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FAEL Organização de Conteúdos Acadêmicos Maria de Lourdes Mazza de Farias EQUIPE EADCON Coordenador Editorial William Marlos da Costa Assistentes de Edição Ana Aparecida Teixeira da Cruz Janaina Helena Nogueira Bartkiw Lisiane Marcele dos Santos Programação Visual e Diagramação Denise Pires Pierin Kátia Cristina Oliveira dos Santos Monica Ardjomand Rodrigo Santos Sandro Niemicz William Marlos da Costa EQUIPE UNITINS Coordenação Editorial Maria Lourdes F. G. Aires Assessoria Editorial Marinalva do Rêgo Barros Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva Revisão Digital Katia Gomes da Silva Projeto Gráfico Irenides Teixeira Katia Gomes da Silva Ilustração Geuvar S. de Oliveira Capas Igor Flávio Souza A questão de gênero é uma constante preocupação nas minhas reflexões. A Língua Portuguesa tem se utilizado e se expressado de maneira conven- cional, deixando-nos presos “ao monopólio masculino da língua e produção do conhecimento” (GOSZ, 1990, p. 332). Isso significa considerar que a escola tem colaborado com a sociedade na construção de padrões de conduta social que correspondem às representações dominantes do que é ser mascu- lino e feminino. Falar que essas representações existem significa dizer que as pessoas determinam, para cada uma dessas categorias, suas características, seus padrões de conduta e o espaço que lhes corresponde na sociedade. Procurei refletir na redação do texto essas questões, com o objetivo de aumentar o debate sobre o papel secundário do gênero feminino na nossa língua. Trata-se, na verdade, de um convite às alunas e aos alunos a expe- rimentarem aquilo que Peter Mclaren se refere como o “atravessar de fron- teiras simbólicas”. Espero que essa experiência nos ajude a colocar em discussão o quanto as mulheres têm sido silenciadas, evadidas, não referenciadas nos modos de representação verbal dominantes construídos na nossa língua. Não seria diferente com o currículo. Bom proveito! Prof.ª Maria de Lourdes Mazza de Farias EMENTA Currículo, cultura e sociedade. Seleção e organização dos conteúdos curriculares na Educação Infantil: as diretrizes curriculares e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Abordagem pedagógica dos conteúdos na creche e na pré-escola. Planejamento e avaliação do currículo na Educação Infantil. Seleção e organização dos conteúdos nos anos iniciais do Ensino Fundamental: os Parâmetros Curriculares Nacionais. Formação dos educadores e sua atuação no processo curricular. Abordagem pedagó- gica dos conteúdos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Planejamento e avaliação do currículo no Ensino Fundamental. OBJETIVOS Refletir sobre o conceito de currículo, enfocando os aspectos ideo- lógicos e culturais que o compõem. Compreender as tendências que acompanharam o surgimento e o desenvolvimento do currículo escolar no Brasil. Estabelecer relações entre as propostas curriculares e a melhoria da qualidade do ensino. Propor e examinar alguns programas de ensino articulados ao currículo escolar. CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS O campo do currículo no Brasil: origem e desenvolvimento Conceituações do Currículo Teorias do Currículo Currículo, ideologia e cultura EMENTA Currículo, cultura e curriculares na Educaçã Curricular Nacional par conteúdos na creche e n na Educação Infantil. Se do Ensino Fundamental dos educadores e sua at gica dos conteúdos nos e avaliação do currículo OBJETIVOS Refletir sobre o lógicos e cultura Compreender a desenvolviment Estabelecer rela da qualidade d Propor e exam currículo escola CONTEÚDOS PROGRA O campo do cu Conceituações Teorias do Curr Currículo, ideol FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 259 A seleção cultural do currículo: complexidade da aprendizagem escolar, os códigos curriculares, relações entre o currículo, a escola e a sociedade A proposta curricular a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96: Os Parâmetros Curriculares Nacionais As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental Avaliação Curricular BIBLIOGRAFIA BÁSICA ESTEBAN, M. T. (Org.). Escola, currículo e avaliação. São Paulo: Cortez, 2003. GÓMEZ, A. I. Pérez; SACRISTAN, Gimeno. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do Currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Currículo: debates contemporâ- neos. São Paulo: Cortez, 2002. MOREIRA, Antônio F. B. Currículos e programas no Brasil. 10. ed. Campinas: Papirus, 2003. SACRISTÁN, Gimeno J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. YOUNG, Michael F. D. O currículo do futuro: da Nova Sociologia da Educação a uma teoria crítica do aprendizado. Campinas: Papirus, 2000. AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 261 Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: conhecer a história e a teoria do currículo; entender que os estudos críticos do currículo apontam que a seleção cultural sofre determinações políticas, econômicas, sociais e culturais; entender que a questão central da discussão sobre currículo perpassa o processo de organização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas. Para o bom acompanhamento desta aula, os alunos e as alunas deverão ter conhecimentos prévios de filosofia e história da educação. O currículo, na sua versão mais tradicional, sempre significou um elenco de disciplinas a serem ministradas aos alunos e às alunas. Assim constituído, sua postura era claramente voltada para a distinção entre as pessoas das classes altas e das classes baixas. Enquanto o povo tinha suas próprias formas de trans- mitir habilidades técnicas e artesanais necessárias para o trabalho, a nobreza dedicava-se ao estudo das “artes liberais”, que era mais voltado para a trans- missão do status hereditário do que para o exercício de profissões. 1.1 História e teoria do currículo No período que vai desde o descobrimento até o início do século XX, o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma resposta educacional, relacionada a essa nova visão. Nossa educação colonial, herdeira do espírito AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS História do currículo no Brasil AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 262 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS da contra-reforma, importado da metrópole, tinha uma postura marcada pelo obscurantismo místico, pela repulsa às ciências e às tecnologias e por qualquer ocupação que envolvesse habilidades manuais ou artesanais, ou seja, tarefas que lembrassem o trabalho escravo. Com o advento da Independência e da República, novas atividades econô- micas começaram a surgir, o que deu origem principalmente ao aparecimento de uma crescente classe média. Alguns grupos sociais passaram a pleitear uma estrutura educacional mais voltada à ciência, à tecnologia e às habilitações profissionalizantes. Após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise oriunda do debate de pensamentos entre as elites rurais e as classes intermediárias, traduziu-se em um acirrado conflito de idéias educacionais. De um lado, os defensores do ensino voltado à erudição, à importação de valores europeus e à cristalização das tradições. De outro, os defensores do ensino voltado à ciência e à tecnologia, favorecendo o desenvolvimento industrial e a urbanização do país. O tipo de ser humano que a educação se propunha a formar a partir do modelo colonial estava em conflito com as aspirações dos novos grupos sociais em ascensão. O exemplo histórico nos leva a consolidar a convicção de que o subsistema educacional se insere, de maneira intensamente comprometida, no sistema mais amplo que configura a sociedade de dado lugar e tempo,nos seus aspectos econômicos, na sua estrutura de poder e nos movimentos de mudança. A educação, portanto, é uma resposta das instituições escolares às exigên- cias da sociedade; à expectativa de alunos e alunas, também decorrentes das expectativas que seu meio social e familiar alimenta em relação a eles e elas; às disputas de posições dirigentes almejadas por diversos agrupamentos sociais; ao estágio do desenvolvimento produtivo de um povo, bem como ao tipo de sua organização econômica. Dessa forma, concluímos que qualquer postura educa- cional tem subjacente uma “visão de mundo”. O currículo é entendido como programa de ensino, conteúdos ou matriz curricular por muitos professores e professoras. Na realidade, existe uma plurali- dade de definições e cada uma pressupõe valores e concepções implícitas. A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o caminho da vida ou das atividades de uma ou um grupo de pessoas. O currículo educa- cional representa a síntese dos conhecimentos e valores que caracterizam um processo social expresso pelo trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas. Para Goodson (1996), o currículo é definido como um percurso a ser seguido e como conteúdo apresentado para estudo. Os primeiros estudos, de origem norte-americana, no campo do currículo, foram influenciados pelo modelo tecnicista de natureza prescritiva, baseados nas categorias de controle e eficiência social. AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 263 Nesse sentido, destaca-se Ralph Tyler (1949), que mostra preocupação com o estabelecimento de objetivos educacionais e com a avaliação. O currículo era visto como uma atividade neutra, instrumento de racionalização da atividade educativa e controle do planejamento. Segundo Tyler, para o desenvolvimento de um currículo existem quatro tarefas fundamentais: a definição e seleção dos objetivos; a seleção e criação das experiências de aprendizagem; a organização das experiências para alcançar o máximo efeito cumulativo; a avaliação do currículo com vistas ao seu contínuo