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“Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. 
Provavelmente a minha própria vida” 
(Clarice Lispector).
Dedico a terceira edição desse livro à minha esposa, 
Luiza, com quem tenho a felicidade de caminhar e 
sonhar juntos há mais de doze anos; e à nossa querida 
filha Helena, com três meses quando termino essa 
atualização, que tem nos proporcionado momentos 
inesquecíveis de ternura e de amor incondicional.
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
É com especial prazer que apresento a obra de Caio Paiva, 
sobre um tema tão atual e relevante: a audiência de custódia. Antes 
de apresentar o livro, chamo a atenção do leitor para um detalhe 
interessante: o livro foi escrito em primeira pessoa. Como o próprio 
autor explica, trata-se de uma fala com local demarcado, ou seja, 
ele fala o que fala, desde onde fala, e assume a contaminação sem 
qualquer (falsa) pretensão de `neutralidade`. É um livro honesto.
Caio é Defensor Público Federal, um local de fala muito de-
marcado e, principalmente, digno. A Defensoria Pública é um ór-
gão imprescindível se quisermos um processo penal democrático 
e de viés acusatório, com protagonismo das partes, como deve ser. 
Para isso, é imprescindível que o Estado crie e mantenha um ser-
viço de defesa pública tão bem estruturado como criou e mantém 
o serviço de acusação pública. Somente teremos um processo pe-
nal de verdade quando a paridade de armas se efetivar na dimen-
são institucional de acusação e defesa. E, mais do que isso, quanto 
maior for a ‘parcialidade’ das partes, mais assegurada está a im-
parcialidade do juiz (Werner Goldschmidt). Sem uma defesa forte 
– como infelizmente ainda predomina no Brasil –, a paridade de 
armas e a própria democracia processual inexistem. É por isso que 
gente como Caio precisa falar e, principalmente, ser ouvido. Afinal, 
ele dá voz para quem está na fase da protopalavra, vai dizer Dussel, 
dada a hipossuficiência evidente do imputado no processo penal.
O livro começa por uma visão realista e pessoal da ‘prisão’, afinal, 
entre outras coisas, o que se pretende é evitar a (banalização da) prisão 
preventiva com a audiência de custódia, uma redução de danos. 
Feita uma breve, mas precisa advertência, parte o autor para 
seu objeto, que é a audiência de custódia. Na sistemática pré-con-
venção americana de Direitos Humanos, o preso em flagrante era 
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conduzido à autoridade policial onde, formalizado o auto de pri-
são em flagrante, era encaminhado ao juiz, que decidia, nos ter-
mos do art. 310 do CPP, se homologava ou relaxava a prisão em 
flagrante (em caso de ilegalidade) e a continuação, decidia sobre 
o pedido de prisão preventiva ou medida cautelar diversa (art. 
319). Mas o ponto crucial é: tudo isso ocorria – e ainda ocorre, em 
muitos Estados – de forma burocrática e sem a presença do deti-
do. Ou seja, absurdamente, o juiz não tinha contato com o cidadão 
preso e, se decretasse a prisão preventiva, somente iria ouvi-lo no 
interrogatório, muitos meses (às vezes anos) depois, pois o inter-
rogatório é o último ato do procedimento.
Infelizmente, ainda, na imensa maioria das cidades brasileiras, 
a situação segue assim.
Até a reforma processual de 2008, que alterou todos os 
procedimentos do Código, o interrogatório era o primeiro ato 
do rito. Neste momento, não raras vezes, após ouvir o acusado, 
concedia-lhe o juiz a liberdade provisória mediante a obrigação 
de comparecer a todos os atos processuais. Mas, com a nova 
sistemática vigente desde 2008, o interrogatório passou a ser 
o último ato do procedimento, com notórias vantagens para o 
direito de defesa, mas com imenso sacrifício da liberdade pessoal.
A posterior reforma de 2011 não atentou para essa grave 
situação gerada, pois os projetos foram tramitando de forma se-
parada e sem que houvesse uma preocupação com a coerência e 
harmonia do sistema. Eis o monstro gerado: o preso somente é 
ouvido pelo juiz muitos meses (às vezes anos) depois da prisão. 
A audiência de custódia corrige de forma simples e eficiente 
a dicotomia gerada: o preso em flagrante será imediatamente con-
duzido à presença do juiz para ser ouvido, momento em que o juiz 
decidirá sobre as medidas previstas no art. 310. Trata-se de uma prá-
tica factível e perfeitamente realizável. O mesmo juiz plantonista que 
hoje recebe – a qualquer hora – os autos da prisão em flagrante e 
precisa analisá-lo, fará uma rápida e simples audiência com o detido. 
A iniciativa é muito importante e alinha-se com a necessária 
convencionalidade que deve guardar o processo penal brasileiro, 
adequando-se ao disposto no artigo 7.5 da Convenção Americana 
de Direitos Humanos (CADH) que determina: “Toda pessoa pre-
sa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de 
um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções 
judiciais e tem o direito de ser julgada em um prazo razoável ou 
de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o proces-
so. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegu-
rem o seu comparecimento em juízo”.
Em diversos precedentes trazidos pelo autor, a Corte Inte-
ramericana de Direitos Humanos tem destacado que o controle 
judicial imediato — que proporciona a audiência de custódia — é 
um meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais, pois cor-
responde ao julgador “garantir os direitos do detido, autorizar a 
adoção de medidas cautelares ou de coerção quando seja estrita-
mente necessária, e procurar, em geral, que se trate o cidadão de 
maneira coerente com a presunção de inocência”, conforme julga-
do no caso Acosta Calderón contra Equador. A Corte Interamericana 
entendeu que a mera comunicação da prisão ao juiz é insuficiente, 
na medida em que “o simples conhecimento por parte de um juiz 
de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia, já que 
o detido deve comparecer pessoalmente e render sua declaração 
ante ao juiz ou autoridade competente”. 
Nesta linha, como explica o autor, o artigo 306 do Código do 
Processo Penal, que estabelece apenas a imediata comunicação ao 
juiz de que alguém foi detido, bem como a posterior remessa do 
auto de prisão em flagrante para homologação ou relaxamento, não 
são suficientes para dar conta do nível de exigência convencional. 
No Caso Bayarri contra Argentina, a Corte IDH afirmou que “o juiz 
deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que 
este lhe proporcione, para decidir se procede a liberação ou manu-
tenção da privação da liberdade” sob pena de “despojar de toda efe-
tividade o controle judicial disposto no artigo 7.5. da Convenção”.
Mas outras duas questões podem ser discutidas à luz do ar-
tigo 7.5. A primeira é: o que se entende por “outra autoridade 
autorizada por lei a exercer funções judiciais”? A intervenção da 
autoridade policial, do delegado, daria conta dessa exigência? Em 
que prazo deverá se dar a apresentação?
Caio Paiva responde a essas e a diversas outras questões tra-
zidas, ainda que muitas outras surjam no law in action. No Projeto 
Piloto de São Paulo, o artigo 3º determina que “a autoridade policial 
providenciará a apresentação da pessoa detida, até 24 horas após a 
sua prisão, ao juiz competente, para participar da audiência de custó-
dia”, bem como que “o auto de prisão em flagrante será encaminha-
do, na forma do artigo 306, § 1º, do CPP, juntamente com a pessoa 
detida”. Uma vez apresentado o preso ao juiz, ele será informado 
do direito de silêncio e assegurada a entrevista prévia com defensor 
(particular ou público). Nesta ‘entrevista’ (não é um interrogatório, 
portanto), o artigo 6º, § 1º determina expressamente que “não serão 
feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de 
eventual processo de conhecimento.” Eis um ponto crucial da au-
diência de custódia: o contato pessoal do juiz com o detido. Uma me-
dida fundamental em que, ao mesmo tempo, humaniza-se oritual 
judiciário e criam-se as condições de possibilidade de uma análise 
acerca do periculum libertatis, bem como da suficiência e adequação 
das medidas cautelares diversas do artigo 319 do CPP.
Mas essa entrevista não deve se prestar para análise do mé-
rito (leia-se, autoria e materialidade), reservada para o interroga-
tório de eventual processo de conhecimento. A rigor, limita-se a 
verificar a legalidade da prisão em flagrante e a presença ou não 
dos requisitos da prisão preventiva, bem como permitir uma me-
lhor análise da(s) medida(s) cautelar(es) diversa(s) adequada(s) 
ao caso, dando plenas condições de eficácia do artigo 319 do CPP, 
atualmente restrito, na prática, à fiança. Infelizmente, como regra, 
os juízes não utilizam todo o potencial contido no artigo 319 do 
CPP, muitas vezes até por falta de informação e conhecimento das 
circunstâncias do fato e do autor.
Contudo, em alguns casos, essa entrevista vai situar-se 
numa tênue distinção entre forma e conteúdo. O problema sur-
ge quando o preso alegar a falta de fumus commissi delicti, ou 
seja, negar autoria ou existência do fato (inclusive atipicidade). 
Neste caso, suma cautela deverá ter o juiz para não invadir a sea-
ra reservada para o julgamento. Também pensamos que eventual 
contradição entre a versão apresentada pelo preso neste momento 
e aquela que futuramente venha utilizar no interrogatório proces-
sual, não pode ser utilizada em seu prejuízo. Em outras palavras, 
o ideal é que essa entrevista sequer viesse a integrar os autos do 
processo, para evitar uma errônea (des)valoração. Neste sentido, 
melhor andou o PLS 554/2011 ao dispor que “a oitiva a que se 
refere o parágrafo anterior será registrada em autos apartados, 
não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e 
versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da pri-
são; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os 
direitos assegurados ao preso e ao acusado”.
