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Fundamentos da Teoria Literária O que é literatura? Ao final desta Unidade, você será capaz de refletir melhor sobre o conceito de Literatura, assim como sobre os conceitos de Teoria e de Crítica Literária. Ao longo desse percurso inicial de seus estudos, trabalharemos com questões que formam a base dos estudos literários. Essas discussões, porém, jamais serão uma etapa vencida em sua trajetória na busca pelo conhecimento. Ao contrário! Muitas das discussões iniciadas aqui acompanharão você pelo resto da vida. Então, vamos começar? Se um extraterrestre chegasse a Terra e nos perguntasse o que é um sapato, por exemplo, seríamos capazes de explicar a ele com facilidade. Poderíamos dizer, sem especificar muito, que um sapato é uma peça do vestuário usada para proteger os pés. Logo em seguida, poderíamos dar a ele um exemplo, mostrando um tênis ou uma bota. Contudo, se esse mesmo extraterrestre nos pedisse para explicar o que significa a Literatura, não seria tão simples construir uma definição precisa e rapidamente compreensível. Poderíamos ir a uma biblioteca e mostrar a ele as prateleiras repletas de livros, mas essa ação tampouco seria satisfatória. Isso porque dela surgiriam de imediato os seguintes problemas: Problema nº 1: Nem todos os livros impressos podem ser considerados literatura; Problema nº 2: Nem toda literatura é impressa ou sequer escrita; Em relação ao primeiro problema, basta passar um tempo em uma biblioteca ou em uma livraria que notaremos a diferença entre livros de botânica, por exemplo, e livros de poemas ou romances. As prateleiras, normalmente, são divididas numa configuração geral que separa livros técnicos de livros literários. Neste caso, os livros de botânica estariam no primeiro grupo e os romances e poemas estariam no segundo grupo. Em relação ao segundo problema colocado acima, ou seja, que nem toda literatura é impressa ou sequer escrita, basta pesquisarmos sobre a história da própria literatura, da própria escrita e da própria impressão que veremos que a arte literária parece ter sido criada antes ou de maneira independente à escrita ou ao texto impresso. Diversas obras são anteriores à invenção da chamada imprensa, criada por Gutemberg, e muitas delas foram inventadas e repassadas apenas oralmente, mesmo no tempo em que o homem já dominava a escrita manual. A elaboração e a reprodução de histórias orais era bastante frequente na Antiguidade, na Idade Média e até mesmo no início da Modernidade. Esse formato era, por exemplo, aquele adotado pelo poeta grego Homero que escreveu os clássicos Odisseia e Ilíada em forma de cantos, para serem repassados oralmente acompanhados de uma música. A Odisseia e a Ilíada são consideradas as primeiras obras literárias do Ocidente. As duas obras, que hoje podem ser encontradas em livros volumosos, foram escritas em versos ritmados por volta do século VIII a.C. Acredita-se, porém, que essas histórias já faziam parte da tradição oral da época e que o autor Homero só as organizou e passou para o papel, dando, é claro, o seu toque inventivo e criativo. Na época, a escrita e a leitura não eram popularizadas como são hoje em dia. Por conta disso, era frequente que poemas e histórias fossem contadas em forma de música como uma maneira de decorá-los e preservá-los mais facilmente. Ainda em relação ao problema da literatura não ser apenas impressa e escrita, a própria expressão “literatura oral” é capaz de reafirmar essa ideia. Há tempos se reconhece como literatura as fábulas, lendas e mitos que foram inventados pelas pessoas e transmitidos oralmente. Pensemos no folclore brasileiro, por exemplo. Não sabemos quem inventou a história do saci-pererê, mas sabemos que ela passou a ser contada e recontada de diversas maneiras pelas pessoas, sempre fazendo referência a um menino negro, muito travesso, que anda sobre uma perna só e usa um gorro vermelho. Para além das histórias brasileiras, clássicos da literatura infantil mundial também foram criados e transmitidos oralmente, muito antes de chegarem às estantes das livrarias. É o caso da famosa história de João e Maria, publicada pela primeira vez pelos Irmãos Grimm, dois escritores que pesquisaram sobre as narrativas da tradição oral e as colocaram em livros. Como essas histórias que nasceram da oralidade não têm uma autoria definida, elas podem ser contadas de maneiras diferentes. Procure, por exemplo, pesquisar livros do clássico João e Maria em bibliotecas e/ou em livrarias. Você verá que em essência eles contam a mesma história, mas as palavras usadas para contá-la são totalmente diferentes. Muitas vezes há também a diferença de alguns elementos e detalhes da própria narrativa, como um objeto ou um personagem secundário. Sabemos, então, que os livros impressos não são a principal referência para determinar o que é ou o que não é literatura. Muitas vezes o livro pode ser o instrumento pelo qual temos acesso à literatura, mas também podemos ter acesso a ela de outras maneiras, como por exemplo, por meio de um recital ou até mesmo de uma peça de teatro. Igualmente sabemos que o livro pode servir como instrumento para outros tipos de textos que não sejam literários. Como dissemos, as livrarias estão repletas de livros que não pertencem ao universo ou à “categoria” da literatura. Para definir literatura temos, então, que pensar além do suporte, além do instrumento usado para transmitir a literatura. A partir daí, poderíamos dizer que um texto é ou não literário por seu conteúdo, ou seja, pelo tema abordado dentro dele. Isso, porém, é uma definição ainda mais frágil, já que é possível encontrar textos literários que tratam de infinitas coisas, desde elementos fantásticos, como unicórnios ou animais falantes, até cenas da vida cotidiana de um cidadão comum em uma cidade qualquer. Logo, poderíamos dizer de início que não se pode definir a literatura a partir da ideia de tema. Mas é possível pensar em uma definição que trate da ideia de conteúdo de uma maneira mais ampla. Isso porque entendemos que a literatura é criada, inventada, imaginada. E não é necessariamente um fato verídico. Com isso chegamos à primeira definição possível do que é literatura: Definição 1: a literatura está ligada à ideia de ficcionalidade; uma obra literária é uma obra de ficção. A ficção é, portanto, uma maneira possível de conceituar a literatura. Quando pensamos em ficção, porém, não estamos querendo dizer que se trata de uma história que não tenha nenhuma relação com o universo real, com a vida cotidiana ou com aquilo que chamamos de realidade. Para explicar essa relação, o pensador italiano Umberto Eco utilizou a metáfora de um bosque. Segundo ele, quando lemos um texto literário temos uma experiência como a de adentrar a um bosque: não sabemos o que nos espera, mas vamos aos poucos nos ambientando, caminhando, conhecendo e nos habituando com o cenário proposto. Assim, entendemos que: se aceitamos entrar nesse universo, aceitaremos também tudo o que está contido nele. Parece incoerente aceitar o convite para passear em um bosque e depois ficar bravo por encontrar uma árvore ou um pássaro, por exemplo. Da mesma maneira ocorre quando começamos a ler um conto ou um romance. Fechamos um pacto com a obra e passamos a aceitar o que nela está contido. Assim, se nos propomos ler um conto de fadas, por exemplo, aceitaremos também que dentro desse universo pode haver seres mágicos como as próprias fadas. Ou gnomos. Ou animais falantes. Isso porque sabemos que em geral os contos de fadas mobilizam esse tipo de imaginário mais fantasioso. Uma corrente literária surgida na América Latina no século XX ficou muito famosa por mesclar elementos do mundo real com acontecimentos ditos “fantásticos”, ou seja, aqueles impossíveis de acontecer no mundo material. Esse movimento recebeu o nome de “Realismo Mágico”ou “Realismo Fantástico” e teve como principal expoente o escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982. Sua obra-prima se chama Cem anos de solidão e tem todos os elementos do Realismo Mágico. O texto é divertidíssimo e vale a pena conferir! Apesar de toda a liberdade criativa e inventiva que um texto literário possa ter, isso não quer dizer que ele não deva ter nenhum compromisso com o universo real e material. Ao contrário, todos os textos seguem uma lógica tanto interna quanto externa. Assim, quando estamos lendo uma narrativa em que os animais podem falar, entendemos que qualquer animal que venha a surgir dentro da história terá essa habilidade da fala. Caso essa lógica interna seja quebrada, parece necessário que haja uma explicação, ou seja, que a própria história relate os motivos pelos quais tal animal pode falar e tal animal não pode. Se isso não ocorrer, o texto parecerá ao leitor algo inverossímil, ilógico, sem sentido. Da mesma maneira que é necessário haver uma lógica interna, ou seja, uma coerência dentro do universo (ou do bosque) literário, deve haver também uma coerência em relação ao que está fora do universo ficcional. Segundo Umberto Eco, isso acontece de maneira natural em todo tipo de texto, uma vez que, para ele, toda ficção é uma espécie de parasita da realidade. Nesse ponto, cabe lembrar de uma excelente definição que o grande crítico brasileiro Antonio Candido deu a respeito da literatura em um de seus textos. Ele disse: Definição de Antonio Candido: “A literatura corresponde à necessidade universal de dar forma à fantasia, inclusive (talvez sobretudo) a fim de compreender melhor a realidade. A sua natureza reside neste paradoxo.” FONTE: CANDIDO, Antonio. Literatura, espelho da América? Madison, WI: Luso- Brazilian Review, v. 32, no. 2, (1995), Portanto, fantasia e realidade são categorias que não se anulam