aproveita- mento” (TYLER citado por TABA, 1984). O pensamento de Tyler influenciou os estudos sobre currículo no Brasil e foi adotado como fundamento teórico na organização curricular do ensino na década de 70. A nova sociologia da educação busca discutir os aspectos internos da escola e a relação entre a educação e as desigualdades sociais. O desvelamento das implicações do currículo com a estrutura de poder político e econômico na socie- dade inseriu a problemática curricular no interior da discussão político-sociológica. Michael Apple, em Ideologia e Currículo (1982), colocou em destaque a relação entre a dominação econômica e cultural e o currículo escolar. Baseado na abor- dagem neomarxista, o autor trabalhou a noção de currículo oculto, buscando demonstrar como as escolas produzem e reproduzem a desigualdade social. A discussão sociológica do currículo, a crítica ao reducionismo e estruturalismo tem sido feita por autores como Young (1989), Apple (1989) e Silva (1988). Além da teoria crítica do currículo de natureza sociológica, os estudos nesse campo tiveram outros desdobramentos. Kemis (1996) tem assinalado a necessi- dade de uma reformulação da teoria do currículo com base na articulação teóri- co-prática. Stenhouse (1991) e Schwab (1983) sugerem o estudo do currículo em uma perspectiva processual e prática. Sacristán (1998) defende o modelo de interpretação que concebe o currículo como algo construído no cruzamento de influências e campos de atividades diferenciadas e inter-relacionadas, permi- tindo analisar o curso de objetivação e concretização do currículo em vários níveis, assinalando suas múltiplas transformações. Apple, (1982) utiliza o termo tradição seletiva “(...) a questão é a seletivi- dade, a forma que, de todo um campo possível de passado e presente, esco- lhem-se como importantes (...) significados e práticas, (...) outros são negligen- ciados e excluídos”. Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 264 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS Efetivamente, como assinala Forquim (1992, p. 35), “aquilo que as escolas transmitem da cultura é sempre uma escolha de elementos considerados social- mente válidos e legítimos”. Estudos críticos do currículo apontam que a seleção cultural sofre determi- nações políticas, econômicas, sociais e culturais. Nesse sentido, a seleção do conhecimento escolar não é um ato desinteressado e neutro, e sim resultado de lutas, conflitos e negociações. Assim, entende-se que o currículo é cultural- mente determinado, historicamente situado e não pode ser desvinculado da totalidade do social. Para Silva e Moreira (2000, p. 42) “... nas escolas não se aprendem apenas conteúdos sobre o mundo natural e social, adquire-se também consciência, (...) que comanda relações e comportamentos sociais”. Os estudos que analisam os efeitos do currículo para além da aquisição de conhecimentos formais se voltam para a concepção de currículo oculto e apontam que, por meio dele, são transmitidas ideologias, concepções de mundo pertencentes a determinados grupos hegemônicos na sociedade e que serve para reproduzir as desigualdades sociais. Para Silva (1995, p. 21), currí- culo oculto são (...) todos os efeitos de aprendizagem não intencionais que se dão como resultado de certos elementos presentes no ambiente escolar. A relevância desse conceito está na explicação que ele oferece para a compreensão de muitos aspectos que ocorrem no universo escolar. Silva (2000, p. 27) também acrescenta currículo oculto como “conjunto de atitudes, valores e comportamentos que não fazem parte explícita do currículo, mas que são implicitamente ‘ensinados’ por meio das relações sociais, dos rituais, das práticas e da configuração espacial e temporal da escola”. No campo do currículo, a literatura crítica tem argumentado a favor de uma teoria que leve em consideração a sua dimensão prática. Trata-se de uma pers- pectiva que busca compreender o currículo em ação, ou seja, os seus contextos de concretização, desde a prescrição até a efetivação nas salas de aulas. Sacristán (1998) aponta para essa perspectiva quando foca a atenção para os condicionantes administrativos, institucionais e pedagógicos que afetam o desenvolvimento do currículo nas escolas. A perspectiva teórico-prática ressalta as circunstâncias do trabalho docente com o conhecimento e com o processo de ensino-aprendizagem, contexto curri- cular complexo e problemático. Nesse sentido, afirma Sacristán (1998, p. 63): “aos microespaços sociais de ação, às responsabilidades de deliberação dos professores sobre seu próprio trabalho e a compreensão de como o currículo se converte em cultura real para professores e alunos”. AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 265 Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisssSaiba maisSaiba mais 1.2 A seleção e organização dos conteúdos curriculares A questão central da discussão sobre currículo perpassa o processo de orga- nização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas. Ao se discutir as escolhas feitas pelos professores e professoras, discute-se não só as opções, mas as concepções acerca de uma determinada sociedade e de como se percebe seu desenvolvimento. Segundo Santos e Moreira (1996, p. 33), “em parte, por meio do currículo, diferentes sociedades procuram desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados”. Pensando na função do currículo, percebemos porque esse foco de discussão é tão significativo. A palavra currículo apresenta e aparece com dois sentidos claros no meio pedagógico: conhecimento escolar ou experiência de aprendizagem. Mesmo com enfoques diferentes, os dois sentidos estão presentes no currículo escolar, dessa forma, um completa o outro, visto que “todo currí-culo envolve apresentação de conhecimentos e inclui um conjunto de experiên- cias que visam a favorecer a assimilação e reconstrução desses conhecimentos” (SANTOS; MOREIRA, 1996, p. 35). Percebe-se que o currículo é uma construção social que está diretamente ligada a um momento histórico, a uma determinada sociedade e às relações que ela estabelece com o conhecimento. Assim, teremos nas diversas reali- dades uma pluralidade de objetivos acerca do que ensinar, no sentido de que os conteúdos propostos compõem um quadro bastante diversificado e ao mesmo tempo peculiar. Dessa maneira, o currículo é um processo histórico e por meio do social ele se estrutura, não sendo possível, de uma hora para outra, deixar para trás todas as experiências passadas. Ao percorrer o processo histórico do ensino no Brasil, não se pode ignorar que os conteúdos eram trabalhados nos diversos momentos AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 266 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS nem como eram sua organização e seleção, compreendendo, assim, como eles interferem na atual realidade. Para pensar na questão do conteúdo, aponta-se uma frase de Sacristán (1998, p. 52): “sem conteúdo não há ensino, qualquer projeto educativo acaba se concretizando na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam”. Falar de conteúdo a um tempo atrás parecia algo proibido. De certa maneira, até saiu do espaço escolar devido aos movimentos progressistas das últimas décadas, que via nisso uma maneira de reproduzir a cultura dominante. Porém, é importante pensar nesse conteúdo para que se possa falar de sua seleção, organização e como a cultura pode ou não ser reproduzida no cotidiano escolar. Para tanto, o conteúdo nos faz percorrer diversos momentos da história, principalmente aquele tradicional, o qual era visto como algo está- tico, nunca como um elemento que pode ser questionado e transformado. Nesse sentido, as idéias de Popkewitz (1995, p. 39) são fundamentais para entender o conceito de conteúdo do ensino como uma construção social e não lhe dar um significado estático nem universal: “A escolaridade e o ensino não tiveram sempre os mesmos conteúdos, nem qualquer um deles – a linguagem, a ciência ou o conhecimento – foi entendido da mesma forma através dos tempos.” Assim, é possível compreender que os conteúdos não são sempre os mesmos e, historicamente, eles são transformados mediante a realidade em que se está vivendo. Em cada época e sociedade a escola assume funções sociais diferentes, refletindo, dessa maneira, um olhar acerca do conhecimento e de cultura diferenciada. O processo de seleção e organização dos conteúdos é por si só um elemento de escolha e decisão, nenhuma dessas ações são neutras, pois elas regulam e distribuem o que se ensina. Para Sacristán (1998) é uma decisão política. No processo de seleção do que ensinar, podemos, segundo Santos e Moreira (1996), encontrar diversos estudos que discutem esse foco. De certa forma, todos apontam para a questão dos conflitos que permeiam esse processo, que se apre- senta por meio de lutas e negociações. Esse processo de seleção envolve um comprometimento político que visa a garantir a hegemonia de determinados saberes, perpetuando-se visões de mundo por meio de sua cultura. Sobre a organização, numa abordagem tradicional, está em questão o tipo de conhecimento, a sequência que pode ser ensinado e para quem pode. Para tal, leva-se em conta a estrutura lógica da disciplina e o nível de desenvolvimento cogni- tivo do aprendiz. Nesse sentido, todo conhecimento possui uma lógica, que só traduzindo em uma linguagem mais simples pode ser acessível a alunos e alunas. Em função disso, discute-se como o conhecimento se torna um conteúdo escolar, pensando nos mecanismos por meio dos quais a escola não apenas trans- mite saberes, mas também os produz (SANTOS; MOREIRA, 1996). Parece que o AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 267 conhecimento discutido na escola é diferente ou tem função diferenciada daquele utilizado, estruturado e aplicado no nosso cotidiano. É presente na escola a idéia de que é preciso um conteúdo antes do outro, de maneira crescente. Assim, o saber da sociedade é diferente do saber escolar, no qual eles são recontextualizados. Segundo Santos e Moreira (1996, p. 33), “pode-se dizer que a organização do conteúdo curricular está relacionada com a produção dos saberes escolares”. Todo esse processo é delicado para ser pensado de maneira tão ampla, visto que cada realidade tem suas características particulares, porém nenhuma está isenta das relações que engendram nossa sociedade referente às lutas sociais nos mais diversos níveis. Nesse sentido, falar das escolhas dos professores e profes- soras, por meio dos processos de seleção e organização curricular, é buscar compreender um pouco desses caminhos pelos quais passam suas experiências e como elas se manifestam na realidade em que estão inseridas. 