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Abdome Agudo Perfurativo

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Abdome Agudo
O abdome agudo é definido como uma dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito e de intensidade variável associada ou não a outros sintomas; geralmente com duração de horas até 4 dias, não ultrapassando 7 dias.
Em geral, necessita de intervenção médica imediata, cirúrgica ou não. Uma grande série de doenças musculares, gastro-intestinais, ginecológicas, urológicas, vasculares, psicossomáticas, cardíacas, parasitárias, pulmonares e intoxicações exógenas, dentre outras podem causar dor abdominal e até simular abdome agudo.
O diagnóstico de abdome agudo varia conforme da idade e o sexo; a apendicite é mais comum em jovens, enquanto a doença biliar, a obstrução intestinal, a isquemia e o infarto intestinal e a diverticulite são mais comuns em pacientes idosos.
Causas não cirúrgicas de abdome agudo podem ser divididas em três categorias, endócrinas e metabólicas, hematológicas e toxinas ou drogas. Causas endócrinas e metabólicas incluem uremia, crises diabéticas, crises addisonianas, porfiria intermitente aguda, hiperlipoproteinemia aguda e febre hereditária do Mediterrâneo. 
Os distúrbios hematológicos são crises de célula falciforme, leucemia aguda e outras discrasias sanguíneas. As toxinas e substâncias que provocam abdome agudo incluem envenenamento por chumbo e por outros metais pesados, abstinência de narcótico e envenenamento por picada da aranha viúva-negra.
Os quadros de abdome agudo podem ser classificados em cinco síndromes, cada síndrome relaciona-se a um grupo de sinais e sintomas de causas diferentes, porém desencadeando o mesmo mecanismo fisiopatológico.
· Inflamatório
Alteração do estado geral, febre, vômitos, taquisfigmia, desidratação, palidez cutâneo-mucosa;
Abdome: dor à palpação superficial e profunda, resistência abdominal voluntária e involuntária a palpação, descompressão brusca dolorosa, RHA diminuídos, palpação de plastrão, percussão abdominal determina a mesma reação que a descompressão brusca;
Quadro clínico geralmente suficiente para definir o diagnótico;
Hemograma: leucocitose com desvio à esquerda;
Raio-X: alças do intestino delgado distendidas (alças sentinelas ao processo peritonítico);
US: confirma diagnóstico etiológico;
As doenças mais comuns são apendicite, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intra-abdominais, peritonites primárias e secundárias, dentre outros; apendicite é a causa mais comum de abdome agudo cirúrgico no mundo, pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adolescentes e adultos jovens;
· Perfurativo
Comprometimento do estado geral, fáscies toxêmica, taquisfigmia (aceleração do pulso), desidratação, febre com sudorese fria, hipotensão e dor abdominal “em facada”;
Abdome: dor à palpação superficial e profunda em todo o abdome, resistência abdominal involuntária (defesa abdominal – abdome em “tábua”), RHA diminuídos ou ausentes, percussão dolorosa em todo o abdome e desaparecimento de macicez hepática (sinal de Jobert).
Raio-X: pneumoperitônio
Geralmente secundário à úlcera gastroduodenal, diverticulite, corpos estranhos e neoplasias;
· Obstrutivo
Alteração de estado geral, desidratação, taquisfigmia (aceleração do pulso), geralmente sem febre, hipotensão, complicações respiratórias agudas e parada da eliminação de flatos e fezes; 
Abdominal: dor em cólica, geralmente periumbilical, distensão abdominal, pode aparecer peristaltismo visível, desconforto à palpação, RHA aumentados em número e com alteração no timbre (metálico);
Raio-X: distensão de alças do delgado;
Acontece na oclusão mecânica por aderências intestinais, hérnia estrangulada, fecaloma, obstrução pilórica, volvo, intussuscepção, cálculo biliar, corpo estranho, bolo de áscaris, dentre outros;
· Vascular
MEG, hipotensão grave, pulso fino, rápido e arrítmico, alteração do ritmo respiratório, cianose de extremidades, febre (pode estar presente), extremidades frias, dor abdominal difusa e mal definida, vômitos de líquido escuro e odor necrótico e presença de claudicação abdominal;
Abdome: dor à palpação superficial e profunda, descompressão brusca dolorosa (nem sempre presente), distensão abdominal, RHA ausentes ou diminuídos, toque retal com saída de líquido necrótico, temperatura retal mais baixa que a axiliar;
Raio-X: pobreza de gases em alças intestinais;
Paracentese: líquido necrótico na cavidade (praticamente patognomônico); 
As causas mais comuns são isquemia intestinal, trombose mesentérica, torção do omento, torção de pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico, dentre outros;
· Hemorrágico
MEG, palidez cutâneo-mucosa intensa, pulso fino e rápido, hipotensão grave, sudorese fria, rebaixamento do nível de consciência e dor abdominal súbita;
OBS: também pode apresentar dor referida, por irritação do nervo frênico, sinal de Lafond (dor no ombro direito) e sinal de Kehr (dor na região infraescapular direita);
Abdome: dor difusa à palpação superficial e profunda de fraca intensidade, descompressão brusca dolorosa e difusa e RHA diminuídos;
Paracentese abdominal e lavado peritoneal: positivos quando recuperarem sangue incoagulável na cavidade peritoneal;
US: líquido livre na cavidade abdominal;
As causas mais comuns são gravidez ectópica rota (principal), ruptura do baço, ruptura de aneurisma de aorta abdominal, cisto ovariano hemorrágico, necrose tumoral, endometriose, dentre outros.
