................................................................. 35 Figura 2-5 : Modelo operante de uma concretagem ........................................................................ 37 Figura 2-6 : Alternativas de layout de duas situações similares ...................................................... 41 Figura 3-1 : Modelo esquemático de um sistema genérico ............................................................. 45 Figura 3-2 : Regulação física (Guérin et al., 1990) ......................................................................... 50 Figura 3-3 : Modelo Ergonômico Genérico (Marmaras e Pavard, 1999) .......................................... 52 Figura 3-4 : Perícia cognitiva de causas de acidentes (Vidal, 1984) ............................................... 54 Figura 3-5 : Regulação Organizacional (Terssac e Lompré, 1995) ................................................. 55 Figura 4-1 : Esquema do dispositivo social de ação ergonômica .................................................... 64 Figura 4-2 : Articulações para o sucesso da ação ergonômica ....................................................... 65 Figura 4-3 : Construção social em ambiente hospitalar ................................................................... 73 Figura 4-4 : Construção social em ambiente bancário ..................................................................... 74 Figura 4-5 : Contrução social para fornecimento de projeto ............................................................ 75 Figura 5-1: Um diálogo típico de instrução da demanda ................................................................. 81 Figura 5-2 : Licitação pública de Ergonomia .................................................................................... 89 Figura 5-3 Convite público para assessoria em Ergonomia ............................................................. 92 Figura 5-4 : Denominações absurdas de Ergonomia ....................................................................... 93 Figura 5-5 : Erros básicos na apreciação da demanda gerencial .................................................... 94 Figura 5-6 : As armadilhas na apreciação da demanda gerencial ................................................... 95 Figura 5-7 : O conteúdo do relatório inicial .................................................................................... 101 Figura 6-1 : Mapofluxograma de uma CME ( Bonfatti et. al., 2002) ............................................... 115 Figura 7-1 : Etapas e rumos de uma conversa-ação ..................................................................... 153 Figura 7-2 : A fala e a escuta ........................................................................................................ 154 Figura 8-1 : Escopo de projetos e de responsabilidades projetuais ............................................... 163 Figura 8-2 : Tipologia de demandas reconstruídas em Ergonomia ............................................... 164 Figura 9-1 : As principais perguntas em uma pesquisa (Petzhold, 2002) ...................................... 188 Figura 9-2 : Modelo esquemático: defesa civil (Pavard e col., 1998) ............................................ 190 Figura 9-3: Um modelo conceitual completo ................................................................................. 191 Figura 10-1 : Determinantes da atividade de trabalho ................................................................... 199 Figura 10-2 : Estabelecimento de determinantes (Rabardel et al., 1998) ...................................... 200 Figura 10-3 : Focalização dos processos-chave ........................................................................... 204 Figura 11-1 : Esquema de um plano de observação (Leplat, 1989) .............................................. 214 Figura 11-2 : Exemplo de uma tabela de emprego de tempo ........................................................ 230 Figura 11-3 : Mapa de interferências ............................................................................................. 230 Figura 13-1 : O itinerário da AET (Benchekroun, 1997) ................................................................. 257 Figura 14-1 : Exemplos de fotografias ilustrativas em Ergonomia ................................................. 273 Figura 14-2 : Esquematização de uma fotografia bem enquadrada .............................................. 275 Figura 14-3 : Coleta de imagens em AET ...................................................................................... 275 Figura 14-4 : Esquemas de uma aula de laparoscopia (Vidal e al. 2002) ...................................... 276 Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 7 Figura 14-5: Mensurações correntes em AET ............................................................................... 278 Índice de quadros Quadro 1-1 : Necessidade da AET segundo a NR-17 (Arueira, 2000) .......................................... 16 Quadro 1-2 : Mandamentos da modernização ergonômica ........................................................... 20 Quadro 1-3 : Resultados da AET em contexto de demanda trabalhista ........................................ 22 Quadro 1-4 : Resultados esperados de uma AET ......................................................................... 24 Quadro 6-1 : Contexto e contingências do funcionamento da empresa ...................................... 112 Quadro 6-2 : Dados sobre a população de trabalho .................................................................... 112 Quadro 6-3 : Funcionamento global de uma empresa ou situação ............................................. 114 Quadro 6-4 : Análise de clima organizacional (Viola, 2003) ........................................................ 124 Quadro 10-1 : Critérios de escolha de situações características ................................................... 201 Quadro 13-1 : Exigibilidades Fiscais para o relatório de AET ........................................................ 260 Quadro 13-2 : Normas ISO específicas de Ergonomia .................................................................. 261 Quadro 14-1 : Alguns registros oriundos da analise situada......................................................... 269 Quadro 14-2 : Informações documentais relevantes em AET ....................................................... 279 M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 8 APRESENTAÇÃO Quem sou eu Para formular os meus juízos sobre ela? Silvio Caldas e Orestes Barbosa, 1956 A Ergonomia tem como foco a atividade de trabalho das pessoas, como objeto a situação onde está ocorre e como finalidade a transformação para melhor deste sistema. (figura 0-1). O conceito de atividade de trabalho inclui a expectativa do que deve ser realizado (tarefa) associando-a com as noções complementares de execução (como é realizada a tarefa) e dos requisitos para sua boa execução. O conceito de situação de trabalho tem, portanto, duas acepções: no sentido amplo significa o contexto em que a atividade de trabalho se insere, e no sentido estrito as condições nas quais ela é executada. Assim, atividade e situação, desde que apresentem problemas, podem e devem ser transformados para melhor. Como garantir a mudança para melhor? Eis a razão de ser da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), que é o método que assegura a positividade da transformação por suas características e propriedades de foco, ordenação e de sistematicidade. Trata-se de um método abrangente e cuidadoso que nos fornece uma visão muito boa do que acontece num processo de produção ou no uso e manuseio de produtos e sistemas. Tanto que muitas disciplinas descritivas como a sociologia, a antropologia cultural, a economia vem cada vez mais empregando este método para enriquecer seus conteúdos. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 9 Figura 0-1 : Finalidades da Ergonomia Para alguns grupos de pessoas, Ergonomia e Análise Ergonômica do Trabalho seria a mesma coisa. Para outros, a AET seria a metodologia francesa de realizar um estudo ergonômico. Quanto a nós, estabeleceremos uma distinção básica entre uma coisa e outra: a Ergonomia é uma tecnologia de transformação da realidade laboral indispensável à concepção e implementação dos projetos que materializam esta transformação. Ela é indispensável por fornecer aos projetistas os encargos a observar num projeto que pretenda atingir resultados efetivos, sem consequências colaterais e com relação custo- benefício favorável. A listagem organizada dos encargos necessários a estes bons projetos são obtidos mediante um procedimento científico de modelagem da atividade em seu contexto de realização numa organização, exatamente a que se propõe o método AET. Embora a AET possa ser empregada para caracterizar ou descrever uma situação - realizar um diagnóstico, um quadro de uma situação profissional – tem efetivamente um emprego bem definido em Ergonomia: fornecer os elementos para a transformação positiva da realidade laboral. Nossa intenção prática nesta obra se pauta por esta proposta de ação típica do ergonomista, do profissional preparado para exercer a boa Ergonomia. Devido a isso caracterizamos a Ergonomia como a ocupação de pessoas qualificadas em grupos de pesquisa e formação que atuam em M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 10 equipes de projeto e consultoria para responder às demandas acerca da atividade de trabalho na sociedade mediante metodologias de análise e projeto de base cientifica e devidamente inseridas num universo normativo e contratual. Nesta obra, enfatizo a questão metodológica, ou seja, como as pessoas qualificadas – já que a boa Ergonomia não admite autodidatas ou curiosos – tratam as demandas. A Ergonomia cuida de problemas reais e não de especulações. Ela age mediante estudos e intervenções, engendrados pela busca de conformidade a padrões referenciais, colocados às empresas e organizações por agentes normativos, fiscalizadores ou resultantes de reivindicações. As metodologias são a chave e o caminho de geração das respostas possíveis a estas necessidades ou reclamos. A Ergonomia tem três grandes formas metodológicas interligadas que são a Análise Ergonômica do Trabalho, o projeto ergonômico e a implementação ergonômica. A primeira nos permite modelar uma realidade sempre complexa, onde os vários aspectos do trabalho se apresentam de forma nem sempre evidente e clara requerendo estudo criterioso, cuidadoso temperado pela prudência e pela sensatez para obter bons resultados. A segunda opera a partir deste quadro para especificar as soluções de transformações que materializam a resposta, conquanto a terceira nos indica os elementos de garantia e de manutenção do efeito positivo das mudanças. Figura 0-2: A análise ergonômica numa perspectiva sociotécnica O esforço de publicar este material destina-se a preencher o grande vazio metodológico em que se constitui a falta de boa bibliografia acerca da Análise Ergonômica do Trabalho. O que temos hoje no Brasil, está limitado em português a uma publicação do Professor Nery dos Santos, com sua equipe da UFSC, e a uma tradução da já antiga publicação francesa ¨Comprendre le travail pour le transformer” organizada por François Guérin, em 1991, e realizada por Laerte Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 11 Sznelwar, em 2001. O leitor encontrará alguma coisa em comum com estes esforços, mas ao mesmo tempo acrescentamos, quanto a nós, exemplos e ilustrações advindas de nossa experiência e da leitura que fazemos dos conceitos, métodos e técnicas que sustentam a metodologia AET. E, importante frisar, ilustrada com materiais coletados no Brasil. Esta obra se situa no espaço próprio às equipes de projeto e consultoria, bem como para aqueles que as contratam, que organizam as licitações e convites, que requisitam a ajuda qualificada de uma equipe de Ergonomia.. O leitor encontrará aqui uma orientação e alguns preceitos desenvolvidos ao longo de nossa experiência em estudar a produção com foco sobre a atividade de trabalho, ou seja, das pessoas em situação de trabalho profissional. Não por acaso, nosso grupo de pesquisa e desenvolvimento se denomina GENTE. O livro se encontra organizado em três partes: Fundamentos, Instrução da Demanda e Modelagem Operante. Na primeira parte traçamos um quadro geral sobre a pratica da AET. Na segunda e na terceira partes, expomos o detalhamento das etapas da metodologia com seus métodos e técnicas correspondentes. Anexos ao texto seguem uma série de complementos aos métodos e técnicas aqui apresentados. Dirigido, pois, a um público de especialistas e usuários, temos a intenção de que mesmo o público em geral possa aqui encontrar os elementos de base para se ilustrarem sobre o apaixonante tema da Ergonomia e, através disso, que possam integrar nossa luta para produzir, no Brasil uma Ergonomia cada vez melhor. Afinal, boa Ergonomia sempre implica em grandes economias. E disso o Brasil necessita muito. O autor M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 12 PARTE I TEORIA E PRÁTICA DA AET Nesta parte apresentamos um quadro filosófico e prático da Análise Ergonômica do Trabalho Veremos a AET de forma panorâmica, a partir da sua demanda social, caracterizando seus conteúdos e a documentação pertinente. Assim fazendo estaremos qualificando a AET como uma metodologia realista em face de sua necessidade social, ordenadasobre seus dados, possibilidades e opções, sistemática em seus conteúdos, científica em sua essência e sobretudo responsável quanto a seus métodos e encaminhamentos. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 13 Capítulo 1 A demanda por análise ergonômica do trabalho Deixa a vida me levar Vida leva eu1 Zeca Pagodinho A Ergonomia, segundo a definição oficial da Associação Internacional de Ergonomia – IEA - é a disciplina científica que trata da compreensão das interações entre os seres humanos e outros elementos de um sistema, e a profissão que aplica teorias, princípios, dados e métodos, a projetos que visam otimizar o bem-estar humano e a performance global dos sistemas. Com base nesta definição, podemos dizer que a Ergonomia objetiva modificar o processo de trabalho para adequar a atividade de trabalho às características, habilidades e limitações das pessoas com vistas ao seu desempenho eficiente, confortável e seguro. Assim sendo, onde se trabalhar existe Ergonomia, e onde se manusear produtos, a Ergonomia estará presente, tal como em qualquer parte do mundo material existem manifestações da Física e da Química. Esta base ampla se torna objetiva em face de uma situação concreta de melhoria de uma situação de trabalho ou num projeto (ou reprojeto) de um produto. As várias definições de Ergonomia estabelecidas por diversos autores pululam em torno de seu objeto, a atividade de trabalho, e em direção à sua finalidade, a transformação positiva da situação de trabalho; diluem-se entre os componentes de seu escopo – os fatores técnicos (equipamentos, programas, manutenção), os fatores humanos (capacidades e limites físicos e mentais da pessoa), fatores ambientais (iluminação, acústica, ventilação e qualidade do ar) e os fatores sociais 1 Alegoria sugerida pelo Prof. José Orlando Gomes numa aula de especialização em Ergonomia na COPPE. M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 14 (organização do trabalho, comunicações, pausas e escalas) -, entendidos como determinantes ou intervenientes da atividade de trabalho. Como a definição internacional aprovada no Conselho da Associação Internacional de Ergonomia em San Diego (2000) descreve o foco conceitual e profissional da Ergonomia, podemos, quanto a nós, entendermos que nosso problema como praticantes da Ergonomia enquanto administradores, arquitetos, designers, enfermeiros, engenheiros, fisioterapeutas e médicos2, seja o que fazer para realizar a transformação positiva das situações de trabalho. Para que isso seja possível devemos essencialmente modelar a atividade de trabalho, o que é possibilitado pela metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho: caracterizar de que maneira os fatores técnicos, humanos, ambientais e sociais numa situação de trabalho determinam as atividades dos operadores. Vejamos um caso concreto. Estamos num aeroporto e observamos dois terminais de carga. O primeiro de uma companhia de grande porte voando para o Brasil e para o exterior. Conta com dispositivos mecanizados de deslocamento, sistemas de etiquetagem informatizados, áreas cobertas para arrumação dos containers, e tem escala de serviço de seis horas. Ao lado, uma companhia que realiza alguns vôos de seu país para o Brasil e que aqui mantém um terminal bem simplificado. Neste outro, grande parte da atividade se passa a céu aberto, não existem dispositivos de paletização ou similares, a etiquetagem é manual, assim como muitos manuseios de carga não dispõem das facilidades de mecanização do precedente. O trabalho num e noutro terminal é bastante diferente devido à constituição de determinantes em cada uma das situações. Isso se passa num mesmo aeroporto e lidando com aeronaves de mesmo modelo de fabricação Uma ressalva importante se faz necessária, uma vez que segundo as palavras de um dos principais teóricos deste método, o Professor Alain 2 Esta forma de expressão se insere numa corrente que considera a Ergonomia como atividade transdisciplinar, ou seja, que supera o registro de uma profissão de base, para se centrar no problema em foco. Neste sentido, é possível falar de um ergonomista-médico, um ergonomista-engenheiro ou um ergonomista-arquiteto, pois o problema que reúne profissionais de medicina, engenharia e de arquitetura, estaria sendo tratado pela Ergonomia e estes profissionais a estariam praticando. Isto naturalmente supõe que estes profissionais tenham obtido a competência necessária através de algum curso de especialização ou ao longo de uma longa trajetória profissional e que tenham sido supervisionados durante algum tempo por um ergonomista sênior. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 15 Wisner do CNAM/Paris, a AET é a filha pródiga da Ergonomia e é mesmo maior que a disciplina em si mesma, fruto talvez de uma época onde as metodologias se sobrepuseram aos objetos e certos meios sobre certos fins. Concretamente, é fato que várias disciplinas científicas ou práticas consultoras têm o trabalho como foco e a atividade como objeto, algumas destas têm a modelagem como técnica e outras têm a característica intervencionista, de produzir mudanças no contexto onde operam. Quanto a nós, ao falarmos em AET, restringiremos seu alcance e abrangência à Ergonomia e às disciplinas e práticas de apoio ou proximidade cuja perspectiva básica seja a de, a partir do foco no trabalho e tomando como objeto a atividade de trabalho, buscar sua caracterização operante (modelagem operante) para realizar as finalidades de transformação positiva (intervenção). Nesta perspectiva, vemos a Análise Ergonômica do Trabalho como o encaminhamento mais adequado para demandas concretas de mudanças. Isto a coloca como parte de uma profissionalidade transdisciplinar: a Ergonomia contemporânea. E é nesta perspectiva de contemporaneidade que tratamos da AET neste livro. 1.1 A necessidade contemporânea da AET A AET está sendo uma exigibilidade mandatária em vários tipos de demandas empresariais e sociais, quais sejam: Demandas Trabalhistas, quando advindas de uma injunção dos poderes públicos – DRT´s, PPT´s ou SEST’s; Demandas de Certificação em Qualidade (ISO), Responsabilidade Social (RS), de Medicina e Segurança do Trabalho (SMS) e mesmo em modernos sistemas integrados de gestão; Demandas de Modernização ou de Transferência de Tecnologia, onde as duas demandas anteriores se combinam numa busca de excelência produtiva. 1.1.1 Demandas trabalhistas A Análise Ergonômica do Trabalho, quanto à sua exigibilidade trabalhista, está contemplada na Norma Regulamentadora de número 17 da série normativa estabelecida pelo Ministério do Trabalho, através da M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 16 lei 6414. Mesmo com a ressalva que, em termos trabalhistas, a AET se justifique em um conjunto delimitado de situações (quadro 1), este tipo de demanda configura a necessidade de um entendimento da situação que não seja possível a um profissional sem especialização em Ergonomia. Atividades que requeiram grande esforço físico, posturas rígidas (somente de pé ou somente sentado) e movimentos aparentemente repetitivos; Tarefas com elevados requisitos de precisão e qualidade final; Introdução de novas tecnologiasfísicas ou organizacionais; Elevadas taxas de absenteísmo, rotatividade, acidentes e queixas; Atividades em turnos; Conflitos entre empregados ou setores (produção x vendas, produção x manutenção, etc.). Quadro 1-1: Situações requerendo AET segundo a NR-17 (Arueira, 2000) Uma situação destas é facilmente reconhecível, por exemplo, quando é solicitada a análise ergonômica de toda a empresa (caso em que caberia um programa de Ergonomia) e principalmente por não enfocar nenhum problema específico. No plano da fiscalização, até bem pouco tempo atrás, eram solicitadas análises ergonômicas da mesma, como se pedem laudos de insalubridade ou inspeção de caldeiras. Resultaram desta forma de agir, análises grosseiras e superficiais que em nada contribuíram ou contribuirão para a melhoria das condições de trabalho e da