1.3 Pensando nas escolhas como elementos de identidade As escolhas dos profissionais da educação, ao desempenhar sua função, baseiam-se nas experiências como alunos e profissionais e no universo em que historica e socialmente esse profissional está inserido. Pensando assim, o currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades, tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis (SANTOS; MOREIRA, 1996, p. 38). Ao pensarmos nesses valores, os profissionais trabalham a partir do que acre- ditam ser importante para seus alunos aprenderem e experimentarem. Baseados em suas próprias experiências, o profissional da educação envolve seus alunos no que ele acredita ser o melhor para compor as aprendizagens na escola. Olhar para esses elementos tidos como pessoais pode até, de certa maneira, representar para o leitor como se eles dependessem unicamente do professor ou da professora. Alguns até dependem, porém esse profissional não está inse- rido em um espaço neutro, isento de lutas e disputas. Afinal, o currículo é uma prática social, é um elemento produzido e produtor de identidades. Segundo Silva (2001, p. 47), “um dos efeitos mais importantes das práticas culturais é o de produção das identidades culturais”. Assim, buscamos compreender identidade como um fenômeno produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vistas como comuns em um determinado grupo social. Para pensar na possibilidade de uma identidade no espaço escolar, parte-se do princípio de que as pessoas na escola cons- tróem idéias e representações acerca das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo. Uma definição de identidade: “relação de semelhança absoluta e completa entre duas coisas, possuindo as mesmas características essenciais”. AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 268 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS Como afirma Silva (1999), se o currículo é documento de identidade, como pensar nas escolhas dos profissionais da escola deixando de lado essa questão? Pensar em identidade é pensar em dinamicidade e, no contexto escolar, é perceber que ela pode ser um elemento construído e estruturado em um grupo social com representações utilizadas para forjar sua identidade e identidades dos outros grupos sociais. No contexto específico das escolhas e referenciais que compõem o currículo, a identidade do fazer pedagógico é tratada como algo que está em diversos lugares, mas com características diferentes em cada lugar e, mesmo assim, dife- rentes entre si. Segundo Silva (2001, p. 48), “a identidade só faz sentido em uma cadeia discursiva de diferenças: aquilo que ‘é’ é inteiramente dependente daquilo que não ‘é’. Em outras palavras, a identidade e a diferença são cons- truídas na e pela representação, pois não existem fora dela”. Partindo dessa afirmação, a identidade é construída pelo própriogrupo, e não por um elemento que existe naturalmente. Para pensar na identidade em nossa realidade escolar, precisamos nos remeter às diversas realidades curriculares presentes nas escolas. Portanto, esse é um elemento inserido em um currículo escolar que está em constante trans- formação e dentro de uma guerra de forças na qual os sujeitos nem sempre percebem esse movimento ligado às relações estabelecidas de poder. Vimos que, no período que vai desde o descobrimento do Brasil até início do século XX, o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma resposta educacional relacionada a essa visão. Nesse estudo compreendemos que a educação, portanto, é uma resposta das instituições escolares: às exigências da sociedade; à expectativa de alunos e alunas, também decorrentes das expectativas que seu meio social e familiar alimenta, em relação a eles e elas; às disputas de posições dirigentes almejadas por diversos agrupamentos sociais; ao estágio do desenvolvimento produtivo de um povo, bem como ao tipo de sua organização econômica. 1. Segundo o texto, assinale a alternativa correta. a) Em todas as épocas e sociedades, a escola tem assumido a mesma função social, refletindo, dessa maneira, um mesmo olhar acerca do conhecimento e da cultura. O processo de seleção e organização dos AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 269 conteúdos não é um elemento de escolha e decisão, pois essas ações são neutras, regulando e distribuindo o que se ensina. b) Em cada época e sociedade, a escola assume funções sociais diferentes, refletindo, dessa maneira, um olhar acerca do conhecimento e de cultura diferenciada. O processo de seleção e organização dos conteúdos é, por si só, um elemento de escolha e decisão, nenhuma dessas ações são neutras, pois elas regulam e distribuem o que se ensina. c) Em cada época e sociedade, a escola assume funções sociais diferentes, refletindo, dessa maneira, um olhar acerca do conhecimento e de cultura diferenciada. O processo de seleção e organização dos conteúdos é, por vezes, um elemento de escolha e decisão, as ações nem sempre são neutras, pois elas regulam e distribuem o que se ensina. d) Em todas as época e sociedades, a escola tem assumido a mesma função social, refletindo, dessa maneira, um mesmo olhar acerca do conhecimento e de cultura. O processo de seleção e organização dos conteúdos é, por vezes, um elemento de escolha e decisão; essas ações nem sempre são neutras, pois elas regulam e distribuem o que se ensina. 2. Faça uma síntese sobre as diversas teorias do currículo que aparecem no texto e destaque as diferenças entre elas. Procure mais exemplos, relacione as idéias do texto e tente identificá-las com as propostas da sua escola. 3. Analise, reflita e em seguida responda ao que se pede. A concepção convencional de currículo lista os conteúdos predetermi- nados para serem trabalhados pelas disciplinas. O que se aprende na escola é só os conteúdos disciplinares? A cultura escolar promove a construção de conhecimentos e significados que podem contribuir ou não com os processos de democratização da sociedade. Você concorda? Justifique sua resposta e depois discuta com seus colegas. Na atividade um, a alternativa (b) está correta, pois, segundo o texto, no processo de seleção do que se ensina, podemos encontrar diversos estudos que discutem esse foco e, de certa maneira, todos apontam para a questão dos conflitos que permeiam essas ações e que se apresentam como lutas e negocia- ções. Esses processos de seleção envolvem um comprometimento político que visa a garantir a hegemonia de determinados saberes, perpetuando-se visões de mundo por meio de sua cultura. É, portanto, uma decisão política. As demais alternativas estão erradas. AULA 1 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 270 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS A atividade dois é reflexiva, o que além de ajudar a discutir e interiorizar as teorias propostas, leva os alunos e as alunas a questionarem a sua prática. Na atividade três, devemos problematizar o currículo: quais são os critérios utilizados na seleção dos conteúdos? Com quais intencionalidades e interesses estão comprometidos? De que métodos se utilizam? Quais são os contextos políticos e socioculturais privilegiados nas práticas escolares e com que ponto de vista? Uma visão crítica do currículo, construída pelos sujeitos inseridos em um determinado contexto concreto de realidade, no qual fazem opções, planejam, organizam e desencadeiam fazeres, considera como conteúdos, tanto a realidade local – reflexo de um contexto sócio-histórico amplo – quanto o processo de ensino-aprendizagem proposto a partir do diálogo entre saberes popular e científico. APPLE, M. W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. da. Currículo, cultura e sociedade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000. FORQUIN, J. C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. In: Teoria e Educação, Porto Alegre, 1992. v. 6. GOODSON, I. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1996. MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000. POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regulação social e poder. In: SILVA, T. T. da (Org.). O sujeito da educação: estudos foucautianos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SANTOS, L. L. C. P.; MOREIRA, A. F. Currículo: questões de seleção e organi- zação do conhecimento. In: Caderno Idéias, n. 26, São Paulo: FDE, 1996. SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ______. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. Na próxima aula veremos as relações entre conhecimento, cultura e poder e quais as implicações para o campo do Currículo. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 271 Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: compreender as relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar; entender o que é currículo oculto. Nas teorias mais tradicionais, o currículo é tido como um conjunto de fatos e conhecimentos escolhidos num em uma série de outros acumulados pela socie- dade para serem transmitidos aos alunos. Para que isso aconteça, basta pensar na escola como um lugar estático e no conhecimento como um elemento imutável. Dessa forma, a escola, o conhecimento e a cultura não recebem influências dos diversos aspectos políticos, sociais e econômicos que estão em nossa sociedade. Nesta aula, estudaremos a idéia de que a diferença cultural nos currí- culos só pode ser compreendida numa perspectiva relacional que problema- tize os sistemas de representação em que a diferença é construída, de modo a promover uma reflexão sobre como, ideologicamente, são representados grupos dominantes e subordinados em diversos espaços culturais formais e informais, entre eles o currículo. A produção sobre currículo tem freqüentemente mantido a centralidade da categoria conhecimento o que dificulta a percepção do currículo como espaço-tempo de produção cultural. 2.1 Currículo e cultura Os estudos acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam para discussões que nos proporcionam vislumbrar a compreensão das relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS Considerações sobre conhecimento, cultura e poder no currículo AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 272 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS Os estudos culturais se compõem em um campo que compreende a cultura como uma prática de significação, centrado na linguagem e no discurso da cons- tituição social. Assim, “cultura é um campo de luta em torno da construção e da imposição de significadossobre o mundo social” (SILVA, 2001, p. 42). São signi- ficados que estão no interior das práticas sociais estruturadas e que na escola se constituem em campos de saber. Neles, os elementos ativos no processo escolar, isto é, os professores, professoras, alunos, alunas e estruturas educacionais, são importantes para compor os tempos e espaços escolares. Nesse sentido, alguns conhecimentos são tidos como o mais legítimos, como conhecimento oficial. Desse modo, para determinado grupo, esse conhecimento é tido como o ideal para ser trabalhado no espaço escolar, pois o conhecimento de outros grupos dificilmente chegará na escola. O currículo é visto como uma tradição seletiva (APPEL, 2000) de significações que envolvem a cultura e a identidade dos grupos sociais. Assim, podemos inserir na discussão o poder, que, a partir das análises pós-estruturalistas inspiradas em Foucault, é concebido como descen- tralizado, horizontal e difuso. Utiliza-se essa definição, porque é a mais próxima das teorias que dão suporte à compreensão do currículo como um elemento no espaço escolar que não está isento das lutas que envolvem o poder nos mais diversos tempos e espaços. Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais O currículo não é simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e compromissos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo. A partir disso, podemos iniciar nossa relação com o poder e as definições curriculares presentes na escola, partindo dos elementos que culturalmente estruturam e identificam um grupo social. O poder como um elemento descentralizado e horizontal aponta para que as escolhas nem sempre sejam elementos de domínio único de profes- sores e professoras, pois formas e conteúdos culturais funcionam como elementos distintivos de classe (APPEL, 2000). Ao ponderarmos sobre as questões educacionais, uma pergunta é inevitável; será que a escola é uma transmissora de conhecimentos ou de ideologias? A escola faz as duas coisas: tanto difunde os valores ideológicos da classe domi- nante como também tem a função de transmissão e socialização dos conheci- mentos historicamente acumulados. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 273 Outras questões importantes são colocadas. Muitos pais perguntam para nós, professoras e professores “por que o meu filho não consegue aprender nada na escola?” É comum os alunos estudarem muito para uma prova e acharem que internalizaram tudo, porém se avaliarmos eles sobre o mesmo conteúdo algum tempo depois, provavelmente, eles já terão esquecido tudo. Por exemplo, depois das férias, é sempre a mesma coisa, esquecem tudo o que “aprenderam no ano anterior”. Por que será que essas coisas acontecem? Essas perguntas poderão ser respondidas a partir do momento que anali- samos a verdadeira função da escola. Afirmamos, no início, que a escola é ao mesmo tempo transmissora de conhecimentos e difusora de valores ideoló- gicos. Vamos considerar que em uma sociedade dividida em classes há duas classes: a dos que trabalham, que é a maioria, e a dos que se apropriam do trabalho produzido por aqueles que trabalham. Assim, na sociedade capitalista, o trabalho está destinado às classes produtoras, às classes trabalhadoras. Quem se apropria desse trabalho é a burguesia. Da mesma forma, o conhecimento se produziu nas relações entre os seres humanos, nas relações sociais (de trabalho, familiar, cultural, etc.). Acontece que, nas sociedades típicas de exploração, como é o caso da sociedade capitalista, o produto do trabalho gerado pelos seres humanos nas suas relações mútuas é expropriado pela classe detentora do poder. Assim, o conhecimento é um meio de produção, visto que é apropriado pela classe dominante que o reelabora para transmiti-lo por meio de uma insti- tuição adequada: a escola. Para as relações de exploração serem capazes de se perpetuar na socie- dade, é indispensável que, ao transmitir o conhecimento elaborado para a classe trabalhadora, a burguesia o faça de modo seletivo. Isso quer dizer que nem todos aqueles que freqüentam a escola têm a possibilidade de se apropriar do conhecimento da mesma maneira e na mesma proporção. Na apresentação que se segue sobre o problema do ensino oficial, das rela- ções da escola com a sociedade que se estende aos problemas da democracia e às liberdades escolares, há, também, um ensaio de resposta às questões colo- cadas inicialmente. A escola, por conseguinte, tem um norte ideológico e, por isso, a questão do conteúdo escolar é importantíssima: questões como a da metodologia, da sua orientação em relação às correntes pedagógicas, entre outras. Se esses conteúdos são conservadores, irão intensificar, naturalmente, as discriminações sociais, sexuais e raciais, a divisão do trabalho, a importância da autoridade do professor ou da professora. Se são inovadores, irão ampliar o respeito à identidade de cada indivíduo, e a escola, seguramente, estará voltada para as necessidades dos alunos e alunas. Em uma sociedade dividida em classes como a nossa, ou seja, em que o trabalho é dividido fundamentalmente em manual e intelectual, ou entre AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 274 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS o campo e a cidade, o ensino também aparece dividido como dois termos oposto. A escola, enquanto destinada aos interesses das classes dominantes, deixa de existir para as demais classes. Apenas as classes detentoras têm o direito a essa instituição específica. Somente há pouco tempo, no início da Revolução Industrial, começou a se converter em perspectiva, ou seja, em algo para toda a sociedade. As instituições para a formação do trabalhador só surgem com o apareci- mento da Revolução Industrial. A particularidade desse processo é que a estru- tura educativa das classes privilegiadas, consolidada durante muitos anos, esten- deu-se às classes subordinadas, levando-lhes o seu tipo de organização, a sua tradição e os seus métodos. É, portanto, no interior da sociedade histórica que podemos identificar a emergência da ideologia. A ideologia se constitui em representações por meio das quais os agentes sociais e políticos pensam em si próprios, nas institui- ções, nas relações de poder e nas relações de dominação. Essas representações explicam as formas da desigualdade, dos conflitos, da exploração e da domi- nação como sendo “naturais”, isto é, gerais e inevitáveis. Distingui-se o discurso ideológico exatamente pelo ocultamento da divisão, da diferença e da incoerência, na medida em que oferece a homens e mulheres a representação de uma sociedade homogênea, sem divisões e sem antago- nismos, ainda que, de fato, encontre-se totalmente dividida. As idéias e discursos dominantes de uma época, surgem no meio das classes privilegiadas desse período. A ideologia é a tentativa de conceber o universo do ponto de vista particular dessa classe. Essa forma de pensar tem por objetivo esca- motear as divisões sociais, isto é, a divisão do trabalho, a divisão entre as raças, a divisão entre os sexos, a divisão política, a divisão do conhecimento, etc. Quando falamos da nossa escola, isto é, da escola brasileira, ela se modi- ficou muito nas últimas décadas devido a vários elementos, entre eles as misturas sociais. Hoje em dia podemos notar que nas escolas encontramos o filho ou a filha do operário, a classe média e o burguês. Isso pode até nos dar a ilusão de que todo mundo tem as mesmas chances e as mesmas oportunidades educa- cionais. No entanto, o que podemos verificar é que isso não é verdadeiramente real, e se deve, sobretudo, a mecanismos ideológicos que são produzidos no interior da escola, cujo objetivo é eternizar as desigualdades e as diferenças de classes existentes na sociedade. Um desses mecanismos é aquilo que chamamos de currículo oculto. A imagem inicial que uma criança apresenta de si mesma, na maioria das vezes,lhe é dada por meio da escola, das relações com os colegas, professores e professoras e nas relações intergrupais e interpessoais que se produzem no espaço-escola. Portanto, é nesse