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METODOLOGIA DO FUTEBOL E DO FUTSAL Patrick da Silveira Gonçalves Noções de planejamento e periodização Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os diferentes elementos constituintes do planejamento e da periodização desenvolvidos especificamente para o futebol e o futsal. � Planejar programas de treinamento da iniciação esportiva até o alto desempenho. � Descrever os conceitos que orientam a estrutura organizativa da preparação dos jogadores, mediante a consideração do sistema com- petitivo das equipes. Introdução O treinamento de equipes de futebol necessita de planejamento e pe- riodização. O planejamento faz referência à antecipação de problemas e tomadas de decisão necessárias. Já a periodização determina as cargas, o volume e a intensidade do treinamento. Em ambos os casos, diferentes fatores devem ser levados em consideração. Neste capítulo, abordaremos os elementos que compõem a periodização e o planejamento no futebol e no futsal, como eles devem estruturar treinamentos desde a iniciação até o alto rendimento e quais os princípios que orientam a sua estruturação. Elementos constituintes do planejamento e da periodização no futebol e no futsal A preparação das equipes de futebol e futsal tem se mostrado cada vez mais exigente. Atravessados por influências midiáticas, altos salários e altas pre- miações, esses esportes vêm sendo conduzidos para o preparo especializado dos atletas, buscando o seu máximo rendimento técnico e tático durante as partidas. O controle das variáveis que preparam os jogadores para a realização dos jogos em alta performance se dá por meio do treinamento (TANI, 2001). O treinamento esportivo é descrito na literatura a partir de diferentes forma- tos (GARGANTA, 2004), embora cada um deles deva atender a pressupostos básicos de planejamento e periodização. No treinamento desportivo, o plane- jamento acontece para que todas as ações sejam suficientemente detalhadas a fim de que as ações dos atletas e das equipes conduzam ao êxito no esporte. A periodização consiste na frequência de treinamento, no tipo de exercício a ser realizado e em como se dará a recuperação. A seguir, detalharemos como esses dois elementos se desdobram dentro do contexto do treinamento esportivo do futebol e do futsal. Os programas de treinamento e periodização no futebol e no futsal buscam aperfeiçoar cinco elementos principais, essenciais ao resultado esportivo: � as capacidades aeróbia/anaeróbia (glicolítica); � o sistema anaeróbio alático e lático; � as capacidades de coordenação, força, velocidade e flexibilidade; � a técnica e a tática; � a capacidade competitiva. Planejamento O planejamento consiste em projetar, prever, programar, antecipar ações e traçar objetivos predefinidos, baseando, portanto, no futuro, situação em que o profissional que lida com o treinamento esportivo deve guiar as rotas a serem percorridas pelos atletas antecipando problemas e conduzindo-os ao sucesso esportivo. Esse êxito é alcançado por meio de resultados, tanto pela ação individual ou coletiva dos jogadores em um lance durante uma partida quanto por toda a equipe ao final de um jogo ou de uma competição. Noções de planejamento e periodização2 No futebol e no futsal, o planejamento é bastante complexo. Assim como em outras modalidades esportivas, as ações de planificação nessas práticas devem envolver vários jogadores de modo integrado, além do grande número de competições, o que também pode demandar diferentes planos de ações. Segundo Castelo (2002), o planejamento se caracteriza por quatro elementos basilares: a orientação para o futuro, considerando a antecipação de resultados e as consequências; o contexto esportivo, que busca relacionar a estrutura da equipe às competições e equipes adversárias; a continuidade e a globalidade do processo de treinamento; e os planos para transformação da realidade presente. O grande expoente das ações de planejamento é o controle (PIRES, 2005). Dificilmente um planejamento se constrói sem que se descrevam e detalhem os possíveis acontecimentos e as medidas necessárias para superá-los. Evi- dentemente, o futebol e o futsal são esportes dinâmicos, capazes de expressar uma variedade muito grande de acontecimentos e de tomadas de decisões necessárias para não comprometer o êxito esportivo. Para exemplificar essa grande abrangência do planejamento do futebol e do futsal, basta observar a diversidade de características que envolvem as equipes adversárias, as formas de jogar exigidas pelos diferentes torneios esportivos e as ocasiões de lesões e suspensões que podem determinar outros rumos às ações na busca do sucesso. Apesar de sua complexidade, o planejamento é extremamente necessário e uma etapa fundamental para o êxito esportivo. Nesse sentido, Pires (2005) elabora doze razões que podem justificá-lo: 1. Serve para a detecção antecipada de problemas. 