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Doença do refluxo gastroesofágico

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Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) – Dr. Thiago Bosch 
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Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) 
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) pode ser entendida como o retorno patológico do conteúdo 
gástrico que passa pelo esfíncter esofagiano inferior (EEI) em direção ao esôfago e órgãos adjacentes. É 
caracterizada como o distúrbio mais comum do trato gastrointestinal no mundo ocidental, sendo uma 
condição que pode se manifestar em qualquer faixa etária e sexo. Sua incidência na população brasileira é 
de cerca de 12 a 20% sintomáticos, sendo considerado como um problema de saúde pública em decorrência 
do alto custo em exames complementares e medicamentos. 
A junção esofagogástrica (JEG) contribui para impedir o retorno 
do conteúdo gastroduodenal para o esôfago, sendo que para 
sua plena funcionalidade são necessários alguns fatores, como: 
1) integridade do esfíncter esofagiano interior, 2) compressão 
anatômica diafragmática para aumentar a pressão esfincteriana, 
3) presença de ângulo de His < 90º para auxiliar na compressão 
e 4) manutenção das pregas concêntricas da roseta gástrica. 
Fatores de risco: obesidade, ascite e gestação por aumentarem a pressão intrabdominal e facilitarem o 
retorno do conteúdo gástrico, além do fato dos hormônios gestacionais também causarem relaxamento do 
EEI. Também são incluídos como fatores de risco alterações na mobilidade estomacal que prolongam o 
tempo de esvaziamento gástrico, elitismo, tabagismo, presença de hérnia de hiato, idade superior a 45 anos, 
predisposição genética e ingestão de alimentos e medicamentos que possam auxiliar no refluxo – como 
café, alimentos ácidos, chocolate, bebidas gasosas, AINEs, bloqueadores de canais de cálcio, entre outros. 
Fisiopatologia: pode ser causado por anormalidades do EEI como por relaxamento esfincteriano transitório 
decorrente de um reflexo vasovagal anômalo de curta duração (entre 5 e 35 segundos) ou por uma hipotonia 
verdadeira do esfíncter, que promove uma manifestação de refluxo intenso e prolongado – podendo ter 
causas idiopáticas ou secundárias como lesão cirúrgica, esofagite, tabagismo e uso de medicamentos que 
promovem o relaxamento do esfíncter. 
Além disso, o desenvolvimento da DRGE pode ser ocasionado por uma desestruturação anatômica da 
junção esofagogástrica em um quadro denominado hérnia de hiato, em que ocorre o enfraquecimento da 
musculatura que sustentava o EEI, esse que sofre deslizamento e passa a estar localizado na cavidade 
torácica, fato que permite o retorno do conteúdo estomacal ácido para o esôfago. O peristaltismo esofagiano 
inadequado também pode gerar refluxo, já que a comida não consegue ser empurrada em direção ao 
estômago e se acumula no esôfago, como em acalasia ou megaesôfago. 
Em recém-nascidos o refluxo pode ser considerado fisiológico por imaturidade do EEI, como também pelo 
fato de tais indivíduos permanecerem predominantemente em decúbito. Todavia, tal condição é transitória 
e tende a desaparecer espontaneamente até os dois anos em 80% dos casos. O refluxo pode se manifestar 
com retorno de substância ácida, alcalina (biliar) ou gasosa, sendo que geralmente causam sintomas 
semelhantes, mudando apenas o tratamento e resultado na pHmetria. 
 
