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NATAL/RN 2014 LIEGE MONIQUE FILGUEIRAS DA SILVA Esporte como experiência estética e educativa: uma abordagem fenomenológica UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA ESTRATÉGIAS DO PENSAMENTO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA ESTRATÉGIAS DO PENSAMENTO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO LIEGE MONIQUE FILGUEIRAS DA SILVA Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: uma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológica NATAL – RN 2014 LIEGE MONIQUE FILGUEIRAS DA SILVA Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: uma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológica Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino. NATAL – RN 2014 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Silva, Liege Monique Filgueiras da. Esporte como experiência estética e educativa: uma abordagem fenomenológica/ Liege Monique Filgueiras da Silva. - Natal, RN, 2014. 189 f. : il. Orientadora: Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Educação. 1. Esporte – Tese. 2. Educação física - Tese. 3. Estética – Tese. 4. Corpo – Tese. I. Porpino, Karenine de Oliveira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 796.01:37 LIEGE MONIQUE FILGUEIRAS DA SILVA Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: Esporte como experiência estética e educativa: uma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológicauma abordagem fenomenológica Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Educação, sob a orientação da Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino. Aprovado em: _____ / _____ / _____ BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Dra. Karenine de Oliveira Porpino – UFRN (Presidente da banca) _______________________________________________________ Dra. Terezinha Petrucia da Nóbrega – UFRN (Examinadora interna) _______________________________________________________ Dr. José Pereira de Melo – UFRN (Examinador interno) _______________________________________________________ Dr. Iraquitan de Oliveira Caminha – UFBP (Examinador externo) _______________________________________________________ Dr. Edilson Fernandes de Souza – UFPE (Examinador externo) _______________________________________________________ Dr. Eduardo Anibal Pellejero - UFRN (Suplente interno) _______________________________________________________ Dra. Elaine Melo de Brito Costa - UEPB (Suplente externo) Aos meus pais e a minha orientadora Karenine Porpino, pelo apoio incondicional, força e confiança sem igual. A vocês, minha eterna gratidão, admiração, amor e respeito. Ao quebrar o silêncio a linguagem realiza o que o silêncio pretendia e não conseguiu obter. Maurice Merleau-Ponty Agradecimentos Embora a elaboração de uma tese seja, pela sua finalidade acadêmica, um trabalho autoral, esta escrita está longe de ser o resultado de uma atividade individual. Certamente, ela se concretizou com a colaboração de inúmeras pessoas, que, de modos diferentes, foram importantes para que eu conseguisse chegar até aqui. E, por essa razão, desejo expressar os meus sinceros agradecimentos: A Deus, por me amparar nos momentos difíceis, por me mostrar os caminhos nas horas incertas e por me haver proporcionado a felicidade de encarar com coragem e determinação a concretização deste sonho. A painho, Luiz Silva, homem valente que nos últimos anos lutou pela vida. Obrigada por todo investimento e toda dedicação que, em sua capacidade de amor maior, proveu a mim o seu melhor. Viva muito que nossa estrada é longa. À mainha, Rosário Sena, sua valentia em não desistir dos seus sonhos e audácia diante da vida são exemplos para mim. Obrigada por sua alegria, sabedoria e palavras de incentivo que contagiam meu coração e iluminam meu caminhar. Eu amo vocês! Aos meus familiares e amigos, que, entendendo minhas ausências em muitos momentos, sempre incentivaram meus estudos e a concretização desta tese. E ainda, meus filhos peludos, Romeu e Kika, por alegrarem os meus dias e me fazerem companhia quando, inevitavelmente, eu precisava estar somente com vocês. Ao meu grande mestre e amigo, professor Flávio Tinôco, por ter me possibilitado descobrir a beleza e o prazer de jogar handebol. Às minhas parceiras de quadra, pelos momentos compartilhados, pelos confrontos e pelas alegrias. E não menos importante, a todos os clubes onde atuei, técnicos com que convivi, os torcedores dos mais diversos e a todas as adversárias, pois, mesmo sem saber, vocês marcaram a minha existência e me fizeram escrever esta tese. Às professoras Ceiça Alves, Maria Pinto, Ana Maria, Rosinete e Dalvanir da Escola Municipal Angélica Moura e do CMEI José Carlos, pela amizade e pelo apoio inestimável na realização desta pesquisa. A Karenine Porpino, minha orientadora desde a graduação, obrigada pelo seu conhecimento, sabedoria e paciência de me fazer ir