ambiente que, repetidamente, a representação AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 275 do fracasso ou do sucesso é introjetada pela criança desde o maternal. A maioria dos filhos dos trabalhadores não está preparada para ingressar e se desenvolver nessa escola tal qual ela é concebida. Entretanto, os filhos das elites, porque estão desde cedo, ainda no contexto familiar, já entraram, por exemplo, em relação com o conhecimento abstrato desvinculado da prática, e já aprenderam a privile- giar a linguagem verbal nas suas comunicações. As crianças de poder aquisitivo mais elevado já se habituaram a ser elogiadas toda vez que fazem um desenho bonito, cantam uma música ou dizem um versinho de maneira original, enquanto as crianças filhas de trabalhadores e trabalhadoras vivem em outra realidade e aprendem outras coisas. Assim sendo, quando essas crianças de procedência de classes diferentes entram no mundo da escola, encontram uma realidade que privilegia determinados valores como, por exemplo, a competição. A principal forma de trabalho na escola é a expressão da palavra na sua variante culta; em outras palavras, a forma de se expressar das elites. Essa forma trabalha os conteúdos de raciocínio abstrato totalmente desligados da prática, da realidade de alunos e alunas, etc. A criança da classe popular encontra nessa escola um professor ou professora que valoriza apenas um determinado código de comunicação, de comportamento e de valores. Percebe-se logo que essa escola, que de início parecia tão democrática, na verdade, não é. Vamos verificar que muitas professoras e professores, logo de saída, já formam uma opinião dos seus alunos e alunas. Ou ele(a) é “bom” ou é “mau”. O que nos preocupa é que raramente essa opinião muda ao longo do tempo. Sendo assim, as crianças que são mais valorizadas pela escola tendem a melhor se adequar e conseguir relativo sucesso, ao passo que as outras, que, aliás, são a maioria, acabam sendo eliminadas brutalmente e nada obtendo dessa escola. É desse modo que a marca do fracasso se manifesta de tal forma na maioria dessas crianças, fazendo elas passarem a se comportar de acordo com a expectativa que a instituição tem em relação a elas, ou seja, a de crianças “fracas”, malre- solvidas, com problemas, de péssimo rendimento e até mesmo incapazes. A escola, por conta disso, acaba reforçando para essas pessoas o mito de que são culpadas pelo seu próprio fracasso e, à medida que esses futuros trabalha- dores ingressam no exército de mão-de-obra disponível na exploração capita- lista, serão cada vez mais acomodados, achando que receberam da escola o que deveriam receber, pois são “inferiores” e “incapazes”. Professores e professoras, muitas vezes, formam um juízo negativo de seus alunos e alunas baseados nessas premissas que se manifestam de duas maneiras: objetiva e subjetivamente. De um lado, por meio das notas, conceitos e classificações e, de outro, por meio de comentários, mímicas de desagrado, impaciência, intransigência, desprezo e desrespeito que demonstram aos alunos e alunas. Não aspirarmos martirizar professores e professoras, mas tirar a culpa do sistema educacional, como um todo, pelo fracasso da maioria das nossas crianças é um equívoco. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 276 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS O que estamos querendo demonstrar com essas argumentações é que o currículo oculto usa como critério ideológico o “esforço pessoal”, ajudando, portanto, a preparar os alunos e alunas para serem dominados ou para serem dominantes no meio social em que vivemos. Por isso que, em uma sociedade cheia de competições como a nossa, a escola também tem esse perfil, pois nela só se dão bem os considerados “melhores”, e é nesse tipo de escola que os filhos das classes privilegiadas desvendaram muito cedo a sua “superioridade”, enquanto as outras classes descobriram sua “inferioridade”. Ao experimentar um método permanente de crítica e autocrítica das práticas escolares (currículo real e oculto), poderemos viver os conflitos e as diferenças como forma de desenvolvimento individual e social, além de construir um espaço constante de participação na elaboração do currículo. Os professores devem ficar atentos aos valores e conceitos que eles próprios incorporaram, pois eles determinam a seleção dos conteúdos, estratégias, a metodologia, as habilidades e as avaliações escolhidas. Às vezes, o próprio questionamento está impregnado de ideologia. Ainda sobre os currículos escolares, cabe enfatizar vários aspectos impor- tantes na transmissão do currículo oculto: os professores e professoras não têm assegurado o pleno conhecimento do novo currículo antes de sua implementação; muitos professores e professoras não têm uma posição crítica em relação ao currículo oculto; inúmeros professores e professoras não têm consciência dos direitos dos grupos oprimidos na sociedade; os currículos não são voltados para a transformação social, tendo em vista formar um cidadão consciente, crítico e participante; os currículos não são representantes dos grupos desprivilegiados, pessoas de raças diferentes, mulheres, etc.; os currículos excluem os valores culturais e históricos presentes no cotidiano; os currículos não ensinam os alunos e alunas a superar a situação de marginalidade, nem os conscientizam cultural e politicamente acerca desse assunto; a própria concepção dos currículos é ideológica, pois é fragmentária e desarticulada, não avançando, na prática, para uma verdadeira inter- disciplinaridade e transdisciplinaridade; os currículos valorizam o supérfluo, contribuindo para ampliar a margi- nalidade do conhecimento das mulheres, dos trabalhadores e das pessoas de raças não-brancas; AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 277 os currículos são montados de forma a perpetuar e legitimar as desi- gualdades econômicas, as divisões de classe, gênero e raça, tanto nos empregos como nas riquezas; os textos didáticos falam sobre ideologia e não são, via de regra, traba- lhados criticamente por professores e especialistas. Dessa maneira, a escola está fundamentalmente implicada no fracasso escolar, na conservação da classe baixa no mesmo nível social e na fabricação de trabalhadores submissos e conformistas. A educação serve para reforçar e reproduzir as divisões e injustiças sociais, não se revelando, portanto, democrá- tica, apesar de enfatizar (só em nível de discurso) a permanência e o êxito no sistema escolar. Posto isso, chegamos a conclusão de que a seleção do conhe- cimento escolar é arbitrária, porque exclui as tradições culturais de classes e grupos subordinados para priorizar as memórias culturais dos grupos e classes dominantes. Tanto o currículo real, oficial (explícito) e o oculto (implícito) têm competências socializadoras, pois certos aprendizados e rituais escolares moldam e fabricam consciências. A escola corrobora para a divisão social, racial e sexual do trabalho, uma vez que o conhecimento escolar é distribuído de forma desigual entre os diferentes grupos e classes sociais. A distribuição dos currículos ocultos também é diferenciada de acordo com a classe social, sexo, raça ou etnia. Assim, dependendo dos grupos e classes sociais, demonstram-se diferentes atitudes e características de personalidade. O que queremos deixar evidente é que a escola efetivamente não tem desempenhado a sua função social, que é transmitir os conhecimentos historica- mente construídos, habilidades e valores como os de solidariedade, tolerância e respeito às diferenças. A escola tem sido, nesse sentido, muito mais reprodutora da ideologia das elites do que produtora e difusora do conhecimento. Urge, portanto, uma mudança de atitude, primeiramente de caráterideológico e, depois, de caráter pedagógico. Essa alteração implica uma modificação de postura que possa, efetivamente, encarar os filhos e as filhas de trabalhadores e trabalhadoras como um componente fundamental para o nosso desenvolvimento. É necessário que se reconheça o direito de adquirir conhecimentos e que o professor e a professora se despreconceituem em relação a esses alunos e alunas e percebam que é fundamental para o processo de transformação da nossa sociedade que os filhos e as filhas de trabalhadores e trabalhadoras tenham acesso, de forma crítica, ao saber elaborado da escola. É imperativo que haja uma alteração quanto à forma de se transmitir os conte- údos tanto pedagógico quanto ideológico. O próprio conteúdo deve mudar para atender às reais necessidades dos alunos e da sociedade na qual estão inse- ridos. O conteúdo transmitido não pode ser desligado da prática, mas sim partir da realidade, da vivência, da experiência dos educandos e das educandas. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 278 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS A escola deve ensinar, sobretudo, a pensar, raciocinar, desenvolver o juízo crítico, conhecer a realidade em que se vive e suas contradições. Aceitando que diferença não é inferioridade, uma nova pedagogia terá de ser formulada. Ela não sairá de gabinetes nem de cabeças iluminadas, mas da diversidade de idéias, saberes e experiências. O professor e a professora são induzidos continuamente a optarem: contra ou a favor dos alunos e alunas. Essa opção não implica somente uma visão pedagógica, mas, sobretudo, uma visão ideológica diferente. A ideologia do currículo oculto é uma faca de dois gumes, pois tanto pode levar à passividade como também à revolta. A revolta individual nós, professores e professoras, conhecemos bem: é aquele aluno ou aluna que depreda a escola, é anti-social, agressivo; freqüentemente, a raiz desses comportamentos está na maneira como a escola trata esse indivíduo. Sabemos que essa revolta pode ser canalizada de uma forma positiva, desde que o aluno tenha uma consciência crítica dos seus problemas: por que a escola funciona assim? A que interesses serve? Qual o papel dos trabalhadores e trabalhadoras no contexto da escola e da sociedade? Que sociedade temos? Que sociedade queremos? Nessa aula, tivemos a oportunidade de perceber que os estudos acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam para discussões que nos propor- cionam vislumbrar a compreensão das relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar. Sendo assim, buscamos compreender a identidade como um fenômeno produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vistas como comuns em um determinado grupo social. Para pensarmos na possibilidade de uma identidade no espaço escolar, partimos do princípio de que, na escola, as pessoas constroem idéias e representações acerca das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo. 1. Ao analisarmos os problemas educacionais, podemos nos perguntar: será a escola uma transmissora de conhecimentos ou uma transmissora de ideologias? a) A escola, na verdade, é as duas coisas: se, por um lado, é uma difusora dos valores ideológicos da classe dominante, por outro, também tem como atribuição a transmissão de conhecimentos. b) A escola é apenas transmissora dos conhecimentos acumulados pela sociedade. AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 279 c) A escola é apenas difusora dos valores ideológicos da classe dominante. d) A escola não legitima a divisão social, racial e sexual do trabalho, uma vez que o conhecimento escolar é distribuído de forma igualitária a todos. 2. No texto, há algumas afirmações que merecem ser discutidas. Selecionamos três delas para que você reveja, critique e debata. a) O que desejamos deixar evidente é que a escola efetivamente não tem desempenhado a sua função social, que é transmitir os conhecimentos historicamente construídos, habilidades e valores como de solidariedade, tolerância e respeito as diferenças. A escola tem sido, nesse sentido, muito mais reprodutora da ideologia das elites do que produtora e difu- sora do conhecimento. b) A escola está fundamentalmente implicada no fracasso escolar, na conservação da classe baixa no mesmo nível social e na fabricação de trabalhadores submissos e conformistas. A educação serve para reforçar e reproduzir as divisões e injustiças sociais, não se revelando, portanto, democrática, apesar de enfatizar (só em nível de discurso) a permanência e o êxito no sistema escolar. c) O conteúdo transmitido não deve ser desligado da prática, mas sim partir da realidade, da vivência, da experiência dos educandos e das educandas. A escola deve ensinar, sobretudo, a pensar, raciocinar, desen- volver o juízo crítico, conhecer a realidade em que se vive e suas contra- dições. Aceitando que diferença não é inferioridade, uma nova peda- gogia terá de ser formulada. Ela não sairá de gabinetes nem de cabeças iluminadas, mas da diversidade de idéias, saberes e experiências. 3. Com a leitura do texto, vimos que muitas vezes os professores e as profes- soras agem e repassam os conteúdos às crianças de acordo com as suas próprias representações (carregadas de ideologia). Dessa maneira, oferecem oportunidades diferentes para que se desenvolvam. Vamos agora fazer uma atividade para refletir um pouco sobre essas questões. a) Pense em seu cotidiano na escola e anote quais são as atividades que você propõe mais frequentemente às crianças. b) Reúna-se com colegas que trabalham com alunos da mesma faixa etária que os seus. Socializem suas anotações, comparem e reflitam. Vocês privilegiam as mesmas atividades ou apareceram propostas diferentes? Quais são as atividades que mais apareceram? Que conclusões vocês podem tirar depois de analisar as anotações do grupo? AULA 2 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 280 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS Na atividade um, a alternativa correta é a letra (a), a escola, na verdade, é as duas coisas: se, por um lado, é uma difusora dos valores ideológicos da classe dominante, por outro, também tem como atribuição a transmissão de conhecimentos. Por isso, a questão do conteúdo escolar é importantíssima: ques- tões como a da metodologia, a da sua orientação em relação às correntes peda- gógicas, entre outras. Se esses conteúdos são conservadores, irão reforçar, natu- ralmente, as discriminações sociais, sexuais e raciais, a divisão entre o trabalho intelectual e o braçal, a importância da autoridade do professor e da professora. Se são inovadores, irão desenvolver o respeito à identidade de cada indivíduo, e a escola, certamente, estará voltada para as necessidades dos alunos e alunas. Na atividade dois, você deve refletir sobre essas afirmações tomando, como base, alguns fatos conhecidos para chegar a uma conclusão. Na atividade três, a reflexão pessoal e em parceria sobre a sua prática pedagógica é fundamental para observar diferentes contextos, discutir e reela- borar sua prática. APPLE, M. W. Política cultural e educação. São Paulo: Cortez, 2000. SILVA, T. T. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. ______. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. Estudaremos os diferentes espaços da infância e do currículo, o que permitirá que redimensionemos nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que estabelecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendo-nos, muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros, desencon- tros, descobertas e trocas. Anotações AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 281 Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: compreender que a organização dos tempos e espaços da infância não se limita somente à forma com que os adultos organizam o mundo. Para um bom entendimento dos conteúdostrabalhados nessa aula os alunos e as alunas deverão ter conhecimentos prévios de psicologia do desenvolvimento. Nesta aula, entenderemos por que as propostas curriculares precisam consi- derar a criança e sua heterogeneidade, de modo a criar espaços das crianças e não apenas para as crianças. Elas são sujeitos de direito e cultura. Essa idéia de direito à educação está vinculada à visão de que o desenvolvimento humano acontece a partir da interação com os outros e com o ambiente onde se vive. 3.1 As crianças não são mais como antigamente Nas conversas sobre infância sempre surge o assunto: as crianças não são mais como antigamente. E não são mesmo! O papel que desempenham, as expectativas em relação a elas, sua maneira de brincar e de se relacionar com o mundo; tudo isso está em constante transformação. Na Idade Média, período demarcador e regulador dos valores e da moral, a organização da escola era multietária, pois a escola medieval era indiferente à distinção e separação das idades, uma vez que não se destinava a educar a infância. A Igreja Católica que ocupava um importante espaço nas relações de poder e estabeleceu o término da infância aos sete anos, pois se entendia que a partir desse período se iniciava a idade da razão. Na época, não existia AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS Currículo e infância AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 282 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS uma preocupação com o tempo da infância, assim como não havia o conceito de adolescência nem o respeito às diferenças. A escola, no decorrer da história, legitima tal condição, uma vez que coloca a idade de sete anos como própria para a alfabetização. Ariès (1981) sugere que essas classificações das fases da vida têm certa correspondência com os fenômenos naturais e cósmicos: o número de planetas, os signos do zodíaco, as estações do ano, etc. Atualmente, vários organismos delimitam as idades da infância. A Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, considera como criança “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu Artigo 2º, considera criança “a pessoa com até doze anos incompletos”. Ainda que seja fundamental reconhecermos a autoridade das convenções inter- nacionais e nacionais, sem dúvida, é o mundo do trabalho e da escola que acaba, em última instância, dando legitimidade para as diferentes idades. Nos seus modos de representação, as crianças manifestam e se apropriam de expressões que referenciam o mundo dos adultos, por exemplo, “quando eu crescer”, “gente grande”, como se isso fosse referência para demarcar os tempos e os espaços escolares. No entanto, é bom lembrar que a organização dos diferentes tempos e espaços da infância não se restringem somente à forma pela qual os adultos constituem o mundo. A creche, a pré-escola, o jardim de infância, as escolas infantis, os espaços de lazer, todos são lugares destinados à trajetória de socialização da criança, considerando sua idade e o nível econô- mico e cultural dos pais. Pensar sobre os diferentes espaços da infância permite redimensionar nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que estabelecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendo-nos, muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros, desencontros, descobertas e trocas. Nesse sentido, refletiremos se, de fato, os espaços construídos e plane- jados por nós adultos têm assegurado que as relações humanas sejam baseadas em sentimentos de respeito e solidariedade pela diversidade e pelas plurali- dades da infância. Sabemos que sozinha a escola não pode mudar o mundo, mas ela se movi- menta com o mundo e pode ajudar a mudá-lo. Não é preciso ir longe para saber que as experiências escolares transformam as pessoas e, por isso, é importante entender que o currículo escolar deve se constituir em um campo fundamental de debates que incorpora