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Dispepsia e Helicobacter pylori – Dr. Thiago Bosch 1 Dispepsia e Helicobacter pylori Uma dispepsia é a sensação de dor ou desconforto esporádico ou persistente na parte superior do abdome, associado a dificuldades na digestão e desconforto pós-prandial. A prevalência de dispepsia é de 30 a 40% na população, podendo estar associada a doenças orgânicas (úlceras pépticas, doença do refluxo gastroesofágico, câncer gástrico, doenças biliopancreáticas) ou como quadro isolado sem identificação de causa determinante (dispepsia funcional – 70% dos casos). Deve-se lembrar que dispepsia é uma entidade clínica, enquanto que gastrite é uma entidade histológica, essas que se diferenciam. Fatores de risco: idade, tabagismo, etilismo, ingestão abusiva de sal e conservante e uso de medicamentos, como AINEs. Quadro clínico: pode ser classificada em não investigada sem realização prévia de endoscopia ou investigada – orgânica, funcional ou relacionada ao Helicobacter pylori. Pode-se ter associação de sintomas como má digestão, pirose, regurgitação, náuseas, vômitos, saciedade precoce, eructação excessiva, sensação de digestão lenta, entre outros. Uma dispepsia tipo refluxo com endoscopia digestiva alta normal pode estar relacionadas com DRGE não erosiva, além do fato de que náuseas e vômitos podem estar acontecendo por distúrbios de náuseas e vômitos funcionais. As lesões causadas por medicamentos não devem ser denominadas com dispepsia, melhorando com a retirada do fármaco. Causas digestivas: úlcera péptica, refluxo gastroesofágico, doença biliar, gastrite, duodenite, pancreatite, neoplasia, síndrome de má-absorção e doenças infiltrativas. Causas não digestivas: diabetes mellitus (promove prolongamento do tempo de esvaziamento gástrico), tireoidopatias, hiperperatireoidismo, alterações eletrolíticas, isquemia coronariana, colagenoses, síndrome de Cushing. Causas medicamentosas: AINEs, antibióticos orais, digitálicos e teofilina. Como sinais e sintomas de alerta tem-se perda de peso não intencional, vômitos persistentes, odinofagia, disfagia progressiva, hematêmese, anemia por deficiência de ferro, massa abdominal palpável ou linfadenopatia, histórico familiar de câncer do trato gastrointestinal, cirurgia gástrica prévia, icterícia e sintomas sistêmicos. Quando presentes implicam na realização de endoscopia para início do seguimento, a fim de descartar patologias mais graves, como neoplasias. Diagnóstico: é feito por história clínica, exame físico e uso criterioso de exames complementares. Em pacientes jovens e sem sinais de alarme os exames laboratoriais são desnecessários, utilizando apenas a prova terapêutica com inibidores da bomba de prótons (IBP) associada com melhora de hábitos alimentares. Em pacientes com mais de 45 anos deve-se realizar dosagem de amilase, anticorpos para doença celíaca, pesquisa de ovos e parasitas, teste de gravidez e endoscopia digestiva alta. D is p e p s ia Investigada Relacionada ao Helicobacter pylori Funcional Síndrome da dor epigástrica Predomínio de dor e queimor, tipo ulcerosa Síndrome do desconforto pós- prandial Saciedade precoce e predomínio de alteração de motilidade Orgânica Sintomas so aparelho digestivo na presença de doença primária Não investigada Sem realização de endoscopia prévia Dispepsia e Helicobacter pylori – Dr. Thiago Bosch 2 Em pacientes jovens (< 40 anos), sem sinais de alarme e sem história familiar de câncer gástrico pode-se indicar testes não invasivos para pesquisa do H. pylori (teste respiratório com ureia C13, antígeno fecal ou sorologia), indicando tratamento para erradicação do microrganismo se positivo – estratégia testar e tratar. Nesse caso, o exame endoscópico só é indicado para aqueles que persistirem sintomáticos após o tratamento