além do que eu imaginava. Você me fez ser uma pessoa melhor, uma profissional mais dedicada e uma pesquisadora mais sensível e apaixonada. Obrigada por ter acreditado em mim quando nem eu mesma acreditava. Hoje, fechamos juntas um ciclo de trabalho que certamente, permanecerá aberto à amizade e às novas parcerias que daqui para a frente espero estarem abertas para nós. Amo você! À professora Petrucia Nóbrega, pessoa que admiro pelo conhecimento, profissionalismo e generosidade em compartilhar tudo o que sabe. Obrigada por ter mudado minhas concepções e ter transformado meus objetivos profissionais ainda no início da graduação e por ter contribuindo sempre na minha formação. Certamente, você faz parte desta escrita. Aos professores Iraquitan Caminha e José Pereira, pelas desveladoras contribuições ao longo desse processo. Esta escrita também tem muito de cada um de vocês. E ainda, aos professores Edilson Costa, Eduardo Pellejero e Elaine Costa pela disponibilidade em compartilhar comigo esta escrita. Sinto-me privilegiada. Ao Grupo ESTESIA e ao laboratório VER do Departamento de Educação Física da UFRN, na figura da professora Rosie Marie, pelo apoio nessa caminhada, pela infraestrutura,pelo acesso à leitura diversa e pela oportunidade de participar das valiosas atividades tão significativas na minha formação e tão necessárias para a elaboração desta tese. E, ainda, aos demais parceiros institucionais pelos seminários realizados na UFRN com professores Jacques Gleyse (Université de Montpellier) e Carmem Soares (UNICAMP) e na UFPB com os demais colegas e professores, os quais consistiram em uma parte muito importante do desenvolvimento desta tese. Muito Obrigada! À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial, ao Programa de Pós-graduação em Educação, alunos, funcionários e professores, pelo compromisso, credibilidade e seriedade na formação de mestres, doutores e pesquisadores. À Capes, pela bolsa de estudos que possibilitou o apoio financeiro necessário para a realização desta tese. À Andreia e a Fernando, pelo brilhante serviço profissional na revisão e arte do trabalho. Enfim, a todos os que, de forma direta ou indireta, contribuíram para a realização deste trabalho. Muito obrigada! Resumo Este trabalho trata do esporte como possibilidade de vivência do sensível e defende a tese de que a prática esportiva é uma experiência estética e educativa, em que se opera o sensível pelas sensações reverberadas no corpo do atleta, na dimensão do vivido. Buscamos responder nesta pesquisa as seguintes questões: O que sensibiliza o atleta na vivência do esporte? Quais são os sentidos e os significados vividos no esporte que fazem o atleta vivenciar essa prática? Como a experiência do atleta pode ser pensada como educação? Objetivamos discutir o esporte a partir da dimensão do vivido, buscando compreender os significados conferidos à prática esportiva e à experiência estética do atleta como educação. Para traçarmos essa argumentação, o enfoque da tese é de natureza teórico-filosófica, pautada em pensamentos como os de Merleau-Ponty, Walter Benjamin, Marcel Mauss e Friedrich Schiller. Para tal, apoiamo-nos na fenomenologia do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, tendo como referência o mundo vivido do atleta e a experiência da prática esportiva como campo do sensível. Iniciamos a reflexão com a narrativa de experiências esportivas, a partir de cinco elementos estéticos: tempo- espaço do corpo em quadra, o olhar no contexto esportivo, o contato com o adversário, a vitória e a derrota e o gesto técnico. Junto a isso, fizemos uma apreciação estética dos filmes “Olympia” e “Invictus”, por meio dos quais discutimos três categorias temáticas: a sensibilidade, as emoções e o paradoxo do jogo. Posteriormente, apresentamos o esporte como potencializador de uma educação sensível, manifesta nos processos corporais, do corpo em movimento. Conforme ficou evidenciado ao longo deste estudo, buscamos o alcance de uma reflexão sobre o esporte centrada no corpo do atleta como abertura ampla dos sentidos para as coisas do sensível, cujo viver estético transpõe qualquer concepção determinista, que resuma o mundo esportivo à mercantilização, à disciplinarização e ao mecanicismo. Esse entendimento aponta caminhos para a Educação Física, que, tendo como um dos conteúdos o esporte, pode permitir aos alunos o prazer de participar dos gestos construídos, coletivamente, por todos que se colocam em jogo, incorporando a capacidade do repetir, do refazer e do brincar como campo de possibilidades de uma educação que é móvel, sensível e se inscreve no corpo em movimento. Palavras-chave: Esporte. Educação. Corpo. Estética. Abstract This paper deals with sport as a possibility of disclosing the sensible, and defends the idea that being a sportsperson equals living an aesthetic and educative experience in which one can interacts with the