A audiência de custódia representa um grande passo no 
sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e já 
chega com muito atraso, mas ainda assim sofre críticas injustas e 
infundadas. Enfim, não há porque temer a audiência de custódia, 
ela vem para humanizar o processo penal e representa uma im-
portantíssima evolução, além de ser uma imposição da Conven-
ção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o 
poder de desprezar. 
A obra de Caio Paiva vem no momento correto, no auge da 
polêmica, para sacudir as bases do senso comum teórico e inco-
modar os conservadores, especialmente os adeptos do discurso 
punitivista. Também incomoda porque ele é um defensor público, 
falando desde um local ainda pouco ocupado; basta ver a tradição 
doutrinária brasileira no processo penal, formada por uma esma-
gadora maioria de membros do Ministério Público (afinal quem 
escreveu o processo penal brasileiro nos últimos 60 anos?). 
Certamente Caio vai sofrer o peso da discriminação e 
ainda haverão os que tentarão desacreditar seu discurso, porque 
‘contaminado’... É interessante isso: quando o discurso vem do 
outro lado, serve, pois fantasiado de ‘imparcial’... como se não 
fosse tão ou mais contaminado! É incrível a ingenuidade de 
quem fala de uma parte-imparcial, sem perceber o absurdo que 
isso representa (e foi bem denunciado por Carnelutti, no famoso 
‘Mettere il pubblico ministero al suo posto’). E, mais do que isso, 
nos queixamos do ranço autoritário do processo penal brasileiro, 
sem nos darmos conta (será?) que grande parte do ranço do ‘law 
in action’ decorre do ranço autoritário do ‘law in books’... 
É um livro para ser lido, assimilado, e, oxalá, sirva para abrir 
cabeças e mudar a cultura. É o que esperamos!
Porto Alegre (RS), julho de 2015.
AURY LOPES JR.
Doutor em Direito Processual Penal
Professor Titular no Programa de Pós-Graduação, 
Mestrado e Doutorado, em Ciências Criminais da PUCRS.
Advogado.
NOTA DO AUTOR À PRIMEIRA EDIÇÃO
Antes de qualquer consideração introdutória, me parece 
oportuno estabelecer o meu local de fala, de onde penso, vejo e tento 
compreender a prisão. Sou defensor público federal, titular de um 
Ofício Criminal. O meu trabalho envolve, necessariamente, não ape-
nas a parte “técnica”, de elaboração de pleitos de liberdade, mas 
também visitas regulares a unidades prisionais, acompanhamento 
de presos em audiências, atendimento de suas famílias etc., contex-
to este que me coloca muito distante do que seria um “observador 
imparcial”1. Posso dizer que, de alguma forma, certamente numa 
condição bem diversa da que assume o cidadão encarcerado, eu 
sinto a prisão no meu dia-a-dia profissional.
CAIO PAIVA
Julho de 2015, em Manaus/AM
1 Justamente por este motivo, por considerar que a minha escrita se apresenta conta-
minada por histórias de vida que tive a oportunidade de acompanhar na atividade de 
defensor público, e por considerar, ainda, que tais histórias influenciam diretamente o 
meu modo de compreender este cenário ao meu redor, não resisti à tentação de escre-
ver esse livro em primeira pessoa.
NOTA DO AUTOR À SEGUNDA EDIÇÃO
A primeira edição deste livro foi publicada num momento 
em que a audiência de custódia ainda era uma ilustre desconhecida 
de grande parte da comunidade jurídica brasileira. Foi uma tarefa 
difícil explicar um instituto, descrever as suas finalidades e deta-
lhar o seu procedimento sem que eu tivesse, até então, participado 
de alguma audiência de custódia, o que somente veio a acontecer 
a partir do mês de março deste ano, em que, trabalhando como de-
fensor público federal em Guarulhos, participei de dezenas delas.
O prestígio dos leitores fez com que a primeira edição desta 
obra se esgotasse em pouco tempo, após três tiragens. Esta segunda 
edição resulta de mais pesquisas e reflexões sobre a matéria, mas 
também do diálogo com leitores nas minhas redes sociais e de de-
bates após cada palestra/aula que dei a respeito do tema. Aproveito 
para agradecer publicamente os diversos convites que recebi para 
participar de eventos sobre a audiência de custódia, que me leva-
ram a RO, AM, MA, DF, PA, RS, RJ, SP, MT, CE etc., sempre ensi-
nando e aprendendo com o público presente.
Além de corrigir alguns erros de digitação, de trabalhar o 
tema a partir da Resolução 213/2015 do CNJ e da redação mais re-
cente do PLS 554/2011, de citar novos autores e de dialogar com a 
jurisprudência mais recente do STJ, do STF e da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, esta segunda edição traz ainda as se-
guintes novidades: (I) inserção do tópico Estatísticas do sistema pe-
nitenciário brasileiro no primeiro capítulo; (II) divisão do segundo 
capítulo, concentrando nele apenas as primeiras lições sobre a au-
diência de custódia; (III) criação do terceiro capítulo, concentrando 
nele apenas os comentários sobre as tentativas de implementação 
da audiência de custódia no Brasil, tema que foi complementado 
nesta segunda edição com novas informações; (IV) criação do quarto 
capítulo, destinado a debater as principais discussões sobre a au-
diência de custódia, sendo este o capítulo com mais atualizações 
e novidades, a exemplo dos tópicos sobre a audiência de custódia 
nos casos de prisão para extradição, prisão civil do devedor de ali-
mentos, pessoas presas com foro por prerrogativa de função e os 
tópicos sobre a atividade probatória na audiência de custódia, se 
o seu conteúdo pode ser aproveitado como expediente probatório 
na eventual ação penal, se o juiz que presidiu o ato fica impedido/
suspeito de julgar a ação penal sobre o caso e, finalmente, a polêmi-
ca em torno da possibilidade de a audiência de custódia servir de 
mola propulsora para um procedimento abreviado; e (V) a criação 
do quinto capítulo, escrito a partir da Resolução 213/2015 do CNJ, 
que detalha a dinâmica procedimental da audiência de custódia.
Ainda que nesta segunda edição eu discorde de alguns po-
sicionamentos do professor Aury Lopes Jr., não poderia deixar de 
registrar a minhaimensa admiração pela sua obra, agradecendo-o 
ainda pelo gentil prefácio com o qual me presenteou na primeira 
edição deste livro.
Finalmente, agradeço à equipe da editora Empório do Direito 
por confiarem no meu trabalho e por me incentivarem tanto a escre-
ver esta segunda edição.
CAIO PAIVA
E-mail: caiodireito@gmail.com
Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva
Twitter: @caiocezarfp
Instagram: @caiocpaiva
Setembro de 2016, em Campinas/SP
NOTA DO AUTOR À TERCEIRA EDIÇÃO
É com grande alegria que apresento aos leitores a terceira 
edição do livro Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro, agora 
publicado pela Editora CEI – Círculo de Estudos pela Internet. As 
duas primeiras edições foram publicadas pela Editora Empório do 
Direito, a quem agradeço, na pessoa de Aline Gostinski, por todo o 
apoio e pela confiança no meu trabalho.
Esta terceira edição, inteiramente revista, atualizada e am-
pliada, traz as seguintes novidades:
1) No tópico “4.4. Deve ser garantida no âmbito da Justiça Militar?”, 
fiz menção à Resolução nº 228/2016 do Superior Tribunal Mili-
tar, que disciplinou o procedimento da realização da audiência 
de custódia no âmbito da Justiça Militar da União.
2) O tópico “3.3. O projeto de lei do Senado nº 554/2011” foi atua-
lizado com a redação final do PLS 554 aprovado no Senado 
Federal em 30.11.2016; 3) O tópico “4.10. A audiência de custódia 
necessita de prévio requerimento do interessado?” foi revisado e am-
pliado. Nele, revi meu posicionamento anterior a respeito de a 
defesa – pessoal ou técnica – dispensar a realização da audiên-
cia de custódia, ressaltando se tratar de um direito indisponí-
vel. Também nesse tópico, fiz menção ao HC 133.992, rel. min. 
Edson Fachin, 1ª Turma, j. 11.10.2016, em que o STF decidiu que 
a realização da audiência de custódia não se submete ao livre 
convencimento do juiz sobre a pertinência do ato processual no 
caso concreto. Refletindo sobre esse precedente, acrescentei ain-
da uma questão prática: se o juiz, ao apreciar o auto de prisão 
em flagrante, concluir que já possui elementos para relaxar o 
flagrante ou para conceder a liberdade provisória, e assim pro-
ceder, ele pode dispensar a realização da audiência de custódia? 
Defendi nessa terceira edição que sim.
3) No tópico “4.3. Deve ser garantida na apreensão de adolescentes 
suspeitos da prática de ato infracional?”, fiz menção a mais um pro-
jeto de lei em que a realização da audiência de custódia para 
adolescentes está sendo debatida.
