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“Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida” (Clarice Lispector). Dedico a terceira edição desse livro à minha esposa, Luiza, com quem tenho a felicidade de caminhar e sonhar juntos há mais de doze anos; e à nossa querida filha Helena, com três meses quando termino essa atualização, que tem nos proporcionado momentos inesquecíveis de ternura e de amor incondicional. PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO É com especial prazer que apresento a obra de Caio Paiva, sobre um tema tão atual e relevante: a audiência de custódia. Antes de apresentar o livro, chamo a atenção do leitor para um detalhe interessante: o livro foi escrito em primeira pessoa. Como o próprio autor explica, trata-se de uma fala com local demarcado, ou seja, ele fala o que fala, desde onde fala, e assume a contaminação sem qualquer (falsa) pretensão de `neutralidade`. É um livro honesto. Caio é Defensor Público Federal, um local de fala muito de- marcado e, principalmente, digno. A Defensoria Pública é um ór- gão imprescindível se quisermos um processo penal democrático e de viés acusatório, com protagonismo das partes, como deve ser. Para isso, é imprescindível que o Estado crie e mantenha um ser- viço de defesa pública tão bem estruturado como criou e mantém o serviço de acusação pública. Somente teremos um processo pe- nal de verdade quando a paridade de armas se efetivar na dimen- são institucional de acusação e defesa. E, mais do que isso, quanto maior for a ‘parcialidade’ das partes, mais assegurada está a im- parcialidade do juiz (Werner Goldschmidt). Sem uma defesa forte – como infelizmente ainda predomina no Brasil –, a paridade de armas e a própria democracia processual inexistem. É por isso que gente como Caio precisa falar e, principalmente, ser ouvido. Afinal, ele dá voz para quem está na fase da protopalavra, vai dizer Dussel, dada a hipossuficiência evidente do imputado no processo penal. O livro começa por uma visão realista e pessoal da ‘prisão’, afinal, entre outras coisas, o que se pretende é evitar a (banalização da) prisão preventiva com a audiência de custódia, uma redução de danos. Feita uma breve, mas precisa advertência, parte o autor para seu objeto, que é a audiência de custódia. Na sistemática pré-con- venção americana de Direitos Humanos, o preso em flagrante era ............... ............... ............... ............... ............... ............... ............... ............... conduzido à autoridade policial onde, formalizado o auto de pri- são em flagrante, era encaminhado ao juiz, que decidia, nos ter- mos do art. 310 do CPP, se homologava ou relaxava a prisão em flagrante (em caso de ilegalidade) e a continuação, decidia sobre o pedido de prisão preventiva ou medida cautelar diversa (art. 319). Mas o ponto crucial é: tudo isso ocorria – e ainda ocorre, em muitos Estados – de forma burocrática e sem a presença do deti- do. Ou seja, absurdamente, o juiz não tinha contato com o cidadão preso e, se decretasse a prisão preventiva, somente iria ouvi-lo no interrogatório, muitos meses (às vezes anos) depois, pois o inter- rogatório é o último ato do procedimento. Infelizmente, ainda, na imensa maioria das cidades brasileiras, a situação segue assim. Até a reforma processual de 2008, que alterou todos os procedimentos do Código, o interrogatório era o primeiro ato do rito. Neste momento, não raras vezes, após ouvir o acusado, concedia-lhe o juiz a liberdade provisória mediante a obrigação de comparecer a todos os atos processuais. Mas, com a nova sistemática vigente desde 2008, o interrogatório passou a ser o último ato do procedimento, com notórias vantagens para o direito de defesa, mas com imenso sacrifício da liberdade pessoal. A posterior reforma de 2011 não atentou para essa grave situação gerada, pois os projetos foram tramitando de forma se- parada e sem que houvesse uma preocupação com a coerência e harmonia do sistema. Eis o monstro gerado: o preso somente é ouvido pelo juiz muitos meses (às vezes anos) depois da prisão. A audiência de custódia corrige de forma simples e eficiente a dicotomia gerada: o preso em flagrante será imediatamente con- duzido à presença do juiz para ser ouvido, momento em que o juiz decidirá sobre as medidas previstas no art. 310. Trata-se de uma prá- tica factível e perfeitamente realizável. O mesmo juiz plantonista que hoje recebe – a qualquer hora – os autos da prisão em flagrante e precisa analisá-lo, fará uma rápida e simples audiência com o detido. A iniciativa é muito importante e alinha-se com a necessária convencionalidade que deve guardar o processo penal brasileiro, adequando-se ao disposto no artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) que determina: “Toda pessoa pre- sa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em um prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o proces- so. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegu- rem o seu comparecimento em juízo”. Em diversos precedentes trazidos pelo autor, a Corte Inte- ramericana de Direitos Humanos tem destacado que o controle judicial imediato — que proporciona a audiência de custódia — é um meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais, pois cor- responde ao julgador “garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção quando seja estrita- mente necessária, e procurar, em geral, que se trate o cidadão de maneira coerente com a presunção de inocência”, conforme julga- do no caso Acosta Calderón contra Equador. A Corte Interamericana entendeu que a mera comunicação da prisão ao juiz é insuficiente, na medida em que “o simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e render sua declaração ante ao juiz ou autoridade competente”. Nesta linha, como explica o autor, o artigo 306 do Código do Processo Penal, que estabelece apenas a imediata comunicação ao juiz de que alguém foi detido, bem como a posterior remessa do auto de prisão em flagrante para homologação ou relaxamento, não são suficientes para dar conta do nível de exigência convencional. No Caso Bayarri contra Argentina, a Corte IDH afirmou que “o juiz deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que este lhe proporcione, para decidir se procede a liberação ou manu- tenção da privação da liberdade” sob pena de “despojar de toda efe- tividade o controle judicial disposto no artigo 7.5. da Convenção”. Mas outras duas questões podem ser discutidas à luz do ar- tigo 7.5. A primeira é: o que se entende por “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”? A intervenção da autoridade policial, do delegado, daria conta dessa exigência? Em que prazo deverá se dar a apresentação? Caio Paiva responde a essas e a diversas outras questões tra- zidas, ainda que muitas outras surjam no law in action. No Projeto Piloto de São Paulo, o artigo 3º determina que “a autoridade policial providenciará a apresentação da pessoa detida, até 24 horas após a sua prisão, ao juiz competente, para participar da audiência de custó- dia”, bem como que “o auto de prisão em flagrante será encaminha- do, na forma do artigo 306, § 1º, do CPP, juntamente com a pessoa detida”. Uma vez apresentado o preso ao juiz, ele será informado do direito de silêncio e assegurada a entrevista prévia com defensor (particular ou público). Nesta ‘entrevista’ (não é um interrogatório, portanto), o artigo 6º, § 1º determina expressamente que “não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento.” Eis um ponto crucial da au- diência de custódia: o contato pessoal do juiz com o detido. Uma me- dida fundamental em que, ao mesmo tempo, humaniza-se oritual judiciário e criam-se as condições de possibilidade de uma análise acerca do periculum libertatis, bem como da suficiência e adequação das medidas cautelares diversas do artigo 319 do CPP. Mas essa entrevista não deve se prestar para análise do mé- rito (leia-se, autoria e materialidade), reservada para o interroga- tório de eventual processo de conhecimento. A rigor, limita-se a verificar a legalidade da prisão em flagrante e a presença ou não dos requisitos da prisão preventiva, bem como permitir uma me- lhor análise da(s) medida(s) cautelar(es) diversa(s) adequada(s) ao caso, dando plenas condições de eficácia do artigo 319 do CPP, atualmente restrito, na prática, à fiança. Infelizmente, como regra, os juízes não utilizam todo o potencial contido no artigo 319 do CPP, muitas vezes até por falta de informação e conhecimento das circunstâncias do fato e do autor. Contudo, em alguns casos, essa entrevista vai situar-se numa tênue distinção entre forma e conteúdo. O problema sur- ge quando o preso alegar a falta de fumus commissi delicti, ou seja, negar autoria ou existência do fato (inclusive atipicidade). Neste caso, suma cautela deverá ter o juiz para não invadir a sea- ra reservada para o julgamento. Também pensamos que eventual contradição entre a versão apresentada pelo preso neste momento e aquela que futuramente venha utilizar no interrogatório proces- sual, não pode ser utilizada em seu prejuízo. Em outras palavras, o ideal é que essa entrevista sequer viesse a integrar os autos do processo, para evitar uma errônea (des)valoração. Neste sentido, melhor andou o PLS 554/2011 ao dispor que “a oitiva a que se refere o parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da pri- são; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado”. A audiência de custódia representa um grande passo no sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e