Características Gerais
Em virtude da complexa rede sensorial visceral e parietal dupla que inerva a área abdominal, a dor não é localizada com tanta exatidão quanto nos membros; felizmente, alguns padrões gerais emergem, fornecendo indícios para o diagnóstico.
Diferentemente da dor cutânea, a dor visceral é provocada por distensão, por inflamação ou isquemia, que estimulam os neurônios dos receptores, ou por envolvimento direto dos nervos sensoriais (p.ex., infiltração neoplásica). 
A dor visceral é mais frequentemente percebida na linha média, por causa do suprimento sensorial bilateral para a medula espinhal. Já a dor parietal gera sensação mais localizada, aguda e nítida. A irritação direta do peritônio parietal somaticamente inervado (principalmente as partes superior e anterior) por pus, bile, urina ou secreção gastrintestinal leva à dor localizada.
A dor abdominal pode ser referida sendo percebida em um local distante da fonte de estímulo, por exemplo, a irritação do diafragma pode produzir dor no ombro. Isso ocorre em razão do comportamento das raízes dos nervos segmentares que inervam o peritônio.
A localização da dor serve apenas como uma orientação para o diagnóstico. As descrições típicas ocorrem em dois terços dos casos.
A penetração de bactérias ou irritantes químicos na cavidade peritoneal pode causar um extravasamento de líquido na cavidade peritoneal. O peritônio responde à inflamação com maior fluxo sanguíneo, maior permeabilidade e formação de exsudato fibrinoso em sua superfície. 
O intestino também desenvolve paralisia local ou generalizada, a superfície fibrinosa e uma redução do movimento intestinal provocam aderência entre o intestino e o omento ou a parede abdominal e ajudam a bloquear a inflamação. Como resultado, um abscesso pode produzir dor aguda localizada com ruídos hidroaéreos e função GI preservados, enquanto um processo difuso, como uma úlcera duodenal perfurada, produz dor abdominal generalizada com diminuição da motilidade intestinal. 
A peritonite pode afetar toda a cavidade abdominal ou parte do peritônio visceral ou parietal; é uma inflamação peritoneal de qualquer causa, em geral, reconhecida no exame físico por sensibilidade intensa à palpação, com ou sem descompressão brusca positiva e retração abdominal à compressão.
A peritonite é geralmente secundária a uma agressão inflamatória, mais frequentemente uma infecção Gram-negativa por um organismo entérico ou anaeróbio pode resultar de inflamação não infecciosa, como p. ex., a pancreatite. 
A peritonite primária ocorre mais comumente em crianças e é mais frequentemente causada por Pneumococcus ou Streptococcus spp hemolítico.Adultos com doença renal terminal em diálise peritoneal podem desenvolver infecções do líquido peritoneal, os organismos mais comuns são os cocos Gram-positivos. Adultos com cirrose e ascite podem desenvolver peritonite primária e, nesses casos, os organismos são geralmente Escherichia coli e Klebsiella spp.