excelência da empresa. Cabe assinalar igualmente a sutil redação que estabelece que a AET é solicitada para avaliar a adaptação entre condições de trabalho e características do trabalhador. Em que consiste essa adaptação a ser avaliada? Como já expusemos mais acima, esta adaptação se dá concomitantemente nos planos físicos, cognitivos e organizacionais, o que abre caminho para que sempre exista necessidade de algum nível de análise. No entanto, devemos ter bem claro que, do ponto de vista da Ergonomia, não existe nenhum problema em se constatar dispêndios energéticos, exigências cognitivas e mesmo subsunção a preceitos organizacionais, uma vez que isso é absolutamente normal. Se ganha a vida em troca de trabalho e, é óbvio, que esforço, raciocínio e enquadramento organizacional sempre serão requeridos. A questão fundamental é a de se estabelecer um limite para isso, Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 17 uma passagem do nível de esforço ao nível de esgotamento, do uso da inteligência à hiper-solicitação cognitiva, do enquadramento organizacional a formas draconianas com metas inatingíveis, e formatos de organização em desacordo com a natureza e faculdades humanas. Não apenas um limite estático para estes aspectos como preconizam a maior parte de textos normativos, mas antes um limite dinâmico onde se considerem as contingências capazes de alterar os dados do problema: assim como um atleta treinado para suportar uma peleja integral, pode não suportar o calor ou o efeito de uma intempérie e seu rendimento cair, condições de anormalidade têm um efeito evidenciável sobre a solicitação efetiva sobre o trabalhador em sua situação de trabalho. Os parâmetros ambientais são o exemplo extremo : eliminar o calor pode ser inviável, portanto devemos limitar a temperatura sob a qual se trabalha. Estabelecer a barra de 40 graus não significa que a 39 graus esteja tudo correto e isento de problemas. Em Ergonomia essas situações desajustadas em face das características, capacidades e limitações da pessoa em atividade estão codificadas sob o termo carga de trabalho. Entendemos carga de trabalho como a resultante das exigências sobre o indivíduo no decorrer de sua atividade de trabalho que pesam sobre o desempenho. O conceito de carga de trabalho permite raciocinar, mas se trata de algo de difícil mensuração objetiva, tendo sido paulatinamente substituído por noções como estressores. Na verdade, a idéia de carga quer traduzir que a capacidade individual é um limitante sine qua non para qualquer delineamento de produto ou de processo. Podemos estabelecer dois desajustes básicos: a sobrecarga de trabalho, manifestada pelo estresse e a subcarga que reporta situações de monotonia. Do ponto de vista puramente ergonômico, sempre é possível demonstrar a existência de situações de carga de trabalho inadequadas. Portanto a aplicação da NR-17, item 17.1.2, a nosso ver, não cabe em toda e qualquer circunstância, mas sim quando estiver associada: à existência de patologias num patamar significativo, para o que pode-se utilizar um critério epidemiológico a partir do quadro ergonômico da empresa que indicamos no capítulo 6. Para a epidemiologia se usa um critério inicial de prevalência na faixa de 5% da uma população; à ocorrência de reincidências de uma mesma patologia relacionada a uma classe de atividade, como foi o caso típico M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 18 dos digitadores; à constatação de acidentes, graves ou não. em situações de atribuição de responsabilidades por produção de impactos ambientais de origem industrial (casos em que o acidente ampliado teria sido originado por uma presumível falha humana); quando relacionada a uma das formas de demanda que detalharemos no capitulo a seguir. Por outro lado, a NR-17 estabelece que seja feita uma AET devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho. Ou seja, pode ser especificado um escopo que sobrepasse este patamar mínimo das condições de trabalho e abordar outras determinantes da atividade laboral. Isto abre espaço para toda uma série de outras ilações possíveis como, por exemplo, a questão de relacionamentos e responsabilidades entre funcionários próprios e de firmas terceiras que trabalhem em coligação. As demandas trabalhistas se constituem na principal e mais antiga fonte de necessidades da AET. Este tipo de demanda é, entretanto crescente, pela maior atenção que vêm dando os poderes públicos à questão das condições de trabalho como forma de combater custos de previdenciários e de saúde. Esta maior atenção tem como aspectos concretos o programa de treinamento da auditoria fiscal e a própria criação da Comissão nacional de ergonomia na SSST/ MTE3. 1.1.2 Demandas por certificação Como o coloca Wilson (2000), certificar é atestar por escrito que alguma coisa está em conformidade com alguma regra socialmente estabelecida. Os sistemas de certificação se baseiam em dois grandes conjuntos de normatividades, quais sejam : a existência de normas e padrões de classificação, delimitação e ordenação; e o estado das práticas no setor, ramo ou segmento considerado. A certificação é a etapa central do processo que nos leva da 3 Secretaria de Saúde e Segurança do Trabalho/ Ministério do Trabalho e Emprego Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 19 simples apreciação às formas elaboradoras de licenciamento (fig.1-1). Figura 1-1 : O processo de certificação e licenciamento O exemplo mais elementar é o emplacamento de um veículo. Nas formas atuais, estabelecidas pelo Código Nacional de Trânsito, o veículo é inspecionado visualmente para verificação de alguma desconformidade gritante (apreciação), alguns parâmetros são mensurados e os itens de obrigatoriedade são conferidos (avaliação) para, em seguida, ser obtido o resultado por escrito deste exame (certificação), com o que o veículo, então, pode ser emplacado (licenciamento). Como o veículo não se move por si só, é necessário um condutor que tenha aprendido a dirigir e a conhecer o código numa auto-escola (uma instância certificada para o aprendizado) e tenha treinado o suficiente para ser aprovado no exame de competência de motorista (experiência operacional). No plano da certificação de produtos e processos, a AET é a maneira de verificar o encaminhamento de mudanças necessárias à conformidade dos temas convencionados em normas. Aqui figuram passagens estritas tanto nos vários trechos da série ISO 9000, dos padrões BS8800 e OHSAS 18001, bem como em outras bases para a certificação da atividade empresarial, especialmente em indústria e em serviços. Maisrecentemente a busca da excelência produtiva sugere ações de melhoria contínua que passam rigorosamente por uma identificação, transformação e fixação de uma nova forma de funcionar na organização, trajeto esse que se confunde em vários trechos com a AET, especialmente seus itens M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 20 5 e 7 (gestão de processo e de pessoas). Tal como no caso de uma demanda de AET originada em contexto trabalhista, há uma diferença básica entre o nível primário (apreciação) e o nível mais elaborado (licenciamento). Neste