quando estamos tratando de ficção. Assim, por mais que uma narrativa contenha um número alto de elementos e personagens fantasiosos, ela sempre estará ancorada em ideias que estruturam nosso mundo real, nosso mundo material. Para você pensar sobre essa mescla entre elementos mágicos e não-mágicos, assista ao filme O labirinto do fauno. A obra dirigida por Guilhermo del Toro é um clássico do cinema e apresenta uma perfeita simbiose entre fantasia e realidade. Procure perceber quais os elementos do nosso mundo material que ajudam a ancorar a narrativa. Além disso, perceba a lógica interna da história, ou seja, aquela dada mesmo a partir dos elementos mágicos. Em resumo, o que estamos querendo distinguir aqui são os conceitos de veracidade e verossimilhança. Veracidade é um substantivo derivado da palavra “verdade” e que tem a pretensão de englobar aquilo que tenha a ver com a realidade, com o verdadeiro e, em última instância, com o confiável do ponto de vista do mundo material. Já a verossimilhança está mais ligada à lógica ou apenas à proximidade com a realidade. Para que fique mais clara essa distinção, observemos as definições do dicionário: Definição 1: Veracidade – qualidade do que é verdadeiro ou verídico; apego à verdade; exatidão, fidelidade. Definição 2: Verossimilhança – qualidade do que é verossímil; que parece ser verdadeiro; provável; em que não repugna acreditar; plausível; crível. Sendo assim, não podemos dizer que uma história como a Chapeuzinho Vermelho não tem tanta veracidade, mas podemos dizer que nela há verossimilhança porque trata-se de uma história que tem sua lógica interna, tem sua coerência. Sendo assim, adentrar em um bosque ficcional – para usar a expressão de Umberto Eco novamente – significa esquecer-se da veracidade mas estar sempre atento à verossimilhança. Se pegarmos os personagens da Disney como exemplo para essa discussão, notaremos que o personagem Pluto é perfeitamente verídico: trata-se de um cachorro que age como agiria um cachorro em nosso mundo real. Ele anda sobre quatro patas, gosta de comer ossos e, em geral, não usa roupas ou sapatos. Porém, se compararmos a figura do Pluto com a figura do Pateta, o conjunto de personagens da Disney parece inverossímil já que ambos os personagens são cachorros mesmo tendo atitudes e características completamente diferentes. O personagem Pateta, ao contrário do Pluto, anda sobre duas pernas, usa roupas, fala e come como um homem. É claro que ele é caracterizado como alguém muito mais atrapalhado do que um homem normal, mas ainda assim suas características estão mais próximas de uma figura humana do que de uma figura animal. Se esses personagens aparecessem em uma narrativa escrita e fossem descritos igualmente como cachorros, o narrador da história certamente teria que explicar os motivos pelos quais suas características são tão distintas, ou pelo menos os motivos pelos quais um pode falar e o outro não. É claro que no caso dos personagens da Disney a forma como os personagens são desenhados manipula nossa visão sobre a lógica interna da história. É por isso que muitas crianças gostam do Mickey e da Minnie sem perceber que eles são, na verdade, ratinhos. Independente desses detalhes, tanto Mickey, quanto Minnie ou Pateta e Pluto são personagens ficcionais. A ficção é, como íamos dizendo, uma forma de conceituar a literatura. Mas o fato de Mickey ou Pateta terem sido inventados não faz deles necessariamente personagens literários. Isso porque além do conteúdo ficcional, a literatura tem outra característica importante de ser conceituada: a forma. Quer dizer, quando estamos ouvindo uma música, sabemos que estamos diante de um objeto artístico que conhecemos como música. Quando estamos assistindo a uma peça de teatro, identificamos esse espetáculo como sendo algo pertencente à categoria da arte chamada de “teatro”. Sabemos tudo isso por conta de uma forma ou, podemos dizer também, uma fórmula mais ou menos parecida. Para compreender melhor o que é, afinal, esse elemento “forma” dentro desse universo tão complexo chamado de “literatura”, leia primeiramente os exemplos dados pelo crítico inglês Terry Eagleton: A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. Se alguém se aproximar de mim em um ponto de ônibus e disser: “Tu, noiva ainda imaculada da quietude”, tenho consciência imediata de que estou em presença do literário. Sei disso porque a tessitura, o ritmo e a ressonância das palavras superam o seu significado abstrato – ou, como os linguistas diriam de maneira mais técnica, existe uma desconformidade entre os significantes e os significados. Trata-se de um tipo de linguagem que chama a atenção sobre si mesma e exibe sua existência material, ao contrário do que ocorre com frases como: “Você não sabe que os motoristas de ônibus estão em greve? (EAGLETON, 2006, p. 3) Essa concepção de que a linguagem literária é facilmente reconhecível porque ela se difere de outras formas de comunicação entre as pessoas começou a ser elaborada por um linguista russo chamado Roman Jakobson. É sobre sua teoria que vamos tratar a seguir. As funções da linguagem de Jakobson Roman Jakobson foi um estudioso da linguagem que elaborou diversas teorias importantes e que revolucionou os estudos linguísticos e literários no século XX. É dele uma teoria linguística muito famosa que trata das “Funções da linguagem”. Segundo essa teoria, existem SEIS funções da linguagem humana: 1. Função emotiva 2. Função conativa 3. Função metalinguística 4. Função fática 5. Função referencial 6. Função poética Cada uma dessas funções pensadas por Jakobson seria explicada por um dos elementos que compõem o sistema de comunicação. De acordo com as teorias de comunicação, para ocorrer um processo comunicativo é necessário que se observe os seguintes elementos: 1. Emissor – aquele que passaa mensagem; 2. Receptor – aquele a quem a mensagem se dirige; 3. Código – o signo utilizado para passar a mensagem; 4. Canal – o meio utilizado para passar a mensagem; 5. Referente/contexto – situação comunicativa em que estão inseridos o emissor e o receptor; 6. Mensagem – o que quer se quer passar. As funções da linguagem seriam, portanto, SEIS assim como também são SEIS os elementos do processo comunicativo. Dessa forma, Jakobson entende que cada função da linguagem está centrada em um dos elementos, como mostra o quadro abaixo: EMOTIVA → EMISSOR CONATIVA → RECEPTOR METALINGUÍSTICA → CÓDIGO FÁTICA → CANAL REFERENCIAL → CONTEXTO POÉTICA → MENSAGEM Figura 1 - As funções da linguagem relacionadas com o elemento do sistema comunicativo ao qual elas mais se aproximam. O professor da Universidade de Yale, Paul Fry, em um curso ministrado sobre Teoria Literária, utiliza a frase “Está chovendo” como exemplo para explicar as funções da linguagem propostas por Jakobson. A partir dessa expressão ele nos faz perceber que é possível produzir pelo menos seis sentidos diferentes utilizando a mesma frase, de acordo com a ênfase dada aos elementos da comunicação em cada situação. Vamos tomar emprestado esse exemplo para refletirmos sobre todas as Funções da Linguagem, uma a uma. Para a função EMOTIVA, por exemplo, como ela está centrada na figura do emissor da mensagem, poderíamos pensar em um poeta romântico falando a frase “Está chovendo”. Um poeta romântico é alguém cuja necessidade maior é expressar os sentimentos de seu “Eu Lírico”, ou seja, de sua própria subjetividade, de suas angústias etc. Nesse caso, se um poeta romântico diz, em sua obra, a frase “está chovendo”, ele provavelmente estará querendo dizer algo como “está chovendo em meu coração” ou “a chuva expressa minhas desilusões” etc. Quer dizer, quando a mensagem está centrada no “eu”, ou seja, no emissor, ela em geral denota alguma “emoção”, daí essa função ser chamada de emotiva. No caso da função CONATIVA, a ênfase está no receptor da mensagem. Imaginemos, então, uma mãe que vê seu filho se preparando para sair de casa em direção à escola. Ela diz a ele a frase: “Está chovendo!”. O menino compreende, então, que ele deve pegar o guarda-chuva antes de sair, ou que ele deve trocar de roupa, vestir um casaco, colocar uma galocha, ou qualquer coisa assim. Ora, nesse caso estamos tratando de uma espécie de comando para alguém, mais precisamente para o receptor da mensagem. Esse comando é o que define a função conativa. A função METALINGUÍSTICA, porém, não é tão simples de ser explicada a partir da fórmula “está chovendo”. Isso porque essa função não costuma ser utilizada no nosso dia-a-dia dessa maneira, em forma de uma frase. A metalinguagem é, na verdade, aquilo que define com palavras o significado de outras palavras. A função metalinguística está presente, por exemplo, nos dicionários. Sabemos que uma palavra é uma espécie de código inventado e convencionado dentro de uma língua. Em português, quando ouvimos a palavra “chover”, logo pensamos na imagem da chuva, ou seja, de um momento e lugar em que está caindo gotas de água do céu. Isso ocorre porque já sabemos o significado do verbo “chover”. Caso não saibamos o que significa “chover”, teremos que acionar a função metalinguística da linguagem, procurando o termo no dicionário de modo que ele defina “chover” utilizando determinado conjunto de palavras. Em relação à função FÁTICA, ela é uma espécie de “teste” para verificar o meio, ou o canal, de transmissão da mensagem. Antes de se apresentar, um músico costuma testar o microfone, por exemplo, dizendo “teste, um, dois, testando...”. A função dessa ação comunicativa é puramente testar o canal, ver se é possível estabelecer uma comunicação dali em diante. Agora imaginemos um casal que se encontra em um elevador, ficam interessados um pelo outro, mas não sabem como começar uma conversa. Alguém poderia dizer, como é bastante comum inclusive, a frase “Está chovendo, não é?”