4) No tópico “4.1. Deve ser garantida na prisão preventiva e na prisão 
temporária?”, critiquei o precedente do STJ no sentido de que é 
desnecessária a realização da audiência de custódia em caso de 
decretação de prisão preventiva (RHC 80.480, rel. min. Felix Fis-
cher, 5ª Turma, j. 17.10.2017).
5) No tópico “4.12. O conteúdo da audiência de custódia pode ser 
aproveitado como expediente probatório na eventual ação penal?”, fiz 
menção a dois precedentes do STJ no sentido da possibilidade 
de se juntar aos autos principais a ata da audiência de custó-
dia ((HC 396.302, rel. min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 
03.10.2017; e HC 381.186, rel. min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 
26.09.2017).
6) No tópico “5.4.1. Providências relativas à ata da audiência”, 
acrescentei um comentário no sentido de que a Resolução 213 
somente admite que se faça uso da gravação audiovisual para 
registrar a oitiva da pessoa presa e as manifestações das partes, 
não permitindo que o provimento jurisdicional decisório sobre 
a prisão seja formalizado exclusivamente na mídia audiovisual, 
sem redução a termo na ata da audiência. Sobre o tema, citei 
uma decisão monocrática muito elucidativa do ministro Rogério 
Schietti Cruz no AgRg no RHC 77.014, 6ª Turma, j. 07.04.2017).
7) No tópico “4.2. Deve ser garantida no âmbito da execução penal?”, 
inseri um parágrafo sobre o juízo competente para realizar a au-
diência de custódia no caso de prisão decorrente de expedição 
de guia de recolhimento provisório após acórdão penal conde-
natório de tribunal.
8) No tópico “4.9. A audiência de custódia pode ser realizada por 
videoconferência?”, fiz menção ao entendimento da Comissão In-
teramericana de Direitos Humanos acerca da possibilidade de 
se realizar a audiência de custódia por videoconferência.
9) Atualizei o tópico “4.15. Consequência da não realização da au-
diência de custódia”, explicando com mais clareza, a partir de jul-
gados mais recentes, os entendimentos do STF e do STJ.
10) Incluí nesta terceira edição um texto inédito de posfácio, 
com o título Análise da implantação das audiências de custódia no 
Brasil no período 2015-2017: impactos e desafios.
Deixo meus contatos abaixo para recebimento de dúvidas, 
críticas ou considerações sobre o livro, ficando à disposição para 
dialogar com os leitores.
CAIO PAIVA
E-mail: caiodireito@gmail.com
Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva
Twitter: @caiocezarfp
Instagram: @caiocpaiva
Dezembro de 2017, em Boa Esperança/MG
LISTA DE ABREVIATURAS
ACP Ação Civil Pública
ACPs Ações Civis Públicas
ADEPOL Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
ANADEP Associação Nacional dos Defensores Públicos
APMP Associação Paulista do Ministério Público
CADH Convenção Americana de Direitos Humanos
CCJ Comissão de Constituição e Justiça
CEDH Convenção Europeia de Direitos Humanos
CF Constituição Federal
CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CNV Comissão Nacional da Verdade
CPP Código de Processo Penal
Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos
DPU Defensoria Pública da União
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
HC Habeas Corpus
MC Medida Cautelar
MP Ministério Público
MPF Ministério Público Federal
NCPP Novo Código de Processo Penal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
ONU Organização das Nações Unidas
PEC Proposta de Emenda à Constituição
PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
PL Projeto de Lei
PLs Projetos de Leis
PLS Projeto de Lei do Senado
Rcl Reclamação
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RE Recurso Extraordinário
RHC Recurso em Habeas Corpus
SISTAC Sistema de Audiência de Custódia
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
TRF Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: AINDA (E SEMPRE) SOBRE A PRISÃO ........26
1.1. O drama carcerário como a mais grave questão de direitos humanos 
do Brasil contemporâneo ............................................................................26
1.2. Estatísticas do sistema penitenciário brasileiro ................................29
1.3. Perspectiva metodológica: a superação do abismo entre a teoria e a 
prática ............................................................................................................30
1.4. Marcos teóricos ......................................................................................33
1.4.1. O processo penal a serviço da contenção do poder punitivo .......34
1.4.2. A superação do enclausuramento normativo interno .............37
2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ........................................................39
2.1. Conceito e previsão normativa ...........................................................39
2.2. Finalidades .............................................................................................42
2.3. Definição de suas características .........................................................47
2.3.1. O que deve ser entendido por “sem demora”? ........................48
2.3.2. A quem o preso deve ser apresentado? .....................................50
2.4. Insuficiência do regramento jurídico brasileiro: para superar a 
“fronteira do papel” .....................................................................................553. TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE 
CUSTÓDIA NO BRASIL .....................................................................58
3.1. Considerações gerais ............................................................................58
3.2. O projeto de lei do Senado nº. 156/2009 (Novo Código de Processo 
Penal) .............................................................................................................59
3.3. O projeto de lei do Senado nº 554/2011 ..............................................63
3.4. As Propostas de Emendas Constitucionais nº 112/2011 e 89/2015 .72
3.5. As ações civis públicas ajuizadas pela Defensoria Pública da União 
e pelo Ministério Público Federal ..............................................................73
3.6. Os Provimentos dos Tribunais a partir de iniciativa do Conselho 
Nacional de Justiça.......................................................................................74
3.7. A unificação normativa a partir da Resolução nº. 213/2015 do CNJ ..
79
4. PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓ-
DIA .........................................................................................................82
4.1. Deve ser garantida na prisão preventiva e na prisão temporária? 82
4.1.1. O juiz natural na audiência de custódia em caso de prisão 
temporária ou preventiva por cumprimento de mandado ...............85
4.2. Deve ser garantida no âmbito da execução penal? ..........................85
4.3. Deve ser garantida na apreensão de adolescentes suspeitos da práti-
ca de ato infracional? ...................................................................................87
4.4. Deve ser garantida no âmbito da Justiça Militar? ............................91
4.5. Deve ser garantida nos casos de prisão decorrente de situação mi-
gratória? .........................................................................................................92
4.6. Deve ser garantida na prisão para extradição? .................................93
4.7. Deve ser garantida no caso de prisão civil do devedor de alimen-
tos? ..................................................................................................................95
4.8. A audiência de custódia e as pessoas presas com foro por prerroga-
tiva de função ...............................................................................................96
4.9. A audiência de custódia pode ser realizada por videoconferência? ..
98
4.10. A audiência de custódia necessita de prévio requerimento do inte-
ressado? .......................................................................................................101
4.11. Limite cognitivo e o debate sobre à proibição de atividade probató-
ria na audiência de custódia .....................................................................104
4.12. O conteúdo da audiência de custódia pode ser aproveitado como 
expediente probatório na eventual ação penal? ....................................108
4.13. O juiz que preside a audiência de custódia fica impedido/suspeito 
de julgar a eventual ação penal sobre o caso? ........................................110
4.14. A audiência de custódia como propulsora de um procedimento 
abreviado: riscos e possibilidades ...........................................................112
4.15. Consequência da não realização da audiência de custódia ........112
5. DINÂMICA PROCEDIMENTAL DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓ-
DIA .......................................................................................................116
5.1. Considerações gerais ..........................................................................116
5.2. Atos preparatórios da audiência de custódia ..................................116
5.2.1. Protocolização do auto de prisão em flagrante ou comunicação 
ao juízo competente sobre o cumprimento do mandado ................117
5.2.2. Quem conduz a pessoa presa para a audiência de custódia? ...........118
5.2.3. Expedientes comunicativos .......................................................119
5.2.4. Quem deve e quem não deve participar da audiência de 
custódia? .................................................................................................119
5.2.4.1. Consequência do não comparecimento dos sujeitos 
processuais no ato ............................................................................120
5.2.5. O atendimento prévio e reservado da pessoa presa com o 
advogado por ela constituído ou com defensor público .................121
5.3. Atos praticados na audiência de custódia .......................................123
5.3.1. Primeiras providências adotadas pelo juiz .............................124
5.3.2. Concessão da palavra ao Ministério Público e à defesa técnica 
para perguntas e requerimentos .........................................................126
5.3.3. Decisão do juiz sobre a prisão ...................................................127
5.4. Atos praticados após a audiência de custódia ................................128
5.4.1. Providências relativas à ata da audiência ................................128
5.4.2. Como proceder quando a prisão não for mantida? ...............130
5.4.3. Acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão .
130
5.4.4. Como proceder quando a pessoa presa declarar ter sido vítima 
de tortura ou de maus tratos? .............................................................130
CONCLUSÃO .................................................................................132
POSFÁCIO .......................................................................................133
ANEXOS ...........................................................................................140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................176
1. INTRODUÇÃO: 
AINDA (E SEMPRE) SOBRE A PRISÃO
1.1. O drama carcerário como a mais grave questão de 
direitos humanos do Brasil contemporâneo
É difícil evitar a impressão de que tudo o que se poderia es-
crever sobre a prisão já foi escrito1 . Roberto Lyra tinha razão quan-
do afirmou que ela, a prisão, “é velha como a memória do homem e 
continua a ser a panaceia penal a que se recorre em todo o mundo”2 . Que 
a prisão é ruim, da mesma forma, todos sabemos, de modo que já 
há tempos tornou-se uma grande obviedade falar da sua falência. 
Conhecemos os seus inconvenientes, sabemos que ela é perigosa, 
em certos casos até inútil, mas não vemos, conforme já antecipava 
Foucault, o que pôr em seu lugar, pois “ela é a detestável solução, de 
que não se pode abrir mão”3 .