2. Elabora um diagnóstico da real situação da equipe. 3. Possibilita a visão de conjunto a partir de todas as dimensões da equipe. 4. Intervém na causa dos problemas. 5. Possibilita o controle sobre o futuro. 6. Evita ações isoladas e sem objetivos integrados. 7. Classifica ações prioritárias. 8. Estabelece a obrigatoriedade da busca de objetivos específicos. 9. Articula treinamentos técnicos e treinamentos táticos. 10. Mobiliza os diferentes agentes na participação. 11. Possibilita a coordenação na gestão. 12. Estabelece os recursos físicos, materiais e humanos necessários. 3Noções de planejamento e periodização Desse modo, você pode reconhecer que o planejamento compreende uma ação essencial ao desempenho esportivo a curto, médio e longo prazos, em que as dimensões conceituais (o plano de jogo elaborado pelo treinador, as particularidades dos jogadores e as tendências de evolução do jogo) se arti- culam às dimensões estratégicas (escolha de estratégias mais eficazes frente ao adversário e ao conhecimento tático da própria equipe) e à dimensão tática (aplicação prática das dimensões anteriores). O planejamento determina e é determinado, portanto, pelo conjunto de ações realizadas durante um jogo, um torneio, uma temporada ou a vida esportiva dos atletas. A esse segundo conjunto, damos o nome de periodização, elemento apresentado a seguir. Periodização A periodização é o meio pelo qual o treinamento se dá de maneira organizada, gradual e progressiva em direção à concretização dos objetivos. Segundo Gomes e Souza (2008, p. 209), esse processo envolve a “divisão do ano de treinamento em períodos particulares de tempo com objetivos e conteúdos bem definidos”. Seu principal objetivo é, portanto, elevar as capacidades biopsicossociais dos atletas para que obtenham êxito nas competições. Torna-se importante destacar que a periodização não é um processo dis- tinto do planejamento; ao contrário, ela interfere e está sujeita à planificação mais ampla. De modo geral, ela trata da parte do planejamento em que são estabelecidos os processos de carga e de recuperação dos treinamentos. Logo, é possível entender a periodização como um elemento fundamental na elabo- ração de programas de treinamentos para o futebol e o futsal, visto que tais modalidades geralmente envolvem competições extensas e que o equilíbrio físico, técnico, tático, psicológico e emocional de cada jogador deve se manter ótimo por um longo período. Para Gomes e Souza (2008), a periodização envolve cinco processos de treinamento esportivo que devem ser considerados para alcançar o êxito seja alcançado (Figura 1). Noções de planejamento e periodização4 Figura 1. Componentes da periodização do treinamento do futebol e do futsal. Fonte: Adaptada de Gomes e Souza (2008, p. 209). Treinamento a longo prazo Macrociclo Mesociclo Microciclo Sessão Resultado desportivo Microcilo O microciclo consiste nas sessões de treinamento que podem envolver dife- rentes tipos de exercícios e tarefas para melhoraro estado do atleta em suas capacidades físicas, técnicas e táticas ou verificar o estado geral do atleta, o que é comum em finais e inícios de temporadas. Trata-se, portanto, de um conjunto de sessões, com um tempo de duração entre 3 (competições com dois jogos semanais) e 7 dias (competições com um jogo semanal). As sessões de treinamento dividem-se em três partes fundamentais: o aque- cimento, que visa a preparar o organismo para a fase principal, de exigência mais elevada; a fase principal, composta pelas tarefas que buscam solucionar os objetivos propostos; e a recuperação, permitindo ao atleta que retorne ao estado ideal para o início da próxima sessão. Os microciclos podem ocorrer em diferentes situações e com objetivos distintos. Nesse sentido, faz-se necessária a distinção entre microciclos de treinamento e de competição. Os microciclos de treinamento envolvem as sessões que buscam otimizar as capacidades dos atletas, podendo sem dar no nível ordinário (caracterizado pelo crescimento regular das tarefas, a uma intensidade de exercícios entre 60 e 80% da máxima dos atletas), de choque (que busca o processo de adaptação, a carga de 80 a 100% de intensidade) ou de controle (que busca a preparação para a aplicação de testes motores, como forma de aferir o estado do atleta, realizado entre 40 e 60% de intensidade). 