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Farmacologia Geral | Resumo completo 1 🍉 Farmacologia Geral | Resumo completo Aula 1: Farmacocinética Biodisponibilidade Quanto da dose administrada chegará viável à circulação? Em quanto tempo? 💡 Biodisponibilidade não é equivalente à fração do medicamento que foi absorvida pelas membranas biológicas, pois, dependendo da via vascular pela qual o medicamento circula, este pode sofrer metabolismo de primeira passagem — sendo, pois, alterado (em parte) por reações de fase 1 e de fase 2. Derivada primária do processo de absorção que ocorre logo após a administração da droga, a biodisponibilidade depende de: Via de administração do fármaco (via oral, intravenosa, intramuscular, sublingual, retal, vaginal) Aula 1 Farmacocinética Biodisponibilidade Distribuição Depuração Metabolização/Biotransformação Excreção Resumo — Farmacocinética Aula 2 Cálculos farmacocinéticos Clearance Modelo dos 2 compartimentos Fase de Distribuição Fase de Eliminação Cinética de primeira ordem e cinética de ordem zero Volume de distribuição Planejamento e otimização dos regimes posológicos Resumo — Cálculos farmacocinéticos Modelo dos dois compartimentos: Posologia Aula 3 Farmacodinâmica Conceitos farmacodinâmicos Conceitos na interrelação medicamentosa Introdução aos receptores de neurotransmissores Farmacologia Geral | Resumo completo 2 Via oral → Pode ser carregado em pequenos compartimentos e dispensa material (siringa, agulha) para administrar; segura, pois quadros de intoxicação podem ser revertidos por lavagem intestinal com carvão ativo ou pela indução do vômito; administrado com água e sem alimentos (já que estes alteram a composição, o pH e outros fatores presumidos dos líquidos gástrico e entérico), a medicação deve ser feita 1h antes ou 2h depois de uma refeição. O longo trajeto do fármaco até a membrana absortiva provoca perda de concentração Esôfago → Estômago → Intestino → Circulação portal → Câmaras direitas do coração → Pulmões → Câmaras esquerdas do coração → Circulação sistêmica → Tecido alvo 💡 A medicação com alimentos pode ser útil! — A administração oral com alimentos é indicada quando há risco potencial de lesão da mucosa gástrica. Desse modo, o alimento serve de barreira física contra a rápida absorção do fármaco e compete pela água para se dissolver e ser absorvido preferencialmente. Ex: AINE (anti-inflamatórios não esteroides). Também é possível que a alimentação seja indicada para evitar náuseas e vômitos, como no caso de ATBs e anticoncepcionais. Via intravenosa → Maior custo (administração qualificada e material de apoio); aproveitamento máximo do fármaco (já que não depende do fenômeno de absorção); mais perigosa em caso de intoxicação; é comum que a medicação IV seja utilizada no início do tratamento (devido à maior eficácia comparada) e que, depois, à medida em que o quadro se fecha, adote-se o fármaco em via oral; Via intramuscular → Aplicada em dose única, previne o abandono do tratamento por melhora inicial de sintomas (fator causal da recidiva de doenças ou da seleção de agentes patogênicos mais resistentes); é dolorosa; liberação basal mínima e constante do fármaco na circulação — o que impede que a eficácia do tratamento decaia; Via sublingual → Por essa via, o medicamento escapa do metabolismo de primeira passagem. Mucosa oral → Veia cava superior → Câmaras D do coração → Pulmões → Câmaras E do coração → Circulação sistêmica → Tecido alvo No caso dos nitratos vasodilatadores (nisossorbida), o medicamento age diretamente sobre o coração — dilatando as coronárias, melhorando a perfusão do miocárdio e assim atenuando a angina que acomete cardiopatas isquêmicos aos esforços. 💡 A circulação retal também escapa do metabolismo de primeira passagem — já que, apesar de a drenagem ser feita por tributárias da veia porta e da veia cava inferior, o sangue não é analisado pelos hepatócitos. Via transdermal/outras mucosas → Utilizada em razão do potencial absortivo intrínseco das mucosas, já que estas estão acopladas à submucosa (que, por sua vez, possui as alças capilares mais distais); a administração é constante e basal a favor do gradiente de concentração; apesar de a pele ter uma barreira impermeabilizante a mais (camada Farmacologia Geral | Resumo completo 3 córnea da epiderme), seu epitélio é tão absortivo quanto os outros; os epitélios "descobertos" são utilizados, principalmente, em pacientes queimados. Via subcutânea → Demanda abordagem profissional e materiais de apoio; absorção mais lenta, contínua e de doses estáveis que a via intravenosa — que requer procedimento de administração quase igual, já que os vasos também se dispõem no subcutâneo); considerada via parenteral, já que não envolve a passagem do fármaco pelo intestino. Exemplo: implanon (anticoncepcional subcutâneo que substitui 6 meses de medicação via oral). Forma farmacêutica em que o fármaco é administrado (comprimido, solução, drágea ou cápsula); A forma farmacêutica de um medicamento influencia diretamente no tempo requerido para a sua absorção e na concentração em que o este chegará à circulação sistêmica. Ou seja, determina a biodisponibilidade do fármaco. Para que um medicamento seja absorvido, ele precisa, primeiro, estar dissolvido — pois a absorção é proporcional à solubilização. Desse modo, parâmetros como sua área de contato com os sucos digestivos e a sua capacidade de ionizar e de se solubilizar são bastante importantes. 💡 O mesmo composto químico pode ter valores de biodisponibilidade distintos, dependendo da forma farmacêutica aderida. Cada forma farmacêutica tem um perfil farmacocinético próprio, não sendo possível extrapolar a dose entre as diferentes formulações (apenas dentro de uma delas). Solução: o medicamento é absorvido rapidamente, dado que já está solubilizado; utilizada principalmente para medicar crianças; Cápsula: devido ao efeito de degradação exercido pelo suco gástrico e pelas enzimas salivares/entéricas/gástricas, algumas soluções precisam ser encapsuladas — desse modo, a cápsula gelatinosa sofre degradação preferencial; quando o medicamento chega ao estômago, a cápsula é rompida e o seu conteúdo é liberado, dissolvido e absorvido. Comprimido: caracteriza-se por um maior período de latência, já que a área de contato do fármaco com os sucos gastrointestinais é menor e que, sendo assim, estes precisam ser macerados antes que possam ser dissolvidos e absorvidos; Farmacologia Geral | Resumo completo 4 Drágea: comprimidos revestidos por cápsulas gelatinosas (com o mesmo objetivo dos medicamentos de solução encapsulados — evitar a degeneração pelo suco gástrico e pelas enzimas salivares/gástricas/entéricas, preservando o conteúdo do medicamento); proporciona o maior período de latência dentre todas as formas farmacêuticas, já que, antes de se solubilizar o medicamento, é preciso solubilizar a cápsula e macerar o comprimido. Capacidade absortiva da membrana biológica (intestino, capilares de mucosas bucal; constante) — Concentração/peso molecular, solubilidade e mecanismos de transporte pela membrana plasmática A capacidade absortiva da membrana biológica correspondente à via de administração é tão importante quanto a forma farmacêutica, pois de pouco adianta o medicamento estar em sua forma mais solubilizada se as paredes do intestino, por exemplo, tiverem disfunção absortiva ou se houver grande barreira física (alimentos) bloqueando e "competindo" pela solubilização e absorção. 💡 Não há sentido em se discutir capacidade absortiva da membrana biológica no caso da via IV, já que não envolve absorção. Nesse caso, o medicamento é administrado em solução com soro fisiológico, chegando diretamente na circulação do paciente. Os parâmetros que influenciam na capacidade absortiva de uma membrana são: Concentração e peso molecular → O fármaco em maior concentração em uma solução será melhor absorvido. Por isso, um mesmo medicamento é administrado em concentrações diferentesnas formas farmacêuticas de drágea e solução (extremos — maior/menor período de latência). A dose de fármaco administrada em solução deve ser menor do que a que é prescrita em drágea, pois essa primeira forma farmacêutica é facilmente solubilizada e passa por menos barreiras absortivas (nas quais há perdas da substância) — sendo descomplicadamente absorvida mesmo em baixas concentrações. Solubilidade → Fármacos hidrofílicos são mais facilmente dissolvidos (dado que a composição básica dos líquidos corporais é a água); os compostos lipofílicos, por outro lado, precisam circular pelo sangue acoplados a proteínas de transporte, como a albumina. A solubilidade interage, ainda, com a capacidade de ionização do composto — fator esse associado ao pH local, ou seja, à concentração de íons de hidrogênio em solução na víscera absortiva. Esse caractere, contudo, adquire importância secundária à medida em que a maior parte dos fármacos são compostos orgânicos ácidos/básicos de fraco poder ionizante Constante de ionização (pK) — Demonstra as duas formas nas quais o composto aparece em um determinado pH; uma substância que têm vários valores de pK possui várias porções ionizáveis em sua molécula Farmacologia Geral | Resumo completo 5 pKa — pH no qual uma determinada substância estará 50% na sua forma não- ionizada (composto administrado e menos solúvel) e 50% na sua forma ionizada (composto mais solúvel, já que a carga líquida da substância deixa de ser zero). Desse modo, o pH ácido do suco gástrico é favorável à ionização, à solubilização e à absorção de fármacos