Avaliação
· Anamnese
· Dor abdominal: início, localização, intensidade, evolução, duração, tipo, fator de melhora/piora;
· Vômitos: relação do vômito com o início da dor, frequência e volume;
· Função intestinal: parada de eliminação de gases e fezes;
· Sintomas urinários: disúria, polaciúria, hematúria;
· História ginecológica: idade fértil, avaliação do ciclo menstrual (atraso), uso de DIU, cirurgias prévias;
· Febre;
· Sintomas associados: icterícia, colúria, acolia fecal, hematoquezia, hematêmese, melena;
· HAS, arteriosclerose (fator para aneurisma);
· Uso de anticoagulante ou alguma coagulopatia;
· Exame Físico 
· Geral 
· Abdominal 
· Inspeção: distenção, peristaltismo visível, cicatrizes, equimose periumbilical (sinal de Cullen) – sugestivo de gravidez ectópica rota, ou no flanco (sinal de Grey-Turner) – indicativo de pancreatite necro-hemorrágica;
· Ausculta: RHA, sopros arteriais
· Percussão: dolorosa e diferenciação de distensão de gás e líquido (ascite);
· Palpação: visceromegalias, Blumberg (descompressão brusca), Murphy, Lapinsky, Rowsing, alça de Wohll;
· Exames Complementares 
· Laboratoriais: leucograma, dosagem de ureia e creatinina, eletrólitos, gasometria arterial, bilirrubina, transaminases, FA, gama GT, amilase, coagulograma, contagem de plaquetas, exame de urina (EAS tipo I), β-HCG;
· Imagem: RX abdome (decúbito lateral – pneumoperitônio e posição ortostática – ar livre na cavidade peritoneal), US, TC, arteriografia, cintilografia, endoscopia, colonoscopia, paracentese abdominal e laparoscópica;
Dor é o item principal na avaliação de um paciente com suspeita de abdome agudo, assim, a anamnese deve caracterizar a dor de maneira precisa, sua duração, localização, como se iniciou, tipo de dor e evolução, essas informações podem ajudar no diagnóstico diferencial.
A dor indicada com o dedo geralmente é mais localizada e típica de inervação parietal ou inflamação peritoneal em comparação com a indicação da área de desconforto com a palma da mão, que é mais típica de desconforto visceral do intestino ou doença de órgão sólido.
i) Dor visceral causada por distensão, inflamação ou isquemia – é difusamente localizada na região mesogástrica;
ii) Doenças renais e uretrais – dor nos flancos;
iii) Sangue ou pus subdiafragmático – dor no ombro ipsilateral;
iv) Doença biliar – dor referida no ombro direito ou dorso;
v) Doenças supradiafragmáticas, como pneumonia basal – dor referida no pescoço ou ombro;
vi) Úlcera péptica, colecistite aguda ou pancreatite – dor abdominal no andar superior do abdome; 
vii) Cisto no ovário, diverticulite e abscessos no tubo ovariano – dor na porção inferior do abdome; 
viii) Obstrução do intestino delgado – dor no mesogástrio, que, às vezes é referida no dorso;
A dor que se move do epigástrio para a região peri-umbilical, até chegar na fossa ilíaca direita, sugere o diagnóstico de apendicite aguda.
Embora a localização da dor possa ser útil principalmente nas fases precoces da evolução de uma doença, pode não ser típica em todos os pacientes e, em fases avançadas, pode se tornar generalizada em virtude de uma peritonite difusa.
A dor abdominal pode-se iniciar repentinamente ou instantaneamente, sem sintomas prévios, o início súbito ou explosivo sugere perfuração de uma víscera para o peritônio livre, como o duodeno ou estômago, ou isquemia intestinal aguda, em virtude de embolia arterial visceral. 
A dor de caráter progressivo, que se desenvolve e se exacerba ao longo de várias horas é típica de condições de inflamação progressiva ou infecção, tais como colecictite aguda, pancreatite aguda e obstrução intestinal. 
O relato de piora progressiva versus episódios intermitentes de dor pode ajudar a diferenciar processos infecciosos que evoluem com o tempo, em comparação com a dor espasmódica em cólica associada à obstrução intestinal, cólica biliar e a obstrução do ducto cístico, ou obstrução genitourinária. 
A dor torna-se mais intensa e subsequentemente se localiza. Este grupo de doenças inclui a apendicite aguda, hérnia encarcerada, obstrução de delgado distal, obstrução de cólon, diverticulite e perfuração de víscera bloqueada.