Fácil perceber, portanto, que a prisão tem uma característica 
em comum com o discurso que propõe a sua abolição: ambos se ali-
mentam da ficção, da fantasia4 , sendo que a utopia carcerária produz 
piores consequências, já que se apoia numa mera aparência de le-
galidade5 para produzir seus males, diversamente da crítica aboli-
cionista, cujo diagnóstico apresentado foi/é imprescindível para a 
avaliação da ineficácia, dos custos e da violência que o sistema penal 
reproduz6 .
O propósito deste trabalho, de pensar a prisão a partir do 
Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), pode parecer 
incoerente e me colocar diante de um constrangimento inevitável, 
já que a prisão é a negação máxima dos direitos humanos. Não há 
humanidade na privação da liberdade. Não há “prisão boa”. Admi-
tamos isso e prossigamos, reféns de nossa própria incoerência, mas 
com um ideal definido: reduzir os danos provocados pelo encarce-
ramento.
Os Manuais de processo penal e livros temáticos sobre a prisão 
pouco descrevem o que é, na realidade, privar alguém de liberdade. 
A sociedade, igualmente, de um modo geral, tem uma percepção 
absolutamente distorcida sobre o fenômeno prisional. Assim, não 
poderia iniciar esse diálogo com você, caro(a) leitor(a), senão con-
vidando-o a se esforçar para imaginar, a tentar interiorizar o que 
é a prisão, o que é o encarceramento. E assim o faço a partir deHulsman:
“Aprendemos a pensar sobre a prisão de um ponto de vista 
puramente abstrato. Coloca-se em primeiro lugar a ‘ordem’, 
o ‘interesse geral’, a ‘segurança pública’, a ‘defesa dos valores 
sociais’... Fazem com que acreditemos – e esta é uma ilusão si-
nistra – que, para nos resguardar das ‘empreitadas criminosas’, 
é necessário – e suficiente! – colocar atrás das grades dezenas 
de milhares de pessoas. E nos falam muito pouco dos homens 
enclausurados em nosso nome...
Privar alguém de sua liberdade não é uma coisa à toa. O simples 
fato de estar enclausurado, de não poder mais ir e vir ao ar livre 
ou onde bem lhe aprouver, de não poder mais encontrar quem 
deseja ver – isto já não é um mal bastante significativo? O encar-
ceramento é isso.
Mas, também é um castigo corporal. Fala-se que os castigos cor-
porais foram abolidos, mas não é verdade: existe a prisão, que 
degrada os corpos. A privação de ar, de sol, de luz, de espaço; 
o confinamento entre quatro paredes; o passeio entre grades; a 
promiscuidade com companheiros não desejados em condições 
sanitárias humilhantes; o odor, a cor da prisão, as refeições sem-
pre frias onde predominam as féculas – não é por acaso que as 
cáries dentárias e os problemas digestivos se sucedem entre os 
presos! Estas são provações que agridem o corpo, que o deterio-
ram lentamente.
Este primeiro mal arrasta outros, que atingem o preso em todos 
os níveis de sua vida pessoal. (...) Bruscamente cortado do mun-
do, experimenta um total distanciamento de tudo que conheceu 
e amou.
Por outro lado, o condenado à prisão penetra num universo 
alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão re-
presenta muito mais do que a privação da liberdade com todas 
as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal 
da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, 
a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o 
que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento 
estéril.
(...) O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, 
faz desaprender a comunicação autêntica com o outro, impede 
a construção de atitudes e comportamentos socialmente aceitá-
veis para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os ho-
mens são despersonalizados e dessocializados”7 .
As prisões brasileiras, recorda Daniel Sarmento, que já foram 
descritas por um Ministro da Justiça como “masmorras medievas”, 
“são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, 
imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida 
intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos hi-
giênicos básicos”. E Sarmento prossegue descrevendo que
“Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra 
os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por 
agentes do próprio Estado. As instituições prisionais são comu-
mente dominadas por facções criminosas, que impõem nas ca-
deiras o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Po-
der Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, 
acesso à educação, à saúde, à seguridade social e ao trabalho. 
O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa mui-
to a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões 
carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Há 
mulheres em celas masculinas e outras que são obrigadas a dar 
à luz algemadas. Neste cenário revoltante, não é de se admirar 
a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, 
cada vez mais violentos”8 .
O cenário que se vê no Brasil inibe qualquer perspectiva oti-
mista a respeito do encarceramento. O país transita – artificialmen-
te – entre rebeliões e mutirões: as rebeliões para demonstrar que o 
sistema penitenciário não funciona, os mutirões para ocultar que o 
Poder Judiciário (também) não funciona como deveria funcionar. 
Prendemos cada vez mais.
1.2. Estatísticas do sistema penitenciário brasileiro
Dados de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional 
(DEPEN), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, comprovam 
que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking dos países com maior 
população prisional do mundo, já registrando mais de setecentas 
mil pessoas presas, tendo ultrapassado recentemente a Rússia, 
ficando atrás, agora, somente dos EUA (1º) e da China (2ª)9 .
Para muitos, esta estatística não constrange nem diz algo de 
extraordinário, e isso porque o Brasil ocupa o quinto lugar no ran-
king dos países com a maior população do mundo, de modo, então, 
que o encarceramento apenas estaria seguindo e acompanhando o 
ritmo de crescimento da população. No entanto, os céticos quanto 
ao aceleramento assustador do encarceramento no Brasil não con-
seguem explicar o gráfico seguinte10 , que demonstra a variação da 
taxa de aprisionamento (presos por cem mil habitantes) nos quatro 
países com maior população prisional do mundo, entre 2008 e 2014:
Este gráfico resume bem o cenário: o Brasil aposta cegamente na 
aceleração do encarceramento, sendo o único, entre os quatro países 
que mais prendem no mundo, que registrou uma elevação da taxa de 
aprisionamento nos últimos anos, enquanto os demais reduziram o 
número de presos por cem mil habitantes. Importante ressaltar que 
este colapso do sistema penitenciário brasileiro foi muito bem apresen-
tado na ADPF 347, rel. min. Marco Aurélio, na qual o STF concedeu a 
medida cautelar em 09.09.2015 para, entre outros pontos, estabelecer 
que “Estão obrigados juízes e tribunais (...) a realizarem, em até noventa dias, 
audiências de custódia, viabilizando a apresentação do preso perante a autori-
dade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”.
1.3. Perspectiva metodológica: a superação do abis-
mo entre a teoria e a prática
Um dos propósitos deste estudo é almejar a infiltração nos 
mais diversos ambientes de discussão em torno da audiência de 
custódia. Não atingiria esse objetivo com um discurso puramen-
te teórico, que ignorasse as dificuldades e os desafios encontrados 
no dia-a-dia dos órgãos que trabalham direta ou indiretamente no 
sistema de justiça criminal. Da mesma forma, a minha pretensão 
estaria condenada ao insucesso se eu não me preocupasse com a 
sua justificação teórica, isto é, com a sua contextualização científica. 
Vale recordar a advertência de Conrado Hübner Mendes de que
“Precisamos de teoria, em resumo, para que a prática seja inte-
ligente, consciente do que está por trás das ações políticas coti-
dianas, capaz de inserir tais ações num quadro mais amplo. O 
desprezo pela teoria redunda, mais frequentemente, numa má 
teoria (ou, raramente, numa boa teoria inconsistente e inarticu-
lada), assim como o desprezo pela política nada mais é do que 
uma má atitude política”11 .
Superar o abismo entre a teoria e a prática no campo penal, no-
tadamente em se tratando do fenômeno do encarceramento, implica 
recuos estratégicos na apresentação e na sustentação dos discursos 
de liberdade. Enquanto eu escrevo essas linhas e você as lê, mais de 
meio milhão de pessoas estão encarceradas nos presídios brasilei-
ros. Podemos ficar lamentando diante deste cenário, repetindo que a 
prisão provoca dor e sofrimento. A crítica, porém, por si só, embora 
de singular importância, não tem resolvido o problema, porquanto 
não raramente distancia os interlocutores dissidentes da ideia por ela 
encampada, dificultando um diálogo inclusivo sobre a pauta. Tem 
razão Luís Greco quando chama a atenção para o fato de que
“Hinos de lamento nunca são escutados por muito tempo. Os juí-
zes, em cujas mesas há pilhas de processos, têm de saber como o 
direito positivo deve ser aplicado. Se a doutrina do direito penal 
se ocupa apenas da crítica, mas nunca dos detalhes do trabalho 
dogmático, a prática acabará recorrendo ou às suas próprias ro-
tinas internas, ou aos apologetas (...). A crítica acaba, assim, por 
paralisar-se a si mesma, porque ela fecha todos os caminhos para 
realizar suas propostas”12 .
E Greco completa oraciocínio dizendo que o correto, diante 
deste cenário, parecer ser o meio termo, que,
“(...) renunciando a quaisquer utopias – tanto as favoráveis 
quanto às contrárias ao legislador –, esforce-se no sentido de 
uma compreensão cuidadosa e detalhada dos problemas. Estes, 
por sua vez, não devem ser ocultados, e sim expostos com toda 
franqueza. Toda tentativa de solucioná-los deve buscar o ponto 
de equilíbrio entre os dois extremos, para chegar a resultados de 
um lado relevantes para a prática, e de outro não exclusivamen-
te legitimistas”13 .