básicos. E contraponto, medicamentos ácidos fracos estarão menos ionizados devido à grande disponibilidade de íons H no líquido de solução — e sendo assim, estando menos ionizados são, também, menos solubilizados e menos absorvidos. Mecanismos de transporte pela MP — A maior solubilidade dos medicamentos hidrofílicos nos sucos do trato gastrointestinal não implicam, necessariamente, maior grau absortivo, pois o transporte pela membrana dos enterócitos é mais fácil para substâncias lipofílicas (difusão simples) que para as hidrofílicas (transportador-dependente). Assim, os fármacos com base lipídica tem absorção mais fácil, mesmo sendo menos solúveis de modo geral. Via vascular pela qual o medicamento primeiramente circula (sofrendo ou não metabolismo de primeira passagem). Metabolismo de primeira passagem — A via vascular pela qual o composto passa logo depois de chegar na circulação pode interferir na sua distribuição e, por último, na oferta ao tecido-alvo. O fígado é um órgão de abundante expressão de enzimas e, sendo assim, pode metabolizar uma considerável fração do fármaco disponível no sangue antes mesmo que este chegue e exerça efeito biológico no tecido-alvo. A este fenômeno damos o nome de efeito/metabolismo de primeira passagem, que acontece quando a administração do medicamento é efetuada em tributárias da veia porta e que pode diminuir consideravelmente a ação do fármaco (já que a biodisponibilidade dele é reduzida pelas reações de fase 1 e de fase 2, explicadas adiante). Em ambientes de pH mais baixo (e, portanto, mais ácido), há liberação de OH para o meio e ionização de algumas das funções químicas presentes. Por exemplo: apesar de uma base fraca ser aceptora de prótons, nessa situação, sua ionização pela perda de OH seria mais provável que a retenção de H; ou seja, a forma ionizada do composto estará presente em maior concentração que a forma não-ionizada e, sendo assim, o medicamento adquire aspecto básico o suficiente para que seja absorvido pelo epitélio estomacal. Farmacologia Geral | Resumo completo 6 Relembrando, o conceito de biodisponibilidade descreve a fração da quantidade administrada que chegará viável à circulação. Nesse caso, há modificação de parte do fármaco antes que esse transite pela circulação sistêmica e, assim, a quantidade de medicamento absorvido não reflete a biodisponibilidade desse. Distribuição A concentração plasmática de um medicamento decai paulatinamente, à medida em que o tempo passa e que este é processado pelo corpo em vários ciclos. Em cada um desses trânsitos, essa concentração sofre depuração pelas enzimas que degradam o medicamento. Por isso, as doses devem ser calculadas não só em quantidade, como também temporalmente — de modo que o novo aporte de fármaco a cada intervalo estabilize a concentração sérica do medicamento na faixa de eficácia ([ ] do medicamento > MCE. Faixa de ineficácia — Quando administramos um medicamento a um paciente, devemos estar conscientes de que, para que este funcione e apresente resultados clínicos, é preciso que a se atinja o que chamamos de mínima concentração eficaz MCE. Quando isso não ocorre, a concentração da substância permanece na faixa de ineficácia — espectro no qual o fármaco não surte efeito. É pela existência da MCE que o período de latência é diferente para as vias de administração: sendo a absorção um processo de duração/intensidade variável em cada uma delas, o intervalo entre o momento de administração e o momento no qual o remédio surte efeito também muda de via para via. Na via IV, por exemplo, o período de latência é nulo, porque não envolve absorção e todo o medicamento administrado chega viável à circulação e começa a ser depurado e a exercer efeito imediatamente. Na via oral, por outro lado, o remédio precisa percorrer um trajeto considerável até ser absorvido pela membrana dos enterócitos, chegando na circulação algum tempo depois e em menor concentração do que foi administrado. Essa também é a razão pela qual o paciente deve usar o medicamento em intervalos definidos: se demorar a tomar outra dose, a depuração que a substância sofre em seus contínuos ciclos pelo corpo fará com que este saia da faixa clínica de eficácia, voltando a níveis ineficazes (inferiores à MCE. Janela terapêutica — Faixa de concentração na qual o medicamento possui o efeito desejado, aquele para o qual foi primeiramente administrado. Este conceito se refere à dosagem sérica periférica da droga, que reflete a sua dosagem no tecido-alvo. Assim, para que o alcance da janela terapêutica signifique algo, é preciso que o paciente tenha distribuição adequada. Após administração de aproximadamente 4 doses em intervalo menor do que o de meia-vida do fármaco (para haver aumento progressivo resultante), sua concentração entra em equilíbrio, com depuração igual ao aporte no mesmo intervalo Biodisponibilidade de um fármaco após administração de dose única (roxo). O quanto da substância chegará no tecido-alvo ainda depende da qualidade da distribuição que sofrerá e da capacidade de retenção em outros órgãos. Farmacologia Geral | Resumo completo 7 Faixa de toxicidade — Alcançada quando a concentração sérica da droga ultrapassa a MCT; a partir desse ponto, a metabolização da substância produz compostos tóxicos que lesam não só o tecido-alvo, como também outros órgãos do indivíduo (a depender da droga). Interação medicamentosa — Interfere na taxa de metabolização do fármaco; alterando, portanto, o seu perfil sérico e a sua disponibilização para o tecido alvo. Terapias medicamentosas simultâneas ou a ingestão de álcool podem causar dois efeitos: ou 1 o medicamento perde sua eficácia (concentração sérica menor que a MCE, ou se torna tóxico (concentração sérica maior que a MCT. Diferenças pessoais de absorção intestinal — Podem fazer com que os cálculos posológicos estejam errados (para mais ou pra menos). Nesses casos, uma dose pode ser normal para uma pessoa e tóxica/ineficiente para outra. Sensibilidade dos tecidos aos diferentes fármacos — Varia significativamente; enquanto para um tecido aquela concentração está entro da janela terapêutica, para outro ela pode ser tóxica. Fluxo sanguíneo — É um fator determinante da distribuição sistêmica de um fármaco. Isso porque, considerando que este se dilui igualmente por todo o volume de sangue (pelo menosidealmente), é natural que os órgãos que recebem maior fração da ejeção cardíaca recebam, também, maiores quantidades da substância. Portanto, órgãos bem perfundidos como os rins (que recebem 25% do débito cardíaco para filtração) e o cérebro (que recebe15%, pelo menos em tese recebem maiores quantidades de fármaco. Aqui, deve-se esclarecer que o cérebro foge a essa regra, já que é protegido pela barreira hematoencefálica, que impede a difusão de medicamentos na forma livre (solubilizados no plasma). A permeabilidade dessas membranas faz com que apenas moléculas lipossolúveis consigam agir no SNC (dado atravessam a barreira mais facilmente). Esse mecanismo protege o SNC de possíveis intoxicações — com exceção nos casos de meningite, quando o dano entre a circulação e a pia-máter colabora com a passagem de fármacos hidrofílicos para os tecidos nervosos. Para que transitem no plasma sanguíneo, os fármacos lipossolúveis devem estar ligados a proteínas plasmáticas transportadoras (como a albumina, lipoproteínas e globulinas). Além de permitirem a permeabilidade desses compostos, essas proteínas agem como uma reserva circulante de fármaco que pode ser rapidamente mobilizada logo que uma molécula livre (forma ativa) é utilizada. Desse modo, as proteínas plasmáticas transportadoras agem no sentido de desfazer o deslocamento de equilíbrio. Elas também proporcionam menor taxa de clearance, ou seja, impedem que as substâncias sejam filtradas pelo rim ou metabolizadas pelo Fígado — mantendo mais altos os níveis séricos do fármaco em questão. Após as 4 primeiras doses, a concentração de uma droga tende a se estabilizar dentro da janela terapêutica. Interações medicamentosas e ingestão de álcool podem fazer com que se entre nas faixas de toxicidade (concentração superior à MCT ou de ineficácia (concentração inferior à MCE. Farmacologia Geral | Resumo completo 8 Em caso de pacientes cirróticos ou desnutridos (quadros associados à hipoalbuminemia), a administração de medicação lipofílica é prejudicada pela ausência de proteínas transportadoras plasmáticas albumina. Nessas situações, haverá aumento da porção livre da droga — de modo que, apesar de efetiva em um primeiro momento, o medicamento se torna tóxico e, depois, acaba sendo facilmente filtrado e depurado pelos rins. Por isso, doses e intervalos pré- estabelecidos não suprem as necessidades terapêuticas desse tipo de paciente, já que presumem normalidade do estado nutricional/de saúde do paciente. 