sensible by the athletic body’s reverberation of sensations in the dimension of the experienced. We try to answer, in our work, basically three questions: what moves the athlete when practicing a sport? Which are the meanings and motivations for the practice of sports? At what measure the athlete’s experience gains an educational character? Sport is debated in this work as an extension of the living, as long as it tries to understand the meanings inherent to sport itself as well as to the sportive experience as a kind of education. In support of our argument, we give a theoretic and philosophical approach to our thesis, based on thinkers like Maurice Merleau-Ponty, Walter Benjamin, Marcel Mauss and Friedrich Schiller. For this purpose, we get support on the phenomenology of the French philosopher Maurice Merleau-Ponty. Our reference is the living world of the athlete and his experience as a field of the sensible. Our point of departure is the analysis of the narratives of sport experiences, including five aesthetic elements; time and space of the body in the sports courts; the look on the sportive context; the contact with the adversary; victory and defeat; the technical gesture. Besides it, we worked out an aesthetic evaluation of the movies “Olympia” and “Invictus”, what let us discuss three thematic categories: sensibility, emotions and the play paradox. Subsequently, we point sport as an optimizer of the sensible education, present on the body’s processes, like the body in movement. It was also made clear along this paper that we tried to accomplish an analysis on sports centered in the athlete’s body as an outfit of the senses to things related to the sensible, whose aesthetic experience overpasses any deterministic conception that should sum up the sportive world to mercantilization, discipline practices and mechanicism. This approach franchises gateways to a Physical Education which, containing sports as one of its support, let pupils enjoy the pleasure of constructing common objectives, incorporating the capacity of replicating, re-making and playing as a field of possibilities offered by an education characterized as being moving, sensible and fitful to a body in movement. Key-words: Sport. Education. Body. Aesthetics. Resumen El presente trabajo trata sobre el deporte como posibilidad de vivencia del sensible y defiende la tesis de que la práctica deportiva es una experiencia estética y educativa en la cual se opera lo sensible por medio de las sensaciones reverberadas en el cuerpo del atleta, en la dimensión del vivido. El estudio busca responder a las siguientes cuestiones: ¿Que cosa sensibiliza el atleta en la vivencia del deporte? ¿Cuáles son los sentidos y los significados vividos en el deporte que hacen los atletas tener vivencia de esas prácticas? ¿Como la experiencia del atleta puede ser pensada como educación? Discutimos sobre el deporte desde la dimensión del vivido, tratando de comprender los significados conferidos a la práctica deportiva y a la experiencia estética del atleta como educación. Para impulsar ese argumento, nuestra tesis presenta un enfoque de naturaleza teórico-filosófica, asentado en pensamientos de Merleau-Ponty, Walter Benjamin, Marcel Mauss y Friedrich Schiller. Para ello nos basamos en la fenomenología del filósofo francés Maurice Merleau-Ponty, teniendo por referencia el mundo vivido del atleta y la experiencia de la práctica deportiva como campo del sensible. Comenzamos la reflexión con la narrativa de experiencias deportivas desde cinco elementos estéticos: tiempo- espacio del cuerpo en la cuadra, la mirada en el contexto deportivo, contacto con el adversario, la victoria y la derrota, y el gesto técnico. Junto a eso hicimos una evaluación estética de los filmes “Olympia” e “Invictus”, y por medio de ella hemos discutido sobre tres categorías temáticas: la sensibilidad, las emociones y el paradojo del juego. Después presentamos el deporte como potenciador de una educación sensible, manifiesta en los procesos corporales, del cuerpo en movimiento. Como ya se ha señalado en el curso de este estudio, buscamos el alcance de una reflexión sobre el deporte centrada en el cuerpo del atletacomo apertura amplia de los sentidos para las cosas del sensible cuyo vivir estético transpone cualquier concepción determinista que resuma el mundo deportivo a la mercantilización, la disciplinarización y al mecanicismo. Ese entendimiento apunta caminos para la Educación Física que, tiendo como uno de sus contenidos el deporte, pueda permitir a los estudiantes el placer de participar de los gestos construidos colectivamente por todos que se ubican en juego, incorporando la capacidad del repetir, del rehacer y del jugar como campo de posibilidades de una educación que es mueble, sensible y se inscribe en el cuerpo en movimiento. Palabras-claves: Deporte. Educación. Cuerpo. Estética. Lista de Fotografias