Igualmente importante ao caráter da dor é a sua localização e irradiação, a lesão ou inflamação do tecido pode deflagrar tanto dor somática como visceral. A dor de órgão sólido visceral no abdome é generalizada no quadrante do órgão envolvido, como a dor hepática no QSD do abdome. 
A dor do intestino delgado é referida como dor periumbilical pouco localizada, enquanto a dor do cólon em geral está localizada entre o umbigo e a sínfise pubiana. Conforme a inflamação se expande para envolver a superfície peritoneal, as fibras de nervos parietais provenientes da coluna provocam sensação focal e intensa. 
Essa combinação de inervação é responsável pela dor periumbilical difusa clássica da apendicite aguda em sua fase inicial, que depois se transforma em dor intensa localizada na porção direita do abdome inferior, no ponto de McBurney.
A dor também pode se irradiar além do local da doença. O fígado partilha parte de sua inervação com o diafragma e pode criar dor referida no ombro direito mediada pelas raízes nervosas de C3-C5. A dor genitourinária comumente tem um padrão de irradiação, os sintomas são primariamente na região do flanco, originando-se dos nervos esplâncnicos de T11-L1, mas a dor em geral irradia-se para a bolsa escrotal e/ou grandes lábios no sexo feminino via plexo hipogástrico de S2-S4.
As atividades que exacerbam e/ou aliviam a dor também são importantes. A ingesta de alimentos em geral exacerba a dor da obstrução intestinal, da cólica biliar, da pancreatite, da diverticulite ou da perfuração intestinal, o alimento pode aliviar a dor da úlcera péptica não perfurada ou da gastrite. 
Os pacientes com irritação peritoneal evitam qualquer atividade que mobilize o abdome, eles descrevem exacerbação da dor com qualquer movimento do corpo e informam que sentem melhora da dor quando flexionam os joelhos.
Sintomas associados podem fornecer informações importantes para o diagnóstico; náuseas, vômito, constipação, diarreia, prurido, melena, hematoquezia ou hematúria são sintomas úteis se presentes e reconhecidos. Vômitos podem ocorrer na vigência de dor abdominal grave de qualquer causa ou como resultado de obstrução intestinal mecânica ou íleo. 
A constipação ou obstipação pode resultar tanto de obstrução mecânica quanto de redução do peristaltismo, pode representar o problema primário e exigir laxativos e agentes procinéticos, ou simplesmente ser um sintoma de uma condição subjacente. Uma história cuidadosa inclui verificar se o paciente continua a eliminar gases ou fezes pelo reto. 
A obstrução total tem mais probabilidade de associar-se a isquemia intestinal subsequente ou perfuração, devido a ocorrência de uma distensão volumosa. A diarreia está associada a várias causas clínicas de abdome agudo, inclusive enterite infecciosa, doença intestinal inflamatória e contaminação parasitária. A diarreia com sangue pode ser observada nessas condições, da mesma forma que na isquemia colônica.
A história clínica pregressa é muito útil, diagnósticos de doenças preexistentes podem aumentar ou reduzir bastante a probabilidade de determinadas condições que de outro modo não seriam altamente consideradas. Os pacientes podem, por exemplo, relatar que a dor atual é semelhante à de um cálculo renal que vivenciaram anteriormente há uma década. 
Por sua vez, uma história anterior de apendicectomia, doença inflamatória pélvica ou colecistectomia pode contribuir significativamente para o diagnóstico diferencial. Durante o exame abdominal, todas as cicatrizes no abdome precisam ser consideradas na história clínica obtida.
É importante colher umahistória menstrual cuidadosa em mulheres com dor abdominal, a ovulação pode produzir dor abdominal significativa. Além disto, mulheres com atraso menstrual com dor abdominal podem estar com problemas relacionados a uma gravidez não diagnosticada ou ectópica. 
A história medicamentosa é também importante, os corticoesteróides predispõem à ulceração gastrintestinal e possibilidade de perfuração, além de induzirem imunossupressão nos pacientes em uso crônico, ofuscando manifestações de doença intra-abdominal aguda. O uso de anticoagulantes orais ou antiagregantes plaquetários podem levar a hemorragias intra-abdominais espontâneas.