💡 Mesmo no caso das drogas lipofílicas, a forma ativa do composto sempre é a substância livre (dissolvida no plasma). Depuração A depuração de uma determinada substância da circulação sanguínea (e o consequente término da sua ação) dependem principalmente dos dois mecanismos excretores do corpo humano. Nas excretas, podemos medir a concentração de fármaco presente. Pela urina, são eliminados os compostos hidrofílicos intactos que puderam ser filtrados pelos rins hidrofílicos; pelas fezes, são excretados metabólitos dos medicamentos previamente metabolizados pelo fígado (lipofílicos), através da bile. De uma maneira geral, contudo, a depuração depende de qualquer sítio que possua enzimas degradantes de substrato farmacológico, como o trato gastrointestinal, os pulmões a até o próprio sangue (que possui esterases, enzimas pertencentes à classe das hidrolases que catalizam a reação de hidrólise de ligações éster). Todavia, é lógico que o órgão mais importante nesse processo é o fígado. Metabolização/Biotransformação São reações que ocorrem no fígado (principalmente) e que têm como substrato um fármaco lipofílico. Elas acontecem com o objetivo principal de tornar essa substância mais hidrofílica, de modo que consiga trafegar no plasma (como molécula biologicamente alterada em relação à original). Nesse caso, não se trata da excreção do composto, mas sim da sua transformação em algo que nosso metabolismo possa manejar mais eficientemente. Existem dois principais tipos de reação de metabolização de fármacos, numerados aleatoriamente em 1 e 2, dado que não há ordem ou preferência de ocorrência entre eles (o processo depende do fármaco): Reações de Fase 1 – Consistem na adição de grupamentos químicos polares na molécula original do fármaco (principalmente por oxidação), com o objetivo de torná-la polar e solúvel. O grande grupo de enzimas envolvido é o complexo enzimático do citocromo P450, expresso no REL dos hepatócitos. Após essa transformação do fármaco original, este pode ser: 1 um metabólito ativo com função biológica diferente daquela apresentada pelo fármaco original (aumentada, diminuída ou simplesmente funcionalmente diferente); ou 2 um metabólito inativo, representando uma das maneiras pelas quais pode-se fazer o clearance de uma substância, mesmo sem a sua excreção. Um grande exemplo é o da codeína, medicamento administrado para a dor. Essa molécula não possui uma atividade analgésica por si só. Todavia, após oxidação pelo citocromo P450 transforma-se em morfina (metabólito ativo com outra função biológica), concretizando sua função de potente analgésico. Farmacologia Geral | Resumo completo 9 Reações de fase 2 — Consistem na conjugação do metabólito ativo (derivado das reações de fase 1 ou do composto original com uma molécula endógena, tornando-a hidrofílica e invariavelmente inativada. Da mesma maneira que a simples adição de um grupo químico, a adição de uma molécula endógena inteira também pode conferir nova polaridade ao complexo. As reações de fase 2 produzem sempre um metabólito inativado, razão pela qual são mais eficientes no processo de clearance pela eliminação da função da substância (não pela excreção). É, também, mais segura, já que, ao invariavelmente inativar o metabólito, impede que este seja potencialmente tóxico (um dos riscos da produção de metabólitos ativos pelas reações de fase 1. A conjugação é como “jogar uma pá de cal” no composto, inativando-o para o bem e para o mau. O paracetamol como substância hepatotóxica — Nesse contexto, a metabolização do parecetamol (acetaminofeno) é interessante, pois possui elementos de reações das duas fases. Normalmente, 6090% do paracetamol sofre reação de fase 2 de conjugação com o ácido glicurônico ou com sulfatos (substratos saturáveis), originando complexos inativos. Os demais 4010% sofrem reação de fase 1 de oxidação pelo citocromo P450, originando compostos inativados, mas potencialmente hepatotóxicos quando em grande concentração. Como um mecanismo de proteção contra essa hepatotoxicidade em potencial, pode haver reação de fase 2 desse metabólito inativado com glutation, neutralizando-o (perceber que há 2 mecanismos de proteção envolvidos). A tentativa de intoxicação (de suicídio) por paracetamol se baseia no esgotamento das moléculas conjugadoras, fazendo com que predomine a fração do metabólito hepatotóxico (produzida pela reação de fase 1, que promove dano ao parênquima e morte por insuficiência hepática aguda. Com doses maiores do que 7,5g de paracetamol, ocorre a saturação das moléculas com quem normalmente se conjugam na via protetiva de fase 2. Por outro lado, as enzimas componentes do complexo enzimático citocromo P450 não são saturáveis, mantendo seu funcionamento normal até mesmo em concentrações elevadas. Como resultado, passa a haver acúmulo de maiores quantidades da fração hepatotóxica, aumentando o dano aos hepatócitos e encaminhando uma situação de insuficiência hepática aguda. Para reversão da intoxicação, administra-se N-acetilcisteína (precursora de sulfato e de glutation), que doa moléculas com as quais o composto pode se conjugar, prevenindo dano maior. Todavia, a porção do parênquima hepático lesada está perdida, devendo-se esperar pela regeneração hepática. Tempo de meia-vida (t½) — A meia vida (de primeira ordem — distinção explicada depois) de um fármaco consiste no tempo que deve passar para que este atinja metade da sua concentração inicial no sangue,queda essa que resulta dos processos enzimáticos degradativos descritos acima. Como discutido anteriormente, um fármaco atinge sua concentração de equilíbrio após administração de 4 doses (com intervalo menor que o tempo de meia vida de primeira ordem para que haja acúmulo progressivo do composto). Depois disso, o intervalo entre as doses é calculado para que coincida com a meia-vida do fármaco, de modo que sua concentração permaneça constante. Seja qual for a concentração do fármaco em um dado momento, ela será reduzida a virtualmente zero após passadas 4 meias-vidas 100% → 1 50% → 2 25% → 3 12,5% → 4 6,75%, dado que nenhum medicamento possui uma concentração mínima eficaz tão baixa (faixa de ineficiência). Farmacologia Geral | Resumo completo 10 Interações Medicamentosas — Como frisado acima, o processo de metabolização dos fármacos depende intimamente da eficiência de ação de alguns complexos enzimáticos. A ação das enzimas (proteínas que são) pode ser alterada por diversos fatores como o pH do meio, diferenças pessoais (idade, sexo, fatores genéticos e presença de doenças hepáticas) e também pelas chamadas interações medicamentosas. Essas interações não alteram diretamente a ação das drogas envolvidas, mas sim a concentração delas no sangue. Isso ocorre a partir do efeito de modulação que uma droga B tem sobre a enzima que degrada, processa e retira a droga A do sangue. O resultado pode ser catastrófico para o paciente, podendo haver intoxicação ou parada do efeito. Indução Enzimática — A ação da enzima X que degrada o fármaco 1 é exacerbada pelo fármaco 2. Assim, por indução do fármaco 2, haverá aumento na taxa de degradação do fármaco 1, resultando em concentrações cada vez menores deste. Eventualmente, a indução enzimática pode fazer com que a concentração sérica do primeiro medicamento seja inferior à MCE (mínima concentração eficaz), entrando na zona de ineficiência. A clínica mostrará uma piora do paciente como se tivesse sido suspenso o fármaco 1. Inibição Enzimática – A ação da enzima X que degrada o fármaco 3 é inibida pelo fármaco 4, resultando na diminuição da taxa de degradação do fármaco 3 – em alguns casos, a inibição enzimática pode fazer com que a concentração sérica do medicamento ultrapasse a MCT, entrando na zona de toxicidade ao organismo. A clínica, nesse caso, é mais importante, mostrando vigorosa piora do quadro em decorrência da toxicidade. As interações medicamentosas acontecem das mais variadas maneiras, sendo o resultado comum uma alteração estérica (espacial) desfavorável ao perfeito ou ajustável encaixe entre o substrato em questão (a droga) e a sua respectiva enzima. Essas interações são tão complexas (até pelo número de medicamentos que o paciente pode estar tomando ao mesmo tempo), que se torna praticamente impossível prever um padrão de comportamento para as medicações — de modo que não há correções posológicas a serem feitas que não sejam na base da “tentativa e erro”. 💡 Amoxicilina e outras penicilinas, por exemplo, interferem na ação de anticoncepcionais; sendo recomendado usar um método de barreira (durante o tratamento) para garantir contracepção. Excreção A depuração (eliminação da ação de um determinado medicamento) pode ocorrer também por via da excreção da substância, forçando a interrupção do seu papel biológico. Os principais órgãos responsáveis são os rins, que filtram os fármacos livres na circulação (hidrofílicos) e os eliminam pela urina. Todavia, também podem participar da excreção os pulmões (expiração), as glândulas sudoríparas (suor) e o fígado (bile). 💡 Para que um fármaco seja filtrado e excretado, ele não necessariamente tem que ser metabolizado. Todavia, as reações de fase 1 e de fase 2 facilitam a depuração por excreção, principalmente no que se refere aos medicamentos lipofílicos. As moléculas sofrem três processos ao passarem pela circulação renal — 1 filtração glomerular, 2 secreção tubular e 3 reabsorção tubular: Farmacologia Geral | Resumo completo 11 Filtração Glomerular — Fármacos livres no plasma (em suas forma ativas, portanto) podem ser filtrados para a Cápsula de Bowmann, dependendo da taxa de filtração glomerular TFG. Moléculas que estiverem ligadas a transportadores não conseguirão ultrapassar a membrana de filtração, já que proteínas como a albumina têm grande peso molecular. Por retirar a forma hidrofílica e ativa do fármaco (em seu estado original ou ativo pós metabolização hepática), a filtração glomerular (e a excreção como um todo) é uma via muito importante para reverter intoxicações. Secreção Tubular – Os fármacos que não conseguirem transpor a barreira filtradora em função de seu tamanho podem ser secretados nos túbulos pelas células dos túbulos contorcidos proximais TCP. Elas realizam transcitose, depositando substâncias que chegam a elas pelos capilares peritubulares no filtrado a partir de transportadores proteicos em suas membranas basolateral e apical. 