. E logo o outro responderia “É verdade! Está chovendo”. Ora, nesse caso as duas pessoas não estão tentando informar um dado preciso sobre a meteorologia, mas estão tentando estabelecer um contato inicial, ver se o canal de comunicação poderá funcionar mais adiante. Em 1999, um comercial de televisão lançado no Brasil se tornou um dos mais famosos vídeos da história da publicidade brasileira. O comercial foi feito para uma marca de refrigerante de laranja chamada Sukita e nele era apresentada uma conversa corriqueira em uma elevador. A cena era a seguinte: um homem de meia idade tentava puxar assunto com uma menina mais jovem que pegava o elevador com ele. Na cena, a moça quase não responde à tentativa de comunicação do homem até o momento em que o interrompe dizendo: “tio, aperta o 20 para mim?”. O fato de ela chamá-lo de “tio” frustra o sujeito que estava querendo conquistál-a. Mas, o fato é que essa propaganda demonstra precisamente a função fática da linguagem, ou seja, quando pelo menos um dos interlocutores está tentando estabelecer uma comunicação dizendo frases ou fazendo perguntas que são quase retóricas, ou seja, que não se espera resposta. Quando falamos da função REFERENCIAL, em contrapartida, pensamos em uma ação comunicativa que tem o referente ou o contexto como elemento central. Nesse caso poderíamos pensar em um meteorologista falando a expressão “está chovendo” para colegas de trabalho, por exemplo. A função da linguagem nesse exemplo é meramente informativa, ela tem apenas a intenção de informar, de transmitir uma informação que pode ser verificada. Se um meteorologista diz a alguém que está chovendo, essa pessoa não suspeita que ele esteja querendo dizer outra coisa a não ser que nesse exato momento está caindo água do céu. Não há, nesse caso, um sentido escondido, ao contrário, a mensagem tenta ser precisa porque tem a função de informar. A função POÉTICA da linguagem seria, enfim, aquela presente na literatura, ou seja, aquela que dá forma à arte literária, que a distingue de todas as outras formas de comunicação. Um texto literário pode apresentar elementos e seres fantásticos, como fadas e duendes, por exemplo. Um texto literário também pode expressar sentimentos humanos por meio de palavras rimadas, como é frequente em poemas românticos. Ou ainda um texto literário pode narrar uma situação extremamente corriqueira de uma pessoa comum, como uma senhora indo comprar verduras em uma feira. De todas essas maneiras – e de muitas outras – um texto literário se distinguirá de outros gêneros do discurso. Essa distinção, segundo a teoria das funções da linguagem, diz respeito à forma do texto literário, assim como tem a ver também com sua gênese que é estar focada na mensagem, ou seja, no texto em si. Gêneros do discurso são formas de comunicação que costumam ser estudados dentro de um subcampo da Linguística chamado “Análise do Discurso”. Nesse caso, os exemplos são muito mais abrangentes do que os gêneros literários. Eles podem ser, por exemplo, bulas de remédio, manuais de aparelhos digitais ou até mesmo frases proferidas durante uma cerimônia de casamento, por exemplo. Quer dizer, os gêneros do discurso podem ser encontrados por toda parte e há um campo do conhecimento responsável por analisá-los e compreendê-los. Muitos desses discursos diversos são capazes de ajudar cientistas sociais e antropólogos a desvendar os mistérios do comportamento humano assim como os mistérios acerca das formas de interação social. Em geral, os gêneros do discurso têm uma finalidade prática na vida em sociedade, diferente da literatura que não tem esse mesmo compromisso. Para recapitularmos um pouquinho o que estamos tratando nesta seção, lembremos que a “função poética” é uma das SEIS funções da linguagem elaboradas pelo linguistaRoman Jakobson. A intenção inicial de Jakobson era demonstrar que os processos comunicativos têm funções limitadas de acordo com os elementos que compõem esse processo de comunicação (emissor, receptor, código, canal, contexto e mensagem). Segundo essa ideia, cada uma dessas funções pode ser identificada no dia-a-dia, sendo uma delas a arte literária. A função poética representa, então, a situação social onde se encontra a literatura. Essa situação ocorre quando o foco do processo comunicativo está na MENSAGEM, ou seja, quando o que está em jogo mesmo é o texto. Apenas o texto. Ou melhor: a arte do texto, a arte de organizar as palavras de tal maneira a provocar uma experiência estética. A função POÉTICA tem o nome que remete ao gênero lírico, ou seja, “poético”, mas é muito importante pensarmos que ela não se restringe apenas a esse tipo de texto. A função poética engloba todo tido de texto literário, seja ele rimado ou não, versificado ou não, e assim por diante. Em resumo, a função poética da linguagem é encontrada tanto em poemas quanto em contos ou romances. Voltando ao exemplo proposto pelo crítico Paul Fry, a frase “está chovendo” também pode ser encontrada em uma situação em que identificamos a função poética. Ela pode ser encontrada dentro de um texto literário, tanto de poesia quanto de prosa, e a apreciaremos como se aprecia uma obra de arte porque ela faz parte de um contexto estético. Para ficar mais claro o que estamos dizendo sobre a função POÉTICA, leia os dois trechos abaixo que foram extraídos do clássico da literatura Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. O romance, que é situado na cidade fictícia de Macondo, narra em determinado momento a vida dos habitantes durante um período intenso de chuvas na região. Exemplo 1: Não fosse por esse padecimento que nada teria tido de pudendo para alguém que não estivesse doente também de pudicícia, e se não fosse a perda das cartas, Fernanda não teria se importado com a chuva, porque afinal de contas toda a sua vida tinha sido como se estivesse chovendo. Não modificou os horários nem perdoou os ritos. Quando a mesa ainda estava suspensa sobre tijolos e as cadeiras colocadas sobre tábuas para que os comensais não molhassem os pés, ela continuava servindo com toalhas de linho e louça chinesa, e acendendo os candelabros no jantar, porque achava que as calamidades não podiam servir de pretexto para o relaxamento dos costumes. Exemplo 2: O Coronel Gerineldo Márquez atendeu naquela tarde a um chamado telegráfico do Coronel Aureliano Buendía. Foi uma conversa de rotina que não havia de abrir nenhuma brecha para a guerra estancada. Ao terminar, o Coronel Gerineldo Márquez contemplou as ruas desoladas, a água cristalizada nas amendoeiras, e se encontrou perdido na solidão. — Aureliano — disse tristemente no manipulador — está chovendo em Macondo. Houve um longo silêncio na linha. De repente, os aparelhos saltaram com os signos desapiedados do Coronel Aureliano Buendia. — Não seja boboca, Gerineldo — disseram os signos. —É natural que esteja chovendo em agosto. Fazia tanto tempo que não se viam que o Coronel Gerineldo Márquez se desconcertou com a agressividade daquela reação. Entretanto, dois meses depois, quando o Coronel Aureliano Buendía voltou a Macondo, o desconcerto se transformou em espanto. FONTE: Márquez, Gabriel García. Cem anos de solidão. São Paulo: Editora Record, 2002. Depois de tudo isso, você deve estar pensando: e se um romance narrar a cena de uma mãe sugerindo ao filho que pegue um guarda-chuva ao pronunciar a frase “está chovendo”? Essa situação que utilizamos acima como exemplo para a função FÁTICA da linguagem demonstra um foco voltado para o receptor da mensagem. Nesse caso, estaríamos diante da função FÁTICA ou da função POÉTICA da linguagem? O próprio Jakobson já comenta esse problema ao apresentar sua teoria. Ele diz: As particularidades dos diversos gêneros poéticos implicam uma participação, em ordem hierárquica variável, das outras funções verbais a par da função poética dominante. A poesia épica, centrada na terceira pessoa, põe intensamente em destaque a função referencial da linguagem; a lírica, orientada para a primeira pessoa, está intimamente vinculada à função emotiva; a poesia da segunda pessoa está imbuída de função conativa e é ou súplice ou exortativa, dependendo de a primeira pessoa estar subordinada à segunda ou esta à primeira. (JAKOBSON, 1995, p. 128) Em resumo, é natural que determinado gênero literário faça uso de uma ou de outra função da linguagem que não seja a função POÉTICA. Isso porque a literatura empresta discursos variados presentes no mundo. Mas o fato de estarmos diante de um texto literário faz com que estejamos necessariamente diante da função POÉTICA da linguagem sob o ponto de vista mais amplo. Um texto pode narrar a cena de uma mãe orientando o filho quanto à chuva, mas se esse texto é considerado literário, o foco continua sendo a MENSAGEM e não o receptor da mensagem pronunciada pela personagem “mãe”. O foco de um texto que pertence à função poética está na FORMA e nos motivos pelos quais o autor escreveu determinada cena dessa maneira e não de outra maneira. Há de se pensar, portanto, em uma hierarquia das funções da linguagem. Elas podem ser utilizadas dentro de um texto literário, mas se estamos lendo um texto literário o que predomina é a função POÉTICA. Tomemos como exemplo a obra do escritor e humorista brasileiro Millôr Fernandes. Frequentemente ele publicava, em suas colunas de revistas ou de jornais, textos que imitavam a linguagem de dicionários. Ele escrevia definições engraçadas e incomuns para palavras cotidianas. Esse conjunto de textos em forma de dicionário chegou a ser reunido em um livro chamado “Millôr definitivo: a bíblia do caos”. Observe abaixo alguns dos verbetes encontrados nessa obra e note como o texto