Eu não chegaria a dizer que para conciliar a teoria com a prá-
tica é preciso renunciar todas as utopias. Conforme dito anterior-
mente, a utopia dos discursos de liberdade pode ceder espaço para 
recuos estratégicos, rumo à uma pragmática que, reduzindo os da-
nos provocados pelo encarceramento, consiga promover a efetiva-
ção dos direitos humanos. A utopia, conforme a conhecida lição de 
Eduardo Galeano, sempre deverá estar lá, no horizonte, nos obri-
gando a que não deixemos de caminhar.
Meu propósito parece se alinhar àquilo que Zaffaroni denominou 
de “criminologia cautelar”, que seria uma espécie de marcha além da crí-
tica, mas por intermédio dela. Vejamos a lição do mestre argentino:
“A criminologia passou por duas etapas diante dos massacres: a 
primeira foi de legitimação dos massacres, com o reducionismo 
biológico e as dissimulações posteriores, na qual viu os cadáve-
res e os considerou normais. Em seguida, passou por uma etapa 
negacionista por omissão, na qual ninguém se ocupou do tema; 
nesta, os cadáveres foram silenciados. Essa etapa chega a seu 
fim, pois já é insustentável no mundo contemporâneo; é hora de 
encerrá-la e fazer uma mea culpa considerável. Chega-se, então, à 
terceira etapa, que é a que chamo de criminologia cautelar.
(...) Não se trata de uma criminologia abolicionista, pois, como temos 
dito, isso implica um projeto de nova sociedade que nós, criminólo-
gos, não estamos em condições de formular, ao menos enquanto tais.
(...) A criminologia cautelar demandará um novo marco teórico, 
pois, para superar o negacionismo e chegar à cautela, é necessá-
rio que reconheça que o poder punitivo e o massacrador têm a 
mesma essência – a vingança – e, mais ainda, que o massacre é o 
resultado do funcionamento do mesmo poder punitivo quando 
pretende fazer a contenção jurídica ir pelos ares.
Sua tarefa será desenvolver os instrumentos para investigar e 
determinar, o mais precocemente possível, os sinais dessa rup-
tura de limites de contenção e as condições ambientais dessa 
tenebrosa possibilidade”14 .
Para que um discurso possa influenciar na mudança da prá-
tica, é necessário que a sua justificação teórica seja honesta, que o 
pesquisador esteja preparado e disposto para discutir o seu projeto 
sem um apego excessivo a sua própria lógica. Dostoiévski dizia que 
“o ser humano é tão apaixonado pelo sistema e pela conclusão abstrata, 
que é capaz de fazer-se cego e surdo somente para justificar sua lógica”15 
. Por outro lado, o pesquisador não deve ser covarde e abandonar 
as suas próprias convicções para ser aceito na comunidade recep-
tora de sua pesquisa. Se o apego excessivo à utopia pode anular o 
potencial de infiltração do discurso, também a renúncia total do 
idealismo pode tornar o pesquisador um mero burocrata a servi-
ço da legitimação do sistema. É preciso ter coragem para arriscar. 
Por isso que Nietzsche afirmava que “Nós, pesquisadores, como todos 
os conquistadores, todos os navegadores, todos os aventureiros, somos de 
uma moralidade audaciosa e devemos estar preparados para passar, no fim 
de tudo, por maus”16 .
1.4. Marcos teóricos
A audiência de custódia não surge no cenário jurídico desco-
nectada de uma contextualização na teoria do processo penal. E a 
teoria do processo penal, por sua vez, não se edifica senão a partir 
de uma considerável carga de ideologia. Muitos podem negar, ou-
tros podem fingir, mas todos temos as nossas preocupações ideoló-
gicas, que decorrem – principalmente, mas não apenas – do nosso 
local de fala. O objetivo desta abordagem sincera, portanto, conforme 
advertem Casara e Melchior, “é extrair uma reflexão desmistificadora 
da neutralidade do processo penal, cuja consequência é uma dogmática 
‘objetiva’ e ‘fechada’, que nega a influência dos intérpretes, esconde sua re-
ferência ideológica e impede a incorporação do sentimento democrático”17 
. Com razão os autores, ainda, ao ressaltarem que “A consciência da 
dimensão política do processo penal é uma das principais condições à cons-
trução de uma disciplina de conteúdo democrático e, consequentemente, de 
uma teoria apropriada à democratização do sistema de justiça criminal”18 .
Conforme ressaltado no tópico anterior, o pensamento jurí-
dico-penal deve abrigar, de um lado, o conhecimento teórico, e de 
outro, a experiência prática. Mas se o processo penal é pensado, 
aqui, a partir deste diálogo, e considerando, ainda, que não há es-
paço para neutralidade no Direito, o quê determina os caminhos pe-
los quais o pesquisador ou o aplicador da norma jurídica escolhe? 
Sendo mais objetivo: o quê intermedia o diálogo da teoria com a 
prática? A ideologia.
Importante advertir que, da mesma forma que conceber o dis-
curso jurídico-penal a partir de um dos extremos (teoria e prática) 
é danoso para o processo penal, também a cegueira ideológica deve 
ser evitada. O pesquisador/aplicador do Direito não pode confiar 
demasiadamente em si mesmo, deve desconfiar sempre das suas 
premissas, e mais ainda das suas conclusões.
Este trabalho parte – principalmente – de dois marcos teóri-
cos: (1) o processo penal como instrumento de contenção do poder 
punitivo; e (2) a superação do enclausuramento normativo interno 
como abertura aos direitos humanos.
1.4.1. O processo penal a serviço da contenção do po-
der punitivo
É possível processar e eventualmente punir alguém respei-
tando os direitos humanos? Eis a pergunta que assombra e que ilu-
mina o passado, o presente e o futuro do Direito Processual Penal, 
no Brasil e no mundo. Toda construção legislativa, doutrinária e 
jurisprudencial passa necessariamente pela busca por esta resposta. 
A história do processo penal, aliás, pode ser resumida numa ba-
talha cultural, política e jurídica em torno daquela grande questão. 
Encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos à liberdade e à 
segurança consiste no maior desafio de quem se propõe a pensar o 
processo penal a partir dos direitos humanos. García Ramírez, na 
condição de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ad-
vertiu para o fato de que “O processo e as prisões têm sido, são e talvez 
serão – oxalá que não fosse assim – cenários das mais reiteradas, graves e 
notórias violações dos direitos humanos. É hora de que se volte a olhar para 
esses cenários, constantemente denunciados e insuficientemente reforma-
dos, para modificar-lhes radicalmente”19 .
Durante muito tempo se afirmou que o processo penal era o 
conjunto de atos praticados em sequência para possibilitar a aplica-
ção da lei penal. Metaforicamente, a lei penal seria o prego e o pro-
cesso penal, o martelo. Não havia uma preocupação, ao menos como 
se propõe atualmente, de se atribuir ao processo penal (também) a 
função de garantir os direitos e as garantias fundamentais do acu-
sado, de conter o poder punitivo20 . Daí porque Geraldo Prado tem 
razão ao dizer que não há exagero em comparar, ao menos na Amé-
rica Latina, os juristas dedicados ao processo penal com repórteres 
fotográficos que atuam em zonas de conflito:
“No Brasil, durante muito tempo a doutrina processual penal 
se dedicou a uma espécie de exercício de discrição teórica do 
funcionamento idealizado do sistema de justiça criminal.
Repórteres fotográficos em áreas de conflito, nossos juristas pa-
reciam preferir a condição de suposta neutralidade científica, 
que exerciam em teoria amparados por suas interpretações so-
bre o positivismo jurídico e a separação entre direitoe moral, a 
atitude políticas claras de repúdio ao extermínio que o mesmo 
sistema protagonizava”21 .
Conforme adverte Marcelo Semer, o Direito Penal (e o proces-
so penal, acrescento) se afasta do arbítrio na medida em que serve 
como limite ao exercício do poder punitivo22 . Da mesma forma, 
ressalta Casara que “Não se pode esquecer que, ao menos no Estado De-
mocrático de Direito, a função das ciências penais, e do processo penal 
em particular, é a de contenção do poder. O processo penal só se justifica 
como óbice à opressão. O desafio é fazer com que sempre, e sempre, as 
ciências penais atuem como instrumento de democratização do sistema de 
justiça criminal”23 . A esse respeito, bastante elucidativo se revela o 
pensamento do Papa Francisco, que, num dos seus discursos, após 
descrever o que denominou de “Sistemas penais fora de controle”, 
ressalta que:
“Neste contexto, a missão dos juristas pode ser unicamente a de 
limitar e conter tais tendências. É uma tarefa difícil, em tempos 
nos quais muitos juízes e agentes do sistema penal devem de-
sempenhar a sua tarefa sob a pressão dos meios de comunicação 
de massa, de alguns políticos sem escrúpulos e das pulsões de 
vingança que se insinuam na sociedade. Quantos têm tal res-
ponsabilidade estão chamados a cumprir o seu dever, dado que 
não fazê-lo põe em perigo vidas humanas, que precisam de ser 
cuidadas com maior intrepidez de quanta se tem por vezes no 
cumprimento das próprias funções”24 .