💡 Normalmente, quem interage com as proteínas-canais é a parte iônica da molécula dos fármacos lipofílicos. Reabsorção Tubular – Esse processo acontece nas membranas dos túbulos contorcidos distais TCD, dado que, à diante deste ponto, a composição de solutos da urina se estabiliza (sendo modificável somente a osmolaridade pela entrada ou saída de água). Normalmente, os fármacos reabsorvidos nesse momento são aqueles que ainda apresentam características lipofílicas (que tendem a ser solubilizadas e excretadas pela bile), seguindo para urina apenas drogas que se solubilizam facilmente em água. A função renal depende de alguns fatores como idade e sexo, sendo uma intoxicação melhor revertida em homens adultos do que em idosos ou recém-nascidos — A medida clássica da função renal é a dosagem da taxa de filtração glomerular (que deve ser de, aproximadamente, 125 ml/min) e a dosagem de creatinina filtrada. Além disso, um bom EQU sempre provê informações qualitativas importantes sobre a urina, como sua densidade e a concentração de eletrólitos e fármacos, se preciso. Sempre que houver proteinúria, hematúria ou piúria pode haver comprometimento da função renal, devendo ser a prescrição medicamentosa mais cuidadosa, dado que haverá problemas na eliminação. A Penicilina, a probenecida e o doping nos esportes — A penicilina é uma droga altamente hidrossolúvel; portanto, seria facilmente depurada da circulação após certo intervalo de tempo. Para prevenir isso, ela é usualmente administrada junto com a probenecida, dado que esta última compete com vantagem contra ela (maior afinidade) pela ligação às proteínas encontradas no TCP (responsáveis pela secreção tubular). Desse modo, a probenecida é depurada primeiro e, só depois, começa a haver secreção de penicilina. Nesse meio tempo, o medicamento permanece circulando e agindo contra os micro-organismos — uma estratégia muito eficaz para aumentar o tempo de vida de um fármaco sérico. Essa característica fez com que a probenecida fosse considerada doping, dado que sai preferencialmente pela urina e que, portanto, mascara o consumo de outras substâncias (como melhoradores ilícitos de desempenho). Resumo — Farmacocinética Apesar de serem menos solúveis nos líquidos corporais, os fármacos lipofílicos são mais facilmente absorvidos pelos enterócitos, pois são transportados por um processo de difusão simples (enquanto as substâncias hidrofílicas requerem transportadores de membrana); Farmacologia Geral | Resumo completo 12 As doses devem ser calculadas não só em quantidade, como também temporalmente — de modo que o novo aporte de fármaco a cada intervalo estabilize a concentração sérica do medicamento na faixa de eficácia. A dosagem sérica periférica da droga reflete sua concentração no tecido alvo — sendo utilizada para verificar se o medicamento está, ou não, na janela terapêutica (faixa de concentração em que surte o efeito desejado). Todavia, o conceito de janela terapêutica só serveaos pacientes que têm distribuição adequada. Nesse caso, após a administração de aproximadamente 4 doses em intervalo menor do que o de meia-vida do fármaco (para haver aumento progressivo resultante), sua concentração entra em equilíbrio e tende a se estabiliza na janela terapêutica - pois o volume depurado tende a ser igual ao aporte no mesmo intervalo. Interações medicamentosas alteram a taxa de metabolização do fármaco (para mais, acima da MCT; ou para menos, abaixo da MCE. O fluxo sanguíneo impacta a distribuição dos medicamentos, pois, dado que a substância se dilui igualmente por todo o volume sanguíneo, os órgãos com maior aporte de sangue tendem, também, a concentrar maior quantidade do medicamento. Os principais são os rins 25% e o cérebro 15%. Nesse último, contudo, deve-se considerar que a barreira hematoencefálica impede a difusão de medicamentos na forma livre (ativa). Desse modo, apenas compostos lipossolúveis (que transitam acoplados a proteínas séricas e que atravessam a membrana com facilidade) agem sobre o SNC normal. Ex: anorexígenos são medicamentos lipofílicos capazes de atravessar a barreira hematoencefálica e de agir sobre o centro de saciedade do cérebro, no Hipotálamo. As proteínas transportadoras (necessárias para a solubilização de fármacos lipossolúveis) agem, também, como reservas circulantes de fármaco. Elas são rapidamente mobilizadas, tão logo uma fração do composto assume forma ativa e é degradada. Com isso, se opõem ao deslocamento de equilíbrio, de modo que a concentração de formas livres da droga se mantém mais estável no sangue. Também proporcionam menor taxa de clearance, pois não são filtradas para a cápsula de Bowmann (em razão do peso molecular) ou metabolizadas pelo fígado (dado que já tornam o composto solúvel). Cirrose e desnutrição → Hipoalbuminemia; aumento da porção livre da droga em primeiro momento; toxicidade, logo depois; filtração/depuração pelos rins. A forma ativa de um composto sempre é sua forma livre — seja ele lipofílico ou hidrofílico. Depuração → Processo de eliminação da ação de um determinado medicamento, seja por inativação ou excreção. Pode ocorrer em qualquer órgão que disponha de enzimas de degradação, como os rins, os pulmões, a pele e o sangue (esterases sanguíneas). Na urina, mede-se a concentração de substâncias hidrofílicas intactas que foram filtradas; nas fezes, compostos lipofílicos metabolizados e dissolvidos em bile. Os demais meios de depuração são virtualmente ignorados para facilitar os cálculos. Reações de fase 1 → Adição de grupos químicos polares na molécula original para fazê-la solúvel; complexo enzimático do citocromo P450 (expresso no REL é o principal envolvido; o fármaco pode permanecer ativo (mas com função aumentada/diminuída/diferente do fármaco original), ou ser inativado (clearance sem excreção). Reações de fase 2 → Metabólito ativo + molécula endógena → Composto hidrofílico e invariavelmente inativado (clearance). Farmacologia Geral | Resumo completo 13 Por vezes, as reações de fase 1 produzem um composto hidrofílico alterado e tóxico ao organismo. Nesses casos, a substância é processada, também, nas reações de fase 2 — de modo a inativá-la definitivamente. O esgotamento das moléculas de conjugação, todavia, pode fazer com que predomine a fração tóxica do composto (já que as enzimas do complexo citocromo P450 não são saturáveis). Nesses casos, ocorrem 2 vias protetivas do organismo à substância metabolizada. Interações medicamentosas — A metabolização de um fármaco depende dos complexos enzimáticos. Proteínas que são, essas enzimas estão sujeitas à alterações de pH, de temperatura, etc. As interações medicamentosas não alteram o efeito do medicamento, mas sim a sua concentração no sangue; pois o fármaco B age sobre a enzima X, mudando sua conformação espacial e fazendo com que este tenha maior ou menor afinidade pelo substrato (fármaco A. Desse modo, a enzima X não consegue mais metabolizar e retirar o fármaco A da circulação da mesma maneira. Indução enzimática → A função da enzima X (responsável pela degradação do fármaco 1 é exacerbada pelo fármaco 2. Resultados: aumento da taxa de degradação e redução dos níveis séricos do fármaco 1, podendo colocá-lo em faixa de ineficácia. O efeito clínico é análogo à interrupção do tratamento com o fármaco 1. Inibição enzimática → A função da enzima X (responsável pela degradação do fármaco 1 é inibida pelo fármaco 2. Resultados: diminuição da taxa de degradação e aumento dos níveis séricos do fármaco 1, podendo colocá-lo em faixa de toxicidade. O efeito clínico reflete a toxicidade da medicação para o organismo. Sempre que houver proteinúria, hematúria ou piúria pode haver comprometimento da função renal, devendo ser a prescrição medicamentosa mais cuidadosa, dado que haverá problemas na eliminação. Aula 2: Cálculos farmacocinéticos Clearance O clearance (Cl) de um órgão é a capacidade que ele tem de eliminar uma substância do sangue em certo período (volume/tempo). Trata-se de uma fração retirada do plasma a partir da totalidade lá encontrada (taxa de concentração de equilíbrio). O clearance total do organismo representa a soma dos clearances individuais de cada órgão, sendo os mais importantes os rins (através da excreção) e o fígado (através da metabolização “eficiente”, que inativa o fármaco). Aqui, trabalhamos com a aproximação de que o clearance total se resume a esses dois; idealmente, contudo, deveríamos considerar as perdas pelos outros órgãos acima citados. O cálculo aqui adotado é mais simples, já que conseguimos medir as concentrações periféricas nas excreções (urina e fezes). Farmacologia Geral | Resumo completo 14 A depuração/clearance individual de cada órgão — seja qual for o processo pelo qual ocorre — pode ser calculada pela multiplicação de valores de fluxo sanguíneo que chega ao órgão e razão de extração da droga. Fluxo sanguíneo que chega ao órgão) x Razão de extração da droga) *Razão de extração da droga = ([droga] no sangue arterial, antes de chegar ao órgão) - ([droga] no sangue arterial que sai do órgão) Na depuração hepática, o fármaco é retirado pela biotransformação inativadora ou pela excreção dos compostos mais lipofílicos na bile (dado que, para estes, não há recursos de hidrofilização). Essa bile possui constituição química de detergente e, por isso, pode ser veículo de saída tanto de fármacos lipofílicos, como de hidrofílicos. Na depuração renal, por outro lado, o fármaco