O uso de opiáceos pode interferir na atividade intestinal e provocar obstipação e obstrução, também podem contribuir para espasmo do esfíncter de Oddi e exacerbar dor biliar ou pancreática; também podem suprimir a sensação dolorosa e ainda alterar o estado mental do paciente.
Os AINEs associam-se a maior risco de inflamação do TGI superior, além da possibilidade de perfuração, por outro lado, podem bloquear a atividade protetora do muco gástrico produzido pelas células principais e, assim, reduzir a reação à infecção inflamatória incluindo a progressão de peritonites.
		Exame Físico
O exame físico deve sempre começar com a inspeção geral do paciente, seguida pela inspeção do abdome; pacientes com irritação peritoneal apresentam agravamento da dor com qualquer atividade que movimente ou distenda o peritônio, tipicamente, esses pacientes ficam imóveis no leito durante a avaliação e, em geral, mantêm os joelhos e os quadris flexionados para reduzir a tensão na parede anterior do abdome.
Doenças que provocam a dor sem irritação peritoneal, como intestino isquêmico e cólica biliar e ureteral, fazem com que os pacientes mudem continuamente de posição no leito enquanto tentam achar uma posição que reduza seu desconforto.
Febre baixa geralmente acompanha a diverticulite, apendicite ou colecistite aguda, já a febre mais elevada, na maioria das vezes, acompanha a pneumonia, pielonefrite, colangite séptica, e afecções ginecológicas. Aumento da frequência cardíaca e hipotensão podem significar doença complicada com peritonite. A peritonite causa hipovolemia à medida que o volume plasmático estravasa do espaço intravascular.
Deve ser dada atenção especial à inspeção no que se refere à procura de cicatrizes, hérnias inguinais e escrotais, eritema ou edema, distensão, massas e defeitos da parede abdominal. A seguir a palpação, etapa fundamental na avaliação do paciente com abdômen agudo. 
i) dor na fossa ilíaca direita, no ponto de McBurney sugere apendicite aguda;
ii) dor no hipocôndrio direito sugere inflamação da vesícula biliar;
iii) diverticulite aguda frequentemente causa dor na fossa ilíaca esquerda;
iv) dor desproporcional ao exame físico sugere isquemia intestinal;
v) dor difusa sugere peritonite generalizada;
A ausculta abdominal pode dar informações úteis sobre o TGI e o sistema vascular, ruídos intestinais devem ser avaliados quanto a quantidade e qualidade; abdome silencioso sugere íleo paralítico, enquanto movimentos peristálticos hiperativos ocorrem na gastrenterite aguda. Períodos de silêncio abdominal intercalados com peristalse hiperativa caracterizam a luta contra a obstrução mecânica do intestino delgado.
A percussão abdominal pode revelar dor, sugerindo inflamação (irritação peritoneal), é utilizada para avaliar distensão gasosa do intestino, ar livre intra-abdominal, grau de ascite ou presença de irritação peritoneal. O hipertimpanismo à percussão do abdome significa distensão gasosa do intestino ou estômago e timpanismo à percussão sobre o fígado (sinal de Jobert) sugere ar livre intra-peritonial e perfuração de víscera oca. 
Detecta-se ascite procurando a sensação de flutuação na cavidade abdominal, uma onde líquida ou ondulação pode ser gerada por uma compressão firme e rápida da porção lateral do abdome, a onda deve deslocar-se através da cavidade abdominal.
A palpação é a etapa final do exame do abdome e produz mais informação que qualquer outro exame tradicional; além de revelar a gravidade e a localização exata da dor abdominal, pode confirmar a presença de peritonite, bem como identificar organomegalia ou qualquer outra massa abdominal anormal.
A palpação deve ter início com manobras delicadas e distantes da área de dor relatada, caso seja induzida dor considerável no início da palpação, o paciente provavelmente contrairá voluntariamente o abdome, limitando a informação obtida. A contração involuntária, ou espasmo muscular da parede abdominal, é sinal de irritação peritoneal e precisa ser diferenciada da contração voluntária. 
Para alcançar esse objetivo, o examinador faz pressão consistente na parede abdominal afastado do ponto de dor máxima, enquanto pede ao paciente que inspire lenta e profundamente. No quadro de contração voluntária, os músculos abdominais se relaxarão durante a inspiração, enquanto no involuntário os músculos permanecerão espásticos e tensos.