Fotografia 01 – Infinidade de lembranças Fonte: Arquivo da autora, 1998 ------------------------------------------------------------------- 37 Fotografia 02 – Tempo-espaço do corpo Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 42 Fotografia 03 – O olhar que habita o jogo Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 50 Fotografia 04 – Contato com as adversárias Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 62 Fotografia 05 – O peso da derrota Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 71 Fotografia 06 – Pan-americano 2001 Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 72 Fotografia 07 – A leveza da vitória Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 73 Fotografia 08 – Gesto técnico do arremesso Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 82 Fotografia 09 - Expressões do arremesso Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 83 Fotografia 10 – Salto para o gol Fonte: http://www.cbdu.org.br, 2011 ------------------------------------------------------------ 84 Fotografias 11 e 12 – Nelson Mandela e François Pienaar Fonte: Invictus. Cena 5, 2009 --------------------------------------------------------------------- 99 Fotografias 13 e 14 – Equipe All Blacks Fonte: Invictus, Cena 22, 2009 ----------------------------------------------------------------- 101 Fotografias 15 e 16 – Equipe Sprinboks Fonte: Invictus, Cena 22, 2009 ----------------------------------------------------------------- 101 Fotografias 17 e 18 – Capitão Pienaar incentivando sua equipe Fonte: Invictus, Cena 24, 2009 ----------------------------------------------------------------- 102 Fotografias 19 e 20 – Deuses gregos Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 1, 1938 -------------------------------------------- 103 Fotografias 21 e 22 – Discóbulo vivificando Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 2, 1938 -------------------------------------------- 104 Fotografias 23 e 24 – Performance e passagem da tocha olímpica Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 3, 1938 -------------------------------------------- 104 Fotografias 24 e 25 – Atleta negro Jesse Owens Fonte: Olympia. Festa do povo, cena 9, 1938 ---------------------------------------------- 106 Fotografias 26 e 27 – Provas na terra Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 5, 1938 -------------------------------------------- 107 Fotografias 28 e 29 – Provas no ar e nas águas Fonte: “Olympia”, Festa da beleza, cena 11, 1938 ---------------------------------------- 108 Fotografias 30 e 31 – Lampejos de emoção Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 6, 1938 -------------------------------------------- 108 Fotografias 32 e 33 – Espectadores brancos e negros Fonte: “Olympia”, cena 5, 2009 ----------------------------------------------------------------- 114 Fotografias 34 e 35 – Atuação coletiva dos esportistas e dos espectadores Fonte: “Olympia”, cena 26, 2009 --------------------------------------------------------------- 115 Fotografias 36 e 37 – Vibração pela ação realizada Fonte: “Olympia”, Festa da beleza, cena 9, 1938 ----------------------------------------- 116 Fotografias 38 e 39 – Gestos de contenção e evasão Fonte: “Olympia”, Festa da beleza, cena 4, 1938 ------------------------------------------ 117 Fotografias 40 e 41 – Duelo dos barcos e das luvas Fonte: “Olympia”, Festa da beleza, cena 10, 1938 ---------------------------------------- 118 Fotografias 42 e 43 – Atleta mobilizado pelo jogo Fonte: “Invictus”, cena 25, 2009 --------------------------------------------------------------- 128 Fotografias 44 e 45 – Roupas, técnicas e equipamentos da época do filme “Olympia” Fonte: “Olympia”, Festa do povo, cena 7, 1938 ------------------------------------------- 131 1. Entrando em quadra ______________________________________ 15 Início do jogo ------------------------------------------------------------------------------- 17 Regras do jogo ----------------------------------------------------------------------------- 24 2. Primeiro tempo - a experiência do jogar ___________________ 33 Tempo-espaço do corpo em quadra -------------------------------------------------- 40 O olhar no contexto esportivo ---------------------------------------------------------- 48 Contato com o adversário --------------------------------------------------------------- 56 A vitória e a derrota – leveza e peso ------------------------------------------------- 68 Gesto técnico – a potência criativa do corpo --------------------------------------- 79 3. Intervalo – o jogo como devaneio _________________________ 92 Vertigem ------------------------------------------------------------------------------------- 96 Tensão e excitação ---------------------------------------------------------------------- 112 Paradoxo ----------------------------------------------------------------------------------- 