hidrofílico que é excretado não foi previamente metabolizado. Modelo dos 2 compartimentos O compartimento central é representado pelos vasos sanguíneos e pelos órgãos mais bem perfundidos (cérebro, rins, pulmões, e fígado), onde predominam os processos de depuração acima citados. Por outro lado, compartimento periférico, onde os fármacos tendem a se acumular, é representado pelos órgão com baixa perfusão (músculo esquelético, pele e tecido adiposo). O padrão de cinética de depuração seguido pelo fármaco assim que é administrado (já que a depuração se inicia tão logo a substância entra no organismo) segue duas cinéticas diferentes nos 2 compartimentos. Fase de Distribuição Assim que é administrado, a concentração do fármaco é a maior possível. À medida em que este começa a circular, deposita-se em algum grau nos tecidos do compartimento periférico e a fração de droga complementar, logicamente, permanece circulante no compartimento central. Essa deposição inicial já faz com que a concentração plasmática do fármaco decaia, impondo a ela uma queda que deve ser prevista para que não o faça entrar na faixa de ineficiência. Essa queda inicial é Cada dupla órgão-fármaco possui um índice de clearance constante, pelo menos em níveis terapêuticos e observáveis na prática clínica. Desse modo, podemos calcular a dose de uma medicação a partir da massa corporal do nosso paciente — porque os casos em que não há diminuição da capacidade de depuração doórgão não requerem ajustes posológicos, bastando uma regra de três para adequar a dose ao peso do paciente. A frequência na qual as doses devem ser administradas depende da depuração dessa substância. A concentração de equilíbrio estável (Css) do fármaco na circulação (mg/ml) vezes a depuração (Cl) (ml/h) resulta na frequência em que a dose deve ser administrada (mg/h). Em caso de metabolismo de 1ª passagem, deve ser adicionada a variável biodisponibilidade IV = 1 e outras 1), fazendo uma razão com a Css. Farmacologia Geral | Resumo completo 15 apontada pelo tempo de meia-vida alfa (t½α) e depende da característica química do fármaco e da afinidade que esta lhe confere em relação aos tecidos periféricos, onde potencialmente se depositará. Fase de Eliminação Em um segundo momento, quando se atinge um ponto de saturação para a deposição do fármaco nos tecidos periféricos, a parcela que ainda circula pelos órgãos do compartimento central é que representa a quantidade que potencialmente chegará ao sítio de ação (exceto se esse sítio for um órgão do compartimento periférico). A concentração plasmática do fármaco continua a decair, agora não mais sob a mesma taxa com que decaía na deposição inicial – sua concentração pode cair a uma fração ou a uma quantidade constante. Essa queda é retratada pelo chamado tempo de meia-vida beta (t½β), resultado da depuração principalmente por fígado e rins. Após administração IV de medicamento e pico sérico, ele segue primeiro uma cinética de distribuição e deposição nos tecidos periféricos, coordenada pelo tempo de meia-vida α. Idealmente, depois de saturada a deposição, começa a seguir uma outra cinética de eliminação, essa a qual se baseia na depuração pelos rins e fígado, comandada pelo tempo de meia-vida β. Interessante notar que fatores limitantes para eficiência de uma droga não são somente depuradores, mas também depositadores em outros tecidos quaisquer. Cinética de primeira ordem e cinética de ordem zero Enquanto o tempo de meia-vida α depende basicamente dos grupamentos químicos presentes na molécula do fármaco — os quais lhe conferirão maior ou menor grau de afinidade para deposição nos tecidos periféricos, o tempo de meia- vida β reflete um de dois fatores: Cinética de Primeira Ordem – A depuração se dá com uma fração constante da concentração inicial 50%, por exemplo) a cada novo ciclo de meia-vida β. Ex: 100g → 50g → 25g → 12,5g → 9,25g.... 💡 A fração depurada, nesse caso, é uma medida percentual. Portanto, as quantidades absolutas a serem depuradas variam conforme o "último 100%". Fármacos que obedecem a uma cinética de primeira ordem normalmente são hidrofílicos, sendo depurados pela função renal na sua forma íntegra (sem metabolização). Cinética de Ordem Zero – Depura-se uma quantidade constante da sua quantidade total inicial a cada ciclo de meia-vida β. Ex: supondo que a dose inicial do medicamento foi de Farmacologia Geral | Resumo completo 16 50g e que a primeira depuração foi de 10g: 50g → 40g → 30g → 20g → 10g → 0g 💡 Quantidade é uma medida absoluta, portanto não há como aumentar a depuração mesmo com eventual maior aporte do medicamento. Fármacos que obedecem a uma cinética de ordem zero normalmente são lipofílicos; sendo, pois, metabolizados e inativados pelos hepatócitos, podendo seguir para depuração renal ou sair com a bile para as fezes. Volume de distribuição O volume de distribuição VD de um fármaco é uma medida da extensão da sua distribuição além do plasma – ou seja, é a concentração plasmática necessária para que se alcance mesma distribuição sistêmica em todos os órgãos. Há fármacos que – por suas características intrínsecas – permanecem 100% intravasculares, enquanto outros (principalmente lipofílicos) tendem a se concentrar nos tecidos do compartimento periférico. Esse tipo de medicamento (lipofílico) precisará ser administrado em uma dose maior para que atinja o mesmo volume de distribuição, independentemente do menor fluxo sanguíneo – isto é, deve ser garantida uma dose superior para que a concentração plasmática não fique prejudicada pela concentração depositada. Fármacos restritos ao compartimento vascular (notadamente os hidrofílicos) possuem um VD mais próximo do volume plasmático, enquanto os compostos que se concentram nos tecidos (compartimento periférico — notadamente os fármacos lipofílicos) possuem VD maior do que o plasmático. Assim, quanto maior o volume de distribuição de um fármaco, maior deve ser sua dosagem e mais lipofílico ele é, resultando numa maior taxa de deposição em tecidos como o adiposo ou o músculo esquelético. O cálculo do VD é feito com os parâmetros de um homem de 70 kg com volume plasmático de 3L, volume de sangue de 5,5L, volume extracelular de 12L e volume total de H₂O de 42L. Planejamento e otimização dos regimes posológicos Para que um tratamento medicamentoso atinja o resultado esperado, devemos planejá-lo da melhor maneira possível, inclusive levando em consideração fatores como eficácia (se a droga funciona, ou não) e efetividade (adesão ao tratamento), efeitos colaterais e anos de experiência do fármaco no mercado - a fase 4 de testes de medicamentos é liberá-lo para consumo populacional para que se atinja um 'n' grande o suficiente para que aconteçam casos pouco prováveis em uma amostra menor. Dentre os fatores que devem ser planejados quando se inicia uma terapêutica medicamentosa, muito importante é traçar uma estratégia de como se irá proceder – se dose única ou repetida, por exemplo. Farmacologia Geral | Resumo completo 17 Tratamento com Dose única – esquemas de administração de fármacos em dose única devem prever já uma quantidade considerável do medicamento de uma só vez, que seja suficiente para ultrapassar a dose mínima eficaz e permanecer na janela terapêutica sem chegar na zona de toxicidade. O cálculo proposto é multiplicar a razão entre a concentração eficaz desejada e a biodisponibilidade (considerada como denominador 1 na administração IV, dado que não há perdas absortivas) pelo volume de distribuição VD. Concentração eficaz desejada/biodisponibilidade] x Volume de Distribuição Como estamos falando de uma dose mais alta, ficamos reféns de pacientes que possam ter sensibilidade um pouco aumentada para certos tipos de medicamento, havendo risco de entrar na faixa da toxicidade. Tratamento com Dose de Manutenção – esquemas que optam pela administração de fármacos em repetidas doses adicionam o componente cronológico na equação, sendo necessário identificar o tempo de meia-vida do fármaco (proporcional ao clearance) para calcular a frequência das doses. O intervalo deve coincidir com o t½ beta para que a [plasmática do fármaco] permaneça constante dentro da faixa terapêutica. Além disso, deve ser administrado o fármaco por 4 t½ antes de ele alcançar a sua concentração de equilíbrio e começar a fazer efeito, tempo de que não necessariamente vamos dispor para começar uma terapêutica de urgência, por exemplo. A alternativa é começar com uma dose de ataque (normalmente IV para se atingir rapidamente essa concentração de equilíbrio e depois mantê-la com a administração temporalmente espaçada do fármaco. Nos tratamentos com doses fixas a intervalos determinados, ocorre acúmulo progressivo do fármaco até que se alcance a concentração plasmática de equilíbrio 4 t½. Depois disso, o acúmulo cessa, pois o aporte adicional de cada dose passa a ser depurado junto com o que já era normalmente depurado, principalmente pelo recrutamento de vias “de fundo” — tanto de metabolização, quanto de depuração. Por mais que a excreção renal esteja saturada para aquele fármaco e que essa seja sua principal via de eliminação, ele pode, também, ser metabolizado pelo fígado ou excretado por transpiração, expiração ou pela bile – que possuem uma reserva até então não utilizada para aquele fármaco, mas que passam a contribuir agora. Para administração de fármaco em tratamentocrônico ou mesmo por algumas semanas ou meses, sempre tentamos utilizar o maior intervalo possível entre as doses, pois há estudos que mostram que isso é diretamente proporcional