caso, poderá se tratar de um processo combinado entre aprofundamento – em cada situação de certificação – e alargamento do escopo do processo de certificação. Assim é que vemos no tema da certificação em Ergonomia discussão e um caminho. Uma discussão que tenderá a tornar-se perene, parte mesmo da realidade da Ergonomia no País e um caminho que nos parece sem retorno, na medida em que se configura um amadurecimento da prática da Ergonomia em nosso país. 1.1.3 Demandas de modernização Uma forma de entender a Ergonomia, numa perspectiva de modernização, é assumir a conjunção de quatro mandamentos: Aproveitar uma mudança para efetuar outras mudanças; Fazer a coisa certa desde o princípio: Apurar continuamente o custo e o benefício das mudanças; Contratar um profissional certificado. Quadro 1-2 : Mandamentos da modernização ergonômica Em que pese a objetividade destes lemas, a síndrome da urgência e da suposta eficiência gerencial em observar cronogramas leva em geral a atropelar apreciações e avaliações certamente úteis que, em geral, se traduzem em consideráveis economias. O exemplo inverso da FORD é muito mais comum do que se pensa4 e é essa uma potente forma de aproveitamento dos usos da AET. Com a modernização técnica de natureza informática (automação, informatização, conectividade) esse fenômeno tem tomado dimensões muito fortes, seja pelo custo derivado 4 Conta a literatura de negócios que a construção do primeiro protótipo de veiculo FORD foi realizada na garagem da casa do próprio Henry. No entanto, as modificações acrescidas alteraram de tal forma o produto, que este não mais saía pela porta da garagem. HF não teve dúvidas e mandou derrubar as paredes... Chamo de exemplo inverso o caso muito comum de especificar-se algo que posteriormente se verifica incompatível com a estrutura existente, e isso não apenas do ponto de vista dimensional, mas até mesmo de custo ulterior de manutenção. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 21 do prolongamento de set up e de partida, seja pela necessidade de dobras e treinamento suplementar de pessoal, custos estes em geral fora do orçamento original de um projeto. Mesmo o argumento comum de que um processo de modernização tratar-se-ia de uma novidade, uma inovação que modificaria tudo o que existe no presente, e portanto não caberia uma análise ergonômica do trabalho, já se verificou equivocado. Cada vez mais vemos existir trabalhos técnicos e reflexões acadêmicas no campo da Ergonomia de concepção, onde a AET inserida no método antropotecnológico (figura 1- 2) tem apresentado resultados bastante convincentes. O fornecimento de tecnologia por terceiros dificilmente se dá de forma integral, seja ela a compra de um aplicativo informático simples como gestão de clientes numa pequena loja comercial, seja a de implantação de uma planta termonuclear completa. E isso está à origem de problemas maiores. Anédotico ou não, o manuseio de defensivos agrícolas importados (com consignas de segurança em inglês) por populações brasileiras (semi- alfabetizadas em português) tem poucas condições de ser considerada uma modernização, menos ainda uma situação certificável. Um exemplo menos extremo pode ser verificado em centros de logística onde os agentes são obrigados a decorar um dialeto de códigos cuja concepção de origem se baseava em linguagem natural dos países de onde foram importados. No metrô carioca a empresa fornecedora simplesmente optou por omitir a fraseologia de controle no pacote transferido. Figura 1-2 : O método antropotecnológico (Wisner, 1991) A conclusão é óbvia: antes de modernizar, contrate uma equipe de M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 22 ergonomia, para evitar problemas futuros. As demandas de modernização não apenas combinam as demandas trabalhistas e de certificação como as acrescem de elementos que contribuem para a busca de excelência produtiva, um ditame da sobrevivência,sobretudo em tempos de globalização da economia. E isso não se faz com curiosos ou amadores. 1.2 Os resultados esperados da AET Os resultados esperados das aplicações da AET variam de acordo com o tipo de demanda. Vejamos estes resultados esperados, classificados por tipo de demandas. 1.2.1 Em contexto de demanda trabalhista O resultado esperado de uma AET num contexto de demanda trabalhista pode tomar quatro formas sucessivamente abrangentes: a. Quadro ergonômico da empresa e seus processos-chave; b. Seleção e hierarquização dos problemas a solucionar; c. Recomendações de mudanças úteis, práticas e aplicadas; d. Mudanças de acordo com as normas regulamentadoras. Quadro 1-3 : os resultados da AET em contexto de demanda trabalhista Para alguns praticantes de Ergonomia, apenas quando o último item se verifica é que se poderia falar em perspectiva de transformação. Quanto a nós, entendemos que a mudança se constitui num processo proativo de transformação progressiva da realidade laboral. Neste sentido, a diferença entre o nível (a) e o nível (d) não é apenas de itens a acrescentar, mas um processo de aprofundamento, foco e delineamento de uma solução adequada à organização, à luz deste tipo de demanda. O que significa ser a AET a porta de entrada para os vários usos direcionados da Ergonomia. O básico e o fundamental de uma boa AET é a caracterização da atividade de trabalho em seus regimes de estabilidade (aparente) e de gestão da variabilidade e das intercorrências, como veremos mais adiante. 1.2.2 Em contexto de certificação O resultado de uma AET em contexto de certificação toma as seguintes formas: Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 23 a) Apreciação ergonômica b) Análise ergonômica de conformidades c) Implementação ergonômica de padrões d) Verificação ergonômica de projetos A apreciação ergonômica é a indicação de oportunidades de melhoria da conformidade, trazendo-as para um plano de intervenção. Como, em geral, a certificação foca uma unidade autônoma ou um setor completo de uma empresa, o conjunto de apreciações ou avaliações ergonômicas dali derivado fica mais bem organizado se apresentado como proposta de um Programa de Ergonomia para aquela empresa. A análise ergonômica de conformidades se constitui, por excelência, no processo de formatação da experiência operacional, especialmente em que esta [experiência] funciona para ajustar o sistema de trabalho às conformidades requeridas. Neste caso são assinaladas modificações importantes nos sistemas acoplados (em geral nos sistemas informáticos, na configuração dos ambientes e nas formas de organização do trabalho). Numa ergonomia de certificação este seria o passo subseqüente do programa de ergonomia. A implementação ergonômica consiste no projeto, implantação e manutenção das modificações necessáriasa garantir conformidades de desempenho, face a padrões estabelecidos. Nas operações de transferência de tecnologia, em geral, há necessidade de implementações ergonômicas dado que a concepção de dispositivos, interfaces, procedimentos e formas organizacionais foi pensada para um outro contexto, uma outra realidade. A verificação ergonômica de projetos se constitui hoje no ponto de desenvolvimento mais em voga na discussão internacional sobre certificação. Trata-se de verificar o processo de elaboração e os resultados desta para atestar o cumprimento de requisitos e formas que assegurem ao projeto um selo de qualidade. Obter este resultado vai requerer uma boa experiência operacional... em Ergonomia! 