126 4. Segundo tempo – Esporte: a educação como jogo _______ 141 5. Apito final ______________________________________________ 168 6. Equipe __________________________________________________ 177 7. Anexos __________________________________________________ 185 EntrandoemQuadra O homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga. Friedrich Schiller 17 Início do jogo O jogo é fundamental, já dizia Schiller (1995)1. A experiência do jogar permite ao homem uma passagem da sensação ao pensamento e do pensamento à sensação, não como limitação da sensibilidade e da razão, mas como totalidade ontológica da existência, imbricada com as coisas do nosso fazer, do pensar, do sentir e do movimentar. Assim, como numa experiência que jamais se repete, o início do jogo e todo seu contexto transportam o atleta para um cenário no qual, diante dos seus olhos, acontecimentos da vida e do mundo se desenrolam, de forma tão intensa como se fosse a primeira vez. Um misto de sentimentos despertados pelo universo sensível do jogo, o qual alarga a sua existência, e transborda sobre a razão objetiva, uma corrente de sentidos2 que lhe insere esteticamente no mundo. A prática esportiva envolve o atleta no mundo, sempre refazendo a vida cotidiana, como uma nova forma de existência por intermédio do “eu posso” e não de um “eu penso”. Uma unidade mente-corpo capaz de ampliar a experiência vivida numa subjetividade fundada no poder de sentir e movimentar o corpo. Nessa perspectiva, os horizontes se abrem e o atleta, confrontando o mundo que habita, vai se constituindo por meiodos movimentos e da atuação do corpo no mundo, instaurando nesse processo uma comunicação entre o dado e o evocado. Aliado à performance que lhe é exigida, o corpo se funda em sensações, emoções e criações que vão além daquilo que é ditado pelos técnicos e pelas regras, sendo o contexto esportivo um espaço fecundo para a constituição de novas formas de sentir e habitar o mundo. Esta pesquisa tem como foco principal a dimensão estética do esporte, tendo como referência o mundo vivido3 do atleta e a prática esportiva como campo do sensível. 1 Não se trata aqui de uma semelhança conceitual entre jogo e esporte, mas sim algumas relações que fazem com que, se o primeiro pode se transformar no segundo, o esporte também pode vir a ser um jogo, sobretudo, por meio da dimensão sensível, no fazer estético do corpo. Nessa relação, compreendemos que o esporte é apenas uma das manifestações de jogo, dentro de um contexto bastante socializado e universal. 2 Em Merleau-Ponty (2011) os sentidos se referem à capacidade do corpo sentir. Uma comunicação sensível que expande a existência e dimensiona o homem consigo mesmo e com o mundo. 3 A expressão mundo vivido é uma tentativa de tradução da palavra alemã lebenswelt. Termo criado, inicialmente, por Husserl, em sua fenomenologia estrutural, e retomado nas reflexões de Maurice 18 Partimos da compreensão de que no esporte os atletas constituem uma racionalidade não determinada pelos padrões instituídos pela lógica formal, mas uma razão sensível, que se constitui na apreensão dos sentidos e na sua comunicação do corpo com o mundo esportivo. Dessa forma, o esporte pode ser compreendido como fenômeno estético e o atleta como existência constituída pelo logos estético4, o qual é capaz de explicar as experiências do corpo, da emoção e do vivido nele. Nessa direção, podemos refletir sobre o esporte a partir do mundo vivido do atleta, sendo possível pensá-lo como experiência estética e educativa por meio das relações que ele estabelece com o corpo na prática esportiva. Para isso, nos apoiamos na fenomenologia do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, o qual compreende o homem a partir da experiência vivida, na sua entrega ao mundo e nas relações nele constituídas. Afirmamos a tese de que a prática esportiva é uma experiência estética e educativa, em que se opera o sensível pelas sensações reverberadas no corpo do atleta, na dimensão do vivido. Experiência na qual o sensível é apreensão de sentidos e possuidor de significados. Esse posicionamento implica uma perspectiva de compreensão do esporte não pelos aspectos estruturais ou pelas suas categorias explicativas, mas pelo viés do atleta, por aquele que vivencia e que se refaz em cada instante ali vivido. Trata-se de uma compreensão fenomenológica da prática esportiva, uma experiência com técnicas e gestos próprios, configurados por uma estrutura rígida. Mas que atravessa os recônditos do corpo, criando em cada atleta um estilo próprio de jogar que educa através do sensível dos movimentos e da gestualidade. Consideramos que o atleta não é somente um mero receptor ou simplesmente um sujeito passivo diante do mundo esportivo. Ele interfere naquele meio constantemente e o habita, e isso possibilita que ele invente e reinvente aquilo que lhe é proposto ou imposto, dando-lhe um significado a partir de sua experiência Merleau-Ponty (2011). De acordo com esse o filósofo, o termo está relacionado ao mundo pré- objetivo do ser, ou seja, aquele que antecede à reflexão, a totalidade das percepções vividas. 