parece pertencer à função METALINGUÍSTICA, mas na verdade ele corresponde à função POÉTICA se olharmos de maneira mais ampla. DICIONÁRIO – As palavras nascem saudáveis e livres, crescem vagabundas e elásticas, vivem informes, informais e dinâmicas. Morrem quando contraem o câncer do significado definitivos e são recolhidas ao CTI dos dicionários. DIETA – Quem acredita em dieta engole qualquer coisa. LIVRO – Livro não enguiça. PESSIMISTA – Pessimista é o único que está preparado para ser otimista quando seu pessimismo der certo. FONTE: FERNANDES, Millôr. Millôr definitivo: a bíblia do caos. Porto Alegre: L&PM, 2007. O fato de a função POÉTICA estar centrada na MENSAGEM, ou seja, na forma do próprio texto faz com que Jakobson seja um Formalista, ou seja, um integrante do grupo de teóricos da literatura cujo entendimento maior era de que a FORMA era o elemento mais importante em um texto literário. Naturalmente, essa não é a única maneira de compreender um texto, mas ela serve muito bem para seguirmos com nosso desafio de conceituar a literatura. Assim, a partir da teoria das Funções da Linguagem de Roman Jakobson, chegamos à segunda definição de literatura: Definição 2: a literatura emprega a linguagem de maneira peculiar; a literatura é a arte da palavra. Sendo assim, agora entendemos a literatura como um texto ficcional cuja forma emprega uma linguagem peculiar diferindo-se então de outras linguagens cotidianas de maneira que acaba sendo considerada uma arte. Mas, como já dissemos, há inúmeras outras maneiras de se conceituar a literatura, assim como as artes em geral. Uma das mais antigas e importantes maneiras de conceituação da arte literária vem da Antiguidade Clássica Grega, mais precisamente do grande filósofo Aristóteles. É o que veremos na sequência. A Poética de Aristóteles A chamada Antiguidade Clássica Grega foi o berço da Filosofia. Foi nessa época e lugar que Tales de Mileto,que é considerado o primeiro filósofo da História, elaborou o seu pensamento e deu início a uma nova forma de produzir conhecimento. Foi na Grécia Antiga também que nasceram aqueles que mais tarde se tornariam os pilares do pensamento Ocidental: Sócrates, Platão e Aristóteles. O primeiro, Sócrates, não deixou nada escrito, mas boa parte de seu pensamento foi registrado nas obras de seu mais importante aluno: Platão. Aristóteles, por sua vez, foi uma espécie de discípulo de Platão, isso embora ele não concordassem com todas as posições defendidas por Platão. Esses dois últimos, Platão e Aristóteles, ao contrário de Sócrates, deixaram muitos escritos. Aristóteles, especialmente, produziu inúmeras obras sobre assuntos diversos, a maioria deles que hoje constituem subcampos de estudos dentro da Filosofia. Um desses subcampos é o da Estética, disciplina filosófica que procura refletir sobre a arte. Se você for estudar Filosofia de maneira sistemática, você verá que ela tem uma subdivisão de acordo com temas. A Filosofia Política, por exemplo, é uma dessas áreas. Nela estão contidos textos como a própria República, de Platão; O Príncipe, de Maquiavel; e Leviatã de Thomas Hobbes. Como o próprio nome denuncia, a Filosofia Política trata de questões acerca da política, desde seu conceito até sua aplicação na vida em sociedade. Há ainda disciplinas como a Ontologia, a Lógica, a Ética e a Estética. Essa última, que estamos tratando aqui, é o campo filosófico onde só se estuda objetos artísticos. De acordo com o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, o verbete ESTÉTICA tem primordialmente a seguinte definição: Com esse termo designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. [...] Dissemos “arte e belo” porque as investigações desses dois objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mescladas na filosofia moderna e contemporânea. FONTE: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. Aristóteles não foi o primeiro a falar sobre Estética, ou sobre arte de uma maneira geral. No famoso texto A República, escrito por Platão antes de Aristóteles escrever a sua Poética, já há a menção ao campo da arte e ao universo dos artistas ou artesãos. Apesar dessas menções em sua obra, Platão não chegou a esboçar uma teoria ou um pensamento mais desenvolvido ou específico sobre a literatura ou sobre a arte como um todo. Em geral, a ideia que temos sobre o que Platão pensada das artes é extraída de sua teoria geral sobre os objetos do mundo. É por conta disso que o livro chamado de Poética, de Aristóteles, acabou sendo considerado a primeira obra de Teoria Literária da História. Quer dizer, se formos mapear o pensamento sobre a arte, poderemos extrair, como já mencionamos, algumas ideias da obra geral de Platão, mas se formos mapear obras que exclusivamente se dedicaram a refletir sobre esse campo, encontraremos em Aristóteles a pioneira. Um dado muito curioso sobre essa obra de Aristóteles é que apesar de ela ter sido escrita por volta de 330 a.C, ela ficou esquecida por muito tempo, tendo sido resgatada apenas depois do fim da Idade Média, ou seja, mais ou menos no século XV. Durante o período de dominação da Igreja Católica na Europa, muitos textos filosóficos da Antiguidade se perderam e outros foram guardados por árabes e outros povos não-cristãos, como ocorreu com a Poética. Apesar de termos tido a sorte de contar com povos que preservaram o texto de Aristóteles e de outros filósofos, a Poética não chegou intacta à Era Moderna. Quando sua primeira edição foi reproduzida em grego, já no Renascimento, ela não se encontrava mais completa, ou seja, estavam faltando partes. O que estudamos, portanto, é o que seria a primeira parte da Poética de Aristóteles. O mistério envolvendo a segunda parte da Poética de Aristóteles inspirou o enredo de um dos clássicos da literatura mais recente. O crítico e escritor italiano Umberto Eco escreveu o romance O nome da rosa colocando nele a suposta ideia de que a segunda parte da Poética estaria escondida em um monastério. Nesse romance de Eco, diversos monges morrem por conta do misterioso texto aristotélico. O nome da rosa foi também adaptado para o cinema em 1986. Tanto o livro quanto o filme são uma ótima opção para aprender e ao mesmo tempo se divertir. Uma das coisas que chama a atenção quando se começa a ler a Poética de Aristóteles é a ausência da palavra “literatura”. Logo nas primeiras páginas, encontramos a seguinte menção: A arte que se utiliza apenas de palavras, sem ritmo ou metrificadas, estas seja com variedade de metros combinados, seja usando uma só espécie de metro, até hoje não recebeu um nome. (ARISTÓTELES, 2014, p. 19) Ora, é importantíssimo nos situarmos no tempo para lembrarmos que na época de Aristóteles não havia livros impressos e aqueles que eram escritos à mão eram raríssimos. Em resumo, nessa época o próprio exercício de ler não era popularizado. As pessoas em geral não liam, não eram alfabetizadas. Sendo assim, as formas de literatura eram as faladas oralmente, ou cantadas junto com instrumentos musicais, ou então encenadas. Quanto a esses gêneros literários mais predominantes nas Antiguidade, trataremos com mais tempo na próxima Unidade. Por enquanto, é importante você pensar que toda a teoria de Aristóteles está baseada na poesia épica cantada e no texto dramático encenado. Tudo aquilo que se afasta da música ou do teatro seria, então, para Aristóteles algo que ainda não tinha nome, mas que entrava no mesmo grupo da arte poética em geral. Hoje em dia esse “geral” é o que chamamos de Literatura. Não foi só a Filosofia um campo importante que a Grécia Antiga nos deu. O teatro grego desse período também foi e continua sendo um marco da História do mundo e das artes. Entre os dramaturgos mais importantes estão Sófocles, Ésquilo e Eurípedes. As peças escritas por esses autores, além de outros que fizeram sucesso no período, são encenadas e estudadas até os dias de hoje. Elas são também, em parte, filosóficas, pois em geral tratam de questões universais e atemporais. Ainda no início de seu texto chamado de Poética, Aristóteles apresenta os dois principais temas de que pretende tratar ao longo das páginas seguintes: a tragédia e a comédia. É, obviamente, por causa dessa apresentação que se pode especular o assunto de que trataria a segunda parte “perdida” do texto de Aristóteles. Segundo o filósofo, a tragédia seria aquela produção cuja centralizada estivesse na ação, ou seja, uma peça de teatro ou até mesmo uma epopeia que focasse seu enredo em um acontecimento. Do outro lado, a comédia, seria aquele texto cujo foco estivesse voltado para determinado personagem cômico, ou seja, uma peça de teatro ou uma epopeia que se preocupasse em construir “tipos”, ou seja, personagens caricatos da sociedade, provocando o riso e a identificação das pessoas. É também logo no início de sua Poética, que Aristóteles, faz sua definição maior sobre a arte da escrita, seja ela em formato de poesia, ou de teatro ou de qualquer outro gênero que até mesmo viria a surgir posteriormente. Para Aristóteles, a arte poética, ou literária como chamamos hoje em dia, é uma imitação da realidade. Para usar o termo grego, que também é bastante difundido, para Aristóteles a arte é uma espécie de mímesis da realidade. A palavra imitação, ou mímesis, é o ponto alto da definição de Aristóteles para a Literatura. Em qualquer discussão sobre o entendimento que Aristóteles tinha a respeito da arte literária, é fundamental utilizar esse conceito de imitação. Então, quando falamos na palavra “imitação” pensamos logo em alguém imitando outra pessoa de maneira caricata e engraçada. Essa ideia pode ser aplicada ao gênero da comédia, mencionado por Aristóteles. Mas, na verdade, a definição de imitação para Aristóteles vaimuito além disso. O que