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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS BIÓLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM FARMÁCIA COMPONENTE CURRICULAR: BÍOQUIMICA I Caroline Santos Pereira Paula Thayse Ramos da Cruz ATIVIDADE COMPLEMENTAR: Casos clínicos em bioquímica I CAMPINA GRANDE - PB OUTUBRO DE 2020 Atividade Complementar de Bioquímica I Questão 1. A síndrome conhecida como "vaca louca" é uma doença infecciosa que ataca o sistema nervoso central de animais e até do homem. Qual a relação dessa doença com as proteínas? Resolução: A doença infecciosa em questão é uma doença priônica, pois seu agente infeccioso é um príon. A proteína príon celular(PrPc) é uma das proteínas produzidas normalmente pelos genes de todos os animais. Esta proteína atua nas células nervosas e, em condições normais, não provoca nenhum dano ao organismo, porém ela pode ter sua estrutura alterada formando uma estrutura modificada, o príon infeccioso. Os príons infecciosos são capazes de provocar a alteração da conformação de PrPcs normais, transformando-as em outros príons infecciosos. Este processo gera uma reação em cadeia que produz mais e mais príons infecciosos. As doenças priônicas atacam o sistema nervoso, prejudicando suas funções normais e matando as células nervosas. No caso da “doença da vaca-louca”, a encefalopatia espongiforme bovina (EEB), a doença provoca a morte de células do sistema nervoso central do gado. Devido à degeneração celular, formam-se buracos no tecido cerebral e este fica com um aspecto esponjoso, ele então passa a apresentar comportamentos estranhos e acaba morrendo. Questão 2. M.A.S., sexo feminino, negra, 3 anos. A mãe refere ter observado falta de disposição, cansaço e sonolência nos últimos meses. Junto com este quadro a criança queixa-se de dores, principalmente na cabeça e abdômen. Antecedentes familiares: irmão com 5 anos, sem queixas. Exame físico: criança apática, icterícia e abdômen globoso com baço palpável a 3 cm do rebordo costal. Exames complementares: Dados obtidos Valores de referência Hemoglobina 9% 11 - 17g% Hematócrito 12% 36 - 48% Esfregaço de sangue fresco mostrou algumas células vermelhas em forma de meia lua. Após 24 horas, tendo-se vedado a entrada de ar entre a lâmina e lamínula, praticamente todas as células apresentavam-se deformadas. Foi realizada uma eletroforese de hemoglobina da paciente e da família, seguida de uma análise de microscopia eletrônica de membrana celular de eritrócitos da paciente, em condições de oxigenação normal e anaerobiose. Neste último exame foram observadas formações globosas associadas às membranas dos eritrócitos em condições de anaerobiose. A eletroforese da hemoglobina evidenciou apenas HbS. A eletroforese da hemoglobina dos familiares mostrou HbA (60%) e HbS (40%) nos pais e em um dos irmãos, e HbA em outro irmão. a) Qual o diagnóstico do caso? Mediante análise da sintomatologia e exames físicos e complementares, além da eletroforese, vê-se indicios claros de anemia falciforme. A icterícia é um sintoma comum da anemia falciforme e geralmente é causada pela liberação do pigmento bilirrubina com a rápida hemólise. O baço palpável é outro sintoma que indica uma complicação da anemia falciforme na infância, sendo o baço o órgão que filtra o sangue, ele pode aumentar rapidamente por sequestrar todo o sangue, o que pode levar à morte por falta de sangue para outros órgãos. A hemoglobina em formato de meia lua é outro indício para o diagnóstico supracitado de hemoglobina falciforme, além dos níveis baixos de hemoglobina e hematócrito que indicam a anemia. b) Qual a diferença estrutural entre HbS e HbA? A HbS resulta da mutação no gene que codifica a cadeia β da globina, produzindo uma alteração estrutural na molécula com a substituição de uma base nitrogenada timina, no sexto códon do DNA do cromossomo 11, por adenina, alterando o códon GAC para GTC no RNAm, o que acarreta a troca do ácido glutâmico (Glu) pela valina (Val), na posição número 6 da