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GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Doença celíaca - Bonatto Destaque no diagnóstico e acompanhamento endoscópico A doença celíaca, inicialmente, foi descrita em 1989 por Samuel Gee (Londres), dando um aspecto clínico, a aparência da doença e iniciou várias teorias sobre a sua patogênese. Durante a 2ª Guerra Mundial, o pediatra holandês Willem k. Dicke descreveu a doença relacionada ao glúten, pois no período da guerra houve falta de trigo, e melhora da condição clínica entre as crianças. Com o fim da guerra e o retorno da produção do trigo, sinais como diarreia voltaram a aparecer. Utilizou dietas empíricas de frutas, batata, banana, leite, carne etc. e o peso fecal e gordura das fezes como medida de mé absorção, assim, notou que trigo, centeio, aveia e cevada a presentam uma toxina: o glúten. DEFINIÇÃO: é uma afecção crônica autoimune sistêmica, deflagrada e mantida pelo glúten, uma proteína do trigo, centeio, cevada (malte e aveia), em indivíduos geneticamente predispostos. DESORDENS RELACIONADAS AO GLÚTEN – PATOGÊNESE • Dermatite herpitiforme • Glúten ataxia • Doença celíaca o Sintomática o Silenciosa o Potencial • Alergia respiratória • Alergia alimentar • WDEIA – anafilaxia induzida por exercício com dependência alimentar • Urticária de contato GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros FISIOPATOLOGIA – para ter a doença ativa, são precisos os três elementos 1. glúten contém vários epítopos (determinante antigêncio), que podem ativar a imunidade inata e adaptativa 2. disfunção da barreira intestinal na DC 3. DC é uma doença autoimune onde os fatores genéticos HLA DQ2/DQ8 dão a susceptibilidade • Termo usado para o complexo de proteínas insolúveis em água provenientes do trigo, centeio e cevada (aveia) que são prejudiciais aos celíacos • Aveia pode não ser imunogênica para alguns celíacos • É formado a partir da gliadina e da glutenina pela ação mecânica, da sovação de massas (feitura de pão, macarrão etc.) VIA TRANSCELULAR: absorve os solutos com raio molecular superior a 15A (incluindo proteínas). JUNÇÕES INTERCELULARES (TJ): regulam o tráfego de solutos paracelularmente; dimensões do espaço paracelular: 10 a 15A → entre as células, passam apenas pequenos elementos, entre as “junções apertadas”, quando estas estão separadas. FATORES PATOGÊNICOS – ENTEROPATIA Inicialmente o glúten passa pelas vilosidades, e se houver abertura entre as TJ, haverá passagem do glúten entre as células (permeabilidade da Barreira Intestinal). O elemento Gliadina reage com a tTG (transglutaminase) tecidual. GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros O produto desaminado da Gliadina reage com elementos da imunidade adaptativa HLA DQ2 ou DQ8 → gatilho para a cascata inflamatória. Ação nas vilosidades e nos LB → formação de antitransmitaminase, antiendomísio e antigliadina → agem tanto na formação dos autoanticorpos quanto nas vilosidades → atrofia das vilosidades. Ocorre o depósito de linfócitos intraepiteliais nessas vilosidades alteradas, que permitem a avaliação e contagem desses linfócitos para avaliar a gravidade da atrofia e do processo inflamatório. PREVALÊNCIA: estimada em torno de 1% da população mundial, segundo o Conselho Nacional de Saúde (2012). FATORES GENÉTICOS: FAMILIAL: • 5 a 20% de familiares de 1º grau • Resposta imune mediada pelo HLA • Genes que codificam HLA → cromossomo 6q e 6p • Importante fazer investigação genética e sorológica APRESENTAÇÃO CLÍNICA É representada por um Iceberg (Catassi et al., 1996), no qual a base contém os indivíduos sadios que apresentam o HLA DQ2 ou DQ8, ou seja, não são celíacos. Logo acima, está o paciente com doença celíaca latente, mas ainda sem alterações das vilosidades. A partir dos indivíduos com doença celíaca silenciosa, há alteração morfológica das vilosidades. Os indivíduos no topo são aqueles com doença celíaca ativa • Sintomas típicos da DC, caracterizando-se por má absorção, de início precoce (4 a 24 meses de idade) • Perda de peso, esteatorreia, diarreia, cólicas, distensão abdominal, deficiência de nutrientes, Fe, Ca, e vitamina K • Hipoalbuminemia com edema, déficit pondero estatural, hipotrofia da musculatura glútea, irritabilidade GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Poucas queixas gastrointestinais. Na maioria dos casos, os sintomas são extra-digestivos, dependendo do profissional de outra área que suspeite da DC: • Hematologia: Anemia ferropriva ou megaloblástica com resistência a reposição de Fe