5Noções de planejamento e periodização Os microciclos de competição acontecem na preparação da equipe para as disputas de jogos, podendo ser considerados de pré-competição — antes do início da temporada competitiva buscando otimizar a prontidão dos jogadores, após os microciclos de choque e antes do microciclo de recuperação —, e de competição, o principal conjunto de sessões, procurando manter os níveis ótimos dos jogadores. Mesociclo Os mesociclos ocorrem geralmente em 23 dias, sendo um período intermedi- ário de toda a temporada de treinamentos. Nessa fase, vários microciclos são agrupados, com objetivos que variam de acordo com o período competitivo em que a equipe se encontra, estado de treinamento dos jogadores e o estado de adaptação do time. Assim, como os microciclos, os mesociclos podem ser classificados em diferentes tipos (GOMES; SOUZA, 2008; BOMPA; HAFF, 2012). Os mesociclos de introdução buscam fazer o atleta passar de um estado de reduzido treinamento a uma adaptação maior. Esse tipo é bastante comum nos inícios de pré-temporadas, quando os jogadores voltam de suas férias, recorrentemente tendo realizado poucos treinamentos. Os mesociclos básicos procuram realizar a preparação geral do atleta, constituindo o principal tipo de treinamento durante a temporada. Também são realizados em pré-temporadas e em períodos em que há uma interrupção do calendário competitivo (como nos períodos de Copa do Mundo, no futebol, nos quais não há jogos competitivos em muitas competições por 1 mês). Os mesociclos pré-competitivos se dão no período imediatamente anterior ao início da principal competição. Esse período busca adaptar as condições dos jogadores às situações concretas que vivenciarão durante os jogos. Já os mesociclos competitivos ocorrem durante o calendário das compe- tições, buscando fazer com que os atletas mantenham o rendimento exigido pelos jogos. Macrociclo O macrociclo refere-se ao planejamento máximo da equipe, geralmente orga- nizado em dois ou quatro períodos anuais, com duração de 6 ou 3 meses cada um deles. Essa etapa envolve três períodos diferentes: o período de preparação, entre 2 e 3 meses, no início da temporada; o período de competição, entre 1 Noções de planejamento e periodização6 mês e meio e 5 meses, durante a disputa dos jogos da competição em deter- minado semestre; e o período de transição, entre uma temporada/semestre competitivo e outra/outro. A partir dessa organização do treinamento, podemos reconhecer que o planejamento e a periodização envolvem ações detalhadas em níveis estruturais diferentes. Esse modo de elaborar o treinamento é basilar para qualquer equipe de futebol ou futsal, com as variáveis adequadas ao calendário e ao estado de cada equipe. No entanto, as tarefas tendem a se distinguir quando aplicadas para jogadores iniciantes e experientes. Na próxima seção, abordaremos os programas de treinamento no futsal e no futebol para indivíduos iniciantes e para aqueles que já se encontram no alto rendimento. Programas de treinamento no futebol e no futsal: da iniciação ao alto desempenho A crescente profissionalização de atletas de futebol e de futsal e o destaque midiático que essas modalidades adquiriram ao longo dos anos tem feito surgir a cada dia mais crianças e adolescentes que buscam o alto rendimento. As vantagens financeiras, como os patrocínios, as cotas televisivas e os ingressos dos espectadores, também contribuem para que clubes voltados à profissiona- lização do futebol e do futsal invistam cada vez mais na formação de atletas e em equipes principais de alto rendimento. Nesse sentido, essas modalidades têm se demonstrado um campo amplo de atuação para os profissionais de Educação Física, que devem conhecer os programas de treinamento para todas as faixas etárias. O nível de experiência de um atleta em determinada modalidade esportiva também é influenciado pelos anos de prática de determinado esporte. Nessa direção, é muito comum o ingresso de jogadores de futebol e futsal em pro- gramas de treinamento sistematizado ainda na infância. Muitas crianças, ao aderirem à determinada prática esportiva, já conhecem os fundamentos básicos do esporte que pretendem praticar. Esse fato é ainda mais evidente no caso do futebol e do futsal, duas modalidades bastante po- pulares no contexto brasileiro e que, de algum modo, fazem parte do cotidiano da maioria dos indivíduos. No entanto, é preciso destacar que o fato de vivenciarem o esporte e terem o desejo de se tornarem jogadores profissionais não deve conduzir o treinamento