cadeia β de globina, ocasionando o surgimento dessa hemoglobina. A formação de HbS compromete a estrutura das hemácias e essas ao invés de serem redondas passam a ter um aspecto de “C” ou foice, o que explica o nome falciforme. A hemoglobina HbA é a hemoglobina normal, que predomina nos eritrócitos, possuindo duas cadeias polipeptídias que contêm 141 aminoácidos e são denominadas cadeias alfa (α ). O par restante de cadeias idênticas contém 146 aminoácidos, e são denominadas cadeias beta (β). Essas cadeias formam junto um tetrâmero, possuindo quatro grupos heme, cada heme é formado por um anel protoporfirínico contendo um átomo de ferro. Para uma produção normal de hemoglobina são necessários, suprimento adequado de ferro, síntese de protoporfirinas e síntese da globina. c) Como a mudança estrutural em HbS afeta sua solubilidade? A substituição de aminoácidos na HbS modifica sua carga elétrica, pois a valina é um aminoácido de carga neutra (ponto isoelétrico ~ 6) e o ácido glutâmico apresenta carga negativa (ponto isoelétrico ~ 2,8). Essa troca altera o ponto isoelétrico da HbS, tornando-a menos negativa, tal fato resulta em uma mobilidade mais lenta da HbS, quando comparada com a HbA1 normal em eletroforese de pH alcalino (ph 8 a 9). Ademais, na HbA o ácido glutâmico auxilia no afastamento das moléculas desoxigenadas de hemoglobinas e a entrada da valina nesta posição favorece a polimerização em condições de baixo teor de oxigênio ou baixo pH. No estado oxigenado, a molécula de HbS está relaxada, e nesta conformação estrutural as globinas beta S estão mais separadas. No estado desoxigenado, a molécula de HbS torna-se esticada e as globinas beta S ficam mais próximas. Essa mudança de conformação favorece o contato entre as regiões da desoxiemoglobina, o que não acontece no estado oxigenado. Por meio da união de vários tetrâmeros de HbS, forma-se um número considerável de moléculas agregadas que geram longos polímeros, o que altera a forma da hemoglobina para a forma de foice. Como a formação de cristais de HbS, há a mudança do estado líquido e solúvel para o estado sólido e insolúvel, alterando a viscosidade da solução. d) Qual a explicação para a anemia? A anemia falciforme é causada pela destruição rápida de glóbulos vermelhos anormais, em formato de foice. Na anemia falciforme, os glóbulos vermelhos contêm uma forma anormal da hemoglobina, chamada de hemoglobina S (HbS). Quando os glóbulos vermelhos contêm uma grande quantidade de HbS, eles podem se deformar e assumir um formato de foice, sendo menos flexíveis. Essas células, com formato de foice são frágeis e se fragmentam facilmente, além disso, como são células rígidas, têm dificuldade para fluir pelos capilares, bloqueando o fluxo sanguíneo e reduzindo o fornecimento de oxigênio apra os tecidos. O bloqueio do fluxo sanguíneo pode causar dor e, com o tempo, lesões no baço, rins, cérebro, ossos e outros órgãos. Pode ocorrer insuficiência renal e insuficiência cardíaca. Além disso, vale comentar sobre a eletroforese, feita na paciente e nos familiares, que é o exame de sangue especial usado para determinar a existência da anemia falciforme, mediante presença exclusivamente da Hemoglobina S (HbS). Esse distúrbio afeta quase exclusivamente pessoas negras. Vê-se, na eletroforese, que tanto os pais como um dos irmãos apresentam o gene da anemia falciforme, chamado de "traço falciforme", pela presença de 40% de HbS. No traço falciforme, o indivíduo apresenta heterozigose para Hemoglobina S, sendo portador de um gene de hemoglobina normal e um gene com a mutação falciforme, formando o genótipo HbAs. O individuo HbAs é assintomático, nesse sentido, os portadores do gene não desenvolvem a anemia falciforme mas podem transmitir o gene para osseus descendentes e podem sofrer certas complicações, como sangue na urina. O irmão que apresenta apenas HbA é completamente saudável e não tem o traço falciforme. e) Qual a relação entre a anemia falciforme e a malária? Normalmente o protozoário Plasmodium usa uma proteína