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PLANTAS TÓXICAS Toxicologia Veterinária Gabriela Costa Veras 1. CAFEZINHO (Palicourea marcgravii ) A Palicourea marcgravii é a principal planta tóxica do Brasil, e pertence ao grupo de plantas que causam morte súbita. É uma planta de alta palatabilidade, e extensa distribuição, principalmente na região Amazônica. Por muitas vezes, os animais intoxicados, pelo cafezinho, principalmente os bovinos eram diagnosticados como carbúnculo hemático ou até mesmo como acidente por picadas de cobras, devido a subitaneidade da planta. Tanto a folha como o fruto dessa planta são tóxicos, sendo o fruto mais tóxico. 1.1 MECANISMO DE AÇÃO (CINÉTICA E DINÂMICA) O princípio ativo do cafezinho é o ácido monofluoracético, que é sintetizado no início do desenvolvimento da planta, e se dilui com o amadurecimento das partes vegetativas, pois suas concentrações nas folhas jovens são cinco vezes maiores do que nas maduras. Essa substância é muito bem absorvida pelo trato gastrointestinal e se espalha rapidamente para os tecidos do corpo. O mecanismo de ação de monofluoroacetato baseia-se na formação do fluorocitrato, seu metabólito ativo, formado no organismo por meio da denominada “síntese letal”. O fluoroacetato se liga à acetil Coenzima A (CoA) para formar fluoroacetil CoA, que substitui o acetil CoA no ciclo de Krebs e reage com a citrato sintase para produzir fluorocitrato. Este composto bloqueia competitivamente a aconitase, o que impede a formação das coenzimas NADH e FADH2 e, desta forma, não há transferência de elétrons para a cadeia respiratória e formação de ATP a partir de ADP. Com a queda 1 na produção de ATP, processos metabólicos dependentes de energia são bloqueados. Adicionalmente não há conversão do citrato em isocitrato, e observa-se um acúmulo de citrato em vários tecidos. O bloqueio do ciclo de Krebs induzido pelo fluorocitrato provoca importante redução do metabolismo da energia oxidativa e também diminui a oxidação do acetato e a síntese hepática de acetoacetato. A utilização de acetoacetato nos tecidos é inibida e há acúmulo de ceto-substâncias no sangue, que são excretadas pela urina. Verifica-se também diminuição no uso do piruvato na incorporação de CO2 nos ácidos orgânicos. Adicionalmente há hipocalcemia, uma vez que o citrato que se acumula em concentrações elevadas no organismo, liga-se ao cálcio, impedindo sua ação no organismo. 1.2 SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos começam algumas horas após a ingestão da dose letal, e a evolução da intoxicação é superaguda. Os bovinos começam apresentar taquipneia, micção frequente, pulso venoso positivo, tremores musculares, instabilidade na postura que logo avança para a ‘morte súbita’, que é quando o animal se deita, em decúbito esterno-abdominal e depois lateral. São observados movimentos de ‘pedalagem’, mugidos e convulsões que logo evoluem para morte. 1.3 ACHADOS MICROSCÓPICOS As lesões histológicas mais frequentes ocorrem no rim, especificamente nas células epiteliais dos túbulos contorcidos distais, onde há áreas multifocais de degeneração hidrópica vacuolar, com a presença de picnose nuclear (desaparecimento gradativo do núcleo celular) 1.4 DIAGNÓSTICO O diagnóstico baseia-se no maior número possível de dados, tais como histórico de mortes na propriedade, sinais clínicos, vistoria em pastagens para identificação da planta, e realização de análises laboratoriais que possam confirmar os resultados de uma exposição ao agente tóxico. Análises séricas de ruminantes, inclusive bovinos intoxicados experimentalmente com a Palicourea marcgravii revelaram acentuada a moderada azotemia indicando que o monofluoracetato de sódio pode ocasionar lesão renal, por 2 acúmulo de citrato durante a excreção. O aumento significativo dos níveis de citrato nos rins diferenciam a intoxicação pelo fluoracetato de outras substâncias tóxicas. 