para a especialização, tal qual conhecemos em alto nível. Devemos lembrar 7Noções de planejamento e periodização que muitas crianças adquirem o desejo de migrar para outras modalidades esportivas no decorrer da infância e não seguem com a prática do futebol ou do futsal. Por isso, os anos iniciais do percurso esportivo devem assegurar, conforme Gomes e Souza (2008, p. 210), “[...] o desenvolvimento multilateral do orga- nismo, elevar o nível geral de suas capacidades funcionais e de adaptação, desenvolver as habilidades motoras e formar as bases iniciais para o alto rendimento desportivo”. O início da infância precisa promover experiências motoras diversas, capazes de inserir as crianças em sua modalidade prefe- rida ou, pelo impeditivo de seu desejo ou de características hereditárias, que migrem para outras modalidades, aproveitando o repertório motor adquirido no treinamento inicial do futebol e do futsal. Em relação ao desenvolvimento motor, o período mais sensível ao apren- dizado é durante a infância, entre o nascimento e os 6 anos de idade. Para Barreiros (2016, p. 15): [...] é nesta fase que vão se construir os circuitos neuronais essenciais à cons- trução das habilidades mais complexas. É particularmente relevante que estas idades estejam normalmente fora da esfera de intervenção do sistema desportivo, entregues a contextos de estimulação pouco estruturados e com uma afetação de recursos humanos pouco especializados. Os países que mais cedo perceberem o papel fundador da estimulação na infância têm também uma participação ativa mais alargada em idades posteriores e um potencial de desenvolvimento mais sólido. Ampliando o debate sobre os períodos sensíveis, Filin e Volkov (1998) apresentam períodos mais específicos ao desenvolvimento do potencial físico e motor de meninos e meninas na fase pré-puberal, na adolescência e na vida adulta. Observe o Quadro 1. Assim, fica claro que as características e necessidades físicas, motoras, cognitivas, sociais e afetivas não são as mesmas entre criançase adultos, demandando atenção e metodologia de treinamento específica para cada etapa no esporte. De modo geral, os treinamentos no futebol e no futsal têm três fases bem características. A seguir, serão abordadas cada uma delas, apontando princípios gerais para o treinamento nas duas modalidades. Noções de planejamento e periodização8 Fonte: Adaptado de Filin e Volkov (1998). Capacida- de física Mas- culino Femi- nino Mas- culino Femi- nino Mas- culino Femi- nino Coordenação motora 4 a 6 3 a 6 8 a 10 8 a 10 14 a 15 13 a 15 Força 5 a 7 4 a 7 9 a 12 8 a 13 15 a 17 14 a 16 Velocidade 7 a 9 6 a 8 13 a 14 12 a 13 16 a 18 14 a 17 Resistência 8 a 10 7 a 9 15 a 18 14 a 17 22 a 25 21 a 24 Flexibilidade 2 a 4 2 a 5 6 a 8 7 a 9 10 a 11 11 a 12 Quadro 1. Períodos sensíveis de desenvolvimento das capacidades motoras quanto ao sexo e quanto à idade Fase de preparação básica Trata-se do primeiro contato de crianças com a sistematização de treina- mentos de modalidades esportivas, iniciando por volta dos 6 anos de idade. Nessa fase, os exercícios têm a finalidade de explorar os períodos sensíveis de coordenação e capacidades físicas de meninos e meninas, possibilitando o aumento do rendimento físico e a automatização motora dos fundamentos básicos da modalidade. Para que a criança se torne um atleta com capacidades físicas, técnicas e táticas adequadas ao alto rendimento, o sucesso nessa etapa é essencial. A fase de preparação básica ao futebol e ao futsal se dá em duas etapas: a de preparação preliminar e a de especialização inicial. A etapa de preparação inicial deve iniciar por volta dos 6 ou 7 anos de idade, quando a criança já dispõe de um repertório motor bem elaborado em suas tarefas manipulativas, de estabilização e de locomoção e, também, da capacidade de interagir com o grupo, localizando-se e movendo-se em relação aos demais objetos e indivíduos do ambiente. Essa fase compreende um prolongamento da fase anterior, quando a criança deve ser exposta a di- ferentes gestos motores de modalidades esportivas distintas, com progressivo grau de exigência sobre a correta execução dos movimentos. As atividades dessa etapa devem ser realizadas em baixa intensidade e promover os ganhos atléticos gerais. 