à adesão do paciente ao tratamento – se tiverem de lembrar- se de tomar remédio menos vezes por dia, menor a chance de esquecerem, maior o sucesso terapêutico e menor o abandono. Entretanto, há fatores limitantes para o espaçamento inconsequente desse intervalo, como 1 a quantidade máxima administrada em uma dose individual – fornecer mais com intuito de administrar menos vezes pode fazer chegar na faixa de toxicidade – e 2 o intervalo muito grande – que pode permitir queda acentuada da concentração até a faixa de ineficiência. A dosagem estandardizada pretende contemplar ambos esses pontos na medida certa, mas o monitoramento clínico ainda é a melhor abordagem para eventuais ajustes posológicos que se façam necessários. A principal situação na qual se faz necessário o ajuste de dose profilático é a identificação de anormalidade no sistema de depuração do fármaco em uso. Exemplos disso são os quadros de insuficiência renal ou hepática — sendo a renal pior do que a hepática, haja em vista a grande reserva funcional que o fígado possui. A insuficiência renal é a situação que mais significativamente altera os níveis plasmáticos de um fármaco — sendo, comumente, resultado de problemas na filtração, como glomerulonefrite, síndrome nefrótica e síndrome nefrítica. Farmacologia Geral | Resumo completo 18 Caso não se esteja conseguindo estabelecer e deixar estável uma concentração efetiva do fármaco na circulação do paciente, deve-se medir a concentração ineficaz atual (para ver o quão perto da concentração desejada ela está) e corrigir a dose baseando-se nesses dados. Para efeito de cálculos, podemos usar a taxa de filtração glomerular da creatinina – aqui, sinônimo de depuração, dado que creatinina não é secretada nem reabsorvida - como parâmetro e a partir da diminuição dela em relação ao parâmetro normal (que indica o grau de insuficiência renal) podemos calcular a correção da dose medicamentosa. A dosagem da creatinina sérica é feita de rotina para medir função renal, portanto é de fácil disponibilidade e possui valor normal bem definido, facilitando acesso para cálculos. Resumo — Cálculos farmacocinéticos Clearance (Cl) → Capacidade de eliminar a substância (volume) em determinado período (tempo). Calculado a partir do valor de concentração do fármaco na urina e nas fezes. Cl = Fluxo de sangue que chega ao órgão) X ([ ] da droga no sangue arterial, antes de chegar ao órgão — [ ] da droga no sangue arterial que sai do órgão) Frequência de administração Para drogas que não têm metabolismo de primeira passagem → T = Css, concentração de equilíbrio estável) X Cl, clearance) Para drogas que têm metabolismo de primeira passagem → T = Css, concentração de equilíbrio estável / Biodisponibilidade) X Cl, clearance) 💡 O valor de biodisponibilidade na via de administração intravenosa é 1; para todas as outras, é menor que 1. Modelo dos dois compartimentos: Compartimento central — Vasos e órgãos abundantemente perfundidos; Compartimento periférico — Musculatura esquelética, tecido adiposo e pele, onde o fármaco tende a se depositar tão logo é administrado; Para verificarmos a eficiência de uma droga, devemos nos atentar não somente aos fatores de depuração, como também aos de deposição. Isso porque, na distribuição, os fármacos obedecem duas lógicas de farmacocinética distintas: Fase de distribuição — A deposição inicial no compartimento periférico provoca uma queda da concentração do fármaco, que é indicada pelo tempo de meia-vida alfa (t½α) e que depende das características químicas do medicamento (que definem sua afinidade por esses tecidos). Essa diminuição dos níveis séricos deve ser prevista na posologia para que o medicamento não entre em faixa de ineficácia. Fase de eliminação — Atingido o ponto de saturação da deposição do fármaco no compartimento periférico, este começa a se acumular no sangue. A partir desse momento, a Farmacologia Geral | Resumo completo 19 concentração sérica da substância cai conforme o tempo de meia-vida beta (t½β), resultado da depuração (principalmente por fígado e rins). O tempo de meia-vida beta (t½β) pode obedecer a duas cinéticas diferentes: Cinética de primeira ordem: comum para fármacos hidrofílicos; Administração, meia-vida 0 100% → 1 50% → 2 25% → 3 12,5% → 6,25%... Cinética de ordem zero: comum para fármacos lipofílicos; Administração, meia-vida 0 100g → 1 80g → 2 60g → 3 40g → 4 20g → 5 0g Volume de distribuição → Concentração plasmática necessária para que se alcance distribuição sistêmica em todos os tecidos. Medicamentos lipofílicos (que tendem a se depositar no compartimento periférico) precisam ser administrados em maiores doses para que atinjam mesmo VD. VD = Dose) / Concentração plasmática do fármaco* Padrão — Homem de 70 kg com volume plasmático de 3L, volume de sangue de 5,5L, volume extracelular de 12L e volume total de H₂O de 42L. Fármacos hidrofílicos → VD é mais próximo do volume plasmático da droga; Fármacos lipofílicos → VD é consideravelmente maior que o volume plasmático da doga (pois boa parte se deposita no compartimento periférico) 💡 Quanto maior o VD de um fármaco, maior deve ser sua dose e mais lipofílico ele é. Posologia Tratamento de dose única: Concentração eficaz desejada / biodisponibilidade] x Volume de Distribuição Tratamento de múltiplas doses: intervalo de administração é igual ao tempo de meia-vida beta do medicamento. Em geral, deve-se optar pelo maior intervalo possível entre as doses (cuidando-se a quantidade máxima administrável, para não exceder o MCT; e a quantidade mínima, para que não se atinja a faixa de ineficácia). Ajuste → Pacientes com anormalidade de depuração, como os quadros de insuficiência renal (glomerulonefrite, síndrome nefrótica e síndrome nefrítica) e hepática. Medir a concentração atual e comparar com a concentração eficaz; depois, corrigir a dose. Taxa de filtração glomerular da creatinina → Indica normalidade da função renal, se dentro dos parâmetros esperados. Aula 3: Farmacodinâmica D = Dose do medicamento; T = Intervalo de administração; Clcr = Índice de clearance da creatinina Farmacologia Geral | Resumo completo 20 A farmacodinâmica estuda os efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fármacos e seus mecanismos de ação, outra maneira de dizer que estuda o que o medicamento promove no nosso organismo. Os fármacos possuem várias moléculas como potenciais sítios de ação, embora haja alguns que exerçam sua ação pelo simples fato de estarem presente em certo tecido, lançando mão de suas características fisico-químicas. Dentre aqueles com sítios de ação bem definidos, os principais locais em que agem são os seguintes: Enzimas Moléculas transportadoras Canais iônicos Receptores de neurotransmissores Receptores nucleares (ácidos nucleicos) Fármacos com ação sobre enzimas Indução ou inibição enzimática — Alguns fármacos conseguem interagir estericamente (espacialmente) com enzimas a fim de modular sua ação, aumentando-a ou diminuindo-a (sendo a inibição o efeito mais comum) – na maioria das vezes, se ligam ao sítio ativo e impedem que este participe de outras reações. Um exemplo clássico é a ação de analgésicos e dos AINES (anti-inflamatórios não- esteróides) na inibição da enzima cicloxigenase COX1 e COX2, o que impede a formação de prostaglandinas a partir do ácido araquidônico – mediadores inflamatórios que naturalmente recrutariam células imunes, promoveriam vasodilatação e sensibilizariam as terminações nervosas locais. Sem essas ações, não ocorre a instauração de um processo inflamatório local, impedindo os sintomas clássicos como edema, eritema, dor e calor Fármacos com ação sobre moléculas transportadoras Dentre as moléculas transportadoras, aquelas em que os fármacos maiscomumente possuem ação são os Recaptadores de Neurotransmissores NT, que ficam voltadas para a fenda sináptica e buscam reciclar o NT em questão para uso posterior. Quando um fármaco bloqueia tais proteínas, os NTs permanecem na fenda sináptica por mais tempo do que o normal e continuam se ligando aos seus receptores no neurônio pós-sináptico – via de regra, aumentam seu tempo e intensidade de ação. Metabolização de fosfolipídeos de membrana a partir de insulto externo resulta nos derivados do ácido araquidônico, principalmente pela ação da enzima constitutiva COX1, a qual é bloqueada com o uso dos AINES ou de analgésicos. Perceber que os anti-inflamatórios esteróides (como os corticóides) são mais potentes do que os AINES por inativarem já a fosfolipase A2 PLA2, impedindo além disso a produção de leucotrienos, moléculas que cumprem papel importante nas alergias, por exemplo. Farmacologia Geral | Resumo completo 21 Dois exemplos muito clássicos sobre a ação de substâncias em recaptadores de NT são os seguintes: Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina ISRS — A serotonina é um importante NT relacionado ao humor do indivíduo, estando sua depleção muito associada com síndromes como a depressão (afeta 30% da população). Alguns fármacos interagem com as proteínas responsáveis pela recaptação da serotonina pelos neurônios pré-sinápticos ou células gliais, fazendo com que permaneçam mais tempo na fenda, prolongando o seu efeito. Ex: fluoxetina ou sertralina. Ação biológica da cocaína — A cocaína impede não seletivamente a recaptação de 3 NT catecolamínicos – principalmente da dopamina 5HT, aumentando as sinapses no núcleo accumbens, responsável pelo comportamento de reforço positivo (recompensa). Essa área é normalmente ativada por sensações prazerosas, como a do sexo ou de comer