para erradicação. É muito importante que se faça o diagnóstico diferencial entre dispepsia orgânica e funcional para o que deve ser considerado: tempo de doença, idade do paciente, antecedentes de câncer gástrico na família, presença de sintoma ou sinais de alarme (perdas de sangue, anemia, inexplicável perda de peso, hipertrofias ganglionares, massas palpáveis e outras evidências de doença orgânica); frequentemente, recorre-se a investigações complementares. A dispepsia funcional é caracterizada como uma síndrome clínica com presença de sintomas dispépticos recorrentes e crônicos, na ausência de lesões estruturais ou metabólicas subjacentes que possam justificar a sintomatologia. Para diagnóstico utiliza-se os critérios de ROMA IV, esse que exige a presença de um ou mais das seguintes apresentações: 1) sensação incômoda de plenitude pós-prandial, 2) saciedade precoce, 3) dor epigástrica, 4) queimação epigástrica, 5) nenhuma evidência de doença que explique os sintomas. Os critérios devem ser totalmente preenchidos por 3 meses, em que o início dos sintomas deve ocorrer pelo menos seis meses antes do diagnóstico e os sintomas – citados nos critérios de ROMA IV – devem interferir nas atividades diárias. No Brasil deve-se afastar a presença de parasitoses intestinais, pesquisando ovos e larvas de parasitas nas fezes ou realizar o tratamento antiparasitário empírico. Para melhorar a orientação propedêutica e terapêutica os pacientes com dispepsia funcional podem ser divididos em dois grupos. Na síndrome do desconforto pós-prandial predominam os sintomas de empachamento pós-prandial e/ou saciedade precoce, que tenha ocorrido várias vezes por semana nos últimos três meses. Enquanto isso, na síndrome da dor epigástrica predomina dor ou queimação moderada a intensa, intermitente e ocorrendo pelo menos uma vez por semana nos últimos três meses. Deve-se certificar que os sintomas são restritos ao trato digestivo alto, afastar o uso de AINEs e outros medicamentos, caracterizar DRGE quando os sintomas forem compatíveis, devendo também associar os sintomas com outras causas primárias – em idosos, indicar endoscopia digestiva alta, se possível. A dispepsia funcional associada com outras desordens funcionais pode ser denominada como síndrome do intestino irritável. A fisiopatologia da dispepsia funcional é multifatorial, dependendo de dismotilidade do aparelho gastrointestinal, hipersensibilidade visceral, alterações psicológicas, hipersecreção gástrica, infecção por H. pylori, irritantes da mucosa gastrointestinal, pós-infecção, fatores genéticos e eosinofilia duodenal. Como diagnóstico diferencial pode-se ter alergia alimentar, hipersensibilidade ao glúten e intolerância à lactose. Tratamento: deve-se orientar sobre a não gravidade do diagnóstico, explicando que é uma doença muito comum, crônica, sem causas específicas e com períodos de melhora e piora. Além disso, o paciente deve estar ciente que não é uma alergia alimentar, mas pode existir alimentos que piorem a doença, esses que devem ser evitados. Deve-se suspender AINEs e irritantes da mucosa gastrointestinal, cessar tabagismo e alcoolismo, tratar empiricamente as parasitoses intestinais, orientar dieta adequada, erradicar H. pylori e avaliar necessidade de psicoterapia e terapia farmacológica com antidepressivos tricíclicos e inibidores da recaptação da serotonina – quando associação dos sintomas dispépticos e fatores emocionais. Além disso, pode-se utilizar inibidor de bomba de prótons em dose plena por cerca de 1 a 2 meses, sendo eficaz em casos de refluxo gastroesofágico e dor epigástrica, mas sem melhora em quadros de retardo do esvaziamento gástrico. O uso de procinéticos por 2 a 4 semanas também pode ser associado para melhora da distensão e plenitude pós-prandial, além do uso de buspirona