Quadro clínico: como sintomas típicos que geralmente levam ao diagnóstico de DRGE tem-se pirose 
geralmente na primeira hora de refeição e regurgitação sem esforço de fluido ácido ou salgado – sintomas 
que devem aparecer no mínimo duas vezes por semana, persistindo por no mínimo 4 a 8 semanas. Também 
Fisiopatologia da DRGE
Relaxamento 
transitório do EEI
Hipotonia 
verdadeira do 
EEI
Desestruturação 
anatômica da 
JEG
Lesão da 
mucosa 
esofagiana 
Peristaltismo 
esofagiano 
inadequado 
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pode-se ter alguns sintomas dispépticos associados, como plenitude pós-prandial, sensação de 
empachamento, eructações, náuseas, sialorreias e soluços. Como fatores desencadeantes pode-se ter 
alimentos gordurosos ou picantes, cítricos, refrigerantes, álcool, refeições volumosas, medicamentos e 
hábito de se deitar imediatamente após as refeições. Como fatores de alívio geralmente tem-se ingestão de 
leite, água ou antiácidos. 
Existem manifestações extraesofagianas 
atípicas podem ser derivadas do refluxo 
gastroesofágico, como dor precordial, desgaste 
do esmalte dentário, tosse cônica, 
broncoespasmo, rouquidão, halitose, aftas e 
irritação da faringe. Como sintomas de alarme 
para formas avançadas da doença e câncer 
tem-se anemia, hemorragia digestiva, perda 
ponderal, disfagia, odinofagia, sintomas de 
grande intensidade e de início recente em 
idosos, histórico familiar de câncer e vômitos 
recorrentes. 
Diagnóstico: de modo geral, o diagnóstico da DRGE é feito por meio de uma história clínica elaborada com 
presença de manifestações características na anamnese e no exame físico. Os sintomas devem ser 
caraterizados conforme frequência, duração, fatores de melhora e piora, tratamentos utilizados e possíveis 
consequências na rotina do paciente. Outras possíveis hipóteses devem ser elaboradas como diagnóstico 
diferencial, principalmente quando os sintomas são atípicos, já que esses podem ser causados por outras 
doenças. Além da história do paciente existem outros métodos que podem ser utilizados para realização do 
diagnóstico da DRGE, como: 
Teste terapêutico: pode ser realizado em pacientes manifestações que indiquem gravidade, com idade < 
45 anos e na presença de manifestações típicas. Ele deverá ser feito com utilização de inibidores de bomba 
de prótons em dose plena por quatro semanas, sendo positivo para DRGE se os sintomas forem abolidos 
nesse período. 
Endoscopia digestiva alta: em sintomas crônicos, idade > 45 anos e/ou sintomas de alarme como disfagia, 
odinofagia, perda ponderal, hemorragia digestiva e histórico familiar de câncer, deve-se realizar a 
endoscopia digestiva alta, que é o exame de primeira escolha para identificar lesões causadas pelo refluxo. 
Assim, pode-se classificar a DRGE em erosiva ou não erosiva, além de realizar biópsias e identificar 
complicações. É um exame que permite visualizar erosões, úlceras, estenoses, lesões neoplásicas, entre 
outros. A esofagite de refluxo pode ser classificada com base na classificação endoscópica de Los Angeles. 
 
Manifestações atípicas 
Pulmonares 
Tosse crônica por 
microaspiração de ácido, 
asma, pigarro, pneumonia, 
broncoespasmo, DPOC, 
bronquite crônica 
Otorrinolaringológicas 
Rouquidão, otite, sinusite, 
disfonia, dor de garganta, 
espasmo laríngeo, disfagia 
alta 
Orais 
Erosão dentária, halitose, 
aftas 
Grau A: uma (ou mais) 
erosões da mucosa 
confinada às pregas 
mucosas, não > que 5 mm 
Grau B: pelo menos uma 
erosão da mucosa > 5 mm, 
confinada às pregas 
mucosas e não contíguas 
entre duas pregas 
 
Grau C: erosões contínuas 
entre os ápices de pelo 
menos duas pregas, 
envolvendo < 75% do órgão 
 