1.2.3 Em contexto de modernização Os resultados esperados de uma AET para fins de modernização podem tomar diversas formas, de acordo com o perfil e a natureza da demanda que a engendra. Em geral, porém, tem os seguintes contornos M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 24 básicos: Caracterização de processos-chave nas situações-objeto de modernização; Estudo de processos-chave nas situações de referência; Estabelecimento conjunto do caderno de premissas (dos estudos ergonômicos com os demais projetos); Estudos ergonômicos acerca das situações futuras prováveis (em modo normal e em face de contingências presumíveis); Construção e validação do caderno de encargos relativo às mudanças necessárias. Quadro 1-4 : Resultados esperados de uma AET Quando se trata de sistemas complexos e de alto risco em geral se faz recursos a sofisticadas técnicas de simulação, como nos setores de energia nuclear (Luquetti & Vidal, 2002) e aviação (Carvalho e al, 2002). Numa situação mais corrente e com menos recursos tecnológicos disponíveis, se torna necessário constituir um Programa de Ergonomia suportado por um significativo esforço de documentação. 1.3 Uma metodologia realista Esta é uma obra que se destina ao praticante da boa Ergonomia e, neste sentido, estamos falando da análise ergonômica do trabalho em Ergonomia. Portanto, o principal resultado é o de amealhar os elementos para uma transformação positiva da atividade laboral na empresa. Como vimos, os resultados das aplicações da AET naturalmente variam de acordo com o tipo de demanda. Nunca é demais insistir que a Ergonomia é uma disciplina que busca atender as demandas de transformação positiva da realidade laboral, e isto mediante sua metodologia especifica que é a AET. Assim sendo os trabalhos de Ergonomia não são diferentes, são as demandas que se diferenciam, conseqüentemente seus resultados não podem ser os mesmos. Ocorre que a AET não é uma metodologia absoluta, mas sim relacionada ao problema de produção que busca contribuir para resolver. E quem coloca este problema não é a equipe de ergonomia, mas a realidade de produção em si mesma. Com isto fica nossa primeira formulação: a AET é uma metodologia realista,decorrente da demanda da AET. E deixe a demanda lhe levar... Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 25 1.4 Síntese do capítulo 1.4.1 Resumo Indicativo Neste capítulo buscamos caracterizar a necessidade de realização da AET nas empresas a partir de uma tipologia atual das demandas de Ergonomia me termos de sua gênese e do contexto onde surge... Cada uma das tipologias dos contextos de demandas de AET foi encaminhada mediante um quadro de expectativas acerca de seus resultados. Com isso esperamos que os leitores possam visualizar, além do porque de realizar uma AET, onde se pretende chegar no atendimento a seus diferentes tipos de demanda. Insistimos muito para que se entenda a ação ergonômica como um processo proativo em que a AET é considerado elemento de base e fundamento 1.4.2 Principais conceitos introduzidos Demanda, Carga de trabalho. Injunção, Normas regulamentadoras, Certificação e licenciamento, Modernização. 1.4.3 Resumo metodológico Começar uma análise Ergonômica do Trabalho significa identificar a natureza da demanda que a engendra, seja ela especifica a uma categoria, seja ela um mix de motivações. 1.5 Questões de revisão 1) O que estabelece a definição internacional de Ergonomia em termos de campos profissionais de seus praticantes? 2) Quais os principais tipos de demanda por Análise Ergonômica do Trabalho na realidade das empresas? 3) Exemplifique três situações diferentes de demanda trabalhista por AET. 4) Quais são os principais elementos que devem ser levados em conta num processo de certificação ergonômica? 5) Uma vez que a Análise Ergonômica do Trabalho estuda uma realidade existente como poderemos empregar a AET para contribuir num projeto de modernização tecnológica ou organizacional? 6) Porque razão os tipos de resultados esperados de uma AET não são os mesmos? 1.6 Exercícios 1) Desenvolva o tipo de demanda ergonômica que poderia ser vinculada aos casos abaixo, justificando sua(s) opção (ões): M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 26 Figura 1-3 : Situações para o exercício 1-1 2) aplique o método antropotecnológico para estudar a compra de a) um automóvel b) um computador c) um celular . 1.7 Referências do capitulo Arueira, L. (2000) – A Análise Ergonômica do Trabalho. Em: Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego, Curso de atualização em Ergonomia para Fiscalização, SSST/MTE, Brasília. (mimeo.) Carvalho R.J., Saldanha M.C.W., Vidal M.C., Lacerda E., Fachini L., Rivetti, P.C. (2002 )– PROLOFT – Programa experimental de treinamento LOFT. Em: Anais do VII Congresso Latino-americano de Ergonomia, Sessão Técnica 52 - Sistemas Complexos I (CD-Rom). Harker S. (1984) – The development of ergonomics standards for software. Applied Ergonomics, 26 (4) 275-279 Luquetti I., Carvalho P.V. & Vidal, M. C ( 2002) – Ergonomia e fatores humanos na avaliação de salas de controle de reatores nucleares.Em: Anais do VII Congresso Latino-americano de Ergonomia, Sessão Técnica 53 - Sistemas Complexos II (CD-Rom). Vidal M.C. e Echternacht E.H. (1994) – A instrução da demanda em Ergonomia. Apostila da disciplina EEI 426, Engenharia do Trabalho, Poli/UFRJ. Wilson J. (2000) – The gains from certification are in the process. In: Wise J.A. & Hopkin V.D. – Human factors in certification, Lawrence Earlbaum eds., New Jersey, 25-37; Wisner, A. ( 1999[1984]) – Antropotecnologia: ferramenta ou engodo. Ação Ergonômica, 0(0), 7-35. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 27 M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 28 Capítulo 2 Panorâmica da análise ergonômica do trabalho The hills are alive with the sound of music As colinas avivam-se Com o som da música (tema de A noviça Rebelde) A análise ergonômica do trabalho é um conjunto estruturado de análises intercomplementares dos determinantes da atividade de trabalho das pessoas numa organização. Estas análises são engendradas pelas demandas de que se originam as ações ergonômicas necessárias e permitem já na fase de esclarecimento inicial de demandas, definir a natureza do problema. Os casos de que tratam as demandas podem ser de dois tipos básicos: Figura 2-1 : O fluxo da AET (Benchekroun 1997) casos simples, infelizmenteraros, onde as análises convergem rapidamente para uma síntese de recomendações que podem ser diretamente incorporadas nos projetos de transformação positiva da realidade de trabalho; e os casos complexos, os mais freqüentes, onde as sínteses são obtidas mediante uma série de esquematizações parciais e Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 29 progressivamente focadas em aspectos da atividade de trabalho. A partir desta figura podemos