já chega com muito atraso, mas ainda assim sofre críticas injustas e infundadas. Enfim, não há porque temer a audiência de custódia, ela vem para humanizar o processo penal e representa uma im- portantíssima evolução, além de ser uma imposição da Conven- ção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o poder de desprezar. A obra de Caio Paiva vem no momento correto, no auge da polêmica, para sacudir as bases do senso comum teórico e inco- modar os conservadores, especialmente os adeptos do discurso punitivista. Também incomoda porque ele é um defensor público, falando desde um local ainda pouco ocupado; basta ver a tradição doutrinária brasileira no processo penal, formada por uma esma- gadora maioria de membros do Ministério Público (afinal quem escreveu o processo penal brasileiro nos últimos 60 anos?). Certamente Caio vai sofrer o peso da discriminação e ainda haverão os que tentarão desacreditar seu discurso, porque ‘contaminado’... É interessante isso: quando o discurso vem do outro lado, serve, pois fantasiado de ‘imparcial’... como se não fosse tão ou mais contaminado! É incrível a ingenuidade de quem fala de uma parte-imparcial, sem perceber o absurdo que isso representa (e foi bem denunciado por Carnelutti, no famoso ‘Mettere il pubblico ministero al suo posto’). E, mais do que isso, nos queixamos do ranço autoritário do processo penal brasileiro, sem nos darmos conta (será?) que grande parte do ranço do ‘law in action’ decorre do ranço autoritário do ‘law in books’... É um livro para ser lido, assimilado, e, oxalá, sirva para abrir cabeças e mudar a cultura. É o que esperamos! Porto Alegre (RS), julho de 2015. AURY LOPES JR. Doutor em Direito Processual Penal Professor Titular no Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, em Ciências Criminais da PUCRS. Advogado. NOTA DO AUTOR À PRIMEIRA EDIÇÃO Antes de qualquer consideração introdutória, me parece oportuno estabelecer o meu local de fala, de onde penso, vejo e tento compreender a prisão. Sou defensor público federal, titular de um Ofício Criminal. O meu trabalho envolve, necessariamente, não ape- nas a parte “técnica”, de elaboração de pleitos de liberdade, mas também visitas regulares a unidades prisionais, acompanhamento de presos em audiências, atendimento de suas famílias etc., contex- to este que me coloca muito distante do que seria um “observador imparcial”1. Posso dizer que, de alguma forma, certamente numa condição bem diversa da que assume o cidadão encarcerado, eu sinto a prisão no meu dia-a-dia profissional. CAIO PAIVA Julho de 2015, em Manaus/AM 1 Justamente por este motivo, por considerar que a minha escrita se apresenta conta- minada por histórias de vida que tive a oportunidade de acompanhar na atividade de defensor público, e por considerar, ainda, que tais histórias influenciam diretamente o meu modo de compreender este cenário ao meu redor, não resisti à tentação de escre- ver esse livro em primeira pessoa. NOTA DO AUTOR À SEGUNDA EDIÇÃO A primeira edição deste livro foi publicada num momento em que a audiência de custódia ainda era uma ilustre desconhecida de grande parte da comunidade jurídica brasileira. Foi uma tarefa difícil explicar um instituto, descrever as suas finalidades e deta- lhar o seu procedimento sem que eu tivesse, até então, participado de alguma audiência de custódia, o que somente veio a acontecer a partir do mês de março deste ano, em que, trabalhando como de- fensor público federal em Guarulhos, participei de dezenas delas. O prestígio dos leitores fez com que a primeira edição desta obra se esgotasse em pouco tempo, após três tiragens. Esta segunda edição resulta de mais pesquisas e reflexões sobre a matéria, mas também do diálogo com leitores nas minhas redes sociais e de de- bates após cada palestra/aula que dei a respeito do tema. Aproveito para agradecer publicamente os diversos convites que recebi para participar de eventos sobre a audiência de custódia, que me leva- ram a RO, AM, MA, DF, PA, RS, RJ, SP, MT, CE etc., sempre ensi- nando e aprendendo com o público presente. Além de corrigir alguns erros de digitação, de trabalhar o tema a partir da Resolução 213/2015 do CNJ e da redação mais re- cente do PLS 554/2011, de citar novos autores e de dialogar com a jurisprudência mais recente do STJ, do STF e da Corte Interameri- cana de Direitos Humanos, esta segunda edição traz ainda as se- guintes novidades: (I) inserção do tópico Estatísticas do sistema pe- nitenciário brasileiro no primeiro capítulo; (II) divisão do segundo capítulo, concentrando nele apenas as primeiras lições sobre a au- diência de custódia; (III) criação do terceiro capítulo, concentrando nele apenas os comentários sobre as tentativas de implementação da audiência de custódia no Brasil, tema que foi complementado nesta segunda edição com novas informações; (IV) criação do quarto capítulo, destinado a debater as principais discussões sobre a au- diência de custódia, sendo este o capítulo com mais atualizações e novidades, a exemplo dos tópicos sobre a audiência de custódia nos casos de prisão para extradição, prisão civil do devedor de ali- mentos, pessoas presas com foro por prerrogativa de função e os tópicos sobre a atividade probatória na audiência de custódia, se o seu conteúdo pode ser aproveitado como expediente probatório na eventual ação penal, se o juiz que presidiu o ato fica impedido/ suspeito de julgar a ação penal sobre o caso e, finalmente, a polêmi- ca em torno da possibilidade de a audiência de custódia servir de mola propulsora para um procedimento abreviado; e (V) a criação do quinto capítulo, escrito a partir da Resolução 213/2015 do CNJ, que detalha a dinâmica procedimental da audiência de custódia. Ainda que nesta segunda edição eu discorde de alguns po- sicionamentos do professor Aury Lopes Jr., não poderia deixar de registrar a minhaimensa admiração pela sua obra, agradecendo-o ainda pelo gentil prefácio com o qual me presenteou na primeira edição deste livro. Finalmente, agradeço à equipe da editora Empório do Direito por confiarem no meu trabalho e por me incentivarem tanto a escre- ver esta segunda edição. CAIO PAIVA E-mail: caiodireito@gmail.com Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva Twitter: @caiocezarfp Instagram: @caiocpaiva Setembro de 2016, em Campinas/SP NOTA DO AUTOR À TERCEIRA EDIÇÃO É com grande alegria que apresento aos leitores a terceira edição do livro Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro, agora publicado pela Editora CEI – Círculo de Estudos pela Internet. As duas primeiras edições foram publicadas pela Editora Empório do Direito, a quem agradeço, na pessoa de Aline Gostinski, por todo o apoio e pela confiança no meu trabalho. Esta terceira edição, inteiramente revista, atualizada e am- pliada, traz as seguintes novidades: 1) No tópico “4.4. Deve ser garantida no âmbito da Justiça Militar?”, fiz menção à Resolução nº 228/2016 do Superior Tribunal Mili- tar, que disciplinou o procedimento da realização da audiência de custódia no âmbito da Justiça Militar da União. 2) O tópico “3.3. O projeto de lei do Senado nº 554/2011” foi atua- lizado com a redação final do PLS 554 aprovado no Senado Federal em 30.11.2016; 3) O tópico “4.10. A audiência de custódia necessita de prévio requerimento do interessado?” foi revisado e am- pliado. Nele, revi meu posicionamento anterior a respeito de a defesa – pessoal ou técnica – dispensar a realização da audiên- cia de custódia, ressaltando se tratar de um direito indisponí- vel. Também nesse tópico, fiz menção ao HC 133.992, rel. min. Edson Fachin, 1ª Turma, j. 11.10.2016, em que o STF decidiu que a realização da audiência de custódia não se submete ao livre convencimento do juiz sobre a pertinência do ato processual no caso concreto. Refletindo sobre esse precedente, acrescentei ain- da uma questão prática: se o juiz, ao apreciar o auto de prisão em flagrante, concluir que já possui elementos para relaxar o flagrante ou para conceder a liberdade provisória, e assim pro- ceder, ele pode dispensar a realização da audiência de custódia? Defendi nessa terceira edição que sim. 3) No tópico “4.3. Deve ser garantida na apreensão de adolescentes suspeitos da prática de ato infracional?”, fiz menção a mais um pro- jeto de lei em que a realização da audiência de custódia para adolescentes está sendo debatida. 4) No tópico “4.1. Deve ser garantida na prisão preventiva e na prisão temporária?”, critiquei o precedente do STJ no sentido de que é desnecessária a realização da audiência de custódia em caso de decretação de prisão preventiva (RHC 80.480, rel. min. Felix Fis- cher, 5ª Turma, j. 17.10.2017). 5) No tópico “4.12. O conteúdo da audiência de custódia pode ser aproveitado como expediente probatório na eventual ação penal?”, fiz menção a dois precedentes do STJ no sentido da possibilidade de se juntar aos autos principais a ata da audiência de custó- dia ((HC 396.302, rel. min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 03.10.2017; e HC 381.186, rel. min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 26.09.2017). 6) No tópico “5.4.1. Providências relativas à ata da audiência”, acrescentei um comentário no sentido de que a Resolução 213 somente admite que se faça uso da gravação audiovisual para registrar a oitiva da pessoa presa e as manifestações das partes, não permitindo que o provimento jurisdicional decisório sobre a prisão seja formalizado exclusivamente na mídia audiovisual, sem redução a termo na ata da audiência. Sobre o tema, citei uma decisão monocrática muito elucidativa do ministro Rogério Schietti Cruz no AgRg no RHC 77.014, 6ª Turma, j. 07.04.2017). 