Grau D: erosões 
ocupando pelo menos 
75% do órgão 
 
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pHmetria de 24h: é o exame padrão ouro para diagnóstico e confirmação de 
DRGE, sendo indicado em casos de refratariedade ao tratamento clínico, 
pacientes com endoscopia normal, verificar eficácia do tratamento clínico para 
avaliação de sintomas atípicos. Durante o procedimento, passa-se um fino 
cateter com dois sensores de pH – o primeiro 20 cm acima do EEI e o segundo 
a 5 cm do EEI – que irão realizar o cálculo do índice de refluxo. Tal exame será 
positivo quando o pH intraesofagiano for menor que 4,0 por mais que 7% do 
tempo durante a realização do exame. 
Impedanciometria: é um exame geralmente associado à pHmetria, esse que 
irá relatar a ocorrência de DRGE independente do pH do material refluído. É 
importante para diagnóstico de casos de refluxo não ácido. 
Esofagomanometria: não é utilizada parafins diagnósticos de DRGE, mas 
auxilia no planejamento cirúrgico e pode esclarecer um diagnóstico diferencial, 
já que avalia o tônus pressórico dos esfíncteres esofagianos e a atividade motora 
do corpo esofágico. É feita para análise da atividade motora no pré-operatório 
de fundoplicatura Nisse ou na suspeita de distúrbios motores associados. 
Cintilografia: é um exame que demonstra o refluxo gastroesofágico após ingestão de contraste marcado 
com Tecnécio99, sendo uma técnica não invasiva utilizada geralmente em crianças. 
Biópsia: só deve ser realizada em casos de úlceras, estenoses e esôfago de Barret, não estando indicada 
em pacientes que se apresentam para realização do exame endoscópico na fase aguda da esofagite erosiva 
ou sem qualquer um desses fatores. 
Exame radiológico do esôfago com contraste: não é um exame realizado diretamente para diagnóstico 
da DRGE por ter baixa sensibilidade e especificidade, mas pode ser utilizado para avaliar a anatomia do 
esôfago e identificar condições que favoreçam o desenvolvimento da DRGE, como hérnia de hiato e 
megaesôfago chagásico. 
De acordo com as apresentações do paciente o método diagnóstico mais adequado deve ser escolhido, 
sendo que tais exames também podem ser realizados em associação para analisar os vários aspectos 
apresentados pela DRGE. 
Tratamento: o paciente diagnosticado com DRGE pode ser tratado com medidas comportamentais, 
medicamentosas ou até mesmo cirúrgicas, dependendo de fatores como a etiologia do refluxo 
gastroesofágico, a gravidade das manifestações, o estado do indivíduo e a presença de complicações. 
Assim, objetiva-se a cicatrização das lesões e a prevenção de complicações. 
Como medidas comportamentais tem-se elevação da cabeceira da cama em cerca de 15 centímetros, 
suspensão do fumo, redução do peso corporal em obesos, controle da dieta com redução ou suspensão da 
ingesta de alimentos como café, cítricos, álcool, chocolate e suspensão de refeições exageradas – devendo 
realizar ingestão fracionada de alimentos e no mínimo 2 horas antes de deitar. Além disso, esses pacientes 
devem ter cautela com a utilização de medicamentos que aumentem a probabilidade de desenvolvimento 
de DRGE por promover o relaxamento do EEI, como anticolinérgicos, bloqueadores dos canais de cálcio e 
alendronato. 
O tratamento medicamentoso de primeira escolha é realizado com inibidores de bomba de prótons para 
redução da produção de ácido em pacientes com sintomas típicos e grau A e B de Los Angeles – teste 
terapêutico em dose plena por quatro semanas associado a medidas comportamentais, podendo ser 
mantido por até 8 semanas. Se os sintomas forem abolidos, o teste é considerado positivo e sugere 
fortemente o diagnóstico de DRGE. Em pacientes com sintomas atípicos, grau C e D de Los Angeles, 
presença de úlcera, estenose ou Barret deve utilizar dose dobrada de 2 a 6 meses. 
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Em associação podem ser utilizados antiácidos para alívio 
temporário dos sintomas e procinéticos que aumentam a pressão 
no EEI e o peristaltismo, acelerando o esvaziamento gástrico e 
reduzindo a probabilidade de o conteúdo ácido retornar ao esôfago 
– devem ser trocados a cada mês para não perder a funcionalidade. 
Os bloqueadores de receptores H2 como a ranitidina só devem ser 
utilizados em caso de alergia aos IBP. 
Como tratamento cirúrgico geralmente utiliza-se a fundoplicatura 
gástrica, em que ocorre a confecção de uma válvula antirrefluxo com 
o fundo gástrico, geralmente realizado pela técnica de Nissen com 
rotação de 360º. É indicada para os pacientes que necessitam usar 
a medicação ininterruptamente, intolerantes ao tratamento clínico 
prolongado, esofagite erosiva persistente, esôfago de Barret, 
pacientes jovens, formas complicadas da doença, entre outros. 
Complicações: dentre as principais complicações do refluxo 
gastroesofágico patológico tem-se esofagites por dano epitelial, 
essas que podem evoluir para ulcerações e até causar anemia por 
hemorragias crônicas proveniente dessas lesões – podem ser 
tratadas com dose plena de IBP associadas a medidas 
comportamentais para cicatrização. Sabe-se também que a 
cicatrização dessas lesões pode levar à formação de um tecido 
fibroso, gerando um quadro de estenose péptica, essa que pode ser 
tratada por dilatação endoscópica por balão e uso de IBP. 
Além disso, a intensa lesão do ácido no epitélio esofagiano pode 
levar a um quadro de metaplasia intestinal para um epitélio mais 
resistente – substituição do epitélio escamoso para epitélio colunar glandular com células caliciformes, que 
caracteriza o esôfago de Barret se > 1/3 distal estiver acometido. Essa lesão metaplásica pode evoluir para 
displasia agressiva e aumentar diretamente as chances de transformação neoplásica maligna. 
Os pacientes com esôfago de Barret apresentam risco potencial de adenocarcinoma de esôfago, devendo 
realizar endoscopia a cada 1 a 3 anos na ausência de displasia e controlando o refluxo para reduzir a 
inflamação. Em casos de displasia de baixo grau o acompanhamento é feito a cada 6 meses e de alto grau 
deve ter confirmação diagnóstica por outro patologista, sendo indicada intervenção cirúrgica. Em Barret curto 
usa-se IBP em dose plena e nos demais casos utiliza-se dose dupla em duas tomadas diárias. 
De modo geral, a doença do refluxo gastroesofágico é um problema que merece atenção especial dos 
profissionais de saúde devido suas possíveis repercussões a curto e longo prazo. Assim, é indispensável 
que o diagnóstico dos pacientes seja realizado com extrema cautela, a fim de que o indivíduo seja conduzido 
ao tratamento mais indicado para resolução de sintomas e prevenção de complicações. 
Diagnóstico diferencial: úlcera péptica, gastrite, câncer gástrico, esofagite eosinofílica ou infecciosa, 
doença coronariana, distúrbios motores do esôfago, doenças do trato biliar, entre outros – sabendo que 
essas patologias podem coexistir.

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