conceituar a AET como um itinerário metódico, ambientado e contextualizado, um edifício composto por cinco blocos, quais sejam: as premissas - o conjunto de motivações para realização da AET numa empresa , e que se materializam na sua demanda gerencial; o fluxo principal de procedimentos – constituído das sete etapas subseqüentes entre a formulação global do problema e seu entendimento final por parte da organização como um todo como resultante do trabalho da equipe de ergonomia; a documentação e registro – integrado pela massa de dados gerados e manuseados pela equipe de ergonomia ao longo da AET; e o caderno de encargos, que é o resultado final da AET. Esta é formulação que empregaremos neste livro para dar conta da metodologia da Ergonomia, a AET. Chamamos de metodologia ao itinerário metódico ambientado e contextualizado que, mediante uma série de métodos e técnicas, permitem ao profissional entender o objeto de investigação e seu escopo de atuação para realizar a finalidade de sua disciplina de ação sobre a realidade. Para o profissional que trabalha com Ergonomia, trata-se de entender a relação da atividade de trabalho com seu contexto (ambiental, tecnológico e organizacional) e com isso propor as modificações necessárias para que se logre uma transformação positiva. A série de métodos e técnicas que lhe permitem este entendimento da atividade de trabalho com relação a seu contexto real se reúnem dentro de uma sistemática que se convencionou chamar de Análise Ergonômica do Trabalho. O itinerário da AET está ilustrado na figura 2-2. Convidamos o leitor para um passeio em cada uma das categorias da Análise Ergonômica do Trabalho. M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 30 Figura 2-2 : O itinerário metódico, ordenado e sistemático da AET 2.1 Demanda gerencial: as premissas da AET Como todo itinerário, a AET tem um ponto de partida e um ponto de chegada. A partida é uma solicitação feita por uma área gerencial ou dirigente acerca de um problema de produção, de saúde no trabalho, de desempenho de um produto ou de eficácia organizacional. Chamamos a isso de demanda gerencial (DG), tentando com isso sublinhar o fato de que se trata da versão que esta gerência tem para o problema. A demanda gerencial (DG), em geral, é transmitida por um agente da organização que trata com o problema – quase nunca com o dono deste problema. Uma organização independentemente de sua forma mais hierarquizada ou matricial, tem essa conformação: os geradores de problemas e aqueles que arcam com seus ônus, via de regra não pertencem à mesma área, algumas vezes sequer a mesma divisão. Para a equipe de Ergonomia, esse é um verdadeiro drama pois os encaminhamentos nos planos operacionais nem sempre encontram respaldo nos níveis estratégicos e políticos das empresas, tanto quanto as diretrizes da organização nem sempre são de fácil implementação na ponta dos processos. Bem, a atividade de trabalho assim como o contexto onde ela acontece é tributário de ambas as alçadas da empresa. A análise ergonômica do trabalho se caracteriza, portanto, por dois tipos de condução: junto aos agentes, aos operadores (condução micro-ergonômica) e junto aos interlocutores responsáveis das mudanças na empresa (condução macro-ergonômica). A demanda gerencial, aquela que é primariamente apresentada à equipe de Ergonomia, em geral por Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 31 um integrante do corpo gerencial, portanto por um agente do nível tático, não tem como não estar impregnada desta nebulosidade, dado que o nível tático é exatamente o que situa entre o nível estratégico e o nível operacional de uma empresa (figura 2-3). Figura 2-3 : Visão esquemática de uma organização A DG, dentro de suas nebulosidades e possíveis contradições, aporta para a equipe de Ergonomia um teor de realidade que evite que o processo de AET venha a degenerar-se em qualquer dos dois tipos de erros mencionados. Afinal cabe à equipe de Ergonomia basicamente: evidenciar a existência do distanciamento entre a prescrição e a realidade na empresa a partir da análise da atividade real de trabalho; esclarecer os termos do debate que se estabelece para explicar esse fato e suas razões; substituir as representações existentes sobre as prescrições e as realidades operacionais por outras modelagens que permitam tratar os problemas de forma mais efetiva. Uma consequencia metodológica daí decorre: devido às características de condução concomitante da AET nos diversos planos da empresa, a equipe de ergonomia se conecta com agentes dos vários niveis da empresa, isso podendo ocorrer em sequencia num mesmo dia de trabalho. Isto reforça a abordagem integrada em termos de observação e interação. Mas atenção, tudo em ergonomia se dá em duas direções: os agentes também observam e interagem buscando apreender como a equipe de ergonomia trabalha. Portanto é importante que tenhamos procedimentos a seguir durante todo o processo de AET. M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 32 2.2 Os procedimentos da AET: O fluxo principal da AET A realização da AET se faz por etapas e numa perspectiva de progressividade e de seletividade. Assim se enquadram as análises do porque da demanda de uma AET naquela empresa, de sua população de trabalho, das estruturas de funcionamento daquela organização e de descrições da atividade em situações características. Estas análises são pontuadas por etapas de clarificação do problema, de focalização e escolha de situações, de pré-diagnóstico, de diagnóstico, de restituição e de validação. Dada a natureza diversa destas diferentes etapas, o fluxo principal da metodologia AET se divide em duas partes: a parte situacional e a parte analítica propriamente dita. A parte situacional se compõe da instrução da demanda, no bojo da qual uma análise global e uma apreciação ergonômica do processo é realizada, permitindo algumas indicações de melhoria. A parte analítica compreende o processo de aprofundamento desta apreciação inicial e com vistas a uma modelagem da situação de trabalho (da atividade de trabalho interagindo com o contexto de sua realização). Isto se faz em dois momentos: em um estágio qualitativo apontando o que presumivelmente está à origem dos problemas e em um estágio quantitativo onde estas indicações são avaliadas através da mensuração sistematizada de alguns de seus aspectos observáveis. Todo este processo é ao mesmo tempo metódico – na medida em que é regido por uma metodologia – e participativo – na medida em que o verdadeiro especialista da situação de trabalho é o operador que ali exerce sua atividade profissional. Esta é uma das bases da metodologia AET: a combinação entre método de encaminhar – propiciado pela equipe de ergonomia – e saber tácito sobre os problemas – ensejado pelos agentes. De posse de uma demanda gerencial (ponto de partida) o primeiro passo é organizar,em função da demanda gerencia (DG) um dispositvo metodológico, a construção social, para trabalhar a DG. Tão importante é a construção social que dedicaremos todo o capitulo 4 deste livro a ela. A análise ergonomica do trabalho apenas começou! Com uma demanda gerencial e uma construção social, devemos passar ao proximo passo, que é o de instruir a demanda. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 33 2.2.1 A instrução da demanda Tendo ficado claro que a AET é um processo cujo início é uma demanda gerencial, a que a equipe de ergonomia responde organizando a construção social da ação decorrente, o passo seguinte é passar deste estágio embrionário a um outro mais realista e melhor encaminhado. Considerando que numa empresa suas diversas gerências podem exibir pontos de vista nem sempre convergentes e que a visão gerencial nem sempre coincide com a visão do mesmo problema nos níveis estratégicos ou operacionais, decorre, então, que precisamos estudar melhor esta colocação, ampliando o leque de interlocutores, buscando mais informações no sentido de sabermos como tratar o problema e estabelecer um estudo sistemático da atividade em situação real de trabalho ajudando no equacionamento e no provimento de soluções ao problema expresso na demanda gerencial. Se lograrmos este passo adequadamente podemos formular o que convencionaremos chamar de demanda ergonômica, aquilo em que a Ergonomia pode contribuir para solucionar um problema de produção, de saúde no trabalho, de desempenho de um produto ou de eficácia organizacional. As demandas ergonômicas, como veremos ao longo desta obra, na maioria das vezes, se constituem num outro modo de olhar o problema e de encaminhar sus solução. Algumas vezes, porém, pode significar uma mudança importante de foco e de objeto. Convencionaremos chamar de instrução da demanda a esta passagem de uma demanda gerencial nebulosa a uma demanda ergonômica mais precisa. Esta nebulosidade conduz a que muitas empresas não saibam corretamente o que estejam contratando e aceitem propostas de serviço que não cobrem o escopo da contratação. O resultado que isto produz não é a boa Ergonomia. A instrução da demanda é, pois, um procedimento básico da AET e que serve de moldura para qualquer forma de atuação a posteriori da Ergonomia. Na verdade, a instrução da demanda permite clarificar as finalidades do estudo ergonômico, objeto de um contrato que vincule o praticante de Ergonomia à organização. Esta etapa da AET pode variar de importância em cada caso. Muitas vezes, face à complexidade, existem empresas que estabelecem contrato exclusivamente para a instrução da demanda na empresa, outras solicitam ajuda para especificar convites ou redigir licitações. Seja como for, os objetivos desta etapa metodológica são os de clarificar a atuação do praticante de Ergonomia e através disso melhor caracterizar os M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 34 resultados da AET a serem disponibilizados num contrato. Por exemplo, uma empresa nos contratou para ministrar um curso de Ergonomia para seus funcionários graduados e atuantes no SESMT5. Como é nossa praxe, fomos tratar esta demanda junto aos proponentes, seus superiores e junto aos subordinados a que tivemos acesso. A proposta inicial evoluiu para um programa de ação ergonômica composto não apenas no treinamento em conteúdos de atualização em Ergonomia – já que os integrantes do grupo proposto já possuíam formação preliminar e já haviam desenvolvido algum trabalho em Ergonomia – mas igualmente em técnicas de gerenciamento da ação ergonômica bem como de valorização interna dos feitos daquele grupo (endomarketing). Num outro caso, fomos chamados com pompa e circunstância para celebrar um contrato de análise ergonômica em toda uma fábrica de autopeças. Após algumas reuniões com o corpo gerencial daquela empresa, e inclusive com seu diretor-presidente, ficou claro que aquele corpo gerencial se interessava por conhecer melhor a ação ergonômica, mas não a ponto de iniciar um amplo programa em toda a unidade industrial. Neste caso, a pomposa demanda traduziu-se por um estudo em duas situações, de caráter demonstrativo e com a finalidade de remover hesitações e reticências de partes da diretoria e corpo gerencial. Também é importante frisar que nem sempre a demanda ergonômica efetiva fica totalmente clara no momento da contratação da equipe de Ergonomia, até mesmo porque o conhecimento sobre o que é a Ergonomia, quais suas reais potencialidades, e que nos motivou a escrever uma outra obra anterior a esta6, é ainda muito destorcido. Numa contratação para realizar um projeto de layout e ambientação física de uma sala de controle – o que significaria uma arquitetura de locais de trabalho relativamente simples – a demanda gerencial encerrava em seu bojo uma demanda de certificação, cuja obscuridade esteve à origem de vários conflitos entre a equipe de projetistas e a empresa contratante. Ocorre que uma certificação exige um nível de detalhamento projetual bastante mais aprofundado do que um projeto executivo de remanejamento de uma área de trabalho. Assim sendo, a contratante solicitava os elementos de projeto de uma forma considerada por demais 5 Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho, exigibilidade do M.T.E. para empresas a partir de um certo porte e grau de risco profissional. 6 Ergonomia na Empresa: Útil, Pratica e Aplicada. 2001, Rio de Janeiro, Editora Virtual Científica. Mario Cesar Vidal - Análise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2003 35 meticulosa pelos projetistas, daí os conflitos. Esse status quo perdurou até que numa das reuniões a demanda ergonômica aclarou-se e, a partir de então, problemas foram superados e daí resultou um bom projeto. Esquematicamente o processo de instrução da demanda se passa em instâncias da empresa (deliberações), junto à equipe de Ergonomia (planos) e mediante atividades conjuntas (reuniões). E se traduz por uma transformação da demanda inicial em uma hierarquia de demandas ergonômicas naquela empresa, aí já tendo sido alcançado um primeiro e importante efeito: a ampliação do significante Ergonomia naquela cultura organizacional. Assim é que o primeiro passo para uma boa AET é tentar clarificar a premissa. Esta parte situacional do fluxo principal é chamada de instrução da demanda. Figura 2-4: Instrução da Demanda Em suma, a instrução da demanda consiste em acertar os termos em que são formulados os conteúdos das licitações, das cartas-convite, bem como o que se veicula nos primeiros contatos da empresa com o praticante de Ergonomia. Estes contatos são inevitavelmente confusos, e cabe ao profissional torná-los claros, para que possa cumprir seu contrato em boas condições. Esta clarificação sempre é necessária, pois: nas demandas trabalhistas, não basta ter em mãos uma notificação da auditoria fiscal, pois esta, em geral, indica M.C. Vidal - Guia de Analise Ergonômica do Trabalho Editora Virtual Cientifica, 2002 36 zonas de estudo e algum aspecto genérico a ser especificado; nas demandas de modernização, há que se discutir as premissas e finalidades daquela modernização proposta, para que se estabeleça que tipo de Análise Ergonômica do Trabalho seria cabível; nas demandas de certificação para se saber quais os enquadres normativos pretendidos e qual o nível de exigências mandatárias estão assinalados pela auditoria
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