A detecção de aumento do tônus muscular abdominal, durante a palpação é chamada de defesa da parte abdominal, ela pode ser voluntária ou não, e localizada ou generalizada. A irritação peritonial é um sinal de peritonite, para sua detecção, o examinador, com a mão, comprime profundamente o abdome do paciente e a retirada súbita da mão causa aumento agudo da dor (manobra da descompressão súbita). 
Alguns achados físicos isolados têm estado associados a condições específicas e são descritos como sinais de exame. O sinal de Murphy da colecistite aguda ocorre quando a inspiração durante a palpação do QSD resulta em exacerbação súbita da dor consequente ao rebaixamento do fígado e da vesícula em direção à mão do examinador. 
Vários sinais ajudam a identificar o local da peritonite subjacente, incluindo sinais de Rovsing, psoas e obturador (apendicite aguda); outros, como os sinais de Fothergill e Carnett, ajudam a diferenciar doença intra-abdominal da parede abdominal.
Realizar sempre o toque retal nos pacientes com quadro de dor abdominal aguda à procura de sangue, massas ou dor, e em mulheres sempre realizar o exame pélvico bimanual em procura de massas ou sensibilidade uterina ou anexial. Apêndice pélvico inflamado ou abscesso pélvico podem causar dor ao toque retal ou mesmo toque vaginal.
		 Diagnóstico 
· Exames Laboratoriais
Um hemograma completo com contagem diferencial é valioso porque a maioria dos pacientes com abdome agudo apresenta leucocitose; dosagem de eletrólitos séricos, ureia no sangue e nível de creatinina ajudarão na avaliação do efeito de fatores como vômitos ou acúmulo de líquido no terceiro espaço, além disso, pode sugerir um diagnóstico endócrino ou metabólico como causa do problema do paciente.
As determinações da amilase e da lipase séricas podem sugerir pancreatite como causa da dor abdominal, mas podem também estar elevadas em outros distúrbios como infarto do intestino delgado ou perfuração de úlcera duodenal. Os níveis normais da amilase e lipase séricas não excluem a pancreatite como um possível diagnóstico, por causa dos efeitos da inflamação crônica sobre a produção de enzimas e fatores de regulação.
Os exames da função hepática, inclusive bilirrubina total e direta, aminotransferase sérica e fosfatase alcalina, são úteis na avaliação de potenciais causas de dor abdominal aguda oriundas do trato biliar. Os níveis de lactato e as determinações da gasometria arterial podem ser úteis no diagnóstico da isquemia ou infarto intestinal. 
A análise de urina é útil no diagnóstico de cistite bacteriana, pielonefrite e determinadas anormalidade endócrinas, como diabetes ou doença parenquimatosa renal. A cultura de urina pode confirmar uma suspeita de infecção do trato urinário e orientar a antibioticoterapia, mas não pode ser feita em tempo útil na avaliação do abdome agudo.
· Estudos por Imagem
As radiografias simples continuam desempenhando papel importante na obtenção de imagem de pacientes com dor abdominal aguda; radiografias de tórax com paciente em posição ortostática podemdetectar ar livre na cavidade peritoneal, enquanto radiografias abdominais em decúbito lateral podem detectar pneumoperitônio.
As radiografias também mostrar calcificações anormais. Cerca de 5% dos coprólitos apendiculares, 10% dos cálculos biliares e 90% dos cálculos renais contêm quantidades suficientes de cálcio para serem radiopacos. As calcificações pancreáticas observadas em muitos pacientes com pancreatite crônica são perfeitamente visíveis nas radiografias simples, da mesma forma que as calcificações nos aneurismas da aorta abdominal, aneurismas de artéria visceral e aterosclerose nos vasos viscerais.
As radiografias simples abdominais nas posições ortostática e supina são bastante úteis para identificação de obstrução gástrica distal e obstrução do intestino delgado proximal, médio e/ou distal e podem também ajudar a determinar se uma obstrução do intestino delgado é completa ou parcial, pela presença ou ausência de gás no cólon. 
Gás do cólon pode ser diferenciado do gás do delgado pela presença de haustrações causadas por taenia coli presentes na parede colônica. Um cólon obstruído aparece como intestino distendido com presença de haustras. Distensão associada do intestino delgado também pode estar presente, em especial se a válvula ileocecal for incompetente.