os diversos “fazeres” e as diferentes formas de “pensar” que ressoam no interior da escola. Nesse sentido, os estudos curriculares se tornam um poderoso componente de observação, reflexão e intervenção no espaço e no tempo escolar. É dessa forma que a escola pode compreender e assimilar os vínculos entre o que se vive no ambiente escolar e a comunidade na qual ela está inserida. Assim, a escola AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 283 pode criar condições para romper os limites entre o que lhe é atribuído como “próprio” e aquilo que “pertence” ao conhecimento da sociedade. De um modo geral, o currículo tem sido pensado e constituído com os seguintes pontos: pressupostos e princípios da proposta educacional; objetivos; conteúdos; atividades e procedimentos de avaliação; espaço físico e recursos materiais. De forma didática, um currículo e seus elementos devem responder às seguintes questões: o quê? para quê? com quem ? onde? como educar? a favor de quem se educa? Os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de ensino têm a responsabilidade de orientar as propostas curriculares para uma educação inclusiva, que reconheça e valorize as diferenças de gênero, raça, etnia, compe- tências físicas, mentais e as diferenças etárias, em permanente debate. A diferença etária na relação de professores e professoras com seus alunos e alunas se traduz na relação de adulto-criança. É preciso lembrar que a escola acolhe crianças – que têm uma história pessoal, familiar, social, cultural, e que são histórias diversas –, assim como a sociedade brasileira. As propostas curriculares precisam considerar a criança e sua heterogenei- dade de modo a criar espaços das crianças e não apenas para as crianças. As crianças são sujeitos de direito e cultura. Essa idéia de direito à educação está vinculada à visão de que o desenvolvimento humano acontece a partir da inte- ração com os outros e o ambiente onde se vive. 3.2 Crescimento, desenvolvimento e afetividade Nessa fase da vida a dimensão corporal, se desenvolve intensamente. O crescimento e o desenvolvimento ósseo, muscular, neurológico, acontecem por meio de uma escala crescente, e quanto mais oportunidades a criança tiver de se movimentar e explorar suas muitas possibilidades de ação, de preferência em contato com a natureza, melhor será seu desenvolvimento. No entanto, essa AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 284 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS dimensão do corpo e da evolução da criança não se limita apenas a aspectos físicos e orgânicos. A afetividade também se entrelaça às experiências corporais das crianças e com quem elas se relacionam no seu universo social. Nas situações e nas relações cotidianas, aprendemos a reconhecer nossos afetos e como expressá-los. O modo como nossas manifestações de satisfação e frustração são acolhidas, nos ensinam sobre o lugar das emoções e dos afetos na sociedade em que vivemos, como também nos mostram nossa impor- tância no mundo. As representações se estruturam na criança por meio de uma relação mediada pelo outro. A linguagem permite a comunicação, mas é também uma ferramenta de organização do pensamento e um importante canal de trocas afetivas, possibilitando a sua constituição enquanto sujeito. A dimensão cogni- tiva se estrutura via linguagem, sendo um processo sociocultural. A capacidade de pensar e operar com conceitos é um processo, no qual, em um primeiro momento, a criança pensa por meio dos chamados conceitos cotidianos. O desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por intermédio das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças e com os adultos, em situações de interação com os objetos do mundo físico, social e cultural. As linguagens verbais (oral e escrita) e não-verbais (gesto, desenho, brinca- deiras de construção e de faz-de-conta) têm grande importância no desenvolvi- mento do pensamento e na formação da própria subjetividade da pessoa. As linguagensintegram um sistema de representação do real, do qual a criança se apropria e passa a elaborá-lo por meio de diversas atividades simbólicas, nas quais tudo está interligado, como o gesto, o desenho, a brincadeira e a escrita. Hoje, podemos dizer que existe um corpo de saberes e fazeres que possibi- litam tanto a construção social do conceito de infância como a constituição de insti- tuições de educação infantil e de pedagogias para educar e cuidar das crianças. É possível afirmar que os grandes temas em torno dos discursos políticos e técnicos sobre as pedagogias da Educação Infantil podem ser resumidamente definidos como: a existência de um discurso que institui um estatuto para a infância; a constituição e a organização de espaços sociais adequados para a educação e cuidado das crianças; a formação e o reconhecimento da necessidade de um profissional para atuar na educação infantil; a definição de valores para a socialização das crianças resultantes de algum tipo de compreensão sobre a educação; a criação de instrumentos de trabalho e alternativas de intervenções; AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 285 a seleção de metodologias e de conteúdos; a produção de materiais didáticos e equipamentos educacionais; as decisões sobre a organização espacial; as discussões sobre os usos do tempo; a organização da vida cotidiana das instituições e das pessoas sob a forma de rotina. Ao longo dos séculos, vários discursos sobre vida, educação e infância vêm, pleiteando, na sociedade, o seu lugar como verdade absoluta, com a intenção de definir a natureza das crianças e a forma como elas devem ser cuidadas e educadas. Esta contradição pesa sobre a cabeça dos educadores e educadoras: por um lado, eles defendem a concepção de que é preciso assumir o papel de exercer sobre as crianças a transmissão das idéias, dos usos e dos costumes que lhes permitam melhor se adaptarem à sociedade; por outro lado, tem-se a idéia de que é melhor desenvolver as potencialidades e as suas aptidões para que elas tenham sucesso no futuro, desenvolvendo-se pessoalmente e criativamente. Dessas concepções, irão surgir diferentes projetos pedagógicos. Nessa aula, aprendemos que os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de ensino têm a responsabilidade de orientar as propostas curri- culares para uma educação inclusiva, que reconheça e valorize as diferenças de gênero, raça, etnia, competências físicas, mentais e diferenças etárias, em permanente debate. Vimos também que o desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por intermédio das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças e com os adultos, em situações de interação com os objetos do mundo físico, social e cultural. 1. Segundo o texto, de uma forma didática, um currículo e seus elementos devem responder às seguintes perguntas. a) O quê? Para quê? Com quem? Onde? Como educar? A favor de quem se educa? b) De quê? Com quê? Por quê? Onde? c) De que forma? Quando? Onde? Para que se educa? d) Para quê? Qual forma? Com quem? Como? 2. Nesta atividade, você irá trabalhar com um relato de situações de inte- ração adulto-criança. Você pode aproveitar observações realizadas nas AULA 3 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 286 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS suas atividades práticas. Escolha um episódio entre os que você observou e transcreva-o. Considere as verbalizações e as expressões faciais e corpo- rais dos participantes, permitindo que o leitor do relato possa visualizar a comunicação que está se processando. Faça dupla com um colega que tenha registrado uma situação que envolveu alguma criança com idade aproximada da criança que você observou. 3. Uma criança de três anos que freqüenta uma escola de Educação Infantil está sempre muito calada e raramente conta algo que aconteceu em casa ou mesmo na escola. Escreva um texto apontando como o professor deve agir para auxiliá-la a desenvolver sua oralidade, narrar um acontecimento ou criar histórias de faz-de-conta. Que tipo de interação ele deve estabelecer com essa criança? Que elementos mediadores poderá utilizar para isso? Na atividade um, a resposta correta é a alternativa (a). De uma forma didá- tica, um currículo e seus elementos devem responder às seguintes perguntas: O quê? Para quê? Com quem? Onde? Como educar? A favor de quem se educa? Os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de ensino têm a responsabilidade de orientar as propostas curriculares para uma educação inclusiva que reconheça e valorize as diferenças de gênero, raça, etnia, compe- tências físicas, mentais e as diferenças etárias, em permanente debate. Na atividade dois e três, você deve comparar os relatos: o que eles têm em comum? No que eles se diferem? Apresente as suas conclusões aos demais e anote a síntese elaborada em conjunto, comparando as interações de adultos com crianças de diferentes idades e em situações diversas. ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei Federal n. 8.069. Promulgada em 13 de Julho de 1990. Curitiba: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2000. Na próxima aula falaremos sobre a seleção e organização dos conteúdos curriculares na Educação Infantil. Também discutiremos as Diretrizes Curriculares e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 287 Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: conhecer criticamente as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil; conhecer criticamente o Referencial Nacional para a Educação Infantil. Para o melhor acompanhamento dos conteúdos tratados nesta aula é neces- sária a leitura da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no que se refere à Educação Infantil. A Resolução CEB n. 1, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil estão à disposição no portal do Ministério da Educação (<http://www.mec.gov.br>). Nesta aula, estudaremos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/96), que trata da função da Educação Infantil e seu funciona- mento; o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CEB 1/99), que orientam a organização das instituições que se dedicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes estabelecem exigências quanto às orientações curriculares e à elaboração dos projetos político-pedagógicos institucionais. 