4 A estética não se define pelas relações exteriores entre o homem e o mundo, mas na apreensão dos sentidos enquanto experiência produtora de conhecimento, que consiste precisamente na relação do corpo com o mundo. Essa comunicação com o mundo sensível, enquanto expressão das relações corporais e, portanto, de conhecimento, é designada em Merleau-Ponty como logos estético: “Esse mundo sensível é o logos do mundo estético”. (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 65). 19 corporal, criando um mundo próprio, no qual o esporte não é um objeto, ou seja, um mero exercício físico, um passatempo ou elemento de representação pessoal, mas uma prática existencial, em que o atleta encontra sentido. O esporte gera sentidos que não se restringem à instrumentalização do corpo, ao consumo ou ao mercantilismo, mesmo quando envolvidos com aspectos relacionados ao rendimento, ao instrumentalismo e ao tecnicismo. Os atletas rompem a lógica determinista do esporte criando e recriando formas de existência social e pessoal para além daquilo que foi previsto ou predeterminado. Essas ações constantes, invenção e reinvenção, partem das relações vividas no mundo esportivo e emergem no corpo, atando o atleta ao esporte através da experiência estética. O significado dessa prática não se encontra pronto, mas se constitui no movimento, de forma inacabada, sempre em composição para o esportista. Certamente, não podemos negar algumas peculiaridades do universo esportivo, tais como as exigências técnicas, a potencialização do consumo, a instrumentalização e o trato severo com o corpo, referências importantes e que devem ser consideradas na análise das práticas esportivas5. No entanto, acreditamos que, além desses aspectos, os quais não podemos descartar, outras dimensões precisam ser levadas em consideração na análise do esporte, pois a prática esportiva também apresenta dimensões relacionadas à experiência do sensível6. Nesse sentido, cabe ressaltar que nos apoiamos na compreensão de estética de Merleau-Ponty para a realização deste estudo, a qual se constrói na relação imanente entre sujeito e objeto, homem e mundo, entre esporte e atleta. 5 A teoria crítica do esporte, derivada da escola de Frankfurt, por exemplo, se propôs a pensar e criticar as práticas esportivas por elas mesmas, em sua estrutura interna e nas condições que faziam com que o esporte acontecesse, ou seja, na sua lógica de dominação, repressão e a alienação por ele reforçada. Esses pensamentos e essas críticas ao esporte da escola frankfurtiana influenciaram vários autores brasileiros, como Valter Bracht (2003), Alexandre Fernando Vaz (2003) e Elenor Kunz (2003), que direcionaram suas reflexões acerca do esporte pautado nas características do corpo dominado, da disciplina, da violência, da normatização, da competição exacerbada e da espetacularização. 6Autores como Lovisolo (1997, 2009), Santos (2012) e Stigger (2002), sem negar a instrumentalização do esporte e sua espetacularização, compreendem que no esporte não temos somente um corpo dominado, mas corpos que se movem na tensão entre prazer e utilidade, domínio e liberdade. Sentidos que perpassam os fluxos de suas indeterminações, mostrando outros sentidos e significados para aqueles que dele participam. 20 Em seu pensamento, a estética não se define apenas pelo belo artístico, mas como vivência do sensível, na experiência do corpo com as coisas, com os outros e com o mundo. Logo, não há conceitos definidos ou modelos preestabelecidos, mas uma dialética entre o homem e o mundo através dos sentidos que transpassam essa relação, abarcando o corpo. Essa experiência: “nos abre para aquilo que não somos” (MERLEAU-PONTY, 2009, p. 156), colocando-nos em contato com o incomum, com o inesperado e com o novo, fazendo-nos adentrar em outros mundos e permitindo que essa experiência nos sensibilize e nos modifique. Entrelaçado a isso, alarga-se a compreensão do corpo como objeto, para incluir, entre outras questões, a dimensão do sensível como realidade essencial do humano,sendo fundamental para a compreensão da ontologia do corpo proposta por Merleau-Ponty (2009) a estesia, cuja natureza é sensível, capaz de sensação7. Quando Merleau-Ponty menciona o corpo estesiológico, refere-se ao corpo capaz de sensação, mas também de comunicação, de expressão, de criação. É o corpo que se abre para o exterior, envolvido e afetado pelos sentidos e entrega corpórea ao universo da experiência estética, impulsionada por sua relação com o mundo. Uma comunicação marcada pelos sentidos que a sensorialidade e a historicidade criam, numa síntese sempre provisória, numa expressão existencial que move um corpo humano em direção a