ele quer dizer com o termo “imitação” serve para todo tipo de arte. Isso porque, para Aristóteles, todas as artes são produzidas com vistas para elementos da realidade. Isso serviria para a dança, cujos movimentos podem ser pensados a partir de pessoas, de animais, de plantas ou de qualquer objeto do mundo. Essa ideia de imitação também serviria para a pintura, cujas representações seriam sempre de cenas ou de coisas que podem ser encontradas no mundo. E por fim, essa ideia de imitação também estaria relacionada aos textos em geral, desde os textos escritos, até os cantados ou encenados. A imitação é, portanto, aquilo que une todas as artes. Quer dizer, a imitação é o ponto em comum que todas as artes têm entre si, segundo o filósofo grego Aristóteles. Para ele, as artes vão se distinguir entre elas apenas pelos meios, maneiras e objetos utilizados para produzir essa imitação. Veja o que o próprio Aristóteles diz em sua Poética: A epopeia, o poema trágico, bem como a comédia, o ditirambo e, em sua maior parte, a arte do flauteiro e a do citaredo, todas vêm a ser, de um modo geral, imitações. Diferem entre si em três pontos: imitam ou por meios diferentes, ou objetos diferentes, ou de maneira diferente e não a mesma. (ARISTÓTELES, 2014, p. 19) Em resumo, Aristóteles acredita que cada arte escolhe seu jeito de “imitar” a realidade. A mímesis é algo inerente à arte e, portanto, definidora dela. Sendo assim, podemos dizer que chegamos, nesta Unidade, a uma terceira maneira de conceituar a literatura: Definição 3: literatura é mímesis; literatura é a representação ou imitação da realidade. Naturalmente, você deve estar pensando agora que essa definição não se aplica a tudo o que está no mundo. Como já falamos, há textos literários que representam seres e objetos fantásticos, mágicos, inventados. Nesse caso, o texto não estaria representando ou imitando algo da realidade, não é mesmo? Pensando dessa maneira, é claro que a definição de Aristóteles não faz sentido. Mas, se observarmos de maneira mais ampla o objeto representado pela obra literária, veremos que há sim uma intenção de imitar a realidade. Por exemplo, pensemos na clássica história da Chapeuzinho Vermelho. Parece pouco provável que quem inventou essa história tenha mesmo se inspirado em um fato que aconteceu de verdade. Não parece verídico que um lobo fale, nem que seja possível resgatar do interior de sua barriga uma senhora idosa que acabou de ser engolida. Contudo, o que realmente a história de Chapeuzinho Vermelho está querendo representar é uma situação que se pode sim observar no mundo. A narrativa não quer simplesmente mostrar lobos que falam ou vovós que são engolidas, ela está querendo representar uma cena de desobediência e suas implicações. Em resumo, a história da Chapeuzinho Vermelho é a história de uma menina que desobedece sua mãe, pegando o caminho que não deveria, e que paga um preço por isso. Ora, isso é, de certa forma, a imitação da realidade, já que esse tipo de situação é recorrente no mundo. É claro que as situações de desobediência de filhos em relação aos seus pais não ocorrem dessa maneira, com a inclusão de fatos fantásticos, mas isso não deixa de representar uma coisa do mundo. Será que é possível mesmo pensar em todo e qualquer objeto estético ou artístico a partir da ideia de “mímesis” elaborada por Aristóteles? Procure pensar em filmes que você já viu, quadros famosos da história da arte que você conhece, peças de teatro que você assistiu ou até mesmo livros que você já leu. Agora pense: em que medida eles “imitam” a realidade? O conceito de mímesis pode ser aplicado a eles? Além do conceito de mímesis, também é possível encontrar outo conceito chave na obra aristotélica que trata do campo da Estética, ou seja, das artes: o conceito de catarse. Essa ideia está ligada aos sentimentos que a experiência estética pode provocar no espectador. Quer dizer, uma obra de arte, segundo a ideia de Aristóteles, é capaz de provocar ou de despertar sentimentos diversos em um ser humano. Essa espécie de enxurrada de emoções de absolutamente toda natureza, boa ou ruim, é aquilo que chamamos de catarse. Catarse é a “libertação do que é estranho à essência ou à natureza de uma coisa e que, por isso, a perturba ou corrompe.” Esse termo, de origem médica, significa “purgação”. [...] Aristóteles utilizou amplamente esse termo em seu significado médico, nas obras sobre história natural, como purificação ou purgação. Mas foi o primeiro que o usou para designar também um fenômeno estético, qual seja, uma espécie de libertação ou serenidade que a poesia e, em particular, o drama e a música provocam no homem.” ABBAGNANO, 2012. Catarse não quer dizer, portanto, apenas se emocionar ao assistir a uma peça de teatro que julgados “bonita”, por exemplo. A ideia de catarse vai além disso. A catarse é o resultado de uma provocação que mobiliza uma mistura complexa de sentimentos humanos e ao mesmo tempo os expurga, coloca-os para fora do corpo. Muitos séculos depois de Aristóteles escrever a sua Poética, um dos maiores dramaturgos da modernidade ficou muito conhecido por questionar e tentar reconfigurar a ideia da catarse aristotélica. Esse dramaturgo era o alemão Bertolt Brecht. Ele acreditava que a ideia antiga de catarse contribuía para formar espectadores e também cidadãos passivos, ou seja, que não conseguiam pensar ou tomar uma atitude frente aos problemas. Era muito comum que em suas peças Brecht tentasse quebrar essa sensação de passividade, rompendo com a ordem natural da narrativa. Muitas vezes ele mudava todo o espaço do teatro durante a peça ou interrompia a atuação e provocava espectadores. Como já mencionamos, a Tragédia é o gênero que recebe mais atenção de Aristóteles, pelo menos no trecho que sobrou da Poética. O conceito de catarse surge precisamente a partir desse gênero tão importante para o filósofo grego. Ela seria, então, a finalidade, ou seja, o objetivo final de uma peça teatral classificada como “trágica” dentro da concepção aristotélica. Catarse e mímesis são, portanto, os dois principais conceitos que podemos extrair da teoria Estética e literária de Aristóteles. E é com essa volta ao passado que encerramos, por ora, as discussões sobre os possíveis conceitos de literatura. Já na sequência discutiremos as noções de Teoria e de Crítica literária. Mas antes de seguirmos adiante, que tal fazermos uma breve recapitulação? Uma das primeiras maneiras de conceituarmos a literatura é a partir de uma das faces de seu conteúdo. Essa face diz respeito à falta de compromisso que a literatura tem com o universo material ou real. Sendo assim, a primeira coisa que podemos dizer sobre um texto literário é que ele é ficcional. Mas, além disso, sabemos que a literatura se difere de outras formas de comunicação também pela sua forma. Quer dizer, é possível identificar o que é uma bula de remédio, o que é um manual de instruções de um equipamento eletrônico e o que é um conto ou uma poesia porque cada um desses textos têm formas diferentes. Para justificar essa ideia, o linguista Roman Jakobson elaborou a teoria das Funções da Linguagem, em que identificou as funções: emotiva, conativa, metalinguística, fática, referencial e poética. Esta última seria aquela focada na mensagem e que seria encontrada em textos literários. A partir disso, compreendermos que a literatura é aquilo que emprega a linguagem de maneira peculiar, sendo, portanto, a arte das palavras. Outra maneira de pensar a literatura é a partir da ideia de Aristóteles, de que ela é sempre a imitação de alguma coisa do mundo. A “mímesis” seria, então, uma característica inerente e também definidora da arte literária. Crítica e Teoria Literária Agora que já temos uma ideia do que é a literatura, tentaremos esboçar também algumasideias dos campos que se dedicam a observar essa arte. Frequentemente, as noções de Crítica e de Teoria literária se misturam e se confundem. Isso é natural e tentaremos esclarecer os motivos pelos quais isso ocorre e os pontos específicos em que ambos os campos se encontram. Para começar, vamos observar as definições que o dicionário nos dá para os verbetes “crítica” e “teoria”: Crítica: arte de julgar uma obra de caráter intelectual, artístico ou literário; apreciação de uma criação intelectual, artística ou literária; julgamento; análise. Conjunto das pessoas que exercem a atividade de crítico. Juízo moral ou intelectual. Teoria: sistema coerente dos conceitos, princípios e técnicas na base de determinado objeto de estudo. Conhecimento sistematizado sobre determinado domínio. Ideia ou sistema que resultam da especulação ou de conjecturas. Hipótese não testada experimentalmente que se apresenta como explicação de determinada circunstância ou fenômeno em relação aos quais existem dúvidas. A partir desses conceitos preliminares, parece coerente dizermos que a Crítica é algo mais particular, algo mais específico. Isso enquanto que a Teoria seria “um sistema”, como o próprio dicionário diz. Quer dizer, a Teoria seria algo menos particular do que a Crítica, algo mais amplo, algo mais genérico, algo que serve para um maior número de casos. Essa divisão parece interessante e muito apropriada para começarmos o processo de distinguir a Teoria da Crítica literária. O problema é que na prática isso nem sempre ocorre, como explica o teórico francês Antoine Compagnon: A confusão é mais embaraçosa na medida em que as palavras crítica literária são elas também utilizadas num sentido geral e num sentido particular: elas designam ao mesmo tempo a totalidade do estudo literário e sua parte que diz respeito ao julgamento. (COMPAGNON, 2010, p. 200) O que Compagnon está lembrando é que por mais que tentemos dizer que a Crítica é particular