para relaxamento do fundo gástrico. A escolha é do médico se o tratamento se iniciará com o IBP ou com a erradicação do H. pylori. Dispepsia e Helicobacter pylori – Dr. Thiago Bosch 3 A Helicobacter pylori é um bacilo Gram-negativo espiralado, móvele flagelar que possui afinidade pelas células antrais produtoras de muco, de modo que coloniza a mucosa gástrica e promove um processo inflamatório agudo com subsequente evolução para inflamação crônica. Afeta cerca de metade da população mundial, tendo relação inversa com a situação socioeconômica, além de ser uma infecção geralmente adquirida na infância. É um microrganismo adquirido por transmissão oral-oral ou ora-fecal, rico em urease, de modo que cliva a ureia em amônia, essa que é tóxica para a mucosa, além de formar bicarbonato que gera um meio alcalino para sua sobrevivência no lúmen gástrico – flagelos, urease e adesinas funcionam como fatores de virulência. Inicialmente induz uma inflamação antral por aumento da produção de ácido em detrimento da redução de somatostatina e aumento de gastrina, fatores que interrompem os fatores de proteção da mucosa. Com o tempo a gastrite se torna multifocal com atrofia da mucosa e das células oxínticas, fato que proporciona redução da produção de ácido e metaplasia intestinal, sendo fator de risco para doença ulcerosa péptica, adenocarcinoma gástrico e linfoma gástrico (MALT). Dificilmente ocorre a eliminação espontânea da bactéria, sendo que a maioria das pessoas é assintomática. A erradicação da bactéria previne a recidiva da úlcera, pode curar o linfoma de pequeno grau e prevenir o câncer gástrico. Todavia, em decorrência do uso de antibióticos para erradicação pode-se ter efeitos colaterais como redução da microbiota, em que a administração de probióticos pode auxiliar. A presença desse microrganismo pode ter associação com algumas doenças como gastrite aguda e crônica, úlcera gástrica e duodenal, linfoma MALT e adenocarcinoma gástrico, dependendo da resposta imune do hospedeiro, da virulência da cepa e da interação de ambos. Diagnóstico: pode-se utilizar testes não invasivos como sorologia, pesquisa de antígenos fecais e teste respiratório, além de testes invasivos por meio da endoscopia como teste da urease, anatomopatológico e cultura. O uso de IBPs deve ser descontinuado por duas semanas antes da realização de testes diagnósticos para infecção por H. pylori, exceto a sorologia. O uso de antibióticos e sais de bismuto deve ser descontinuado por quatro semanas antes desses testes diagnósticos. Tratamento: como indicações para erradicação da H. pylori tem-se dispepsia funcional, úlcera gastroduodenal ativa ou cicatrizada, linfoma MALT de baixo grau, gastrite histologicamente agressiva (atrófica), risco para úlceras por uso crônico de AINEs ou AAS, púrpura trombocitopênica idiopática, risco para câncer gástrico e gastrite crônica autoimune. O tratamento pode ser realizado por IBP (dose plena 12/12h), amoxicilina (1g 12/12h) e claritromicina (500mg 12/12h) por 14 dias. O controle da erradicação deve ser realizado pelo menos após 4 semanas com teste respiratório ou pesquisa de antígeno fecal, em que testes moleculares podem ser empregados para avaliar a resistência a antimicrobianos após falha de tratamento prévio. Se a erradicação não ocorrer pode-se usar IBP (dose padrão 12/12h), amoxicilina (1g 12/12h) e levofloxacino (500mg 1x ao dia) por 14 dias. A terapia quádrupla com bismuto pode ser feita com IBP (dose padrão 12/12h), bismuto (220mg 12/12h), tetraciclina (500mg 6/6h) e metronidazol (400mg 8/8h) por 14 dias. A terapia quádrupla sem o bismuto pode ser feita com IBP (dose padrão 12/12h), amoxicilina (1g 12/12h), claritromicina (500mg 12/12h) e metronidazol (500mg 12/12h) por 14 dias.
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