As radiografias também podem sugerir volvo (torção de um segmento do TGI) tanto do ceco quanto do cólon sigmoide, o volvo cecal é identificado por uma alça distendida do cólon em formato de vírgula, com a concavidade voltada inferiormente e para a direita, já o volvo do sigmoide tem como característica a aparência de um tubo interno recurvado, com seu ápice no quadrante superior direito.
A ultrassonografia abdominal é bastante precisa para a detecção de cálculos biliares e para avaliar a espessura da parede da vesícula biliar e a presença de líquido ao seu redor; também é útil para determinar o calibre dos ductos biliares intra e extra-hepáticos. É de pouca utilizada na detecção de cálculos do ducto biliar comum.
A ultrassonografia abdominal e transvaginal pode ajudar na detecção de anormalidades dos ovários, anexos e útero, pode também detectar líquido intraperitoneal. A presença de quantidades anormais de gás intestinal na maioria dos pacientes com abdome agudo limita a capacidade da ultrassonografia de avaliar o pâncreas ou outros órgãos abdominais. 
Existem limites importantes para o valor da ultrassonografia no diagnóstico de doenças que se manifestam como abdome agudo. As imagens da ultrassonografia são mais difíceis de interpretar, para a maioria dos cirurgiões, do que as radiografias simples e TCs. Muitos hospitais possuem técnicos em radiologia disponíveis para realizar a TC a qualquer hora, mas esse frequentemente não é o caso com a ultrassonografia. 
Como a TC tornou-se mais amplamente disponível e com menos probabilidade de ser prejudicada pelo ar abdominal, ela está se tornando a segunda modalidade de escolha para obtenção de imagem no paciente com abdome agudo, depois da radiografia simples do abdome.
Muitas causas habituais de abdome agudo são prontamente identificadas pela TC, bem como são suas complicações, um exemplo é a apendicite, as radiografias simples e mesmo os enemas baritados acrescentam pouco ao diagnóstico de apendicite, entretanto, um TC bem-executada usando contraste oral, retal e IV é bastante precisa para avaliação dessa doença. 
A TC é também excelente para diferenciar obstrução mecânica do intestino delgado de íleo paralítico e pode em geral identificar o ponto de transição na obstrução mecânica. Algumas das dificuldades para o diagnóstico, incluindo a isquemia intestinal aguda e a lesão intestinal após trauma abdominal fechado, muitas vezes podem ser perfeitamente identificadas por esse método.
As lesões traumáticas do intestino delgado podem ser um desafio para o diagnóstico clínico. As lesões associadas da parede abdominal, da região pélvica, ou lesões na coluna vertebral podem mascarar a identificação das lesões subjacentes e consequentemente comprometer o diagnóstico clínico.
Além disso, muitos pacientes que sofrem um trauma abdominal fechado têm comprometimento de sua consciência, o que dificulta a identificação de lesões. Quando há suspeita de lesão intestinal, a utilização de uma TC com contraste oral associada ao contraste IV está indicada.
		Monitorização da pressão intra-abdominal
Uma pressão intra-abdominal elevada pode ser sintoma de um processo abdominal agudo e/ou pode ser a causa do processo. A pressão intra-abdominal anormalmente elevada reduz o fluxo sanguíneo para os órgãos abdominais e diminui o retorno venoso ao coração, aumentando a estase venosa. O aumento da pressão no abdome também pode elevar o diafragma, aumentando o pico da pressão inspiratória e diminuindo a capacidade ventilatória. 
O risco de refluxo esofágico e consequente aspiração pulmonar também tem estado associado à hipertensão abdominal. É importante considerar a possibilidade de hipertensão abdominal em qualquer paciente que apresente rigidez e/ou significativa distensão abdominal.
A pressão intra-abdominal normal está situada entre 5 a 7 mmHg para um indivíduo, em estado de relaxamento, que tenha um corpo mediano e esteja deitado na posição supina. Na obesidade a elevação da cabeceira da cama pode aumentar a pressão abdominal normal e em repouso. A obesidade mórbida tem mostrado que há aumento dos níveis normais de pressões de 4 a 8 mmHg, enquanto a elevação da cabeceira da cama em 30 graus aumenta a pressão em 5 mmHg (média).