e alterações na coagulação sanguínea • Reumatologia: Artrite em 52% de adultos celíacos foi demonstrada em um estudo (RAYMOND, 2007), também artralgias ou artrites oligo ou poliarticulares em crianças e adultos, além de osteoporose precoce • Ginecologia e obstetrícia: Infertilidade em 4 a 8% das mulheres com DC; quando a gravidez ocorre, a taxa de abortamento espontâneo é maior que a encontrada na população geral • Dermatologia: Cabelos finos, quebradiços, alterações nas unhas, pigmentação da pele, aftas; dermatite herpetiforme (“doença celíaca da pele”) ou doença de Duhring-Brocq → pequenas formações heptiformes nos joelhos, cotovelos e glúteos • Hepatologia: hepatite autoimune • Endocrinologia: diabetes tipo 1 e hipotireoidismo • Neurologia: alterações da marcha, diminuição do aprendizado • Psiquiatria: depressão • Gastroenterologia: diarreia, distensão abdominal e cólicas • Oncologia: linfoma intestinal nos pacientes com longa data de doença e idade avançada, assim como em pacientes refratários, sem diagnóstico e adesão da DIG • Sintomas gastrointestinais inespecíficos e vagos, alterações da consistência das fezes, constipação intestinal, distenção abdominal pós prandial, cólicas, náuseas, vômitos • Para suspeitar de DC, é preciso correlacionar esses poucos sintomas ao consumo de trigo, aveia e cevada • Ocorre em 20% dos pacientes que tiveram DC na infância e com a Dieta Isenta do Glúten (DIG) recuperaram completamente a arquitetura intestinal e, mesmo com a reintrodução de dieta normal, permaneceram com a mucosa intestinal normal e assintomáticos → houve restituição das vilosidades • Pode ser transitória → o paciente deve ser acompanhado, pois pode desenvolver a doença novamente DIAGNÓSTICO • Anticorpos antigliadina (IgA e IgG) → melhor para crianças até dois anos de idade • Nos adultos o Anticorpos antiendomísio (EmA IgA) o Antitransglutaminase (anti-tTG IgA) • Exame indicado apenas para estudo familiar e em caso de dúvida diagnóstica → o exame não confirma o diagnóstico! • Pode causar algumas “confusões”: até 55% da população pode apresentar DQ2 ou DQ8 positivos sem apresentar a doença celíaca (entre essas pessoas: 95% possui DQ2 e 5% possui DQ8 positivos) • O valor do HLA tem alto valor preditivo negativo → o resultado negativo do exame exclui a hipótese diagnóstico com quase 100% de confiança GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros O diagnóstico deve ser realizado quando o paciente estiver em dieta rica em glúten, não em DIG. Caso contrário, apenas o HLA será positivo. EXAME SOROLÓGICO EXAME HISTOLÓGICO RESULTADO/CONDUTA + + CONFIRMA DIAGNÓSTICO + - REPETIR BIÓPSIA: PODE TER SIDO REALIZADA EM LOCAL SEM A DOENÇA - + HLA DQ2/DQ8 - - EXCLUI DIAGNÓSTICO Embora tenham sido descritas alterações da mucosa duodenal sugestivas de DC à endoscopia digestiva convencional, são poucos os serviços ou endoscopistas que as conhecem. O uso de corantes no duodeno ou a magnificação de imagem não são rotineiros e pouco se divulga de sua utilidade para um diagnóstico detalhado e correto. São escassos os trabalhos sobre ao assunto, essa classificação endoscópica detalhada das alterações das vilosidades duodenais na DC facilita o entendimento e a padronização macroscópica dos achados. MARCADORES ENDOSCÓPICOS CLÁSSICOS NA DC: • Perdas das pregasde Kerkring • Pregas denteadas • Fissuras entre as vilosidades • Aglutinação dando o aspecto em mosaico • Vasos submucosais visíveis • Micronódulos → marcadores específicos da DC • Confirmação pela histopatologia da atrofia, aumento de linfócitos intraepiteliais ou se a base das vilosidades está com processo inflamatório GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros À esquerda, segunda porção do duodeno, em que as vilosidades são normais se vistas ao exame habitual, ou seja, não há suspeita de doença celíaca. À direita, a mesma porção do duodeno borrifada com índigo carmim, corante eleito para DC, apresentando o duodeno sem alterações ou magnificação. À esquerda, alterações são perceptíveis na parede do duodeno mesmo sem o corante. À direita, o corante índigo carmim realça as alterações anteriormente percebidas. A: redução das pregas de Kerkring; B: pregas denteadas; C: fissuras, rachaduras; D: micronódulos; E: aspecto em mosaicos. Os mesmos elementos marcadores da DC estão presentes, com maior destaque e melhor visualização. GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Parte inferior: classificação de Marsh MARSH I: lesão infiltrativa – arquitetura vilosa e mucosa normal; aumento de linfócitos intra