chamada adesina para chegar à parte externa dos glóbulos vermelhos, de onde chegam às paredes dos vasos sanguíneos. A partir daí, provocam os problemas neurológicos e circulatórios ligados à malária. A hemoglobina falciforme tornava os hospedeiros tolerantes ao parasita da malária, porque confere um efeito protetor sem afetar a capacidade do parasita de infectar o hospedeiro, nesse sentido, o mecanismo molecular que justifica esse efeito de proteção é mediado pela enzima heme oxigenase-1, que produz monóxido de carbono que protege contra a malária cerebral. O gás impede que o parasita Plasmodium cause a reação que leva à morte do hospedeiro. Questão 3. O médico do Sr. Antônio utilizou os níveis de hemoglobina glicada HbA1c para determinar se ele teve hiperglicemia mantida por um longo período (3 meses). O que é a hemoglobina glicada? Qual a relação entre a hemoglobina glicada e diabetes mellitus? O médico utilizou esse parâmetro de forma correta? Descreva o mecanismo de glicação da hemoglobina. Resolução: A hemoglobina glicada é formada através de uma reação irreversível, lenta e não enzimática entre a glicose sanguinea e a hemoglobina, ligando-as, essa reação é chamada de glicação. O exame que mede a quantidade de glicose ligada à hemoglobina pode fornecer uma avaliação do controle glicêmico médio no período de 60 a 90 dias antes do exame, uma vez que as hemoglobinas têm um tempo de vida de aproximadamente 120 dias. A reação de glicação ocorre entre a glicose que circula no sangue e os grupos amina livres existentes na porção N-terminal da valina de uma ou das duas cadeias beta da hemoglobina dos eritrócitos, essa glicação varia em função da concentração da glicose a que os eritrócitos são expostos, sendo um bom exame para análise média da glicemia sanguínea ao longo dos meses, comumente utilizado em exames de rotina de pacientes diagnósticados com diabetes mellitus para fins de controle terapêutico. A glicação não-enzimática de proteínas, também chamada de reação de Maillard, é um processo ligado à hiperglicemia crônica, a qual, por sua vez, ocasiona uma série de alterações fisiológicas importantes no desenvolvimento das complicações crônicas do diabetes. Como pode ser observado na Figura 1 abaixo, a reação de Maillard é subdivida em três estágios: inicial, intermediário e tardio. No estágio inicial, a glicose (ou outros açúcares redutores como frutose, galactose, manose e xilose) reage com grupamentos amino livres de várias moléculas, incluindo proteínas, ácidos nucléicos e lípides, formando um composto intermediário denominado pré-A1C, A1C lábil ou instável, aldimina ou, ainda, base de Schiff. Esta molécula sofre um rearranjo, produzindo um composto estável tipo cetoamina, não mais dissociável, agora denominado de HbA1c ou o produto de Amadori. Como essa reação não requer a participação de enzimas, as variáveis que regulam os níveis dos produtos glicosilados in vivo são: a concentração de glicose e proteína, a meia-vida da proteína e sua reatividade com os grupamentos amino. No estado intermediário, através de reações de oxidação e deidração, os produtos de Amadori são degradados em compostos carbonil (glioxal, metilglioxal e deoxiglicosona), os quais são muito mais reativos que os açúcares dos quais foram originados, agindo como propagadores de reações com grupamentos amino de várias proteínas, originando de forma irreversível compostos insolúveis, freqüentemente fluorescentes, usualmente chamados produtos finais de glicação avançada (AGEs). Estes se acumulam no organismo, sendo responsáveis pelas complicações crônicas do diabetes. Os três mecanismos pelos quais os AGEs causam dano tecidual são ligação a macromoléculas, interação com receptores específicos e acumulação intracelular. Nesse sentido, a determinação dos produtos de glicação (produtos de Amadori) é rotineiramente analisada através da dosagem da HbA1c, a qual é utilizada para avaliação do controle metabólico nos pacientes diabéticos.
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