e a Teoria é geral, sempre vai haver aqueles que utilizam o termo “Crítica” de maneira genérica, ou seja, para todo e qualquer caso. Isso ocorre, naturalmente, porque o exercício da Crítica é, ou pelo menos foi durante um período, algo mais popularizado. Isso também ocorre porque a Teoria literária como conhecemos hoje é um campo que se estabelecer oficialmente há apenas cerca de um século. Essa confusão que ocorre com frequência não nos impede, obviamente, de tentarmos esboçar uma conceituação distinta para ambas as ideias. Mas é importante que, de antemão, você saiba que poderá encontrar em alguns livros, matérias de jornais ou até mesmo na fala de conhecedores do campo, noções diversas tanto para a Teoria quando para a Crítica. Feito esse alerta, podemos seguir pensando na distinção desses dois conceitos da maneira como idealmente eles deveriam ser tratados. De um lado a Crítica Literária que, como já mencionamos, trata de algo mais particular. Essa ideia de particularidade está ligada à análise de do conteúdo de uma obra. A Crítica, então, seria o exercício de observar criticamente um romance, um livro de contos, uma obra de poemas e assim por diante. Em geral, esse tipo de texto costuma ser encontrado em jornais impressos e hoje em dia em portais especializados. O que temos que tomar cuidado, porém, é com a ideia negativa que a palavra “crítica” pode remeter. Um texto de jornal que é considerado uma Crítica de determinada obra literária, por exemplo, não tem necessariamente a função de criticar essa obra, ou seja, de falar da mal dela ou de salientar seus problemas. Essa ideia bastante genérica é falsa. Muitas Críticas são feitas com o propósito de destacar boas qualidades de determinada obra ou então de apresentar o que ela tem de melhor em contraponto com seus defeitos. No âmbito escolar o exercício da Crítica também costuma estar presente. Em geral ele recebe o nome de “resenha”. Você deve se lembrar das vezes em que um professor ou uma professora passou um filme ou pediu para que os alunos lessem um livro e em seguida solicitou a tarefa de escrever uma resenha sobre esse objeto artístico. Podemos dizer que a famosa resenha escolar é uma forma de Crítica, uma vez que ela tem a intenção de fazer com que seu autor exponha suas impressões pessoais e analise de maneira crítica a obra escolhida. É claro que não se espera de um aluno o mesmo rigor com que se espera do texto de um sujeito que é oficialmente um Crítico literário. Ainda assim, a ideia de Crítica está presente na resenha escolar, ou seja, suas intenções são basicamente as mesmas. É importante pensar que uma Crítica de jornal pode ser compreendida como sendo parte do exercício jornalístico, embora não tenha a necessidade de ser assinada por um jornalista. Esse pertencimento ao campo jornalístico agrega à Crítica a necessidade de se buscar uma certa isenção no julgamento do objeto artístico. Sendo assim, bons Críticos literários têm qualidades como as dos bons jornalistas, ou seja, expõem da maneira mais objetiva possível os fatos que compõem o seu objeto de escrita. Nesse caso, a credibilidade do sujeito chamado de Crítico também é de extrema importância. Esses dois problemas são ironizados na tirinha acima. Primeiramente, podemos perceber nela a presença de um menino fazendo uma crítica que é, digamos, “negativa” a determinado livro, como se o exercício de fazer Crítica implicasse necessariamente o exercício de “não gostar” do objeto avaliado. Numa segunda análise, percebemos também a ironia a respeito da falta de preparo e principalmente da falta de argumentos do “crítico” representado. Sobre isso, o crítico Fábio Akcelrud Durão faz uma observação: O discernimento crítico depende de um emprego adequado, ou seja, desinteressado e descompromissado, da capacidade de análise e reflexão. Isso significa que, ao criticar determinada obra, deve-se tentar levar em consideração apenas ela mesma e não seu autor (de quem você pode discordar, ou mesmo odiar), público ou potencial comercial. (DURÃO, 2016, p. 14) Para termos uma noção de como se produz uma Crítica literária, nada melhor do que ler atentamente uma. Exemplo Crítica: ‘A noite da espera’ é um belo romance maturado aos poucos Trama de Milton Hatoum gira em torno da ditadura no Brasil e da busca de um filho pela figura materna RIO — “Nem tudo é suportável quando se está longe.” Martim, o narrador do novo romance de Milton Hatoum, parece viver para comprovar essa afirmativa. Trata-se de um sujeito marcado pela falta — saudades da mãe, saudades do país distante, saudades de si. Martim circula entre dois tempos, cindido entre a memória da Brasília dos anos 1960 e a Paris dos 1970, ambientes mais do que familiares ao escritor amazonense. São espaços que já frequentou e lugares já visitados por sua prosa. A trama gira em torno dos anos mais duros da ditadura no Brasil superposta à busca de um filho pela figura materna. Fruto da improvável união entre um conservador engenheiro da Escola Politécnica e uma professora de francês que o abandona por um novo amor, o personagem se vê obrigado aos 16 anos a rumar para Brasília em companhia do pai, vinculado ao projeto da construção da nova capital e entusiasta do governo militar. [...] A noite da espera abre a série “O lugar mais sombrio”, projeto literário que prevê outros dois volumes, em que provavelmente outros fios narrativos serão convocados. O escritor vem maturando aos poucos a publicação de seus novos romances, na contramão de certa pressa do mercado editorial a exigir lançamentos a qualquer custo. É preciso dar tempo ao texto, já comentou certa vez Hatoum. Talvez por carregar no próprio nome estreito vínculo com a luta, Martim (derivação de Marte, deus romano da guerra) habita sempre um lugar incômodo em relação à postura combativa. É soldado que não se lança à batalha, e parece nuncaaderir por inteiro a ideologias: não é um líder, não milita sistematicamente — apenas levado pelas circunstâncias da vida e do tempo em que se encontra. Está por acaso nos lugares, se reúne com gente engajada contra o regime de exceção, mas o tempo todo sente medo e uma vaga sensação de paralisia. Um sujeito que deseja resistir por meio de palavras, toma notas, preenche cadernos e diários, mas padece com a imobilidade. Nessa falta de vigor reside um ganho na construção do protagonista, conferindo a ele dimensão complexa, porque mais humana. Acaso e deriva pautam suas ações. Como na cena em que adormece ao remar no Lago Paranoá e o vento leva o bote até o Palácio da Alvorada. Surpreendido pelos fuzis da guarda, termina preso. Neste belo romance, a inação do narrador toma um sentido importante: causa permanente sentimento de inadequação, de ações a serem feitas, de livros a serem escritos, de conversas a serem travadas, de vidas a serem revolucionadas. “Entrei no quarto para escrever um poema sobre uma página de poesia planando na vastidão do cerrado. Fiquei pensando, não escrevi o poema. Nada”, reflete Martim. Uma das razões dessa fragilidade reside na condição de fruto de um casal cujo segredo não nos é revelado. O silêncio sobre o rompimento dos pais, cada um à sua maneira, mina a força desse filho. E a espera pelo encontro sempre adiado com a mãe, Lina, é elemento desestruturante na educação sentimental de Martim. O tema é caro ao escritor, que já nos ofereceu grandes matriarcas em sua prosa, e filhos marcados por relações sempre erotizadas com essas mulheres. Assim foi com Emilie, de “Relato de um certo Oriente” (1989), desdobrada na Zana de “Dois irmãos” (2000). Hatoum nunca escondeu ser a memória o motor de sua escrita. Sondar o passado, dar a ele novos sentidos, sempre foi a tônica de sua produção ficcional — a presença de marcadores temporais muito claros, datas, lugares, endereços, surge como desejo de segurar pela ponta dos dedos os acontecimentos. No entanto, a grafia do tempo sempre trapaceia. A pesada atmosfera familiar de culpa e de ausências abre espaço para a dúvida que permanece quando finda a leitura. Como em outros de seus livros, o final é aberto, e com isso ganha o leitor, tomando parte ativa ao completar lacunas. As perguntas importam mais do que a resposta. Talvez Brasília seja mesmo o cenário da eclosão dessa crise, lugar que transita entre a promessa e a ruína, a redenção e a impossibilidade. Aqui ela é rota de fuga e cenário do fim do amor (a cidade, espaço ainda escassamente explorado na literatura brasileira, encontra na prosa de autores como Samuel Rawet, João Almino, Paloma Vidal e na poesia de Joaquim Cardozo e Nicolas Behr uma exceção). [...] O escritor Julio Cortázar já chamara a atenção para o fato de que ler um livro é sempre botar o dedo no gatilho, multiplicando sua força explosiva. O gesto de resistir caminha de modo paralelo àquele de narrar — e a esse chamado a narrativa de Hatoum responde com um sonoro “sim”. FONTE: CHIARELLI, Stefania. Crítica: ‘A noite da espera’ é um belo romance maturado aos poucos. Adaptado de Jornal O Globo. A autora dessa Crítica sobre o romance A noite da espera, de Milton Hatoum, é a professora da Universidade Federal Fluminense Stefania Chiarelli. Não se trata de uma jornalista escrevendo a Crítica, mas sim de uma especialista da área literária. É justamente nesse ponto que encontramos uma possibilidade de distinção entre a Crítica e a Teoria. Em geral, a Crítica não tem a necessidade de ser feita por um acadêmico, ou seja, não tem a necessidade de ter um rigor mais científico. Isso muito embora hoje em dia seja frequente que os jornais convidem especialistas oriundos do universo acadêmico que estudam a literatura, ou o teatro ou o cinema, por exemplo, para escreverem críticas sobre obras recentes dessas respectivas artes, como é o caso do nosso exemplo