9Noções de planejamento e periodização Os resultados são observados a longo prazo. Muitas vezes, profissionais que atuam com essa faixa etária almejam a conquista de medalhas e troféus expondo seus alunos ao máximo de rendimento por meio de treinos exaustivos, o que pode afastar as crianças da prática esportiva. Desse modo, o recomendado para o período entre os 6 e 12 anos de idade é que a carga de treinamento não ultrapasse 30 a 40% da intensidade praticada pelo alto nível. Bompa e Haff (2012) propõem que a carga de treinamentos não ultrapasse duas sessões semanais, com duração de 60 minutos cada uma delas. Nessa mesma direção, Gomes e Souza (2008, p. 213–214) orientam: — Elaborar programas de treinamento de baixa intensidade, pois a criança não é capaz de suportar altas demandas fisiológicas e psicológicas. — Enfatizar o desenvolvimento multilateral geral por meio de corrida, saltos, exercícios de ginástica, exercícios de equilíbrio, de coordenação, lançamentos variados com diferentes bolas. — Permitir que a criança tenha tempo suficiente para um desenvolvimento adequado das habilidades e um tempo igual para os jogos e as competições. — Programar exercícios (treinos) que permitam o desenvolvimento do sistema aeróbio para posteriormente desenvolver o sistema anaeróbio. — Desenvolver as capacidades motoras de flexibilidade, coordenação motora e equilíbrio. — Selecionar o número de repetições ou o tempo adequado para cada exercício (habilidade), proporcionando feedback. — Enfatizar a importância da ética, do respeito, da disciplina e da honestidade. — Não permitir que o treino tenha características semelhantes às de adultos, exigindo das crianças um desempenho muito elevado. — Encorajar as crianças a participarem dos exercícios com atenção e con- centração. — Adaptar as regras e o ambiente de jogo para que a competição seja mais interessante. Em resumo, a fase de preparação básica deve promover as aquisições em capacidades coordenativas e físicas gerais, respeitando os limites impostos pela fase da infância. Os movimentos específicos da modalidade e o aumento da carga devem ser progressivamente incorporados e claramente identificados na fase de especialização inicial. A etapa de especialização inicial deve começar por volta dos 13 anos de idade com uma duração aproximada de 2 ou 3 anos. Nessa fase, as carac- terísticas referentes à maturação sexual são bastante evidentes e irregulares nos indivíduos, fazendo com que alguns adolescentes sofram mudanças que aumentam suas capacidades físicas mais cedo que outros adolescentes de mesma idade. Esse fato deve ser levado em consideração ao criarmos as Noções de planejamento e periodização10 seleções esportivas e promover campeonatos, identificando quais indivíduos amadureceram mais rápido e quais ainda não apresentam os sinais de ma- turação, para que se igualem as oportunidades (GOMES; SOUZA, 2008). Essa etapa deve ser direcionada para a passagem do desenvolvimento multilateral para a especialização esportiva, de maneira gradual. Os treina- mentos, nesse sentido, devem ocorrer tendo em vista promover exercícios de preparação física, técnica e tática com características multilaterais, também explorando os aspectos socioemocionais inerentes à prática de jogos compe- titivos. Os exercícios ginásticos, os jogos pré-desportivos e outros exercícios de preparação geral precisam constituir a base do treinamento. A preparação especial, aquela voltada ao aprimoramento físico, técnico e tático para a disputa em alto nível, deve ocupar no máximo 40% das ses- sões de treinamento no início dessa etapa. Ao final, a carga de treinamento especializado precisa abranger entre 60 e 65% do nível do volume utilizado no alto rendimento. (GOMES; SOUZA, 2008). Assim, no início da etapa de especialização inicial, os treinamentos devem se ocupar de exercícios volta- dos ao desenvolvimento da velocidade e da coordenação de movimentos, da flexibilidade e dos movimentos de manipulação, locomoção e estabilização gerais. Ao final dessa etapa, a ênfase do treinamento se inverte, passando a dar conta do desenvolvimento das capacidades motoras específicas do futebol ou do futsal. A ênfase na participação em jogos e torneios competitivos segue o mesmo padrão, isto é, no início os jogos devem promover as aquisições motoras gerais e, na segunda metade da etapa de especialização, aproximar-se das exigências do alto rendimento. Fase de preparação especializada O principal objetivo da fase de preparação especializada consiste em promover as vivências dos atletas de modo que possam se adaptar às reais exigências metabólicas e motoras do futebol e do futsal de alto rendimento. Essa fase se divide em duas etapas: a de especialização profunda e a da realização máxima das capacidades esportivas. A etapa de especialização profunda refere-se à continuação da etapa de especialização inicial, na qual o treinamento enfatizava gradualmente os exercícios específicos ao