chocolate, estabelecendo um mecanismo de vício. O uso com frequência, entretanto, promove neuroplasticidade e down-regulation (processo pelo qual uma célula diminui a quantidade de um componente celular, como RNA ou proteína, em resposta a um estímulo externo) dos receptores de dopamina no neurônio pós-sináptico, tornando o uso cada vez menos prazeroso. A cocaína age também na inibição da recaptação da serotonina (provocando transtornos de humor associados com uso crônico) e da noradrenalina, descompassando o SNA. Como a dose usual já não faz o mesmo efeito, a superdosagem se torna rotina e a morte por overdose usualmente ocorre em decorrência de ataques cardíacos fulminantes. Fármacos com ação sobre canais iônicos — Bloqueadores e moduladores Alguns fármacos interagem com canais iônicos, podendo provocar sua abertura ou modulando a afinidade destes por outras moléculas através da ligação a sítios reguladores e da consequente mudança estérica. Os exemplos clássicos abrangem abertura ou fechamento de portões, entretanto. Na aplicação de anestésicos locais para procedimentos odontológicos, por exemplo, as drogas bloqueiam os canais de sódio Na+) dos nociceptores, impedindo despolarização e consequente envio da informação de dor. Os canais iônicos podem ser voltagem ou ligante-dependentes e os fármacos que interagem com canais iônicos são chamados de bloqueadores ou moduladores. Farmacologia Geral | Resumo completo 22 💡 A aplicação de analgésicos e anestésicos locais não funciona caso já haja um processo inflamatório em curso no local desejado, pois o microambiente já estará mais ácido do que o normal, fazendo com que esses medicamentos – em sua maioria bases fracas – dissociem e prevaleçam na forma hidrofílica, que não é bem absorvida. Para maior efeito, recomenda- se administração IV localizada, tirando da equação a variável absorção que estava atrapalhando. Fármacos com ação sobre receptores de neurotransmissores Existem dois principais tipos de canais iônicos: 1 ionotrópicos e 2 metabotrópicos, que diferem quanto ao período necessário para que gerem efeitos e quanto ao espectro e amplitude destes. Os metabotrópicos ainda podem ser classificados quanto à ligação ou não à proteína G. Os fármacos que interagem com receptores de NT podem ser classificados como agonistas ou antagonistas, havendo ainda algumas derivações nesses grupos. Ionotrópicos – o receptor corresponde ao próprio canal iônico, de modo que a interação direta com o fármaco (ou com um agonista endógeno/outra substância exógena, etc.) faz com que seus efeitos sejam mais rápidos, embora de menor espectro de alcance no metabolismo celular como um todo. Presente em poucas interações entre fármacos e recetores. Receptores ionotrópicos clássicos são os nicotínicos de acetilcolina, que se abrem com a ligação prévia tanto da molécula de nicotina, como da molécula de acetilcolina, permitindo influxo de Na+ e efluxo de K com balanço para despolarização – por isso fumantes experimentam sensação de calma e tranquilidade quando fumam, é como uma ativação parassimpática. Outros receptores ionotrópicos famosos são os GABAа, que nada mais são do que canais de cloro Cl-) que se abrem em resposta ao hormônio GABA e também ao álcool e a fármacos (benzodiazepínicos e barbituratos), permitindo hiperpolarização da MP por influxo de Cl-. Isso explica a ação inibitória (depressora) que sinapses gabaérgicas apresentam no SNC. Metabotrópicos — O receptor está acoplado a domínios citoplasmáticos (proteína G ou não) que irão promover a transdução intracelular do sinal recebido, portanto seus efeitos serão pouco mais retardados. Entretanto, haverá mobilização de mais substratos, com a possibilidade de orquestrar uma resposta mais ampla e duradoura na célula (síntese proteica, fosforilação enzimática, etc), inclusive podendo abrir canais. Ocorre na maior parte das interações farmacodinâmicas. A maioria dos receptores metabotrópicos estão acoplados à proteína G, que tem esse nome por conter em seus domínios uma molécula de Guanilato Ciclase com GDP. Farmacologia Geral | Resumo completo 23 Outras proteínas da família envolvem as seguintes rotas: Adenilato Ciclase – AMPc libera subunidades para fosforilação de substratos intracelulares. Fosfolipase C – quebra de fosfolipídeos PIP₂) em IP₃ e DAG, com mobilização do Ca+₂ do REL. Fosfolipase A2 – quebra de fosfolipídeos em Ácido Araquidônico, viram eicosanoides. Há também receptores metabotrópicos não ligados à proteinas G, que se acoplam a outros grupamentos intracelulares responsáveis pela transdução do sinal de ativação. Como exemplo do grupo, temos o receptor de insulina IR, cujo domínio citoplasmático consiste de tirosinas-quinases que fosforilam a si mesmas (por um processo conhecido por autofosforilação cruzada) e também a outros substratos — potencialmente ativando ou deprimindo a ação de outras proteínas do metabolismo celular. São tipos ainda mais lentos de transdução celular e efeito biológico, incluindo também os receptores intranucleares. Fármacos com ação sobre receptores nucleares Alguns fármacos, principalmente os lipofílicos devido à facilidade de atravessar membranas, possuem ação nos receptores intranucleares de hormônios esteroides (como ACTH, cortisol, testosterona, estrógenos, vitamina D, etc.) e tireoidianos. Modulando diretamente a transcrição gênica e a consequente síntese proteica celular, são os medicamentos de maior efeito potencial. 💡 Efeito semelhante pode ser obtido por fármacos que, ativando a proteína G, fosforilam fatores de transcrição para a modulação da expressão gênica. Fármacos sem ação sobre substrato (ação fisico-química) A ligação do agonista no receptor promove a fosforilação desse GDP a GTP, e a mudança conformacional associada destaca a subunidade α da subunidade βγ, a qual sai em busca de outra proteína-alvo para fosforilar. Essa fosforilação pode ativar ou deprimir enzimas, canais e qualquer outra proteína celular, inclusive pode ativar a síntese proteica. Farmacologia Geral | Resumo completo 24 Alguns fármacos promovem o seu efeito biológicoesperado pela simples presença no microambiente adequado a partir das suas características fisico-químicas, com as quais interage com ou modifica o meio. Exemplo clássico é a ação dos antiácidos (sais de bases fracas, como bicarbonato de sódio), que chegam no estômago para neutralizar o excesso de íons H e fazem isso passivamente, pois uma base sempre estará o máximo ionizada possível quando estiver num meio ácido. Da mesma maneira trabalham alguns diuréticos ou laxantes osmóticos, que organizam o fluxo de água para dentro dos túbulos renais ou da luz intestinal, respectivamente, promovendo aumento das excreções. Substâncias quelantes como o carvão ativado também podem ser consideradas dessa forma. Conceitos farmacodinâmicos A maior parte do estudo subsequente será feita analisando-se fármacos que interagem com receptores metabotrópicos de NT e esse tipo de interação em especial tem uma nomenclatura particular que será esclarecida agora. É necessário relembrar que um receptor de membrana – proteína que é – é uma molécula altamente dobrada e tridimensionalmente complexa, possuindo vários domínio e sítios de ligação expostos e outros escondidos, que podem se revelar pela mudança conformacional que potencialmente sofrem a cada ligação. Além disso, esses sítios podem ser sítios ativos (promovendo ação) ou então sítios reguladores (modulando afinidade). O mecanismo de ação dos fármacos envolve: Princípio básico da farmacodinâmica: Os receptores teciduais estão estrategicamente localizados em cada tecido, porque naturalmente há uma substância endógena (convencionada como “agonista endógeno”) que age nele para exercer alguma função fisiológica essencial. Nem sempre conhecemos o agonista endógeno antes de descobrirmos o agonista farmacológico. Felizmente, a mágica ideia de que eles foram colocados lá para os fármacos corrigirem nossas funções biológicas foi enterrada com quem a cogitou. Agonista (ou Agonista Total) – trata-sa de um fármaco com afinidade pelo receptor + atividade intrínseca positiva. O conceito de atividade intrínseca é muito importante e apenas quer dizer que a ligação do fármaco se traduz em um efeito biológico. A ligação do fármaco é apenas necessária para o start do mecanismo, portanto ele prontamente se desliga do receptor após fornecer esse clique – todas as demais fosforilações e acontecimentos decorrentes disso não dizem mais respeito a ele, podendo continuar a haver modulações mais “abaixo” na via para potenciais correções. Antagonista – trata-se de um fármaco que também tem afinidade pelo receptor, mas não possui atividade intrínseca. Portanto, ele apenas se liga à fenda destinada para o agonista endógeno e fica ali a ocupando espacialmente, impedindo a ligação do agonista em questão. Não devemos pensar, contudo, que um antagonista não promove efeito biológico por não ter atividade intrínseca – há uma tênue diferença entre esses dois conceitos. Devemos ter sempre em mente que nosso organismo funciona baseado na homeostasia, o que significa que sempre haverá um sistema para contrapôr o outro e que ambos são potencialmente moduláveis por substâncias endógenas ou exógenas. Portanto, o efeito da ausência do agonista (proporcionada pelo antagonista ocupando seu lugar) é sentido biologicamente por deslocar a homeostasia até então estabelecida para um lado, o que não seria feito sem o antagonista. Farmacologia Geral | Resumo completo 25 Agonista Parcial – trata-se de um fármaco que tem