1.5 TRATAMENTO Embora o mecanismo de intoxicação pelo cafezinho seja conhecido por mais de 50 anos, não há terapia eficaz comprovada que possa reverter ou prevenir a intoxicação aguda. Porém, na tentativa de reverter o quadro de intoxicação, pode-se fazer terapias de suporte específicas, com a administração de antídoto. Como tentativas de desintoxicação, em geral, são realizadas a indução à êmese e lavagem gástrica, quando o animal não vomitou, e administração de adsorventes como o carvão ativado, colestipol ou resinas de troca iônica, que deve ser realizada o mais rápido possível após a ingestão de monofluoracético , entretanto, na literatura são escassos os dados confiáveis acerca da eficácia desse método. Existem dois antídotos para o ácido monofluoracético, o monoacetato de glicerol e acetamida; mas não há tempo hábil para aplicá-los, devido à evolução superaguda da intoxicação. Os animais intoxicados devem permanecer em repouso, pois a atividade física pode acelerar os sinais clínicos e a morte. Como método de profilaxia, deve-se evitar que o animal tenha contato com a planta tóxica. Deve-se procurar no pasto a planta tóxica e eliminá-la. 2. SAMAMBAIA (Pteridium aquilinum ) A ingestão de samambaia produz três formas de intoxicação em bovinos, duas crônicas caracterizadas por neoplasias no trato digestivo superior ou na bexiga e uma aguda caracterizada por hemorragias. A intoxicação por samambaia em bovinos foi relatada inicialmente no final do século XIX na Inglaterra, como uma doença aguda caracterizada por febre alta, hemorragias e letalidade elevada. Todas as porções da planta são tóxicas, principalmente os brotos e as partes mais verdes, e o princípio tóxico permanece ativo mesmo depois da fenação. A planta não é palatável, o que faz os animais a ingerir apenas em casos de fome ou quando esta se encontra misturada com o feno. 3 2.1 MECANISMO DE AÇÃO (CINÉTICA E DINÂMICA) O princípio ativo tóxico da samambaia é o ptaquilosídeo (glicosídeo de atividade carcinogênica, mutagênica e clastogênica) e a tiaminase, que é uma substância responsável por causar distúrbios neurológicos. Tiaminase : Em relação ao mecanismo de ação da tiaminase, essa enzima quebra a tiamina (ou vitamina B1 ), inativando-a. A tiamina é um cofator em reações de descarboxilação, como a conversão do piruvato a acetil-CoA e a oxidação de a-cetoglutarato a succinil-CoA. Portanto, a sua inibição compromete o metabolismo de gorduras, carboidratos e proteínas. Quanto ao ptaquilosídeo, é um composto instável em solução aquosa na presença de ácido, base ou calor, degradando-se muito rapidamente em pterosina B e D - (+) glicose. Uma característica importante é que, em condições alcalinas, o ptaquilosídeo pode dar origem a um conjugado denominado dienona. Pesquisadores japoneses descobriram que o anel ciclopropil da dienona é aberto e promove o surgimento de uma terminação livre (OH) que interage, preferencialmente, com um átomo de nitrogênio da base adenina do DNA, substância considerada atualmente o verdadeiro componente tóxico. Dienone é capaz de se associar quimicamente a uma infinidade de proteínas com amino-terminais expostos, como o DNA, uma vez que o ptaquilosídeo atravessa a célula e a membrana nuclear das células. No núcleo, o morto causa uma mudança permanente e irreparável em certos genes. Esses genes são aqueles que codificam a ativação de outros genes ou têm função regulatória em outros processos bioquímicos, como o gene p53 (regulador da apoptose e supressão tumoral). Assim, a dienona fornece a formação e multiplicação de um tecido funcional e canceroso. 2.2 SINAIS CLÍNICOS Intoxicação crônica: A ingestão de quantidades menores de samambaia por períodos mais prolongados induz em bovinos, duas manifestações crônicas caracterizadas por neoplasmas no trato digestivo superior e na bexiga. Na forma crônica digestiva os bovinos podem apresentar disfagia, timpanismo, emagrecimento, tosse e regurgitamento em consequência dos tumores que se localizam na base da língua, no esôfago e na entrada do rúmen. Já a segunda forma é caracterizadapor sangramento de tumores 4 vesicais e conhecida como hematúria enzoótica bovina. Os animais apresentam sangue na urina, anemia e perda de peso. Intoxicação aguda: A forma aguda é evidenciada quando ocorre a ingestão diária superior a 10g/kg de peso vivo durante três semanas a poucos meses. A intoxicação aguda por samambaia em bovinos é caracterizada por febre alta, hemorragias e letalidade elevada. A ingestão de samambaia pode causar danos à medula óssea, prejudica a formação de elementos figurados do sangue, resulta em grave leucopenia e trombocitopenia, semelhante aos danos causados pelo elemento rádio. O animal manifesta quadro hemorrágico generalizado, caracterizado por hemorragias nasal, oral ou vaginal. As mucosas podem apresentar petéquias, sufusões e há relatos de hematidrose que evolui para quadro de hipertermia. 