acima. Essa configuração é bastante atual, visto também que os cursos de Letras e os programas de Mestrado e Doutorado em Literatura são mais recentes do que o exercício jornalístico. Por conta disso, antes de existirem efetivamente os especialistas acadêmicos da área, já havia jornalistas, escritores ou intelectuais que produziam as críticas. Você sabia que muitos escritores brasileiros que se tornaram grandes nomes da nossa literatura tinham que trabalhar como jornalistas para ganhar dinheiro e sobreviver, já que era muito difícil viver apenas com a renda de suas publicações. Eles escreviam todo tipo de texto para o jornal e eram remunerados por isso. A crítica de arte em geral era um dos campos prediletos desses intelectuais da escrita. Nosso famoso autor infantil, Monteiro Lobato, era uma dessas figuras. Em 1917, por exemplo, ele escreveu uma crítica de arte que provocou muita repercussão e é até hoje estudada e lembrada. Na época, a artista plástica Anita Malfatti havia aberto uma exposição com suas obras e Monteiro Lobato publicou no jornal uma crítica bastante dura sobre ela. O texto se chama Paranoia ou Mistificação e apresentava uma visão ainda um pouco conservadora em relação à arte. É por conta da insatisfação em relação a esse conservadorismo que vários artistas se reúnem e acabam produzindo um dos mais importantes eventos brasileiros do século XX: a Semana de Arte Moderna de 22. A Teoria, ao contrário da Crítica, é necessariamente produzida dentro do âmbito acadêmico. Há, portanto, um certo rigor em elaborar uma Teoria Literária ou, como se chama também, uma Teoria da Literatura. A professora e pesquisadora Regina Zilberman apresenta esse campo da seguinte maneira: A Teoria da Literatura é a ciência à qual compete estudar as manifestações literárias. Considerar a Teoria da Literatura uma ciência significa afirmar que corresponde a uma área de conhecimento que requer peritos (técnicos) detentores de competências especializadas para exercê-la. Se todo o leitor se posiciona perante obras literárias que leu, comentando-as e formulando juízos subjetivos, o teórico da literatura examina o mesmo material de modo objetivo, procurando descrever suas características mais constantes e as tendências vigentes para definir as marcas dominantes, apresentar propostas de interpretação e estabelecer padrões de qualificação. A Teoria da Literatura pode ser integrada às Ciências, porque classifica e ordena o material com que trabalha; e pertence, em especial, às Ciências Humanas porque interpreta e avalia o conjunto de obras que são o foco de sua investigação. (ZILBERMAN, 2012, p. 11) A Teoria, portanto, se afasta do Jornalismo e se aproxima da Ciência. Sendo assim, o lugar onde podemos encontrar os teóricos é na Universidade e não mais nas redações de jornal como era o caso dos Críticos. Isso ocorre igualmente com o lugar donde se encontra os textos, eles não estão nas páginas de jornais ou nos portais de notícias, mas sim em revistas acadêmicas especializadas, em livros ou em conferências e comunicações orais de eventos acadêmicos. Apesar desse círculo de pessoas ser um pouco mais seleto, a Teoria pretende ser mais abrangente que a Crítica, como mencionamos no começo. Essa abrangência diz respeito ao caráter “extrínseco” que a Teoria pode ter, na contramão do caráter “intrínseco” que é inerente à Crítica. Como vimos acima, na fala do professor Fábio Durão, o crítico precisa se concentrar apenas na obra para escrever uma boa Crítica, seja ela literária, teatral ou sobre qualquer objeto artístico. Ele deve esquecer de diversos fatores que circundam essa obra analisada, como a biografia do autor, a expectativa de público ou até mesmo o potencial de venda e sucesso comercial da obra. Sendo assim, a Crítica se preocupa apenas com aquilo que é intrínseco do ponto de vista literário, ou seja, aquilo que está no texto, nada além do texto. Por outro lado, a Teoria é tão maisabrangente que pode se preocupar com aquilo que é intrínseco, ou seja, aquilo que está no texto, mas também pode se preocupar com questões extrínsecas a ele. Para dar um exemplo, existe um grupo de pesquisadores da literatura que estuda um elemento chamado de “recepção”. Esse tipo de estudo vai se preocupar em como determinada obra literária foi “recebida” em determinada época e lugar. Por exemplo, pode constituir um estudo de recepção a análise de como os leitores brasileiros começaram a ler a obra do dramaturgo inglês Willian Shakespeare. Sendo assim, a Teoria Literária pode teorizar sobre qualquer elemento que se relacione ou que possa se relacionar com o universo literário, desde a obra até o leitor, passando pelo autor e chegando até mesmo na própria Crítica. A Teoria não precisa se voltar apenas para uma obra específica. Por exemplo, vimos acima uma Crítica sobre um livro do autor brasileiro Milton Hatoum. No texto, há menção ao uso de elementos do campo da memória. Um teórico da literatura poderia, por exemplo, construir uma teoria sobre esse recurso dentro do campo literário e utilizar a obra de Hatoum como um dos exemplos. Ele, porém, não teria a necessidade de observar apenas esse texto, já que sua teoria deveria abranger, de certa maneira, um conjunto de produções literárias cujas características se aproximassem sob o ponto de vista da memória. É comum vermos teorias literárias surgidas a partir do exercício da Crítica. Esse exercício, porém, não é o mesmo daquele cujo modelo é encontrado em jornais. Isso porque há também o que podemos chamar de “Crítica Acadêmica”, ou seja, de uma análise de determinada obra feita com um pouco mais de rigor científico. Um dos grandes nomes da Teoria da Literatura, o alemão Eric Auerbach, construiu uma de suas teorias mais famosas a partir de um texto literário específico. Sua teoria foi exposta no artigo chamado Mímesis: A Representação da Realidade na Literatura Ocidental. Esse texto começa com uma análise a respeito de uma cena do clássico Odisseia, de Homero. Como o próprio nome do artigo diz, há também uma tentativa de reavaliar a teoria aristotélica da imitação. O texto engloba, então, uma análise Crítica de uma obra específica, no caso trata-se da obra de Homero, e uma reformulação de uma teoria Estética, que é a teoria de Aristóteles. Ao longo dos nossos estudos daqui em diante, estaremos maiem contato, portanto, com a Teoria Literária ou a Teoria da Literatura. Veremos alguns elementos que são observados pelos acadêmicos que se debruçam sobre a literatura, assim como veremos algumas teorias importantes que fizeram parte da História. Ufa! Chegamos ao fim desta Unidade tão produtiva e importante. Você deve ter percebido que, embora tenhamos uma série de entendimentos sobre os conceitos básicos da Literatura, da Crítica e da Teoria, ainda seguimos problematizando essas ideias. Isso é natural no campo das Ciências, especialmente as Ciências Humanas, e mais ainda as disciplinas mais recentes das Ciências Humanas. Isso é, na verdade, uma ótima notícia pois significa que você nunca ficará entediado e sempre terá opiniões e visões distintas para pesquisar e ler sobre esse assunto. Mas, por ora, cabe aqui fazermos um breve resumo daquilo que vimos e que certamente acompanhará você de agora em diante. Num primeiro momento, pensamos no conceito mais básico de literatura, que está ligado à ideia de “ficção”. Isso quer dizer que pensamos na Literatura como algo que é inventivo e portanto não tem grandes compromissos com o universo factual, material ou real. Depois mergulhamos na teoria de Roman Jakobson e descobrimos uma maneira de conceituar a literatura a partir de sua forma. Vimos as Funções da Linguagem e, dentre elas, a Função Poética que determina que a Literatura é algo que emprega a linguagem de maneira peculiar. Depois disso, passamos pelos conceitos de Mímesis e Catarse encontrados na teoria de Aristóteles. Por fim, discutimos um pouco sobre as possíveis diferenças entre Crítica e Teoria Literária. A tríade clássica Ao final desta Unidade, você será capaz de distinguir os gêneros clássicos da literatura: lírico, dramático e épico. Também conhecerá algumas das obras clássicas pertencentes a essa “tríade” tão importante para a arte literária. E ainda você conhecerá alguns gêneros que surgiram somente a partir da Modernidade, mais precisamente a partir da invenção de Gutemberg, a imprensa. Dentro desse universo, você também terá contato com diversos exemplos para poder apreciar. A partir de todos esses estudos, você será capaz de perceber elementos específicos de textos específicos e os relacionará com algum gênero da Literatura. Antes de entrarmos efetivamente em cada um dos gêneros, é importante que você compreenda o que motivou os capítulos desta Unidade. A lírica, o drama e a epopeia constituem aquilo que costumamos chamar de “tríade clássica” quando falamos de gêneros literários. Isso porque esses eram os gêneros que se podia encontrar já na Antiguidade Clássica Grega, embora naquela época ainda não se usasse precisamente esses termos. E são esses os três gêneros principais, ou seja, que constituem uma espécie de guarda- chuva capaz de abarcar qualquer outro gênero que viria a ser inventado posteriormente. Esses três gêneros guardam uma característica intimamente ligada à Antiguidade. Essa característica bastante relacionada ao contexto Grego Clássico é a marca de oralidade. Você deve se lembrar que, na primeira Unidade, discutimos a ideia recorrente de relacionar a literatura com os textos impressos, não é mesmo? Descontruímos essa ideia ao lembrar que existe também a literatura oral e que ela foi extremamente popular em um contexto em que a escrita e a leitura ainda não eram popularizadas. É o caso da Grécia Antiga, a principal referência dos primórdios