Conter ou limitar o poder punitivo não significa compactuar 
com a impunidade, e sim pugnar pelo respeito às regras proces-
suais, constitucionais e convencionais que disciplinam a atividade 
do sistema de justiça criminal25 . Tal postura representa uma ativi-
dade claramente contramajoritária na atualidade. Sempre foi assim 
e sempre o será. Encarar o processo penal desde este ponto de vista 
implica frearmos impulsos violentos, o que passa, necessariamente, 
por frustrar algumas expectativas sociais, de assumirmos uma pos-
tura impopular. Sobre este propósito, eis a valiosíssima advertência 
feita por Rui Cunha Martins:
˜Por fim, o processo só será um verdadeiro operador de mu-
dança enquanto conseguir assumir uma faceta tão impopular 
quanto imprescindível: ser um defraudador de expectativas. É 
bem verdade que, classicamente, o processo deve a segurança 
jurídica que dele se pode esperar da respectiva capacidade para 
estabilizar expectativas, sejam sociais, sejam normativas, sejam, 
mais prosaicamente, de justiça. Pouco importa. Essa conexão 
precisa ser repensada de acordo com o que é hoje o modo de 
produção de expectativas. Acompanhamos essa produção de-
masiado de perto, ao longo deste trabalho, para nos limitarmos 
a esgrimir a frase feita da correspondência entre processo, certe-
za do direito e expectativas sociais a respeito do mesmo. A ver-
dade é que o processo, hoje, para ser devido e legal, tem todo o 
interesse em desligar a sua função dos atuais quadros de expec-
tativa. Será essa uma das maiores glórias: pedirem-lhe sangue e 
ele oferecer contraditório”26 .
A audiência de custódia, conforme veremos adiante, surge 
justamente neste contexto de conter o poder punitivo, de poten-
cializar a função do processo penal – e da jurisdição – como instru-
mento de proteção dos direitos humanos.
1.4.2. A superação do enclausuramento normativo 
interno
Scarance Fernandes afirma que foram duas as linhas de ges-
tação das normas processuais penais das convenções e dos tratados 
internacionais: “a primeira produziu regras de proteção dos direitos hu-
manos com o intuito de estabelecer paradigmas para o processo penal justo; 
a segunda cunhou regras de matiz repressivo com o objetivo de estimular 
os Estados a instituírem preceitos destinados à persecução eficiente de de-
terminados tipos de crimes”27 . O presente estudo está vinculado à pri-
meira linha, de modo que a audiência de custódia se projeta como 
um paradigma internacionalmente aceito de processo penal justo. 
Trata-se, portanto, de procurar no DIDH algo que contribua para a 
limitação do poder punitivo, de abrir as ciências penais à irrupção 
dos direitos humanos28 . Tal objetivo somente será atingido se su-
perarmos – de vez – o enclausuramento normativo interno ainda 
incentivado por grandes setores da doutrina e da jurisprudência 
nacionais29 .
É hora de admitirmos que a nossa pirâmide normativa não 
mais se esgota na Constituição Federal, que a centralidade dos di-
reitos humanos internacionalizou a jurisdição, obrigando a que to-
dos os juízes façam não somente o controle de constitucionalidade 
das normas, mas também o controle de convencionalidade30 . 
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
2.1. Conceito e previsão normativa
O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de 
proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução 
da pessoa presa, sem demora, à presença de uma autoridade judi-
cial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre 
o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da le-
galidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões 
relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença 
de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser 
considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição 
penal31 , tratando-se de uma “das garantias da liberdade pessoal que se 
traduz em obrigações positivas a cargo do Estado”32 .
A designação de tal procedimento como “audiência de cus-
tódia” não encontra correspondência no Direito Comparado. Há, 
inclusive, quem prefira a expressão “audiência de garantia”33 e 
também quem considere mais adequada a expressão “audiência de 
apresentação”34 . Aqui utilizarei o termo “audiência de custódia” 
em razão de sua ampla acolhida não somente pela imprensa brasi-
leira, mas também pelos instrumentos (judiciais e legislativos) que 
visam a sua implementação no Brasil.
A previsão normativa da referida garantia é encontrada em di-
versos tratados internacionais de direitos humanos. Vejamo-los.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) pre-
vê que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demo-
ra, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer 
funções judiciais (...)” (art. 7.5). O Pacto Internacional dos Direitos 
Civis e Políticos (PIDCP), da mesma forma, estabelece que “Qual-
quer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser 
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habi-
litada por lei a exercer funções judiciais (...)” (art. 9.3). A Convenção 
Europeia de Direitos Humanos (CEDH), por sua vez, garante que 
“Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, 
alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz 
ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (...)” 
(art. 5.3). E mais recentemente, a Convenção Interamericana sobre 
o Desaparecimento Forçado de Pessoas, promulgada no Brasil pelo 
Decreto nº. 8.766/2016, estabeleceu que “Toda pessoa privada de liber-
dade deve ser mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e 
apresentada, sem demora e de acordo com a legislação interna respectiva, à 
autoridade judiciária competente” (art. XI)35 .
Eventuais diferenças entre o texto dos referidos tratados in-
ternacionais de direitos humanos serão oportunamente analisadas 
mais adiante. Por ora, importa dizer que o instrumento normativo 
que servirá, aqui, de principal base para as reflexões sobre a au-
diência de custódia será a CADH, e isso por se tratar do tratado 
internacional que mais de perto vincula o Brasil.
Antes de prosseguir, uma curiosidade. Desde 1965, o Código 
Eleitoral brasileiro já prevê uma espécie de audiência de custódia 
para os cidadãos que forem presos (nas hipóteses permitidas36 ) no 
período entre cinco dias antes e até quarenta e oito horas após o 
encerramento da eleição: “Ocorrendo qualquer prisão o preso será ime-diatamente conduzido à presença do juiz que, se verificar a ilegalidade da 
detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator” (art. 236, § 
2º). Veja-se, pois, que a consideração de tal ato como sendo uma au-
diência de custódia justifica-se pela sua vinculação expressa à apre-
ciação pelo juiz da legalidade da prisão, o que não parece excluir que 
por ocasião da audiência o juiz verifique também a necessidade da 
prisão, assim como exerça um controle de custódia/proteção do direito 
à integridade física do cidadão conduzido.
Semelhante hipótese é encontrada no art. 287 do CPP, que 
dispõe: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não 
obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao 
juiz que tiver expedido o mandado”. Aqui, porém, não há uma audiên-
cia de custódia propriamente dita, mas apenas uma “audiência de 
apresentação”, cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis 
que se limita à provar para o conduzido que contra ele havia sido 
expedido um mandado de prisão37 .
Outra hipótese de “audiência de apresentação”, e não de au-
diência de custódia, portanto, está prevista no art. 175 do ECA, que 
dispõe: “Em caso de não liberação, a autoridade policial encaminhará, 
desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, junta-
mente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência”. Tal ato 
não se confunde com a audiência de custódia por duas razões: pri-
meiro, não é realizado na presença de autoridade judicial38 , mas 
perante o Ministério Público, e, segundo, a atividade do MP neste 
procedimento se revela incapaz de, sozinha, reparar qualquer tipo 
de ilegalidade na apreensão do adolescente ou fazer cessá-la ante 
sua desnecessidade, ou, ainda, de custodiar o adolescente vítima de 
eventual violência ou maus tratos, e isso porque, entendendo por 
arquivar o expediente ou conceder a remissão (art. 179, § único, 
incisos I e II, do ECA), o que acarretaria a liberação do adolescen-
te, ainda assim tal ato ficaria condicionado à homologação judicial 
(art. 181 do ECA)39 . Diversamente, pode-se encontrar alguma pos-
sibilidade de audiência de custódia no art. 171 do ECA, que dispõe 
que “O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde 
logo, encaminhado à autoridade judicial”, ainda que parte da doutrina 
se empenhe em esvaziar a potencialidade desta norma40 .
Em suma, temos que o conceito dado à audiência de custódia 
está totalmente vinculado à sua finalidade (assunto do tópico seguin-
te), não podendo se confundir com a mera “audiência de apresenta-
ção”, pois sua previsão nos tratados internacionais de direitos huma-
nos já citados somente se justifica na possibilidade de servir-se como 
um instrumento de controle judicial imediato da prisão.
2.2. Finalidades
A principal e mais elementar finalidade da implementação da 
audiência de custódia no Brasil é ajustar o processo penal brasilei-
ro aos tratados internacionais de direitos humanos41 . Tal premis-
sa implica considerar que as finalidades da audiência de custódia, 
ainda que não convençam os seus opositores, não os desobriga de 
observar o seu cumprimento. Pouca ou nenhuma importância teria 
o DIDH se cada país dispusesse de uma “margem de apreciação”42 
a respeito da utilidade dos direitos e garantias veiculados nos trata-
dos a que – voluntariamente – aderiram.
Outra finalidade da audiência de custódia se relaciona com 
a prevenção da tortura policial, assegurando, pois, a efetivação do 
direito à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade. 
Assim, prevê o art. 5.2 da CADH que “Ninguém deve ser submetido a 
torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda 
pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à digni-
dade inerente ao ser humano”. O expediente, anota Carlos Weis, “au-
menta o poder e a responsabilidade dos juízes, promotores e defensores de 
exigir que os demais elos do sistema de justiça criminal passem a trabalhar 
em padrões de legalidade e eficiência”43 .
Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos 
já decidiu que a apresentação imediata ao juiz “é essencial para a 
proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros 
direitos, como a vida e a integridade pessoal”, advertindo que “O simples 
conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não sa-
tisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e apre-
sentar sua declaração ante o juiz ou autoridade competente”44 . Noutro 
precedente, a Corte IDH, dialogando com a jurisprudência da Cor-
te Europeia de Direitos Humanos, ressalta que “A pronta intervenção 
judicial é a que permitiria detectar e prevenir ameaças contra a vida ou 
sérios maus tratos, que violam garantias fundamentais também contidas 
na Convenção Europeia (...) e na Convenção Americana”, concluindo, 
em seguida, que “Estão em jogo tanto a proteção da liberdade física dos 
indivíduos como a segurança pessoal, num contexto no qual a ausência de 
garantias pode resultar na subversão da regra de direito e na privação aos 
detidos das formas mínimas de proteção legal”45 .
Da mesma forma, em caso envolvendo a morte de um menino 
por policiais do Estado do Rio de Janeiro em 1992, a Comissão Inte-
ramericana de Direitos Humanos (CIDH) censurou o Brasil por não 
garantir a audiência de custódia à vítima, concluindo que esta foi 
privada de sua liberdade de forma ilegal, “sem que houvesse qualquer 
motivo para sua detenção ou de qualquer situação flagrante. Não foi apre-
sentado imediatamente ao juiz. Não teve direito de recorrer a um tribunal 
para que este deliberasse sobre a legalidade da sua detenção ou ordenasse 
sua liberdade, uma vez que foi morto logo após sua prisão. O único propó-
sito da sua detenção arbitrária e ilegal foi mata-lo”46 .
Esta finalidade da audiência de custódia, de agir na prevenção 
da tortura, também foi ressaltada pela Comissão Nacional da Ver-
dade (CNV), cujo relatório final veiculou, entre as recomendações, a 
“Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para 
garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 
horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7º da 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa 
Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992”47 . Ao implementar a au-
diência de custódia no ordenamento jurídico pátrio, o Brasil cumpre, 
ainda, um compromisso internacional48 de tomar “medidas eficazes de 
caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de 
impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdi-
ção” (art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos 
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes49 ).
Obviamente, porém, que não se pode esperar que a audiência 
de custódia, sozinha, elimine a tortura policial, uma prática que não 
apenas atravessou todo o período ditatorial, mas continua presente 
na democracia pós-Constituição Federal de 198850 , agindo como 
uma espécie de “sistema penal subterrâneo”51 , aprovada por con-
siderável parte da opinião pública e de agentes de segurança52 . No 
entanto, a medida pode contribuir para a redução da tortura poli-
cial num dos momentos mais emblemáticos para a integridade físi-
ca do cidadão, o qual corresponde às primeiras horas após a prisão, 
quando o cidadão fica absolutamente fora de custódia, sem proteção 
alguma diante de (provável) violência policial53 . 
Garantindo-se a apresentação imediata, ou, ainda, “sem de-
mora”, a audiência de custódia pode eliminar – pelo menos – a vio-
lência policial praticada no momento da abordagem no flagrante e 
nas horas seguintes, pois os responsáveis pela apreensão/condução 
do preso terão prévia ciência de que qualquer alegação de tortura 
poderá ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade 
judicial, da defesa (pública ou privada) e do Ministério Público, na 
realizaçãoda audiência de custódia.
Para se avançar na proteção da integridade física e psíquica 
do cidadão conduzido para a audiência de custódia, o ideal seria 
que, finalizada a audiência, não havendo liberação imediata (por 
relaxamento da prisão ou não conversão do flagrante em preventi-
va, ou, ainda, por pagamento de fiança), aquele fosse levado para 
unidade prisional “adequada”, e não retornar para carceragens ou 
cadeias públicas supervisionadas pela Polícia Civil. Sobre esse pon-
to, aliás, já se manifestou o Comitê de Direitos Humanos da ONU54 
, no sentido de que a conversão do flagrante em preventiva “não 
deve implicar uma volta à detenção policial, mas sim a detenção numa 
instalação separada, sob uma autoridade diferente, porque a continuação 
da detenção policial cria um risco demasiado grande de maus tratos”55 .
Para encerrar os comentários desta finalidade da audiência 
de custódia, ressalto que não se trata de uma crítica generalizada 
ao trabalho desempenhado pela Polícia. Os bons policiais, que res-
peitam a integridade física e psíquica dos cidadãos presos, não têm 
porque temer a apresentação do preso à autoridade judicial. Os 
maus, porém, que, espera-se sejam a minoria, se autodenunciarão 
ao se manifestarem contra a medida.
Uma terceira finalidade da audiência de custódia pode ser 
identificada no seu propósito de evitar prisões ilegais, arbitrárias 
ou, por algum motivo, desnecessárias. O juízo a ser realizado na 
audiência de custódia pode ser considerado, portanto, conforme a 
lição de Badaró, um juízo “complexo ou bifronte”, já que
“Não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realiza-
do, mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão 
cautelar, para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada 
para o passado, com vista a analisar a legalidade da prisão em 
flagrante, e outra, prospectiva, projetada para o futuro, com o 
escopo de apreciar a necessidade e adequação da manutenção 
da prisão, ou de sua substituição por medida alternativa à pri-
são ou, até mesmo, a simples revogação sem imposição de me-
dida cautelar”56 .
Assim, já decidiu a Corte IDH que “O controle judicial imediato 
é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das deten-
ções, tomando em conta que num Estado de Direito corresponde ao julga-
dor garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares 
ou de coerção, quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, 
que se trate o investigado de maneira coerente com a presunção de inocên-
cia”57 . Da mesma forma, após ressaltar a especial vulnerabilidade 
do preso, a Corte IDH já advertiu que “o juiz é garante dos direitos de 
toda pessoa que esteja na custódia do Estado, pelo que lhe corresponde a 
tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias e ga-
rantir um tratamento conforme o princípio da presunção de inocência”58 .
Esta terceira finalidade da audiência de custódia, de evitar 
prisões ilegais, arbitrárias ou desnecessárias, mostra-se bastante 
útil também para a pronta identificação dos casos mais graves que 
ensejam a aplicação da prisão domiciliar, a exemplo de quando o 
agente for extremamente debilitado por motivo de doença grave ou 
quando se tratar de gestante. Embora o art. 318 do CPP exija “pro-
va idônea” da ocorrência destas situações, certamente haverá casos 
nos quais a mera constatação visual/presencial do estado da pessoa 
permitirá que, homologado o flagrante e convertida a prisão em 
preventiva, esta seja substituída por prisão domiciliar. Contrariaria 
o bom senso a condução de uma mulher em estágio avançado de 
gravidez para a unidade prisional apenas porque não se dispõe, 
ali, na audiência de custódia, do documento médico atestando suas 
condições pessoais59 .
Ainda a propósito desta finalidade, a exigência da audiência 
de custódia contribui diretamente para a prevenção de desapare-
cimentos forçados e execuções sumárias, tendo sido este, aliás, o 
motivo que levou a Corte Interamericana a analisar pela primeira 
vez o direito à apresentação imediata à autoridade judicial, no jul-
gamento do caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras, em 198860 .
De tão importante que é a apresentação do preso ao juiz, a 
Corte Interamericana já decidiu, inclusive, que tal direito não pode 
ser anulado nem na hipótese de estar vigorando no país algum ex-
pediente normativo de suspensão de garantias, considerando que, 
ao agir desta maneira, o Estado estará violando a CADH61 . A esse 
propósito, recordemos que a Convenção Americana prevê em seu 
art. 27.1 a possibilidade excepcionalíssima de “suspensão de garan-
tias”62 , dispondo que “Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra 
emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, 
este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente 
limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas 
em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incom-
patíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional 
e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, 
sexo, idioma, religião ou origem social”. E o art. 28 da CADH, por sua 
vez, elenca os direitos que não são passíveis de suspensão, entre 
os quais não está o direito à liberdade pessoal previsto no art. 763 
. Assim, decidiu a Corte IDH, portanto, que ainda que o direito à 
liberdade pessoal possa ser suspenso, permanece a obrigação do 
Estado de apresentar o preso prontamente à autoridade judicial64 .
Compreendidas as finalidades da audiência de custódia, veja-
mos agora a definição de suas características.
2.3. Definição de suas características
A redação dos tratados internacionais de direitos humanos 
que cuidam da audiência de custódia, a exemplo da CADH, que es-
tudaremos de forma mais específica, apresenta algumas expressões 
que exigem certa atividade interpretativa para que seja alcançado o 
seu real conteúdo normativo. Embora não seja um dos propósitos 
deste trabalho aprofundar na disciplina da interpretação dos direi-
tos humanos, podemos seguir com a tranquilidade de que pratica-
mente há um consenso na doutrina especializada de que tal ativida-
de interpretativa deve se dar a partir de três critérios: o da máxima 
efetividade, o da interpretação pro homine e o princípio da primazia 
da norma mais favorável ao indivíduo. Vejamos uma brevíssima 
explicação sobre cada um destes critérios:
“O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de 
determinado direito conduza ao maior proveito do seu titular, 
com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos 
em colisão. A máxima efetividade dos direitos humanos con-
duz à aplicabilidade integral desses direitos, uma vez todos seus 
comandos são vinculantes. Também implica a aplicabilidade 
direta, pela qual os direitos humanos previstos na Constituição 
e nos tratados podem incidir diretamente nos casos concretos. 