futebol e futsal, ganhando a maior parte do volume de treinamento, com início por volta dos 15 e 16 anos de idade. Assim, essa etapa se baseia no volume de treinamento específico do futebol e do futsal com os exercícios em sua maioria voltados para a preparação física, técnica, tática, 11Noções de planejamento e periodização psíquica que se constituem pré-requisitos para o alto rendimento (GOMES; SOUZA, 2008). Até então, os treinamentos se limitavam a duas sessões de 60 minutos. A partir do desenvolvimento físico pela maturação biológica e o amadureci- mento socioemocional, as sessões passam a ser incrementadas em intensidade, volume e duração. Nessa fase, a carga semanal deve ser de 5 a 8 sessões de treino, com duração de 90 a 180minutos cada uma delas. Por sua vez, a etapa de realização máxima das capacidades esportivas inicia na vida adulta, a partir dos 19 anos de idade. Ela se caracteriza pela realização máxima das capacidades desportivas, buscando o rendimento má- ximo do atleta, e se divide em duas microetapas: pré-culminante e culminante (GOMES; SOUZA, 2008). Na microetapa pré-culminante, os atletas devem ser expostos a 8 ou 10 sessões semanais de treinamento e à participação sistemática em competi- ções. E, na microetapa culminante, o número de sessões geralmente fica entre 10 e 12 sessões semanais, podendo diminuir nas semanas em que ocorrem jogos. Os exercícios especiais das modalidades do futsal e do futebol predominam, embora ainda haja um percentual reduzido de exercícios de preparação geral. Para auxiliar na compreensão das diferentes fases, observe o quadro a seguir, que apresenta as diferentes categorias de um suposto clube de futebol, com as suas respectivas cargas de treinamento. Categoria Mirim Infantil e juvenil Juvenil e júnior Júnior e profissional Idade 6 a 12 13 a 15 16 a 18 Mais de 19 anos Fase Preparação básica Preparação especializada Tipo de preparação Preparação preliminar Especializa- ção inicial Especializa- ção profunda Realização máxima das capacidades esportivas (Continua) Noções de planejamento e periodização12 Categoria Mirim Infantil e juvenil Juvenil e júnior Júnior e profissional Idade 6 a 12 13 a 15 16 a 18 Mais de 19 anos Fase Preparação básica Preparação especializada Frequência de treino 2 a 3 vezes por semana 3 a 4 vezes por semana 5 a 8 vezes por semana 8 a 12 vezes por semana Duração da sessão de treino 60 min 60 a 90min 90 a 180min 90 a 180min Exercícios de preparação geral 75 a 90% dos exercícios 50 a 75% dos exercícios 25 a 50% dos exercícios 10 a 25% dos exercícios Exercícios de prepara- ção espe- cializada 10 a 15% dos exercícios 25 a 50% dos exercícios 50 a 75% dos exercícios 75 a 90% dos exercícios (Continuação) Evidentemente, os programas de treinamento não se encerram com os jogadores chegam ao profissional. Nessa direção, eles continuam acontecendo para explorar o máximo desempenho dos atletas, até que os efeitos metabólicos do envelhecimento comecem a surgir, por volta dos 28 anos de idade. A partir de então, os treinamentos buscam fazer com que os atletas do futebol e do futsal mantenham as suas capacidades físicas, técnicas e táticas pelo máximo de tempo possível, prolongando a sua carreira profissional. Conceitos da estrutura organizativa da preparação dos jogadores Como você viu anteriormente, o treinamento de jogadores para a prática competitiva de futebol e de futsal segue princípios que orientam a prática dos profissionais de Educação Física quanto ao tipo de atividade, ao volume, à intensidade e à duração de treinamentos. Esses pressupostos devem ser 13Noções de planejamento e periodização rigorosamente seguidos, tendo em vista a ampliação das possibilidades de os atletas atingirem e se manterem no alto nível. Dessa forma, a estrutura organizativa da preparação dos jogadores precisa buscar atender a alguns conceitos do treinamento esportivo, alguns deles apresentados a seguir. Atualmente, muitos jovens almejam chegar a um estágio de alto desempenho, no futebol ou no futsal. No entanto, a grande parte dos jovens que busca a profissionali- zação não a alcança. Algumas pesquisas sugerem que apenas 1% dos jogadores que buscam profissionalização no futebol e no futsal conseguem atingi-la. Nesse sentido, a preparação do atleta deve buscar o desenvolvimento integral dos jogadores e seguir a progressão orientada e estruturada, ampliando as chances de esses jovens conquistarem um espaço em clubes de futebol e futsal profissionais. Individualidade biológica O treinamento e a formação do atleta devem sempre considerar a sua formação, isto é, cada indivíduo é único