7) No tópico “4.2. Deve ser garantida no âmbito da execução penal?”, inseri um parágrafo sobre o juízo competente para realizar a au- diência de custódia no caso de prisão decorrente de expedição de guia de recolhimento provisório após acórdão penal conde- natório de tribunal. 8) No tópico “4.9. A audiência de custódia pode ser realizada por videoconferência?”, fiz menção ao entendimento da Comissão In- teramericana de Direitos Humanos acerca da possibilidade de se realizar a audiência de custódia por videoconferência. 9) Atualizei o tópico “4.15. Consequência da não realização da au- diência de custódia”, explicando com mais clareza, a partir de jul- gados mais recentes, os entendimentos do STF e do STJ. 10) Incluí nesta terceira edição um texto inédito de posfácio, com o título Análise da implantação das audiências de custódia no Brasil no período 2015-2017: impactos e desafios. Deixo meus contatos abaixo para recebimento de dúvidas, críticas ou considerações sobre o livro, ficando à disposição para dialogar com os leitores. CAIO PAIVA E-mail: caiodireito@gmail.com Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva Twitter: @caiocezarfp Instagram: @caiocpaiva Dezembro de 2017, em Boa Esperança/MG LISTA DE ABREVIATURAS ACP Ação Civil Pública ACPs Ações Civis Públicas ADEPOL Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ANADEP Associação Nacional dos Defensores Públicos APMP Associação Paulista do Ministério Público CADH Convenção Americana de Direitos Humanos CCJ Comissão de Constituição e Justiça CEDH Convenção Europeia de Direitos Humanos CF Constituição Federal CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos CNJ Conselho Nacional de Justiça CNV Comissão Nacional da Verdade CPP Código de Processo Penal Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos DPU Defensoria Pública da União DEPEN Departamento Penitenciário Nacional ECA Estatuto da Criança e do Adolescente HC Habeas Corpus MC Medida Cautelar MP Ministério Público MPF Ministério Público Federal NCPP Novo Código de Processo Penal OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONU Organização das Nações Unidas PEC Proposta de Emenda à Constituição PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos PL Projeto de Lei PLs Projetos de Leis PLS Projeto de Lei do Senado Rcl Reclamação RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal RE Recurso Extraordinário RHC Recurso em Habeas Corpus SISTAC Sistema de Audiência de Custódia STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo TRF Tribunal Regional Federal SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO: AINDA (E SEMPRE) SOBRE A PRISÃO ........26 1.1. O drama carcerário como a mais grave questão de direitos humanos do Brasil contemporâneo ............................................................................26 1.2. Estatísticas do sistema penitenciário brasileiro ................................29 1.3. Perspectiva metodológica: a superação do abismo entre a teoria e a prática ............................................................................................................30 1.4. Marcos teóricos ......................................................................................33 1.4.1. O processo penal a serviço da contenção do poder punitivo .......34 1.4.2. A superação do enclausuramento normativo interno .............37 2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ........................................................39 2.1. Conceito e previsão normativa ...........................................................39 2.2. Finalidades .............................................................................................42 2.3. Definição de suas características .........................................................47 2.3.1. O que deve ser entendido por “sem demora”? ........................48 2.3.2. A quem o preso deve ser apresentado? .....................................50 2.4. Insuficiência do regramento jurídico brasileiro: para superar a “fronteira do papel” .....................................................................................553. TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL .....................................................................58 3.1. Considerações gerais ............................................................................58 3.2. O projeto de lei do Senado nº. 156/2009 (Novo Código de Processo Penal) .............................................................................................................59 3.3. O projeto de lei do Senado nº 554/2011 ..............................................63 3.4. As Propostas de Emendas Constitucionais nº 112/2011 e 89/2015 .72 3.5. As ações civis públicas ajuizadas pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal ..............................................................73 3.6. Os Provimentos dos Tribunais a partir de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça.......................................................................................74 3.7. A unificação normativa a partir da Resolução nº. 213/2015 do CNJ .. 79 4. PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓ- DIA .........................................................................................................82 4.1. Deve ser garantida na prisão preventiva e na prisão temporária? 82 4.1.1. O juiz natural na audiência de custódia em caso de prisão temporária ou preventiva por cumprimento de mandado ...............85 4.2. Deve ser garantida no âmbito da execução penal? ..........................85 4.3. Deve ser garantida na apreensão de adolescentes suspeitos da práti- ca de ato infracional? ...................................................................................87 4.4. Deve ser garantida no âmbito da Justiça Militar? ............................91 4.5. Deve ser garantida nos casos de prisão decorrente de situação mi- gratória? .........................................................................................................92 4.6. Deve ser garantida na prisão para extradição? .................................93 4.7. Deve ser garantida no caso de prisão civil do devedor de alimen- tos? ..................................................................................................................95 4.8. A audiência de custódia e as pessoas presas com foro por prerroga- tiva de função ...............................................................................................96 4.9. A audiência de custódia pode ser realizada por videoconferência? .. 98 4.10. A audiência de custódia necessita de prévio requerimento do inte- ressado? .......................................................................................................101 4.11. Limite cognitivo e o debate sobre à proibição de atividade probató- ria na audiência de custódia .....................................................................104 4.12. O conteúdo da audiência de custódia pode ser aproveitado como expediente probatório na eventual ação penal? ....................................108 4.13. O juiz que preside a audiência de custódia fica impedido/suspeito de julgar a eventual ação penal sobre o caso? ........................................110 4.14. A audiência de custódia como propulsora de um procedimento abreviado: riscos e possibilidades ...........................................................112 4.15. Consequência da não realização da audiência de custódia ........112 5. DINÂMICA PROCEDIMENTAL DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓ- DIA .......................................................................................................116 5.1. Considerações gerais ..........................................................................116 5.2. Atos preparatórios da audiência de custódia ..................................116 5.2.1. Protocolização do auto de prisão em flagrante ou comunicação ao juízo competente sobre o cumprimento do mandado ................117 5.2.2. Quem conduz a pessoa presa para a audiência de custódia? ...........118 5.2.3. Expedientes comunicativos .......................................................119 5.2.4. Quem deve e quem não deve participar da audiência de custódia? .................................................................................................119 5.2.4.1. Consequência do não comparecimento dos sujeitos processuais no ato ............................................................................120 5.2.5. O atendimento prévio e reservado da pessoa presa com o advogado por ela constituído ou com defensor público .................121 5.3. Atos praticados na audiência de custódia .......................................123 5.3.1. Primeiras providências adotadas pelo juiz .............................124 5.3.2. Concessão da palavra ao Ministério Público e à defesa técnica para perguntas e requerimentos .........................................................126 5.3.3. Decisão do juiz sobre a prisão ...................................................127 5.4. Atos praticados após a audiência de custódia ................................128 5.4.1. Providências relativas à ata da audiência ................................128 5.4.2. Como proceder quando a prisão não for mantida? ...............130 5.4.3. Acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão . 130 5.4.4. Como proceder quando a pessoa presa declarar ter sido vítima de tortura ou de maus tratos? .............................................................130 CONCLUSÃO .................................................................................132 POSFÁCIO .......................................................................................133 ANEXOS ...........................................................................................140 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................176 1. INTRODUÇÃO: AINDA (E SEMPRE) SOBRE A PRISÃO 1.1. O drama carcerário como a mais grave questão de direitos humanos do Brasil contemporâneo É difícil evitar a impressão de que tudo o que se poderia es- crever sobre a prisão já foi escrito1 . Roberto Lyra tinha razão quan- do afirmou que ela, a prisão, “é velha como a memória do homem e continua a ser a panaceia penal a que se recorre em todo o mundo”2 . Que a prisão é ruim, da mesma forma, todos sabemos, de modo que já há tempos tornou-se uma grande obviedade falar da sua falência. Conhecemos os seus inconvenientes, sabemos que ela é perigosa, em certos casos até inútil, mas não vemos, conforme já antecipava Foucault, o que pôr em seu lugar, pois “ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”3 . Fácil perceber, portanto, que a prisão tem uma característica em comum com o discurso que propõe a sua abolição: ambos se ali- mentam da ficção, da fantasia4 , sendo que a utopia carcerária produz piores consequências, já que se apoia numa mera aparência de le- galidade5 para produzir seus males, diversamente da crítica aboli- cionista, cujo diagnóstico apresentado foi/é imprescindível para a avaliação da ineficácia, dos custos e da violência que o sistema penal reproduz6 . O propósito deste trabalho, de pensar a prisão a partir do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), pode parecer incoerente e me colocar diante de um constrangimento inevitável, já que a prisão é a negação máxima dos direitos humanos. Não há humanidade na privação da liberdade. Não há “prisão boa”. Admi- tamos isso e prossigamos, reféns de nossa própria incoerência, mas com um ideal definido: reduzir os danos provocados pelo encarce- ramento. Os Manuais de processo penal e livros temáticos sobre a prisão pouco descrevem o que é, na realidade, privar alguém de liberdade. A sociedade, igualmente, de um modo geral, tem uma percepção absolutamente distorcida sobre o fenômeno prisional. Assim, não poderia iniciar esse diálogo com você, caro(a) leitor(a), senão con- vidando-o a se esforçar para imaginar, a tentar interiorizar o que é a prisão, o que é o encarceramento. E assim o faço a partir deHulsman: “Aprendemos a pensar sobre a prisão de um ponto de vista puramente abstrato. Coloca-se em primeiro lugar a ‘ordem’, o ‘interesse geral’, a ‘segurança pública’, a ‘defesa dos valores sociais’... Fazem com que acreditemos – e esta é uma ilusão si- nistra – que, para nos resguardar das ‘empreitadas criminosas’, é necessário – e suficiente! – colocar atrás das grades dezenas de milhares de pessoas. E nos falam muito pouco dos homens enclausurados em nosso nome... Privar alguém de sua liberdade não é uma coisa à toa. O simples fato de estar enclausurado, de não poder mais ir e vir ao ar livre ou onde bem lhe aprouver, de não poder mais encontrar quem deseja ver – isto já não é um mal bastante significativo? O encar- ceramento é isso. Mas, também é um castigo corporal. Fala-se que os castigos cor- porais foram abolidos, mas não é verdade: existe a prisão, que degrada os corpos. A privação de ar, de sol, de luz, de espaço; o confinamento entre quatro paredes; o passeio entre grades; a promiscuidade com companheiros não desejados em condições sanitárias humilhantes; o odor, a cor da prisão, as refeições sem- pre frias onde predominam as féculas – não é por acaso que as cáries dentárias e os problemas digestivos se sucedem entre os presos! Estas são provações que agridem o corpo, que o deterio- ram lentamente. Este primeiro mal arrasta outros, que atingem o preso em todos os níveis de sua vida pessoal. (...) Bruscamente cortado do mun- do, experimenta um total distanciamento de tudo que conheceu e amou. Por outro lado, o condenado à prisão penetra num universo alienante, onde todas as relações são deformadas. A prisão re- presenta muito mais do que a privação da liberdade com todas as suas sequelas. Ela não é apenas a retirada do mundo normal da atividade e do afeto; a prisão é, também e principalmente, a entrada num universo artificial onde tudo é negativo. Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um sofrimento estéril. (...) O clima de opressão onipresente desvaloriza a autoestima, faz desaprender a comunicação autêntica com o outro, impede a construção de atitudes e comportamentos socialmente aceitá- veis para quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os ho- mens são despersonalizados e dessocializados”7 . As prisões brasileiras, recorda Daniel Sarmento, que já foram descritas por um Ministro da Justiça como “masmorras medievas”, “são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos hi- giênicos básicos”. E Sarmento prossegue descrevendo que “Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado. As instituições prisionais são comu- mente dominadas por facções criminosas, que impõem nas ca- deiras o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Po- der Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde, à seguridade social e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa mui- to a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Há mulheres em celas masculinas e outras que são obrigadas a dar à luz algemadas. Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos”8 . O cenário que se vê no Brasil inibe qualquer perspectiva oti- mista a respeito do encarceramento. O país transita – artificialmen- te – entre rebeliões e mutirões: as rebeliões para demonstrar que o sistema penitenciário não funciona, os mutirões para ocultar que o Poder Judiciário (também) não funciona como deveria funcionar. Prendemos cada vez mais. 1.2. Estatísticas do sistema penitenciário brasileiro Dados de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, comprovam que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking dos países com maior população prisional do mundo, já registrando mais de setecentas mil pessoas presas, tendo ultrapassado recentemente a Rússia, ficando atrás, agora, somente dos EUA (1º) e da China (2ª)9 . Para muitos, esta estatística não constrange nem diz algo de extraordinário, e isso porque o Brasil ocupa o quinto lugar no ran- king dos países com a maior população do mundo, de modo, então, que o encarceramento apenas estaria seguindo e acompanhando o ritmo de crescimento da população. No entanto, os céticos quanto ao aceleramento assustador do encarceramento no Brasil não con- seguem explicar o gráfico seguinte10 , que demonstra a variação da taxa de aprisionamento (presos por cem mil habitantes) nos quatro países com maior população prisional do mundo, entre 2008 e 2014: Este gráfico resume bem o cenário: o Brasil aposta cegamente na aceleração do encarceramento, sendo o único, entre os quatro países que mais prendem no mundo, que registrou uma elevação da taxa de aprisionamento nos últimos anos, enquanto os demais reduziram o número de presos por cem mil habitantes. Importante ressaltar que este colapso do sistema penitenciário brasileiro foi muito bem apresen- tado na ADPF 347, rel. min. Marco Aurélio, na qual o STF concedeu a medida cautelar em 09.09.2015 para, entre outros pontos, estabelecer que “Estão obrigados juízes e tribunais (...) a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando a apresentação do preso perante a autori- dade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”. 1.3. Perspectiva metodológica: a superação do abis- mo entre a teoria e a prática Um dos propósitos deste estudo é almejar a infiltração nos mais diversos ambientes de discussão em torno da audiência de custódia. Não atingiria esse objetivo com um discurso puramen- te teórico, que ignorasse as dificuldades e os desafios encontrados no dia-a-dia dos órgãos que trabalham direta ou indiretamente no sistema de justiça criminal. Da mesma forma, a minha pretensão estaria condenada ao insucesso se eu não me preocupasse com a sua justificação teórica, isto é, com a sua contextualização científica. Vale recordar a advertência de Conrado Hübner Mendes de que “Precisamos de teoria, em resumo, para que a prática seja inte- ligente, consciente do que está por trás das ações políticas coti- dianas, capaz de inserir tais ações num quadro mais amplo. O desprezo pela teoria redunda, mais frequentemente, numa má teoria (ou, raramente, numa boa teoria inconsistente e inarticu- lada), assim como o desprezo pela política nada mais é do que uma má atitude política”11 . Superar o abismo entre a teoria e a prática no campo penal, no- tadamente em se tratando do fenômeno do encarceramento, implica recuos estratégicos na apresentação e na sustentação dos discursos de liberdade. Enquanto eu escrevo essas linhas e você as lê, mais de meio milhão de pessoas estão encarceradas nos presídios brasilei- ros. Podemos ficar lamentando diante deste cenário, repetindo que a prisão provoca dor e sofrimento. A crítica, porém, por si só, embora de singular importância, não tem resolvido o problema, porquanto não raramente distancia os interlocutores dissidentes da ideia por ela encampada, dificultando um diálogo inclusivo sobre a pauta. Tem razão