2.3 ACHADOS MICROSCÓPICOS Nos animais acometidos pela hematúria enzoótica bovina, verifica-se na necropsia formações modulares na bexiga que podem variar de tamanho. Já na histopatologia, esse tecido revela um processo neoplásico de origem mesenquimal, algumas vezes com anaplasia severa. Geralmente verifica-se uma reação linfocitosa severa. Neoplasmas da bexiga de bovinos com hematúria enzoótica. A. Bovino 1. Hematúria e nódulos vermelhos na mucosa. B. Bovino 2. Múltiplas elevações amareladas no colo da bexiga. C. Bovino 3. Múltiplos nódulos vermelhos e coágulos na mucosa. D. Hemangioma capilar observado na bexiga ilustrada em A. E. Hemangiossarcoma observado na bexiga ilustrada em A. F. Carcinoma de células escamosas observado na bexiga ilustrada em B. 5 Na necropsia dos animais que apresentam o carcinoma no trato digestivo superior, há formações neoplásicas de coloração amarelo-acinzentada infiltradas, normalmente, na base da língua, no esôfago, na cárdia e no rúmen. Na histopatologia revela carcinoma epidermóide (carcinoma escamoso), com grande formação de queratina. Carcinomas do trato digestório superior. (A) Bovino, com seis anos, fêmea, em péssimo estado corporal e com aprofundamento dos globos oculares, além de timpanismo ruminal. (B) Massa tumoral invasiva e exofítica na superfície da língua. (C) Massas tumorais invasivas em superfície de corte da língua, de coloração brancacenta e áreas amareladas (correspondente às concreções de queratina). (D) Fígado, na superfície de corte, há uma massa tumoral branco amarelada dividida por septos de tecido conjuntivo fibroso, em múltiplos lóbulos comprimindo o parênquima hepático adjacente. (E) Rúmen, proliferação neoplásica invasiva de ceratinócitos, com formação de pérolas de queratina. (F) Observa-se infiltrado de linfócitos e plasmócitos na periferia da neoplasia, além de áreas multifocais de mineralização, em meio à massa tumoral. 2.4 DIAGNÓSTICO Ao realizar o exame físico do animal, deve-se observar se o animal apresenta baixo escore de condição corporal 2 (escala de 1 a 5), anorexia, desidratação (superior a 8%), mucosas hipocoradas a ictéricas, taquicardia, taquipneia, hipomotilidade ruminal, normotermia e timpanismo discreto. O exame da cavidade orofaríngea deve-se procurar a presença de tumorações, halitose e estenose do lúmen esofágico. A baixa oferta e qualidade de forragem, superlotação das áreas de pasto, manejo inadequado das pastagens, a presença da samambaia, os sinais clínicos em conjunto com os achados de 6 necropsia e o exame histopatológico confirmam o diagnóstico de intoxicação crônica. O hemograma pode auxiliar no diagnóstico. Outras causas de hematúria e hemoglobinúria (por exemplo: babesiose, hemoglobinúria bacilar, leptospirose, intoxicação por brachiaria radicans e ditaxis desertorum) e mioglobinúria (por exemplo: intoxicação por Senna occidentalis ou por antibióticos ionóforos) devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. 2.5 TRATAMENTO Não há tratamento conhecido para nenhuma das formas de intoxicação produzida pela P. aquilinum em ruminantes. A remoção dos animais dos pastos invadidos pela planta não reverte nem altera o curso dessa afecção, sendo, portanto, aconselhado o abate do animal, tão logo seja diagnosticada uma dessas formas de intoxicação. A identificação e a erradicação da planta no pasto é a melhor maneira de controlar a intoxicação. Pode-se diminuir ou banir a presença da P. aquilinum no pasto por meio da calagem, já que a planta tem preferência por solos ácidos. REFERÊNCIAS TOKARNIA, Carlos Hubinger; DOBEREINER, Jurgen; PEIXOTO, Paulo Vargas. Plantas tóxicas do Brasil. In: Plantas tóxicas do Brasil. 2000. UBIALI, Daniel G. et al. Palicourea marcgravii (Rubiaceae) poisoning in cattle grazing in Brazil. Tropical Animal Health and Production, v. 52, n. 6, p. 3527-3535, 2020. NOGUEIRA, Vivian Assunção et al. Intoxicação por monofluoroacetato em animais. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 31, n. 10, p. 823-838, 2011. ANJOS, Bruno L. et al. Intoxicação aguda por samambaia (Pteridium aquilinum) em bovinos na Região Central do Rio Grande do Sul. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 28, n. 10, p. 501-507, 2008. PESSOA, Gilson Antonio et al. Intoxicação crônica por Pteridium aquilinum em bovinos no nordeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v. 26, n. 1, 2019. 7 8
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