epiteliais (> 30 a 40 linfócitos por 100 enterócitos contados MARSH II: lesão hiperplásica – semelhante ao Marsh I, mas apresenta também hiperplasia de criptas MARSH III: lesão destrutiva – subdividida: • IIIa: atrofia vilosa parcial • IIIb: atrofia vilosa subtotal • IIIc: atrofia vilosa total Parte superior: imagens endoscópicas com magnificação comparadas à Classificação de Marsh – foi possível avaliar regressão x progressão da atrofia Cromoscopia com magnificação: parede duodenal normal e vilosidades preservadas, sem alterações. GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Cromoscopia com magnificação: aglutinação em mosaico, ou seja, ouve desaparecimento das vilosidades devido à atrofia. Endoscopia digestiva alta (EDA) convencional Avaliação da mucosa duodenal em casos de suspeita de DC, para acompanhamento da atrofia com DIG, ou avaliação dos marcadores histológicos: perdas das pregas de Kerkring, pregas denteadas, fissuras, micronódulos, aglutinação em mosaico. Se os marcadores histológicos forem identificados na endoscopia, é preciso fazer a solicitação dos exames sorológicos: anticorpos anti-transglutaminase IgA, antiendomísio (EmA IgA), antigliadina (IgA e IgG). Se houver dúvida diagnóstica, solicitar exame genético: HLA-DQ2 e HLA-DQ8. GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros • Exame superior à esquerda: EDA normal, sem alterações • Exame superior à direita: cromoscopia normal • Exame inferior esquerdo: cromoscopia com magnificação com preservação das vilosidades • Exame inferior direito: histologia apresentando ausência de linfócitos intra epiteliais GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros • Imagem superior esquerda: EDA habitual com algumas alterações de parede perceptíveis • Imagem superior direita: cromoscopia sem aglutinação em mosaico por toda a parede, porém há focos de alteração perceptíveis na parede • Imagem inferior esquerda: cromoscopia com magnificação demonstrando algumas vilosidades alteradas, com aglutinações • Imagem inferior direita: histologia com hematoxilina e eosina demonstrando alterações nas vilosidades, algumas encurtadas, aumento dos linfócitos intra epiteliais e alteração leve das criptas GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros • Exame superior direito: EDA com pequenos focos de atrofia, porém sem padrão em mosaico • Exame superior esquerdo: cromoscopia demostrando a aglutinação em mosaico não perceptível na EDA habitual • Exame inferior direito: cromoscopia com magnificação demonstrando focos de atrofia e aglutinação em mosaico, porém ainda com vilosidades • Exame inferior direito: histopatologia demonstrando deformidade e aglutinação das vilosidades, porém algumas ainda estão presentes, presença significativa dos linfócitos intra epiteliais e aumento das criptas GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros • Imagem superior esquerda: EDA com perda severa das pregas de Kerkring, nódulos e fissuras • Imagem superior direita: cromoscopia com fissuras, nódulos, padrão em mosaico, ausência de vilosidades • Imagem inferior esquerda: cromoscopia magnificada com ausência de vilosidades • Imagem inferior direita: histologia com atrofia, vilosidades não são mais visíveis, aumento grande tanto dos linfócitos intra epiteliais quanto das criptas (criptas hipertróficas) GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Verifique as diferenças entre as diferenças classificações GASTROENTEROLOGIA | Victória Ribeiro de Medeiros Na imagem acima é possível ver a progressão da enteropatia, inicialmente com focos de atrofia avançando gradativamente para a atrofia total. A regressão é possível com a dieta isenta do glúten, capaz de normalizar as vilosidades. É preciso que o endoscopista envie ao patologista responsável pela biópsia seu parecer para melhor precisão da graduação da atrofia das vilosidades no duodeno. Pacientes não diagnosticados de DC • 95% Olmsted Country • 90% Wyoming • 89% Maryland • 97% Chicago Principal exame de imagem diagnóstico: cromoendoscopia com índigo carmim; EDA e se possível com magnificação • Disgnostica na suspeita da DC • Acompanha a regressão da atrofia (controle da doença) • Diagnostica nos exames de rotina em “dispépticos” https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302010000100027 https://www.youtube.com/watch?v=nzB4vVmKA2Q&feature=youtu.be&ab_channel=MauroBonatto https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302010000100027 https://www.youtube.com/watch?v=nzB4vVmKA2Q&feature=youtu.be&ab_channel=MauroBonatto