Luís Greco quando chama a atenção para o fato de que “Hinos de lamento nunca são escutados por muito tempo. Os juí- zes, em cujas mesas há pilhas de processos, têm de saber como o direito positivo deve ser aplicado. Se a doutrina do direito penal se ocupa apenas da crítica, mas nunca dos detalhes do trabalho dogmático, a prática acabará recorrendo ou às suas próprias ro- tinas internas, ou aos apologetas (...). A crítica acaba, assim, por paralisar-se a si mesma, porque ela fecha todos os caminhos para realizar suas propostas”12 . E Greco completa oraciocínio dizendo que o correto, diante deste cenário, parecer ser o meio termo, que, “(...) renunciando a quaisquer utopias – tanto as favoráveis quanto às contrárias ao legislador –, esforce-se no sentido de uma compreensão cuidadosa e detalhada dos problemas. Estes, por sua vez, não devem ser ocultados, e sim expostos com toda franqueza. Toda tentativa de solucioná-los deve buscar o ponto de equilíbrio entre os dois extremos, para chegar a resultados de um lado relevantes para a prática, e de outro não exclusivamen- te legitimistas”13 . Eu não chegaria a dizer que para conciliar a teoria com a prá- tica é preciso renunciar todas as utopias. Conforme dito anterior- mente, a utopia dos discursos de liberdade pode ceder espaço para recuos estratégicos, rumo à uma pragmática que, reduzindo os da- nos provocados pelo encarceramento, consiga promover a efetiva- ção dos direitos humanos. A utopia, conforme a conhecida lição de Eduardo Galeano, sempre deverá estar lá, no horizonte, nos obri- gando a que não deixemos de caminhar. Meu propósito parece se alinhar àquilo que Zaffaroni denominou de “criminologia cautelar”, que seria uma espécie de marcha além da crí- tica, mas por intermédio dela. Vejamos a lição do mestre argentino: “A criminologia passou por duas etapas diante dos massacres: a primeira foi de legitimação dos massacres, com o reducionismo biológico e as dissimulações posteriores, na qual viu os cadáve- res e os considerou normais. Em seguida, passou por uma etapa negacionista por omissão, na qual ninguém se ocupou do tema; nesta, os cadáveres foram silenciados. Essa etapa chega a seu fim, pois já é insustentável no mundo contemporâneo; é hora de encerrá-la e fazer uma mea culpa considerável. Chega-se, então, à terceira etapa, que é a que chamo de criminologia cautelar. (...) Não se trata de uma criminologia abolicionista, pois, como temos dito, isso implica um projeto de nova sociedade que nós, criminólo- gos, não estamos em condições de formular, ao menos enquanto tais. (...) A criminologia cautelar demandará um novo marco teórico, pois, para superar o negacionismo e chegar à cautela, é necessá- rio que reconheça que o poder punitivo e o massacrador têm a mesma essência – a vingança – e, mais ainda, que o massacre é o resultado do funcionamento do mesmo poder punitivo quando pretende fazer a contenção jurídica ir pelos ares. Sua tarefa será desenvolver os instrumentos para investigar e determinar, o mais precocemente possível, os sinais dessa rup- tura de limites de contenção e as condições ambientais dessa tenebrosa possibilidade”14 . Para que um discurso possa influenciar na mudança da prá- tica, é necessário que a sua justificação teórica seja honesta, que o pesquisador esteja preparado e disposto para discutir o seu projeto sem um apego excessivo a sua própria lógica. Dostoiévski dizia que “o ser humano é tão apaixonado pelo sistema e pela conclusão abstrata, que é capaz de fazer-se cego e surdo somente para justificar sua lógica”15 . Por outro lado, o pesquisador não deve ser covarde e abandonar as suas próprias convicções para ser aceito na comunidade recep- tora de sua pesquisa. Se o apego excessivo à utopia pode anular o potencial de infiltração do discurso, também a renúncia total do idealismo pode tornar o pesquisador um mero burocrata a servi- ço da legitimação do sistema. É preciso ter coragem para arriscar. Por isso que Nietzsche afirmava que “Nós, pesquisadores, como todos os conquistadores, todos os navegadores, todos os aventureiros, somos de uma moralidade audaciosa e devemos estar preparados para passar, no fim de tudo, por maus”16 . 1.4. Marcos teóricos A audiência de custódia não surge no cenário jurídico desco- nectada de uma contextualização na teoria do processo penal. E a teoria do processo penal, por sua vez, não se edifica senão a partir de uma considerável carga de ideologia. Muitos podem negar, ou- tros podem fingir, mas todos temos as nossas preocupações ideoló- gicas, que decorrem – principalmente, mas não apenas – do nosso local de fala. O objetivo desta abordagem sincera, portanto, conforme advertem Casara e Melchior, “é extrair uma reflexão desmistificadora da neutralidade do processo penal, cuja consequência é uma dogmática ‘objetiva’ e ‘fechada’, que nega a influência dos intérpretes, esconde sua re- ferência ideológica e impede a incorporação do sentimento democrático”17 . Com razão os autores, ainda, ao ressaltarem que “A consciência da dimensão política do processo penal é uma das principais condições à cons- trução de uma disciplina de conteúdo democrático e, consequentemente, de uma teoria apropriada à democratização do sistema de justiça criminal”18 . Conforme ressaltado no tópico anterior, o pensamento jurí- dico-penal deve abrigar, de um lado, o conhecimento teórico, e de outro, a experiência prática. Mas se o processo penal é pensado, aqui, a partir deste diálogo, e considerando, ainda, que não há es- paço para neutralidade no Direito, o quê determina os caminhos pe- los quais o pesquisador ou o aplicador da norma jurídica escolhe? Sendo mais objetivo: o quê intermedia o diálogo da teoria com a prática? A ideologia. Importante advertir que, da mesma forma que conceber o dis- curso jurídico-penal a partir de um dos extremos (teoria e prática) é danoso para o processo penal, também a cegueira ideológica deve ser evitada. O pesquisador/aplicador do Direito não pode confiar demasiadamente em si mesmo, deve desconfiar sempre das suas premissas, e mais ainda das suas conclusões. Este trabalho parte – principalmente – de dois marcos teóri- cos: (1) o processo penal como instrumento de contenção do poder punitivo; e (2) a superação do enclausuramento normativo interno como abertura aos direitos humanos. 1.4.1. O processo penal a serviço da contenção do po- der punitivo É possível processar e eventualmente punir alguém respei- tando os direitos humanos? Eis a pergunta que assombra e que ilu- mina o passado, o presente e o futuro do Direito Processual Penal, no Brasil e no mundo. Toda construção legislativa, doutrinária e jurisprudencial passa necessariamente pela busca por esta resposta. A história do processo penal, aliás, pode ser resumida numa ba- talha cultural, política e jurídica em torno daquela grande questão. Encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos à liberdade e à segurança consiste no maior desafio de quem se propõe a pensar o processo penal a partir dos direitos humanos. García Ramírez, na condição de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ad- vertiu para o fato de que “O processo e as prisões têm sido, são e talvez serão – oxalá que não fosse assim – cenários das mais reiteradas, graves e notórias violações dos direitos humanos. É hora de que se volte a olhar para esses cenários, constantemente denunciados e insuficientemente reforma- dos, para modificar-lhes radicalmente”19 . Durante muito tempo se afirmou que o processo penal era o conjunto de atos praticados em sequência para possibilitar a aplica- ção da lei penal. Metaforicamente, a lei penal seria o prego e o pro- cesso penal, o martelo. Não havia uma preocupação, ao menos como se propõe atualmente, de se atribuir ao processo penal (também) a função de garantir os direitos e as garantias fundamentais do acu- sado, de conter o poder punitivo20 . Daí porque Geraldo Prado tem razão ao dizer que não há exagero em comparar, ao menos na Amé- rica Latina, os juristas dedicados ao processo penal com repórteres fotográficos que atuam em zonas de conflito: “No Brasil, durante muito tempo a doutrina processual penal se dedicou a uma espécie de exercício de discrição teórica do funcionamento idealizado do sistema de justiça criminal. Repórteres fotográficos em áreas de conflito, nossos juristas pa- reciam preferir a condição de suposta neutralidade científica, que exerciam em teoria amparados por suas interpretações so- bre o positivismo jurídico e a separação entre direitoe moral, a atitude políticas claras de repúdio ao extermínio que o mesmo sistema protagonizava”21 . Conforme adverte Marcelo Semer, o Direito Penal (e o proces- so penal, acrescento) se afasta do arbítrio na medida em que serve como limite ao exercício do poder punitivo22 . Da mesma forma, ressalta Casara que “Não se pode esquecer que, ao menos no Estado De- mocrático de Direito, a função das ciências penais, e do processo penal em particular, é a de contenção do poder. O processo penal só se justifica como óbice à opressão. O desafio é fazer com que sempre, e sempre, as ciências penais atuem como instrumento de democratização do sistema de justiça criminal”23 . A esse respeito, bastante elucidativo se revela o pensamento do Papa Francisco, que, num dos seus discursos, após descrever o que denominou de “Sistemas penais fora de controle”, ressalta que: “Neste contexto, a missão dos juristas pode ser unicamente a de limitar e conter tais tendências. É uma tarefa difícil, em tempos nos quais muitos juízes e agentes do sistema