Finalmente, a máxima efetividade conduz à aplicabilidade ime-
diata, que prevê que os direitos humanos incidem nos casos con-
cretos, sem qualquer lapso temporal.
Já o critério da interpretação pro homine exige que a interpreta-
ção dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao 
indivíduo. Grosso modo, a interpretação pro homine implica reco-
nhecer a superioridade das normas de direitos humanos, e, em 
sua interpretação ao caso concreto, na exigência de adoção da 
interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo.
(...) Na mesma linha do critério pro homine, há o uso do princípio 
da prevalência ou primazia da norma mais favorável ao indivíduo, que 
defende a escolha, no caso de conflito de normas (quer nacionais 
ou internacionais) daquela que seja mais benéfica ao indivíduo. 
Por esse critério, não importa a origem (pode ser uma norma 
internacional ou nacional), mas sim o resultado: o benefício ao 
indivíduo. Assim, seria novamente cumprindo o ideal pro homi-
ne das normas de direitos humanos”65 .
Assim, com basenestes três critérios de interpretação, anali-
semos as expressões de conteúdo aberto previstas na CADH.
2.3.1. O que deve ser entendido por “sem demora”?
A CADH utiliza a expressão “sem demora” para se referir ao 
aspecto temporal entre a captura do preso e a sua condução até a 
autoridade judicial. Embora exista, conforme registra Badaró66 , al-
guma controvérsia a respeito da tradução do texto original da Con-
venção, a exemplo do que ocorre na versão em inglês, que utiliza a 
expressão promptly (“prontamente”), os sentidos são bastante pró-
ximos e partiremos, aqui, da expressão encontrada tanto na versão 
espanhola quanto no texto promulgado no Brasil: “sem demora”.
Antes, ainda, de avançarmos para o conteúdo da referida ex-
pressão, importante considerar, com Weis e Junqueira, que a Corte 
Interamericana, na interpretação que faz do art. 7.5 da CADH, ob-
serva primeiro a legislação interna do país caso esta fixe um prazo 
para tal apresentação, fazendo, depois, dois juízos: “um quanto ao 
respeito ao prazo estabelecido pelo próprio país, logicamente considerando 
violado o preceito da apresentação célere se for descumprida a legislação 
local, e, outro, quanto à razoabilidade deste mesmo prazo, em face da Con-
venção Americana sobre os Direitos Humanos”67 . Disso chegamos à 
elementar conclusão de que o prazo fixado na legislação interna 
não encerra o juízo de avaliação sobre o cumprimento da garantia, 
e isso porque a expressão “sem demora” deve ser entendida como 
um conceito autônomo da CADH, cujo alcance não pode ficar li-
mitado – apenas – à atividade legislativa interna68 . Em suma: se o 
prazo fixado na legislação nacional for razoável e compatível com 
a CADH, o seu desrespeito poderá ensejar a violação tanto do art. 
7.2 (“Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas cau-
sas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos 
Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”) como do 
art. 7.5, mas se o prazo da legislação interna for incompatível com a 
melhor interpretação que se espera da expressão “sem demora”, o 
seu desrespeito ensejará a violação apenas do art. 7.5, não havendo 
que se falar em violação do art. 7.2, pois a prisão terá observado o 
ordenamento jurídico do país.
Pois bem. Há um consenso na jurisprudência dos tribunais in-
ternacionais de direitos humanos no sentido de que a definição do que 
se entende por “sem demora” deverá ser objeto de interpretação con-
forme as características especiais de cada caso concreto69 , havendo, 
assim, diversos precedentes tanto da Corte Interamericana70 quanto 
da Corte Europeia de Direitos Humanos71 . No entanto, é possível en-
contrar algum “parâmetro” na jurisprudência internacional, que tem 
potencializado bastante a expressão “sem demora” para atribuir-lhe 
um significado condizente com as finalidades da garantia.
No âmbito regional americano, a Corte Interamericana já de-
cidiu, p. ex., que viola a CADH a condução do preso à presença da 
autoridade judicial nos seguintes lapsos temporais após a prisão: 
quase uma semana72 , quase cinco dias73 , aproximadamente trinta 
e seis dias74 , vinte e três dias75 , dezessete dias76 , quase seis meses77 
, quase dois anos78 , entre outros. Por outro lado, a Corte IDH, no 
Caso López Álvarez vs. Honduras, decidiu que o Estado demandado 
não violou a CADH, eis que o preso teria sido apresentado à au-
toridade judicial no dia seguinte à sua detenção79 . Assim, pode-se 
concluir, por ora, isto é, até que surjam outros precedentes, que a 
Corte IDH considera que a expressão “sem demora” prevista no 
art. 7.5 da Convenção não é violada quando o preso é apresentado 
à autoridade judicial no prazo de um dia após a prisão.
No âmbito regional europeu, a Corte Europeia de Direitos 
Humanos parece admitir que a apresentação se dê, no máximo, en-
tre três a quatro dias após a prisão, havendo poucas variações para 
um pouco mais ou um pouco menos na análise que alguns estudio-
sos já fizeram da sua jurisprudência80 .
E no âmbito global, o Comitê de Direitos Humanos da ONU 
já se manifestou que “um prazo de 48 horas é normalmente suficiente 
para trasladar a pessoa e preparar para a audiência judicial; todo prazo su-
perior a 48 horas deverá obedecer a circunstâncias excepcionais e estar jus-
tificado por elas”, completando, ainda, que “no caso de menores deverá 
aplicar-se um prazo especialmente restrito, por exemplo de 24 horas”81 .
Finalmente, considerando que o CPP brasileiro já prevê o pra-
zo de vinte e quatro horas para que seja encaminhado o auto de 
prisão em flagrante ao juiz competente (art. 306, § 1º), me parece 
razoável adotar-se o mesmo lapso temporal para a apresentação do 
preso à autoridade judicial82 . Este também tem sido o prazo estabe-
lecido nos instrumentos normativos relacionados à matéria, como o 
PLS 554/2011 e a Resolução 213/2015 do CNJ, que serão analisados 
mais a frente83 . Obviamente que haverá casos em que, por algu-
ma razão (devidamente justificada e comprovada), tal regra será 
excepcionada, cenário que exigirá da doutrina e da jurisprudência 
um cuidado especial para que a exceção não se torne a regra e, ain-
da, para que, mesmo nos casos excepcionais, não seja superado o 
limite de no máximo três a quatro dias após a prisão84 . Importante 
ressaltar aqui, porém, que não sendo realizada a apresentação do 
preso ao juiz no prazo de vinte e quatro horas (regra), o juízo de 
legalidade/necessidade da prisão não poderá ser adiado, devendo 
a autoridade judicial decidir conforme o art. 310 do CPP85 e, poste-
riormente, ratificar ou alterar tal decisão quando da realização da 
audiência de custódia.
2.3.2. A quem o preso deve ser apresentado?
Além de naturalmente estabelecerem que o preso deverá ser 
conduzido à presença de um “juiz”, os tratados que regulamentam 
a matéria se valem de uma extensão conceitual para prever, tam-
bém, que o ato poderá ser feito na presença de “outra autoridade 
autorizada por lei a exercer funções judiciais” (CADH, art. 7.5), “ou-
tra autoridade habilitada por lei a exercer funções judicias” (PIDCP, art. 
9.3) e “outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais” 
(CEDH, art. 5.3). Assim, pergunta-se: a audiência de custódia pode 
ser realizada por outra autoridade que não seja o juiz?
A discussão não tem muito sentido no Brasil86 . Se a apresen-
tação do preso cumpre finalidades relacionadas à prevenção da tor-
tura e de repressão a prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias, 
a autoridade responsável pela audiência de custódia deve ter in-
dependência, imparcialidade e, sobretudo, poder para fazer cessar 
imediatamente qualquer tipo de ilegalidade. Justamente por esta 
razão é que a Corte Interamericana interpreta o art. 7.5 da CADH 
em conjunto com o art. 8.1 da mesma Convenção, que assegura o 
direito de toda pessoa de “ser ouvida, com as devidas garantias e dentro 
de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independen-
te e imparcial (...)”87 . Desta forma, se a apresentação do preso ao 
juiz cumpre a finalidade precípua de promover um controle judicial 
imediato da prisão, a autoridade que deve presidir audiências de 
custódia no Brasil somente pode ser o magistrado, sob pena de se 
esvaziar ou reduzir em demasia a potencialidade normativa da ga-
rantia prevista no art. 7.5 da CADH.
Embora a conclusão seja bastante clara, vejamos brevemente 
porque os membros do Ministério Público, da Polícia e da Defenso-
ria Pública não satisfazem as exigências do art. 8.1 da CADH.
O papel desempenhado pelo Ministério Público na persecu-
ção e no processo penal é importantíssimo. Pimenta Bueno já ad-
vertia que “As leis penais não têm vida senão pela ação dele [do Ministé-
rio Público]”88 . A natureza do envolvimento do Ministério Público 
com a persecução acusatória, porém, retira da instituição qualquer 
tentativa de ser compreendida como “parte imparcial”89 , algo que 
definitivamente não se ajusta ao processo penal de natureza acu-

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