Pressões anormalmente elevadas são superiores a 11 mmHg e são graduadas por gravidade de acordo com a severidade de 1 a 4. A hipertensão abdominal de graus 1 e 2 geralmente podem ser tratadas adequadamente com intervenções médicas focando manter a euvolemia, descompressão intestinal através da SNG e/ou laxantes e enemas, suspensão da alimentação enteral, aspiração por punção de líquido ascítico, relaxamento da parede abdominal e o uso criterioso de líquidos hipotônicos intravenosos. 
Os graus 3 e 4 frequentemente necessitam de descompressão cirúrgica via laparotomia com curativo aberto do abdome, isso se a hipertensão grave e a disfunção orgânica não responderem prontamente ao tratamento médico agressivo.
· Laparoscopia Diagnóstica
Apresenta alta sensibilidade e especificidade em pacientes com dor abdominal aguda; além disso, apresenta a capacidade de tratar laparoscopicamente várias condições que causam um abdome agudo, e ter menor morbimortalidade, menor tempo de permanência hospitalar e menores custos hospitalares.
A acurácia diagnóstica é elevada em comparação com outros métodos diagnósticos como lavagem peritoneal, TC ou ultrassonografia de abdome, contudo, há limitações para identificação dos processos retroperitoneais.
		
Abdome Agudo Perfurativo
Dentre as urgências não traumáticas, o Abdome Agudo Perfurativo é uma das síndromes mais frequentes, é a terceira casa de abdome agudo, depois de inflamatório e obstrutivo. Sua etiologia é variada e podem ser decorrentes de processos inflamatórios (úlcera péptica e diverticulite), neoplásicos, infecciosos, ingestão de corpo estranho, traumatismos e iatrogênicas.
A mortalidade pode chegar a 10% e uma das principais características é a dor de início súbito, intensa, levando o paciente a procurar rapidamente os serviços de urgência/emergência. Frequentemente a dor vem acompanhada de choque e sinais de septicemia, o quadro pode ser mascarado pela idade do paciente e outras entidades que levem à imunossupressão.
Nas perfurações altas, como por exemplo, as causadas pela úlcera péptica, os sucos digestivos que extravasam, levam a uma peritonite química, seguido de proliferação bacteriana e consequente processo infeccioso. Nas perfurações baixas do TGI, a peritonite é infecciosa desde o início, evoluindo rapidamente de um quadro focal, para um sistêmico. 
Outro fator que interfere na localização, intensidade e gravidade do quadro é o grau de distribuição dos líquidos extravasados na cavidade abdominal. Pode haver um bloqueio parcial da árealesionada, com consequente localização da dor e dos sinais de peritonite.
O tempo decorrido do início do quadro até a intervenção médica e a etiologia da perfuração, também são fatores determinantes da evolução e desfecho do caso.
As principais causas de abdome perfurativo não traumático são:
Uma investigação clínica bem dirigida e um exame físico minucioso, além de enquadrar a urgência como um abdome agudo perfurativo, podem ainda dar pistas importantes sobre a etiologia, extensão e gravidade do quadro abdominal.
O quadro clínico é caracterizado por dor abdominal súbita, intensa, irradiada para todo o abdome, agravada pelo movimento, acompanhada por náuseas e vômitos, febre, alteração de ritmo intestinal. O quadro clínico dependerá do tamanho da lesão, quantidade de líquido extravasado, comorbidades, situação de nutrição e tempo de atendimento. Sinais de septicemia, hipotensão ou choque são frequentes. No exame físico identifica-se dor à palpação e a presença do sinal de Jobert, caracterizado pela perda da macicez hepática à percussão.
Importante avaliar os seguintes parâmetros:
i) Peritonite é química ou bacteriana;
ii) Nível da perfuração;
iii) Tempo de evolução do quadro;
iv) Presença de comprometimento sistêmico;
v) Etiologia da perfuração;
Ao Rx simples do abdome observa-se a presença de pneumoperitônio, mesmo pequenos volumes de gás extraluminar podem ser detectados por esse exame (75-80% dos casos de perfuração de víscera oca). A US e a TC também demonstram a presença de gás livre na cavidade peritoneal, mas a eficácia e o custo do Rx simples de abdome torna esse exame o mais importante.
O tratamento é cirúrgico, mas as ações do médico da atenção básica começam na prevenção do evento perfurativo, através do diagnóstico precoce e tratamento dos agravos que podem evoluir para complicações agudas.

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