4.1 As Diretrizes Curriculares e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Vimos que a organização curricular expressa uma concepção de ser humano, de mundo, de ensino, de aprendizagem, de sociedade, de poder, de cultura, AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS Seleção e organização dos conteúdos curriculares na Educação Infantil AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 288 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS enfim, de vida e, em última instância, do papel da educação na sociedade. Nas propostas destinadas à Educação Infantil e aos primeiros anos do Ensino Fundamental, a organização curricular expressa, também, uma determinada visão de infância e o seu lugar no mundo. A Educação Infantil é dever e obrigação do Estado e responsabilidade polí- tica e social da sociedade e não apenas daqueles que vivenciam a realidade escolar, utilizando-se dos préstimos da escola ou exercendo nela suas funções profissionais. Cabe, portanto, ao Estado, à família e à sociedade responderem pela Educação Infantil, resguardando suas especificidades manifestadas na indissociabilidade das ações de educar, cuidar e brincar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/96) firma a função da Educação Infantil e o seu funcionamento. Posteriormente, o Referencial Curricular Nacional paraa Educação Infantil (RCNEI, p. 27) define o brincar ao lado do educar e do cuidar, considerando que “nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuem anteriormente em conceitos gerais com os quais brincam”. Em função dessas premissas, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CEB 1/99), orientando a organização das instituições que se dedicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes estabelecem exigências quanto às orientações curriculares e elaboração dos projetos político- pedagógicos institucionais. Esse documento contempla os seguintes princípios: éticos: autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum; políticos: direitos e deveres do cidadão, exercício da criticidade e respeito à ordem democrática; estéticos: sensibilidade, criatividade, ludicidade e diversidade de manifestações artísticas e culturais. Ressaltam-se também aspectos organizacionais, como a adoção de metodo- logia do planejamento participativo e a afirmação da autonomia das escolas na definição da abordagem curricular a ser adotada. Para garantir o direito à Educação Infantil, são explicitadas as corresponsa- bilidades entre as três esferas governamentais (federal, estadual, municipal) e a família, consonantes com a legislação atual: Constituição Federal de 1988, inciso IV do art. 208; Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8069/90; Lei sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) n. 8080/90; Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), n. 8742/93; AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 289 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9394/96; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI/99); Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 10172/01; Constituições Estaduais e Municipais; Planos Estaduais e Municipais de Educação; Política Nacional de Educação Infantil (2005). A legislação existente representa as conquistas da sociedade no sentido de assegurar os direitos da população infantil. No entanto, garantir os direitos das crianças é responsabilidade social. Sendo assim, a educação das crianças, além de direito social, constitui-se em direito humano, em condição de existência. Antes da LDB n. 9394/96, a Constituição Federal havia definido a Educação Infantil como sendo responsabilidade dos municípios, assim como a obrigatorie- dade de aplicar 25% dos orçamentos em educação. Entretanto, não houve defi- nições claras entre dependência administrativa e o financiamento dos níveis de ensino entre União, estados e municípios, gerando o que ficou conhecido como competências concorrentes. 4.2 Educação Infantil na LDB Com um capítulo próprio, a Educação Infantil recebe tratamento igual ao do Ensino Fundamental e Médio e é definida como primeira etapa da Educação Básica. Sua finalidade é desenvolver integralmente a criança, nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Além disso, deve complementar à ação da família e da comunidade no desenvolvimento da criança, sendo, portanto, necessária a integração escola-família-comunidade. A avaliação da criança deve ser realizada sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. A Educação Infantil é oferecida em: creches ou entidades equivalentes para crianças de zero a 3 anos; pré-escolas para crianças de 4 a 5 anos. A abertura para o atendimento em entidades equivalentes a creches se justifica pela necessidade de reconhecer a realidade preexistente da nova legislação, na qual esse atendimento tem sido oferecido de maneira diversificada em entidades comunitárias, empresas públicas ou privadas, entidades filantrópicas ou confes- sionais e, ainda, em casas de família, como no caso das “mães crecheiras”. Os referenciais para a Educação Infantil foram feitos para orientar os projetos político-pedagógicos, subsidiando os diversos saberes e fazeres que circulam no dia-a-dia escolar. O documento instrui as ações educativas dos profissionais da Educação Infantil e define que, para desenvolver essas atividades, é preciso intencionalidade, sistematização e comprometimento com a integridade e o desenvolvimento das crianças. AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS 290 3º PERÍODO • PEDAGOGIA • FAEL/UNITINS Para a implementação do projeto político-pedagógico, os referenciais indicam que os educadores e educadoras devem desenvolver uma intenção educativa, organizando o ambiente onde atuam e planejando as situações de aprendizagem, seja sozinho, com seus pares ou envolvendo a participação das crianças. Mais importante do que a definição de áreas de conhecimento está a compreensão acerca do mundo infantil. Isso quer dizer que a criança deve ser o foco de todo o trabalho pedagógico para a tomada de decisões, planejamento, execução e avaliação das ações educativas desenvolvidas na escola. Os referenciais destacam, ainda, que a função das professoras e dos professores de Educação Infantil é mediar o processo de ensino-aprendizagem, propondo atividades e lançando desafios ajustados às características, poten- cialidades, expectativas, desejos e necessidades infantis. O referencial avalia- tivo adotado deve ser o da criança em relação a ela mesma, de modo que os professores e as professoras observem, registrem e reflitam continuamente, em caráter diagnóstico e processual, tudo o que ocorre com cada criança. Essa avaliação orientará as decisões pedagógicas, especialmente acerca de quais atividades poderão favorecer uma aprendizagem mais prazerosa e significativa para o desenvolvimento infantil, em seus aspectos individuais e sociais, assim, reforçando as especificidades biológicas, afetivas, emocionais, sociais, cultu- rais, lingüísticas, lúdicas e cognitivas das crianças. Ainda segundo os Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, o currículo abrange um âmbito de interações, nas quais se entrecruzam processos e agentes diversos que compõem um verdadeiro e complexo tecido social. São as relações estabelecidas nesse contexto que moldam o que se pode chamar de currículo real, ainda que um currículo para a Educação Infantil necessite ter explícito em sua elabo- ração e desenvolvimento a concepção de crianças reais e diversas, que interagem com o meio em que vivem e aprendem a resolver problemas, especialmente em contato com outras crianças ou pelas informações que os adultos lhes oferecem. Os parâmetros de qualidade para a Educação Infantil especificam que as crianças desde que nascem são: cidadãos de direitos; indivíduos únicos, singulares; seres sociais e históricos; seres competentes e produtores de cultura; indivíduos humanos, parte da natureza animal, vegetal e mineral. E que, por sua vez, precisam ser cuidadas e educadas, o que implica: serem auxiliadas nas atividades que não puderem realizar sozinhas; serem atendidas em suas necessidades básicas físicas e psicológicas; terem atenção especial do adulto em momentos peculiares de sua vida. AULA 4 • CURRÍCULOS E PROGRAMAS FAEL/UNITINS • PEDAGOGIA • 3º PERÍODO 291 Além disso, para que a sobrevivência das crianças estejam garan- tidas, seu crescimento e desenvolvimento sejam favorecidos e para que o cuidar/educar sejam efetivados, é necessário oferecer às crianças dessa faixa etária condições de usufruírem plenamente as possibilidades de apro- priação e de produção dos significados no mundo, da natureza e da cultura. As crianças precisam ser apoiadas em suas iniciativas espontâneas e incentivadas a: brincar; movimentar-se em espaços amplos e ao ar livre; expressar sentimentos e pensamentos; desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão; ampliar permanentemente os conhecimentos a respeito do mundo da natu- reza e da cultura, apoiadas por estratégias pedagógicas apropriadas; diversificar atividades, escolhas e companheiros de interação em creches, pré-escolas e centros
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