outro, expandido a vida para novas elaborações construídas pelo mundo da experiência vivida (NÓBREGA, 2010). Nessa relação, o homem educa e é educado, não pela sistematização do conhecimento ou pelo ensino formal, mas pela experiência sensível, construída na vivência do corpo, como na concepção fenomenológica de educação, a qual não se resume a métodos prontos, visando objetivos determinados, mas abarca o ser humano pelo universo dos sentidos, da sensibilidade e da criação. Nessa direção, a estesia enquanto conhecimento sensível é expressa nesta pesquisa pelo atrever-se do corpo à experiência estética no esporte. O que possibilita uma reflexão capaz de conduzir ao espanto como condição de reaprender a ver a prática esportiva por meio da educação sensível, que considera a experiência vivida um educar aberto à transformação, à inovação, ao sensível. 7 Em Merleau-Ponty (2011) a sensação e a percepção não são elementos separados, posto que na própria sensação há significação, o que faz compreender a experiência vivida e suas múltiplas significações a partir da relação corpo, movimento e mundo como elementos indissociáveis que têm, no sentir, o sentido. 21 Assim, referimo-nos às experiências que os atletas vivenciam no esporte como conhecimento sensível, as quais não estão separadas pelo entendimento, mas entrelaçadas na reversibilidade dos sentidos8, na dimensão estética. Assim, o corpo do atleta, longe de remeter a qualquer fisiologismo, é de onde irão emergir os sentidos fundamentais dessa experiência, no entrelaçamento dele com o mundo esportivo. Um encontro que permite fruir sentidos, que conduzem a outros modos de existir e que admite a criação de outras linguagens gestuais e novas formas do corpo jogar, educar e se sensibilizar. Pautamos a estética como linguagem sensível que se constitui no corpo, enquanto processo de sentido que se dá através da experiência vivida e das relações construídas no mundo. Logo, podemos compreendê-la em suas relações com o esporte, como configuração do mundo da criação e do conhecimento. Para traçarmos essa argumentação, o enfoque da tese é de natureza teórico- filosófica, tendo Maurice Merleau-Ponty como referência para pensarmos a dimensão estética do ser atleta, bem como discutirmos os sentidos criados pela experiência vivida no âmbito das práticas esportivas. Somando-se ao filósofo Merleau-Ponty, outros autores também deram suporte as nossas discussões, entre eles: Benjamin (1989, 2002, 2012), Mauss (2003) Elias (1992) e Schiller (1995), para afirmar o esporte como experiência estética e educativa. Buscamos responder, no decorrer da construção da tese, as seguintes questões: O que sensibiliza o atleta na vivência do esporte? Quais são os sentidos e os significados vividos no esporte, que fazem o atleta vivenciar essa prática? Como a experiência do atleta pode ser pensada como educação? Seguimos com o objetivo de discutir o esporte a partir da dimensão do vivido, buscando compreender os significados conferidos à prática esportiva e à experiência estética do atleta como educação. Compreender a prática esportiva com enfoque numa educação sensível, através dos seus sentidos e das sensações que são reverberadas nele, torna-se uma reflexão importante para entender que o atleta não se restringe a determinadas 8 A noção de reversibilidade dos sentidos é discutida por Merleau-Ponty (2004b, 2009, 2011) como a comunicação do corpo que é, ao mesmo tempo, vidente e visível, tocante e tateante, sensível e sentiente, num duplo enlace que se funde numa única ação. Em suas palavras o corpo: “[...] vê vidente, ele se toca tocante, é visível e sensível para si mesmo” (MERLEAU-PONTY, 2004b, p.17). 22 ações de movimento ou de pensamento, mas vive o esporte, educa e se educa ao criar e recriar movimentos, modos de fazer no jogo, de se relacionar com o outro e de posicionar-se diante do mundo. Nesse movimento, amplia a capacidade de apreensão dos gestos, das coisas e do mundo, reorganiza-se em novas sensações e acrescenta-se em novos sentidos através da experiência íntima e social do corpo. Nesse trânsito, encontramos nos espaços acadêmicos algumas produções que se aproximam de nosso objeto de estudo, trabalhos significativos para se pensar a relação entre o esporte e a educação. Nesses espaços de produção do conhecimento, encontramos seis teses de doutorado e três dissertações de mestrado defendidas em programas de Pós-graduação na área da Educação e da Educação Física que, assim como este trabalho, discutem o esporte a partir do mundo vivido do atleta91011. Evidenciamos, também, contribuições de estudos sobre a temática em questão, tais como as pesquisas desenvolvidas na UFRN pelos professores Allyson de Carvalho de Araújo (2006)12 e Antônio de Pádua dos Santos (2008)13 , e ainda os 9 Fizemos uma busca geral das dissertações e teses publicadas no Banco de Teses da Capes, defendidas a partir de 1987, segundo o termo “Esporte, Educação, Atleta”, sendo assinaladas “todas as palavras” como critério de busca para o assunto pesquisado. Nessa busca, considerando uma abordagem quantitativa dos dados obtidos, existem 98 dissertações e 30 teses, com a presença desse termo, no referido período. No entanto, nem todas se aproximam do nosso trabalho. 