afinidade pelo receptor + possui atividade intrínseca positiva que não alcança toda a magnitude da efetividade obtida com o agonista – no bom português: “funciona, as funciona menas bem”. Se um paciente precisar trocar de medicação por razão de alergia a uma droga antagonista, por exemplo, ainda podemos modular a homeostasia para baixo com o agonista parcial, porque vai agir com menos efetividade do que a imposta até então – em algumas literaturas é inclusive mencionado como “agonista-antagonista”. Agonista Inverso – trata-se de um fármaco que também possui afinidade pelo receptor + possui atividade intrínseca negativa ! – em uma escala de graduação, modifica mais a homeostase do que um antagonista, pois faz mais do que não deixar o agonista promover seu efeito (empurra equilíbrio ainda mais pro lado contrário). Em suma, promove efeito biológico contrário ao do agonista e ainda usando o mesmo receptor ! – lembrar dos múltiplos sítios de ação que uma proteína pode ter, que podem inclusive ativar vias de trandsução de sinal (portanto, de mecanismos efetores) diferentes. Essa nomenclatura também é usada para evitar a correção de erros consagrados, o que também não passa de mera convenção humana. Exemplo da história dos benzodiazepínicos: certa feita, descobrisse uma fármaco que agia nos receptores GABAérgicos do SNC promovendo sua abertura e consequente hiperpolarização, promovendo o efeito ansiolítico e foi denominado agonista. Anos depois, descobriu-se que o agonista endógeno para esse receptor promovia, em verdade, ansiogênese. Para explicar como dois agonistas poderiam promover efeitos opostos, criaram o conceito de agonista inverso (ambos com atividade intrínseca, só que opostas!. Tão importante quanto a dosagem do fármaco fornecida é a disponibilidade de receptores nos quais vai se ligar para promover efeito, portanto a regulação dos receptores é assunto importante para farmacodinâmica. Nosso organismo trabalha sem a ajuda de fármacos desde sempre, portanto tenta se virar como pode nas situações de descompensação. Nesse sentido, frequentemente o efeito dos fármacos na homeostase tenta ser desfeito pelo organismo, que já estabeleceu o ponto patológico coo normal e pretende sempre voltar para ele: Down-regulation (ou Dessensibilização) – Acontece frequentemente com uso crônico de agonistas, havendo eventual necessidade de ajuste de dose a cada intervalo de tempo. Um agonista promove um mecanismo bioquímico para suprir outro “do mesmo braço” que esteja deprimido. Acontece que o organismo não entende isso como benéfico, mas sim como outro mecanismo se afastando da homeostase, por isso trata de recolher os receptores de membrana em que o agonista agiria para dentro da célula (recolhimento, degradação, diminuição da síntese). TOLERÂNCIA O desenvolvimento de intolerância pelo indivíduo está relacionado com a dessensibilização (down-reg), que torna a mesma dose do fármaco pouco ou nada efetiva para o tratamento. Podemos pensar também que a homeostase foi deslocada e o novo nível basal do organismo é com a droga, portanto responde com menos receptores. Para combater isso, é necessário 1 aumentar a dose do medicamento – o que sempre deve ser feito dentro dos limites fornecidos pela janela terapêutica – ou então 2 trocar a classe do medicamento (começa do zero). Essa é uma razão para darmos morfina apenas quando muito necessário, pois pode induzir e tolerância, parando de fazer efeito nas fases mais terminais (normalmente com mais dor). Farmacologia Geral | Resumo completo 26 Up-regulation – Acontece mais frequentemente com o uso crônico de antagonistas, seguindo o mesmo princípio de tentar desfazer o que o fármaco está fazendo com o organismo. Quando o antagonista bloqueia o receptor, a ausência do agonista é sentida e ativa um mecanismo de feedback (disparado pela própria ligação do antagonista ao receptor) que aumenta a quantidade de receptores ancorados na MP para retomar ação do agonista. Ajustes de dose também são eventualmente requeridos e ambos os casos são reversíveis pela simples suspensão da medicação (volta pro basal). Conceitos na interrelação medicamentosa EFICÁCIA – é o efeito máximo alcançado pelo fármaco, representada pela altura atingida por ele no gráfico de efeito biológico pela dose empegada. É o principal critério de escolha pro medicamento, principalmente tentando aliar menor dosagem com maior eficácia – fornece amplitude para eventuais ajustes de dose dentro da janela terapêuticae ainda evita dessensibilização dos receptores. A diferença entre o agonista e o agonista parcial é justamente a eficácia, que reflete intimamente as suas atividades intrínsecas individuais. POTÊNCIA – é uma medida da dosagem necessária de um medicamento para que tenha sua eficácia máxima, representada no gráfico pela sua envergadura. Um fármaco ideal é aquele que atinge sua eficácia máxima com as menores doses possíveis, por motivos anteriormente mencionados. Tem pouca relevância clínica, pois não se pode comparar doses diferentes de fármacos diferentes 100 mg do fármaco A pode ser mais tóxico do que 500 mg do fármaco B)sem levar em consideração o número de mols (proporcional ao efeito) - depois da eficácia, devem primeiro ser levados em consideração aspectos como efeitos adversos, preço e anos de uso no mercado. ANTAGONISTAS COMPETITIVOS – são antagonistas que competem pelo mesmo sítio de ligação do agonista (endógeno ou farmacológico). Por essa razão, o resultado biológico resultante estará associado com a relação entre as concentrações do fármaco e do antagonista, visto que é possível retirar o antagonista do receptor quando o agonista estiver em maior concentração. Farmacologia Geral | Resumo completo 27 Dessa maneira, basta aumentar a dose do agonista para que seja retomada a eficácia anterior na sua integridade. ANTAGONISTAS NÃOCOMPETITIVOS – são antagonistas que não competem pelo mesmo sítio de ligação do agonista, mas em vez disso se ligam aos sítios reguladores dessa proteína, causando uma mudança conformacional que deforma o sítio de ligação do agonista – por mais que esteja disponível o sítio de ligação, está impossibilitada por tempo indeterminado essa ligação. Portanto, não adianta aumentar a concentração do fármaco – a eficácia será afetada e não pode ser restabelecida. Introdução aos receptores de neurotransmissores Daqui para frente será cada vez mais essencial o conhecimento sobre cada receptor de NT para entendermos os efeito biológicos dos medicamentos. Os fármacos podem interagir com todas as classes de receptores das mais variadas formas, o que pede por uma revisão dos principais tipos envolvidos – localizados no neurônio pós-sináptico e nas vísceras periféricas: a) ACETILCOLINA – possui duas classes de receptores: nicotínicos (ionotrópicos) e muscarínicos (metabotrópicos). Os ionotrópicos produzem PEPS e estão presentes na junção neuromuscular, excitando músculos para contração – a nicotína é seu agonista (mimetiza sua atividade intrínseca positiva), enquanto o curare (veneno indígena paralisador) é seu antagonista competitivo. Os metabotrópicos produzem PEPS < PIPS e estão mais localizados difundidos pelo SNA para promover ação prassimpática – a muscarina é seu agonista, enquanto a atropina é antagonista competitivo. b) GLUTAMATO – possui duas classes de receptores: AMPA, NMDA e cainato (ionotrópicos) e MGLUs (metabotrópicos). Estudamos principalmente os ionotrópicos, que promovem PEPS e fazem desse NT o principal excitatório do SNC. Para abrir um canal NMDA, deve haver primeiro a abertura de canais AMPA, pois há um íon Mg+₂ trancando seus portões e só assim ele é liberado. c) GABA (ácido α–aminobutírico) – sintetizado a partir do glutamato pela enzima glutamato descarboxilase, é considerado o principal NT inibitório do SNC. Possui canais inotrópicos que permitem saída de K e hiperpolarização decorrente e também metabotrópicos, que levarão sempre a um potencial pós-sináptico inibitório PPSI. Possui mecanismos de Farmacologia Geral | Resumo completo 28 retirada da fenda iguais àqueles experimentados pelo glutamato – tanto recaptação pelo pré-sináptico, como pelas células gliais. d) DOPAMINA – é uma amina biogênica catecolamina (portanto, derivada do aminoácido tirosina) utilizada em várias sinapses por neurônios difundidos pelo SNC. Um conjunto de neurônios bem específicos deles estão na Substância Negra periaquedutal mesencefálica, que se projetam aos núcleos da base e cuja destruição está associada à Doença de Parkinson. Apresenta apenas canais metabotrópicos e transportador TDA no pré-sináptico recapta da fenda. e) NORADRENALINA – é uma amina biogênica catecolamina utilizada extensamente no SN Autônomo (simpático), bem como em funções nervosas superiores no SN Central. Possui receptores diferenciados α e β noradrenérgicos, que serão melhor estudados ao longo do resumo. As aminas biogênicas em geral são reaproveitadas até a exaustão, sendo depois metabolisadas pelas enzimas MAO e COMT, havendo clearance hepático e/ou renal. f) SEROTONINA 5HT – é uma amina biogênica, mas não uma catecolamina, sintetizada a partir do aminoácido triptofano. Possui um receptor ionotrópico 5HT3 – com efeitos excitatórios, que são raros devido à restição da sua distribuição - e todos outros metabotrópicos, normalmente inibitórios. Está relacionada com o controle do humor e das emoções, estando depletada na depressão – é muito modulada por fármacos inibidores da sua recaptação, que inundam a fenda sináptica com ela.
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