penal devem de- sempenhar a sua tarefa sob a pressão dos meios de comunicação de massa, de alguns políticos sem escrúpulos e das pulsões de vingança que se insinuam na sociedade. Quantos têm tal res- ponsabilidade estão chamados a cumprir o seu dever, dado que não fazê-lo põe em perigo vidas humanas, que precisam de ser cuidadas com maior intrepidez de quanta se tem por vezes no cumprimento das próprias funções”24 . Conter ou limitar o poder punitivo não significa compactuar com a impunidade, e sim pugnar pelo respeito às regras proces- suais, constitucionais e convencionais que disciplinam a atividade do sistema de justiça criminal25 . Tal postura representa uma ativi- dade claramente contramajoritária na atualidade. Sempre foi assim e sempre o será. Encarar o processo penal desde este ponto de vista implica frearmos impulsos violentos, o que passa, necessariamente, por frustrar algumas expectativas sociais, de assumirmos uma pos- tura impopular. Sobre este propósito, eis a valiosíssima advertência feita por Rui Cunha Martins: ˜Por fim, o processo só será um verdadeiro operador de mu- dança enquanto conseguir assumir uma faceta tão impopular quanto imprescindível: ser um defraudador de expectativas. É bem verdade que, classicamente, o processo deve a segurança jurídica que dele se pode esperar da respectiva capacidade para estabilizar expectativas, sejam sociais, sejam normativas, sejam, mais prosaicamente, de justiça. Pouco importa. Essa conexão precisa ser repensada de acordo com o que é hoje o modo de produção de expectativas. Acompanhamos essa produção de- masiado de perto, ao longo deste trabalho, para nos limitarmos a esgrimir a frase feita da correspondência entre processo, certe- za do direito e expectativas sociais a respeito do mesmo. A ver- dade é que o processo, hoje, para ser devido e legal, tem todo o interesse em desligar a sua função dos atuais quadros de expec- tativa. Será essa uma das maiores glórias: pedirem-lhe sangue e ele oferecer contraditório”26 . A audiência de custódia, conforme veremos adiante, surge justamente neste contexto de conter o poder punitivo, de poten- cializar a função do processo penal – e da jurisdição – como instru- mento de proteção dos direitos humanos. 1.4.2. A superação do enclausuramento normativo interno Scarance Fernandes afirma que foram duas as linhas de ges- tação das normas processuais penais das convenções e dos tratados internacionais: “a primeira produziu regras de proteção dos direitos hu- manos com o intuito de estabelecer paradigmas para o processo penal justo; a segunda cunhou regras de matiz repressivo com o objetivo de estimular os Estados a instituírem preceitos destinados à persecução eficiente de de- terminados tipos de crimes”27 . O presente estudo está vinculado à pri- meira linha, de modo que a audiência de custódia se projeta como um paradigma internacionalmente aceito de processo penal justo. Trata-se, portanto, de procurar no DIDH algo que contribua para a limitação do poder punitivo, de abrir as ciências penais à irrupção dos direitos humanos28 . Tal objetivo somente será atingido se su- perarmos – de vez – o enclausuramento normativo interno ainda incentivado por grandes setores da doutrina e da jurisprudência nacionais29 . É hora de admitirmos que a nossa pirâmide normativa não mais se esgota na Constituição Federal, que a centralidade dos di- reitos humanos internacionalizou a jurisdição, obrigando a que to- dos os juízes façam não somente o controle de constitucionalidade das normas, mas também o controle de convencionalidade30 . AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA 2.1. Conceito e previsão normativa O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução da pessoa presa, sem demora, à presença de uma autoridade judi- cial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da le- galidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal31 , tratando-se de uma “das garantias da liberdade pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado”32 . A designação de tal procedimento como “audiência de cus- tódia” não encontra correspondência no Direito Comparado. Há, inclusive, quem prefira a expressão “audiência de garantia”33 e também quem considere mais adequada a expressão “audiência de apresentação”34 . Aqui utilizarei o termo “audiência de custódia” em razão de sua ampla acolhida não somente pela imprensa brasi- leira, mas também pelos instrumentos (judiciais e legislativos) que visam a sua implementação no Brasil. A previsão normativa da referida garantia é encontrada em di- versos tratados internacionais de direitos humanos. Vejamo-los. A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) pre- vê que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demo- ra, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)” (art. 7.5). O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), da mesma forma, estabelece que “Qual- quer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habi- litada por lei a exercer funções judiciais (...)” (art. 9.3). A Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), por sua vez, garante que “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (...)” (art. 5.3). E mais recentemente, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 8.766/2016, estabeleceu que “Toda pessoa privada de liber- dade deve ser mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e apresentada, sem demora e de acordo com a legislação interna respectiva, à autoridade judiciária competente” (art. XI)35 . Eventuais diferenças entre o texto dos referidos tratados in- ternacionais de direitos humanos serão oportunamente analisadas mais adiante. Por ora, importa dizer que o instrumento normativo que servirá, aqui, de principal base para as reflexões sobre a au- diência de custódia será a CADH, e isso por se tratar do tratado internacional que mais de perto vincula o Brasil. Antes de prosseguir, uma curiosidade. Desde 1965, o Código Eleitoral brasileiro já prevê uma espécie de audiência de custódia para os cidadãos que forem presos (nas hipóteses permitidas36 ) no período entre cinco dias antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição: “Ocorrendo qualquer prisão o preso será ime-diatamente conduzido à presença do juiz que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator” (art. 236, § 2º). Veja-se, pois, que a consideração de tal ato como sendo uma au- diência de custódia justifica-se pela sua vinculação expressa à apre- ciação pelo juiz da legalidade da prisão, o que não parece excluir que por ocasião da audiência o juiz verifique também a necessidade da prisão, assim como exerça um controle de custódia/proteção do direito à integridade física do cidadão conduzido. Semelhante hipótese é encontrada no art. 287 do CPP, que dispõe: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado”. Aqui, porém, não há uma audiên- cia de custódia propriamente dita, mas apenas uma “audiência de apresentação”, cuja finalidade é menos ampla do que a daquela, eis que se limita à provar para o conduzido que contra ele havia sido expedido um mandado de prisão37 . Outra hipótese de “audiência de apresentação”, e não de au- diência de custódia, portanto, está prevista no art. 175 do ECA, que dispõe: “Em caso de não liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, junta- mente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência”. Tal ato não se confunde com a audiência de custódia por duas razões: pri- meiro, não é realizado na presença de autoridade judicial38 , mas perante o Ministério Público, e, segundo, a atividade do MP neste procedimento se revela incapaz de, sozinha, reparar qualquer tipo de ilegalidade na apreensão do adolescente ou fazer cessá-la ante sua desnecessidade, ou, ainda, de custodiar o adolescente vítima de eventual violência ou maus tratos, e isso porque, entendendo por arquivar o expediente ou conceder a remissão (art. 179, § único, incisos I e II, do ECA), o que acarretaria a liberação do adolescen- te, ainda assim tal ato ficaria condicionado à homologação judicial (art. 181 do ECA)39 . Diversamente, pode-se encontrar alguma pos- sibilidade de audiência de custódia no art. 171 do ECA, que dispõe que “O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde logo, encaminhado à autoridade judicial”, ainda que parte da doutrina se empenhe em esvaziar a potencialidade desta norma40 . Em suma, temos que o conceito dado à audiência de custódia está totalmente vinculado à sua finalidade (assunto do tópico seguin- te), não podendo se confundir com a mera “audiência de apresenta- ção”, pois sua previsão nos tratados internacionais de direitos huma- nos já citados somente se justifica na possibilidade de servir-se como um instrumento de controle judicial imediato da prisão. 2.2. Finalidades A principal e mais elementar finalidade da implementação da audiência de custódia no Brasil é ajustar o processo penal brasilei- ro aos tratados internacionais de direitos humanos41 . Tal premis- sa implica considerar que as finalidades da audiência de custódia, ainda que não convençam os seus opositores, não os desobriga de observar o seu cumprimento. Pouca ou nenhuma importância teria o DIDH se cada país dispusesse de uma “margem de apreciação”42 a respeito da utilidade dos direitos e garantias veiculados nos trata- dos a que – voluntariamente – aderiram. Outra finalidade da audiência de custódia se relaciona com a prevenção da tortura policial, assegurando, pois, a efetivação do direito à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade. Assim, prevê o art. 5.2 da CADH que “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à digni- dade inerente ao ser humano”. O expediente, anota Carlos Weis, “au- menta o poder e a responsabilidade dos juízes, promotores e defensores de exigir que os demais elos do sistema de justiça criminal passem a trabalhar em padrões de legalidade e eficiência”43 . Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que a apresentação imediata ao juiz “é essencial para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade pessoal”, advertindo que “O simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não sa- tisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e apre- sentar sua declaração ante o juiz ou autoridade competente”44 . Noutro precedente, a Corte IDH, dialogando com a jurisprudência da Cor- te Europeia de Direitos Humanos, ressalta que “A pronta intervenção judicial é a que permitiria detectar e prevenir ameaças contra a vida ou sérios maus tratos, que violam garantias fundamentais também contidas na Convenção Europeia (...) e na Convenção Americana”, concluindo, em seguida, que “Estão em jogo tanto a proteção da liberdade física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto no qual a ausência de garantias pode resultar na subversão da regra de direito e na privação aos detidos das formas mínimas de proteção legal”45 . Da mesma forma, em caso envolvendo a morte de um menino por policiais do Estado do Rio de Janeiro em 1992, a Comissão Inte- ramericana de Direitos Humanos (CIDH) censurou o Brasil por não garantir a audiência de custódia à vítima, concluindo que esta foi privada de sua liberdade de forma ilegal, “sem que houvesse qualquer motivo para sua detenção ou de qualquer situação flagrante. Não foi apre- sentado imediatamente ao juiz. Não teve direito de recorrer a um tribunal para que este deliberasse sobre a legalidade da sua detenção ou ordenasse sua liberdade, uma vez que foi morto logo após sua prisão. O único propó- sito da sua detenção arbitrária e ilegal foi mata-lo”46 . Esta finalidade da audiência de custódia, de agir na prevenção da tortura, também foi ressaltada pela Comissão Nacional da Ver- dade (CNV), cujo relatório final veiculou, entre as recomendações, a “Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992”47 . Ao implementar a au- diência de custódia no ordenamento jurídico pátrio, o Brasil cumpre, ainda, um compromisso internacional48 de tomar “medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdi- ção” (art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes49 ). Obviamente, porém, que não se pode esperar que a audiência de custódia, sozinha, elimine a tortura policial, uma prática que não apenas atravessou todo o período ditatorial, mas continua presente na democracia pós-Constituição Federal de 198850 , agindo como uma espécie de “sistema penal subterrâneo”51 , aprovada por con- siderável parte da opinião pública e de agentes de segurança52 . No entanto, a medida pode contribuir para a redução da tortura poli- cial num dos momentos mais emblemáticos para a integridade físi- ca do cidadão, o qual corresponde às primeiras horas após a prisão, quando o cidadão fica absolutamente fora de custódia, sem proteção alguma diante de (provável) violência policial53 . Garantindo-se a apresentação imediata, ou, ainda, “sem de- mora”, a audiência de custódia pode eliminar – pelo menos – a vio- lência policial praticada no momento da abordagem no flagrante e nas horas seguintes, pois os responsáveis pela apreensão/condução do preso terão prévia ciência de que qualquer alegação de tortura poderá ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade judicial, da defesa (pública ou privada) e do Ministério Público, na realizaçãoda audiência de custódia. Para se avançar na proteção da integridade física e psíquica do cidadão conduzido para a audiência de custódia, o ideal seria que, finalizada a audiência, não havendo liberação imediata (por relaxamento da prisão ou não conversão do flagrante em preventi- va, ou, ainda, por pagamento de fiança), aquele fosse levado para unidade prisional “adequada”, e não retornar para carceragens ou cadeias públicas supervisionadas pela Polícia Civil. Sobre esse pon- to, aliás, já se manifestou o Comitê de Direitos Humanos da ONU54 , no sentido de que a conversão do flagrante em preventiva “não deve implicar uma volta à detenção policial, mas sim a detenção numa instalação separada, sob uma autoridade diferente, porque a continuação da detenção policial cria um risco demasiado grande de maus tratos”55 . Para encerrar os comentários desta finalidade da audiência de custódia, ressalto que não se trata de uma crítica generalizada ao trabalho desempenhado pela Polícia. Os bons policiais, que res- peitam a integridade física e psíquica dos cidadãos presos, não têm porque temer a apresentação do preso à autoridade judicial. Os maus, porém, que, espera-se sejam a minoria, se autodenunciarão ao se manifestarem contra a medida. Uma terceira finalidade da audiência de custódia pode ser identificada no seu propósito de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo, desnecessárias. O juízo a ser realizado na audiência de custódia pode ser considerado, portanto, conforme a lição de Badaró, um juízo “complexo ou bifronte”, já que “Não se destina apenas a controlar a legalidade do ato já realiza- do, mas também a valorar a necessidade e adequação da prisão cautelar, para o futuro. Há uma atividade retrospectiva, voltada para o passado, com vista a analisar a legalidade da prisão em flagrante, e outra, prospectiva, projetada para o futuro, com o escopo de apreciar a necessidade e adequação da manutenção da prisão, ou de sua substituição por medida alternativa à pri- são ou, até mesmo, a simples revogação sem imposição de me- dida cautelar”56 . Assim, já decidiu a Corte IDH que “O controle judicial imediato é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das deten- ções, tomando em conta que num Estado de Direito corresponde ao julga- dor garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção, quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, que se trate o investigado de maneira coerente com a presunção de inocên- cia”57 . Da mesma forma, após ressaltar a especial vulnerabilidade do preso, a Corte IDH já advertiu que “o juiz é garante dos direitos de toda pessoa que esteja na custódia do Estado, pelo que lhe corresponde a tarefa de prevenir ou fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias e ga- rantir um tratamento conforme o princípio da presunção de inocência”58 . Esta terceira finalidade da audiência de custódia, de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou desnecessárias, mostra-se bastante útil também para a pronta identificação dos casos mais graves que ensejam a aplicação da prisão domiciliar, a exemplo de quando o agente for extremamente debilitado por motivo de doença grave ou quando se tratar de gestante. Embora o art. 318 do CPP exija “pro- va idônea” da ocorrência destas situações, certamente haverá casos nos quais a mera constatação visual/presencial do estado da pessoa permitirá que, homologado o flagrante e convertida a prisão em preventiva, esta seja substituída por prisão domiciliar. Contrariaria o bom senso a condução de uma mulher em estágio avançado de gravidez para a unidade prisional apenas porque não se dispõe, ali, na audiência de custódia, do documento médico atestando suas condições pessoais59 . Ainda a propósito desta finalidade, a exigência da audiência de custódia contribui diretamente para a prevenção de desapare- cimentos forçados e execuções sumárias, tendo sido este, aliás, o motivo que levou a Corte Interamericana a analisar pela primeira vez o direito à apresentação imediata à autoridade judicial, no jul- gamento do caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras, em 198860 . De tão importante que é a apresentação do preso ao juiz, a Corte Interamericana já decidiu, inclusive, que tal direito não pode ser anulado nem na hipótese de estar vigorando no país algum ex- pediente normativo de suspensão de garantias, considerando que, ao agir desta maneira, o Estado estará violando a CADH61 . A esse propósito, recordemos que a Convenção Americana prevê em seu art. 27.1 a possibilidade excepcionalíssima de “suspensão de garan- tias”62 , dispondo que “Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incom- patíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social”. E o art. 28 da CADH, por sua vez, elenca os direitos que não são passíveis de suspensão, entre os quais não está o direito à liberdade pessoal previsto no art. 763 . Assim, decidiu a Corte IDH, portanto, que ainda que o direito à liberdade pessoal possa ser suspenso, permanece a obrigação do Estado de apresentar o preso prontamente à autoridade judicial64 . Compreendidas as finalidades da audiência de custódia, veja- mos agora a definição de suas características. 