quanto às suas características físicas, motoras, táticas e psíquicas. Assim, o treinamento no futebol e no futsal não deve se basear apenas em planejamentos coletivos (BOMPA; HAFF, 2012). Apesar de essas modalidades serem realizadas coletivamente, deve haver treinamentos que busquem vislumbrar a necessidade individual de cada jo- gador, promovendo sessões individuais ou em pequenos grupos, conforme os objetivos traçados para cada indivíduo. Carga e adaptação O treinamento tem o objetivo de promover mudanças fisiológicas no organismo dos jogadores, possibilitando que desempenhem bem as exigências dos jogos competitivos. Essas adaptações acontecem em três estruturas principais: as perceptivo-cinéticas, as musculares e as orgânicas (OLIVEIRA, 1991). Noções de planejamento e periodização14 A adaptação ocorre, portanto, em decorrência das respostas às cargas so- fridas pelo organismo que modifica suas estruturas funcionais e morfológicas. Evidentemente, não é qualquer carga que provoca as mudanças necessárias à adaptação do jogador. Weineck (1991) explica que treinamentos com cargas com poucos estímulos não têm consequências, cargas que exigem parcialmente o organismo apenas provocam a manutenção das capacidades fisiológicas, estímulos médios e fortes provocam adaptações, e estímulos muito fortes acarretam danos diversos ao organismo. Sobrecarga As sessões de treinamento necessárias às adaptações promovem um compro- metimento da homeostase, processo de estresse fisiológico necessário para as modificações fisiológicas e morfológicas dos atletas. Diante desse estresse, deve-se oferecer períodos de recuperação para que a homeostase seja restaurada e um novo estímulo seja provocado. Os períodos de recuperação após sobrecargas são im- portantes elementos do treinamento esportivo. Caso o atleta não se recupere adequadamente, seu desempenho estará comprometido. No link a seguir, você terá acesso a um artigo que destaca algumas orientações para a recu- peração de atletas de futebol e futsal de alto rendimento. https://qrgo.page.link/u4nV Os períodos de recuperação variam conforme a individualidade biológica do jogador, seu estado geral de saúde, sua idade e os esforços a que foi submetido. Além disso, para cada capacidade motora desenvolvida durante um jogo de futebol ou de futsal, são necessários períodos de recuperação do organismo diante das diferentes sobrecargas exercidas. Como exemplo, no Quadro 2 são apresentados os tempos necessários para restaurar as capacidades motoras após um jogo de futebol. 15Noções de planejamento e periodização Fonte: Adaptado de Gomes e Souza (2008, p. 244). Treinamento das capacidades motoras Tempo de recuperação (em horas) Força máxima 48 a 60 Força explosiva 36 a 48 Velocidade 24 a 48 Resistência 12 a 24 Flexibilidade 12 a 24 Resistência de velocidade (máxima) 24 a 48 Resistência de velocidade (submáxima) 48 a 60 Resistência de aeróbia (máxima) 48 a 60 Resistência de aeróbia (submáxima) 60 a 72 Recuperação das fontes de energia 36 a 48 Quadro 2. Tempos médios de recuperação em horas das diferentes capacidades motoras e após o jogo Continuidade O conceito de continuidade está ligado à adaptação, pois a sistematização e a progressão gradual das cargas de treinamento, por longos períodos, são necessárias para que as mudanças crônicas fisiológicas e morfológicas ocorram no organismo (TUBINO, 1984). A forma atlética dos jogadores somente é conquistada após anos de prática. Por isso, a iniciação no futebol e no futsal devem se dar cedo, para que modificações funcionais e morfológicas comecem a surgir desde o final da infância. Interdependência volume-intensidade Para entender o conceito da interdependência volume-intensidade, devemos lembrar que o volume está relacionado à quantidade de trabalho produzida durante um treinamento, ou seja, o volume pode ser representado pelo número de repetições, de séries, de exercícios, de distância e de tempo percorrido na Noções de planejamento e periodização16realização das capacidades motoras do futebol. Ainda, é importante relem- brar que a intensidade pode ser definida a partir da velocidade, da carga e da amplitude do movimento (TUBINO, 1984). A interdependência volume-intensidade nos diz que o aumento do volume provoca alterações na intensidade, e vice-versa. Assim, estímulos de muita intensidade são mantidos por pequenos períodos. Da mesma forma, exercícios físicos de longa duração exigem estímulos de menor intensidade. De forma prática, podemos tomar como exemplo as provas olímpicas de corrida. Em uma prova de 100 m, por exemplo, os atletas atingem velocidades