da epopeia, da lírica e do drama. Figura 1 - Grécia Antiga: nosso ponto de partida para compreender os gêneros literários. Como já estudamos, os textos literários na Antiguidade ou eram encenados ou eram recitados ou cantados junto a melodias. Pouquíssima coisa era lida individualmente. Isso porque até mesmo o hábito de leitura individual é algo que se relaciona mais à Modernidade. Imagine se acomodar em um lugar confortável e tranquilo, abrir um livro e começar a ler em silêncio. Pois bem! Esse é um hábito que não combina com a Grécia Antiga, nem com outros contextos anteriores à Era Moderna. Basta lembrarmos que até mesmo a questão da individualidade é algo bem mais recente. Sendo assim, é muito importante que você tenha em mente qual era a maneira com que as pessoas se relacionavam com a arte da escrita nos primórdios da literatura e da divisão dos gêneros literários. Você sabia que antes da invenção da imprensa no século XV, não existiam livros impressos. A única forma de reproduzir um texto era copiando ele à mão, o que no caso de textos muito longos era praticamente inviável. Além disso, se o livro fosse mesmo importante a ponto de alguém se dedicar a copiá-lo à mão, ele circularia entre pouquíssimas pessoas já que a maioria não sabia ler. Na Idade Média, por exemplo, alguns monges exerciam a função de “escribas” e passavam dias e dias copiam manualmente textos importantes. Nessa época, o “formato” da obra também era diferente. Em geral elas eram escritas em papiro e enroladas em longas folhas. Dessa maneira, pensaremos a partir de agora em três gêneros bastante antigos que não precisavam necessariamente do instrumento livro para existirem e que mesmo sem a reprodução em ampla escala conseguiram sobreviver com o passar do tempo. Os nomes que trataremos aqui são lírica, epopeia e drama, mas provavelmente você já deve conhecer ao menos dois deles por outros nomes. Para resumir, a líricaé o que hoje chamamos de “poesia” e o drama é o que chamamos de “teatro”. Exatamente! A lírica é o que costumamos chamar de poesia e tem características bem próprias, principalmente no que diz respeito à forma. Parece fácil identificar um poema, não é mesmo? Em relação ao drama, ele é usado para se referir de maneira geral ao texto escrito para ser encenado no teatro. Esse também é facilmente identificado por qualquer estudante, já que ele contém o que chamamos de “rubricas” que são apontamentos sobre determinadas ações em uma cena. Já a epopeia, também chamado de gênero épico, é um tipo de narrativa mais antiga que não sobreviveu ao tempo da mesma forma que os outros dois gêneros sobreviveram e que hoje em dia nós temos um pouco menos de contato com ela. Aprofundaremos todos esses detalhes logo em seguida, mas por ora é importante você saber que até mesmo essa definição de “tríade” não surgiu na Grécia Antiga. Embora Platão e Aristóteles, assim como Horácio e Longino, tenham discorrido sobre os gêneros literários, eles ainda não eram tão bem definidos quanto passaram a ser posteriormente. Você deve se lembrar, como vimos na Unidade anterior, que nem mesmo a palavra “literatura” aparece na obra Poética de Aristóteles, ele se refere a algo que ainda não tinha nome. Alguns termos, portanto, foram sendo discutidos com o passar do tempo e essa “tríade”, como estamos chamando aqui, foi oficialmente instituída no campo dos estudos literários a partir de um movimento chamado de Romantismo Alemão. O Romantismo Alemão foi um movimento que englobou as ciências e as artes e que tinha a intenção de se voltar contra o racionalismo excessivo instituído pelo Iluminismo. O movimento deu grandes contribuições para a literatura e para a teoria literária. Alguns dos principais nomes do Romantismo alemão são os teóricos August e Friedrich Schlegel, o poeta Novalis, o escritor Goethe, assim como os compositores musicais Beethoven e Brahms. Figura 2 - Pintura clássica do Romantismo Alemão: “Caminhante sobre o mar de névoa”, de Caspar David Friedrich. É no contexto do Romantismo Alemão, que surge a teoria que fundamenta toda essa ideia de “tríade clássica” que estamos tratando aqui. Vejamos o que o teórico Gerárd Genette comenta sobre esse surgimento: A gloriosa tríade vai dominar toda a teoria literária do romantismo alemão – logo, muito para além dele – mas não sem sofrer por seu turno algumas novas reinterpretações e mutações internas. Friedrich Schlegel, que abre aparentemente o fogo, conserva ou reencontra a repartição platônica, mas dá-lhe uma significação nova: a “forma” lírica, escreve ele pouco depois [...] em 1797, é subjetiva, a dramática é objetiva, a épica é subjetiva-objetiva. (GENETTE, 1987, p. 54-55) Como comenta Genette, os românticos alemães ao consolidarem a ideia de tríade dos gêneros literários aproveitam para fazer uma importante distinção que se relaciona às ideias de subjetividade e de objetividade. Seguindo esse pensamento do representante do Romantismo Alemão, Friedrich Schlegel, uma diferenciação inicial seria: Figura 3 - Concepções de Friedrich Schlegel O Romantismo Alemão dá, então, o pontapé inicial da teoria dos gêneros literários como conhecemos hoje. Seus autores também antecipam a distinção dos três principais gêneros a partir de questões de objetividade e de subjetividade, discussão que vai estar bastante presente no período moderno. Mas, além dessa forma de distinção, é necessário observar que cada um dos gêneros pode ser visto de maneiras diferentes. Para Anatol Rosenfel, devemos pensar nos gêneros lírico, dramático e épico a partir de duas categorias: 1. Do ponto de vista do substantivo; 2. Do ponto de vista do adjetivo. Esses dois termos, substantivo e adjetivo, são emprestados da gramática e refletem duas das classes de palavras que utilizamos na língua. O substantivo, como você deve se lembrar, é aquilo que dá nome às coisas do mundo. Já o adjetivo é aquilo que qualifica as coisas do mundo. Assim, o que Rosenfedl quer dizer quando distingue o caráter substantivo e o caráter adjetivo dos gêneros é que eles podem ser compreendidos tanto como um coisa do universo, ou seja, um tipo de texto, quanto como uma qualidade de outras coisas do mundo, ou seja, um traço estilístico. Para resumir: Figura 4 - Como se deve pensar os gêneros, segundo Anatol Rosenfeld Se você observar um serviço de streaming, como por exemplo o popular Netflix, você verá que os filmes estão divididos por gêneros como terror, romance, comédia e assim por diante. Mas se você observar a divisão de gêneros em uma livraria, por exemplo, você verá que algumas nomenclaturas se repetem mas não dizem respeito à mesma coisa. Isso ocorre porque em geral a classificação de gênero no cinema tem a ver mais com o caráter adjetivo, ou seja, com o conteúdo desse filme. Um filme de romance, por exemplo, é um filme que apresenta, em alguma medida, uma história de amor. Mas se você buscar por um romance em uma livraria, você encontrará obras que falam de uma infinidade de assuntos, desde guerras até casos sobrenaturais. Carrie, a estranha, de Stephen King, é um romance do ponto de vista da literatura, mas do ponto de vista do cinema, Carrie, a estranha é um filme de terror. Essas perspectivas, adjetiva e substantiva, dos gêneros não são, naturalmente, elementos capazes de nos dar conceitos completamente diversos sobre um mesmo gênero. Sobre isso, Rosenfeld explica: Costuma haver, sem dúvida, aproximação ente gênero e traço estilístico: o drama tenderá, em geral, ao dramático, o poema lírico e a Épica (epopeia, novela, romance) ao épico. No fundo, porém, toda obra literária de certo gênero conterá, além dos traços estilísticos mais adequados ao gênero em questão, também traços estilísticos mais típicos dos outros gêneros. (1985, p. 18) Quer dizer, embora haja duas formas de pensar o gênero lírico, por exemplo, essas duas formas se complementam. De um lado falamos de um texto lírico porque ele pertence mesmo ao gênero lírico, de outro lado falamos de um texto lírico porque, embora ele pertença a outro gênero, ele tem como uma de suas características o lirismo. Para resumir tudo o que acabamos de esboçar sobre as formas de classificação dos gêneros literários, podemos pensar em gêneros enquanto tipos textuais que mais se aproximam ou se afastam da objetividade ou da subjetividade – se seguirmos o pensamento de Friedrich Schlegel. Ou então podemos pensar nos gêneros literários sob as perspectivas substantiva ou adjetiva – a partir do que teoriza Anatol Rosenfeld. Tomaremos, então, essas duas perspectivas para que possamos compreender melhor a lírica, a epopeia e o drama. O gênero lírico: o poema e suas características Comecemos a pensar o gênero lírico a partir das categorias propostas por Rosenfeld. Nesse caso, veremos que, do ponto de vista substantivo, falaremos da Lírica, ou seja, da poesia, do poema. Por outro lado, sob a perspectiva adjetiva, pensaremos nos traços estilísticos líricos. Estes traços estilísticos líricos podem ser encontrados no interior de textos de diversos gêneros. Se olharmos um dicionário, veremos que uma das definições para o termo “lírico” trata justamente de seu caráter adjetivo: Lírico (adj.): que exprime sentimentalismo. Ora, como já mencionamos, um texto pode demonstrar algum lirismo mesmo não sendo um texto que pertença ao gênero lírico. Isso ocorre porque estamos tratando de um adjetivo, ou seja, de uma característica, de uma qualidade. Figura 5 - A expressão do sentimentalismo é o que caracteriza o lirismo. | Fonte: Wikimedia Commons A partir dessa ideia, chegamos também à classificação que Friedrich Schlegel elaborou para os gêneros clássicos. Segundo ele, o gênero lírico é aquele que está mais próximo da subjetividade, como
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