2.3. Definição de suas características A redação dos tratados internacionais de direitos humanos que cuidam da audiência de custódia, a exemplo da CADH, que es- tudaremos de forma mais específica, apresenta algumas expressões que exigem certa atividade interpretativa para que seja alcançado o seu real conteúdo normativo. Embora não seja um dos propósitos deste trabalho aprofundar na disciplina da interpretação dos direi- tos humanos, podemos seguir com a tranquilidade de que pratica- mente há um consenso na doutrina especializada de que tal ativida- de interpretativa deve se dar a partir de três critérios: o da máxima efetividade, o da interpretação pro homine e o princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo. Vejamos uma brevíssima explicação sobre cada um destes critérios: “O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de determinado direito conduza ao maior proveito do seu titular, com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão. A máxima efetividade dos direitos humanos con- duz à aplicabilidade integral desses direitos, uma vez todos seus comandos são vinculantes. Também implica a aplicabilidade direta, pela qual os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados podem incidir diretamente nos casos concretos. Finalmente, a máxima efetividade conduz à aplicabilidade ime- diata, que prevê que os direitos humanos incidem nos casos con- cretos, sem qualquer lapso temporal. Já o critério da interpretação pro homine exige que a interpreta- ção dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo. Grosso modo, a interpretação pro homine implica reco- nhecer a superioridade das normas de direitos humanos, e, em sua interpretação ao caso concreto, na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo. (...) Na mesma linha do critério pro homine, há o uso do princípio da prevalência ou primazia da norma mais favorável ao indivíduo, que defende a escolha, no caso de conflito de normas (quer nacionais ou internacionais) daquela que seja mais benéfica ao indivíduo. Por esse critério, não importa a origem (pode ser uma norma internacional ou nacional), mas sim o resultado: o benefício ao indivíduo. Assim, seria novamente cumprindo o ideal pro homi- ne das normas de direitos humanos”65 . Assim, com basenestes três critérios de interpretação, anali- semos as expressões de conteúdo aberto previstas na CADH. 2.3.1. O que deve ser entendido por “sem demora”? A CADH utiliza a expressão “sem demora” para se referir ao aspecto temporal entre a captura do preso e a sua condução até a autoridade judicial. Embora exista, conforme registra Badaró66 , al- guma controvérsia a respeito da tradução do texto original da Con- venção, a exemplo do que ocorre na versão em inglês, que utiliza a expressão promptly (“prontamente”), os sentidos são bastante pró- ximos e partiremos, aqui, da expressão encontrada tanto na versão espanhola quanto no texto promulgado no Brasil: “sem demora”. Antes, ainda, de avançarmos para o conteúdo da referida ex- pressão, importante considerar, com Weis e Junqueira, que a Corte Interamericana, na interpretação que faz do art. 7.5 da CADH, ob- serva primeiro a legislação interna do país caso esta fixe um prazo para tal apresentação, fazendo, depois, dois juízos: “um quanto ao respeito ao prazo estabelecido pelo próprio país, logicamente considerando violado o preceito da apresentação célere se for descumprida a legislação local, e, outro, quanto à razoabilidade deste mesmo prazo, em face da Con- venção Americana sobre os Direitos Humanos”67 . Disso chegamos à elementar conclusão de que o prazo fixado na legislação interna não encerra o juízo de avaliação sobre o cumprimento da garantia, e isso porque a expressão “sem demora” deve ser entendida como um conceito autônomo da CADH, cujo alcance não pode ficar li- mitado – apenas – à atividade legislativa interna68 . Em suma: se o prazo fixado na legislação nacional for razoável e compatível com a CADH, o seu desrespeito poderá ensejar a violação tanto do art. 7.2 (“Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas cau- sas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”) como do art. 7.5, mas se o prazo da legislação interna for incompatível com a melhor interpretação que se espera da expressão “sem demora”, o seu desrespeito ensejará a violação apenas do art. 7.5, não havendo que se falar em violação do art. 7.2, pois a prisão terá observado o ordenamento jurídico do país. Pois bem. Há um consenso na jurisprudência dos tribunais in- ternacionais de direitos humanos no sentido de que a definição do que se entende por “sem demora” deverá ser objeto de interpretação con- forme as características especiais de cada caso concreto69 , havendo, assim, diversos precedentes tanto da Corte Interamericana70 quanto da Corte Europeia de Direitos Humanos71 . No entanto, é possível en- contrar algum “parâmetro” na jurisprudência internacional, que tem potencializado bastante a expressão “sem demora” para atribuir-lhe um significado condizente com as finalidades da garantia. No âmbito regional americano, a Corte Interamericana já de- cidiu, p. ex., que viola a CADH a condução do preso à presença da autoridade judicial nos seguintes lapsos temporais após a prisão: quase uma semana72 , quase cinco dias73 , aproximadamente trinta e seis dias74 , vinte e três dias75 , dezessete dias76 , quase seis meses77 , quase dois anos78 , entre outros. Por outro lado, a Corte IDH, no Caso López Álvarez vs. Honduras, decidiu que o Estado demandado não violou a CADH, eis que o preso teria sido apresentado à au- toridade judicial no dia seguinte à sua detenção79 . Assim, pode-se concluir, por ora, isto é, até que surjam outros precedentes, que a Corte IDH considera que a expressão “sem demora” prevista no art. 7.5 da Convenção não é violada quando o preso é apresentado à autoridade judicial no prazo de um dia após a prisão. No âmbito regional europeu, a Corte Europeia de Direitos Humanos parece admitir que a apresentação se dê, no máximo, en- tre três a quatro dias após a prisão, havendo poucas variações para um pouco mais ou um pouco menos na análise que alguns estudio- sos já fizeram da sua jurisprudência80 . E no âmbito global, o Comitê de Direitos Humanos da ONU já se manifestou que “um prazo de 48 horas é normalmente suficiente para trasladar a pessoa e preparar para a audiência judicial; todo prazo su- perior a 48 horas deverá obedecer a circunstâncias excepcionais e estar jus- tificado por elas”, completando, ainda, que “no caso de menores deverá aplicar-se um prazo especialmente restrito, por exemplo de 24 horas”81 . Finalmente, considerando que o CPP brasileiro já prevê o pra- zo de vinte e quatro horas para que seja encaminhado o auto de prisão em flagrante ao juiz competente (art. 306, § 1º), me parece razoável adotar-se o mesmo lapso temporal para a apresentação do preso à autoridade judicial82 . Este também tem sido o prazo estabe- lecido nos instrumentos normativos relacionados à matéria, como o PLS 554/2011 e a Resolução 213/2015 do CNJ, que serão analisados mais a frente83 . Obviamente que haverá casos em que, por algu- ma razão (devidamente justificada e comprovada), tal regra será excepcionada, cenário que exigirá da doutrina e da jurisprudência um cuidado especial para que a exceção não se torne a regra e, ain- da, para que, mesmo nos casos excepcionais, não seja superado o limite de no máximo três a quatro dias após a prisão84 . Importante ressaltar aqui, porém, que não sendo realizada a apresentação do preso ao juiz no prazo de vinte e quatro horas (regra), o juízo de legalidade/necessidade da prisão não poderá ser adiado, devendo a autoridade judicial decidir conforme o art. 310 do CPP85 e, poste- riormente, ratificar ou alterar tal decisão quando da realização da audiência de custódia. 2.3.2. A quem o preso deve ser apresentado? Além de naturalmente estabelecerem que o preso deverá ser conduzido à presença de um “juiz”, os tratados que regulamentam a matéria se valem de uma extensão conceitual para prever, tam- bém, que o ato poderá ser feito na presença de “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais” (CADH, art. 7.5), “ou- tra autoridade habilitada por lei a exercer funções judicias” (PIDCP, art. 9.3) e “outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais” (CEDH, art. 5.3). Assim, pergunta-se: a audiência de custódia pode ser realizada por outra autoridade que não seja o juiz? A discussão não tem muito sentido no Brasil86 . Se a apresen- tação do preso cumpre finalidades relacionadas à prevenção da tor- tura e de repressão a prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias, a autoridade responsável pela audiência de custódia deve ter in- dependência, imparcialidade e, sobretudo, poder para fazer cessar imediatamente qualquer tipo de ilegalidade. Justamente por esta razão é que a Corte Interamericana interpreta o art. 7.5 da CADH em conjunto com o art. 8.1 da mesma Convenção, que assegura o direito de toda pessoa de “ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independen- te e imparcial (...)”87 . Desta forma, se a apresentação do preso ao juiz cumpre a finalidade precípua de promover um controle judicial imediato da prisão, a autoridade que deve presidir audiências de custódia no Brasil somente pode ser o magistrado, sob pena de se esvaziar ou reduzir em demasia a potencialidade normativa da ga- rantia prevista no art. 7.5 da CADH. Embora a conclusão seja bastante clara, vejamos brevemente porque os membros do Ministério Público, da Polícia e da Defenso- ria Pública não satisfazem as exigências do art. 8.1 da CADH. O papel desempenhado pelo Ministério Público na persecu- ção e no processo penal é importantíssimo. Pimenta Bueno já ad- vertia que “As leis penais não têm vida senão pela ação dele [do Ministé- rio Público]”88 . A natureza do envolvimento do Ministério Público com a persecução acusatória, porém, retira da instituição qualquer tentativa de ser compreendida como “parte imparcial”89 , algo que definitivamente não se ajusta ao processo penal de natureza acu-
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