que superam os 35 km/h em um curto espaço de tempo. Por sua vez, atletas de maratona, para percorrer a distância exigida pela prova, mantêm uma velocidade próxima de 20 km/h. Esse conceito também se aplica ao futebol e ao futsal: quanto maiores os volumes de treinamento, menor deverá ser a intensidade, permitindo que o estresse causado no organismo não cause danos. Portanto, percebemos que há uma alternância entre o volume e a intensi- dade. Essas duas variáveis agem como em uma balança. Quando o volume é maior, há uma intensidade menor. E, quando a intensidade é maior, há um volume menor. Nesse sentido, os atletas de alto rendimento e que obtêm êxito em seus esportes apresentam uma sustentação de grande volume e grande intensidade, embora também estejam sujeitos a essa relação de dependência entre as variáveis. Especificidade De acordo com Dantas (2014, p. 50), a especificidade diz respeito ao “[...] ponto essencial, que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da performance desportiva, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psico- motoras utilizados”. Trata, portanto, de elaborar programas de treinamento com base nas exigências a que os atletas serão submetidos durante os jogos de futebol e futsal. Variabilidade A variabilidade consiste na exposição a estímulos diversos, de modo a atingir alta performance em todas as capacidades motoras (DANTAS, 2014). No futebol e no futsal, apenas as qualidades técnicas e tática não são suficientes. É preciso desenvolver treinamentos específicos junto aos treinamentos gerais 17Noções de planejamento e periodização e à recuperação. O Quadro 3 apresenta as variabilidades que compõem o microciclo semanal de uma equipe de alto rendimento de futebol, podendo também servir de base para a modalidade do futsal. Fonte: Adaptado de Gomes e Souza (2008, p. 240). Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado M an hã Coorde- nação Velocidade Força especial Regene- rativo Coorde- nação Velocidade Força especial Regene- rativo Ta rd e Resistên- cia de velocidade Resis- tência especial Resis- tência de velo- cidade Resistência especial Resis- tência aeróbia Veloci- dade e força Quadro 3. Sequência de treinamento das capacidades motoras Saúde A saúde se refere à integridade física, social e emocional dos jogadores de futebol e de futsal (DANTAS, 2014). No âmbito esportivo, somente as questões relativas ao domínio motor dos gestos técnicos das modalidades não garantem a performance máxima dos atletas. É preciso observar todas as suas dimensões constantemente e realizar as intervenções necessárias. Portanto, esse conceito se refere a um caráter interdisciplinar, no qual a medicina, a nutrição, a psicologia e a fisiologia buscam atuar de forma integrada para a plenitude do jogador. Aqui, também podemos mencionar a correta aplicação de cargas, intensidades e recuperação do treinamento, o que é realizado pelo profissional de educação física. Assim, podemos compreender que o treinamento esportivo no futebol e no futsal representa um processo complexo, que deve levar em consideração os pressupostos do planejamento e da periodização, as fases de treinamento, conforme a idade cronológica e o desenvolvimento dos atletas e os conceitos que regem a estrutura organizacional do treinamento esportivo. Certamente, todos esses fatores estão inter-relacionados, e o desenvolvimento deficitário de um compromete os demais. O conhecimento dessas variáveis é necessário para o profissional de educação física que pretende atuar com o treinamento esportivo. Noções de planejamento e periodização18 BARREIROS, J. Desenvolvimento motor e aprendizagem. Lisboa: Instituto Português do Desporto e Juventude, 2016. 42 p. (Programa Nacional de Formação de Treinadores; Manuais de Formação – Grau I). Disponível em: http://www.idesporto.pt/ficheiros/file/ Manuais/GrauI/GrauI-04_Desenvolvimento.pdf. Acesso em: 17 abr. 2019. BOMPA, T. O.; HAFF, G. G. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. 5. ed. São Paulo: Phorte, 2012. 440 p. CASTELO, J. Conceptualização e organização prática de exercícios de treino do futebol. Ludens, [S. l.], v. 3, n. 17, p. 35–44, jan./mar. 2002. DANTAS, E. H. M. A prática da preparação física. 6. ed. Rio de Janeiro: Shape, 2014. 429 p. FILIN, V. P.; VOLKOV, V. M. Seleção de talentos nos desportos. Londrina: Midiograf; 1998. 193 p. GARGANTA, J. Atrás do palco, nas oficinas do futebol. In: GARGANTA, J.; OLIVEIRA, J.; MURAD, M. Futebol de muitas cores e sabores: reflexões em torno do desporto mais popular do mundo. 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