10 Dissertações de mestrado próximas ao nosso objeto de estudo: “Processo de formação e treinamento do atleta de elite no Brasil: dos jogos aos jogos”, de Lila Maria Peres Silva, dissertação defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física da UGF; “Pedagogia da dor: sobre o esporte, a vitória e a derrota na arena” de Luciano do Amaral Dornelles, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da ULBRA; “Técnica, dor, feminilidade: educação do corpo na ginástica rítmica”, de Patrícia Luiza Bremer Boaventura, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UFSC. 11 Teses de doutorado próximas ao nosso objeto de estudo: Tese de Antonio de Pádua dos Santos, intitulada “Imaginário radical: trajetória esportiva de corredores de longa distância”, defendida Programa de Pós-graduação em Educação da UFRN; Tese de Fátima Maria Pilotto, intitulada “Educação corporal de atletas na ginástica artística”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UFRS; Tese de Gabriela Aragão Souza de Oliveira, intitulada “Trajetória de mulheres- referência no esporte nacional como atletas e gestoras”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UGF; tese de Giuliano Gomes de Assis Pimentel, intitulada “Risco, corpo e sociabilidade no voo livre”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física da UNICAMP; Tese de Paulo Cesar Montagner, intitulada “A formação do jovem atleta e a pedagogia da aprendizagem esportiva”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física da UNICAMP; Tese de Simone Meyer Sanches, intitulada “Prática esportiva e resiliência”, defendida pelo Programa de Pós-graduação em Educação da USP. 12 Dissertação: “Um olhar estético sobre o telespetáculo esportivo: contribuições parao ensino do esporte na escola” (PPGED/UFRN). 13 Tese de doutorado: “Imaginário radical e Educação Física: trajetória de corredores de longa distância” (PPGED/UFRN). 23 artigos14 produzidos no Grupo de Estudos Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC- UFRN), Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento (ESTESIA-UFRN) e do Laboratório de Imagens do Corpo e da Cultura de Movimento (VER-UFRN), do qual faço parte, como referências significativas para a reflexão do atleta não como um corpo dominado, mas um ser que dinamicamente escreve sua história no mundo esportivo e nele encontra um sentido existencial. Nessa direção, percebemos que o esporte, sob ponto de vista do atleta, ainda tem sido pouco discutido nas pesquisas acadêmicas. Isto porque, a maioria desses trabalhos parte do processo de formação, da resiliência, bem como do olhar externo e explicativo do esporte, fazendo-se necessário ampliar os estudos que contemplem a experiência sensível e o sentido estético dado pelo atleta. Seguindo esse fio condutor, buscamos aproximar os significados da prática esportiva da experiência vivida, em sua relação com a experiência estética e a educação, para falar dos aspectos que fundamentam a vivência dos atletas nesse contexto e que fazem sentido em sua existência. O sentido se faz para os atletas através da própria existência, a partir da entrega do corpo e da excitação vivida no esporte. E nesse movimento, de modo participativo, criando e recriando, vivendo e habitando de modo dinâmico esse mundo, o corpo produz conhecimento, saberes produzidos pela experiência humana no mundo vivido. Uma via dupla, na qual o sentir e o educar estão presentes na mesma existência, na dimensão sensível, tecida no entrelaçamento do corpo com o mundo, com os outros e com a cultura. Relação encarnada, de experiência, de sensação, de criação e de renovação. Nessa direção, apresentamos elementos que contribuam para pensar a relação entre educação e esporte como uma realidade de aprofundamento sensível que os constituem, centrada no corpo e na experiência estética como modos de educar. 14 MELO, José Pereira de; NÓBREGA, Terezinha Petrucia da; Beleza e conflito em Olympia. Paidéia, Natal, v. 1, n. 2, p. 25-39, fev. 2006. / NÓBREGA, Terezinha Petrucia da; DIAS, João Carlos Neves de Souza e Nunes. Futebol: do espetáculo às aulas de Educação Física. Paidéia, Natal, ano 2, v. 1,p. 25-39. jan./dez. 2006. / SILVA, Liege Monique Filgueiras da; PORPINO, Karenine de Oliveira. O ensino do esporte: relato de experiência com alunos do 5º ano. Cadernos de formação RCBCE, Florianópolis, v. 2, p. 56-66, jul. 2011. 24 Regras do jogo Para investigar a temática abordada buscamos caminhos de compreensão que não tivessem dado ou forma acabada, mas uma aproximação do vivido com o sensível, pela dialogicidade do atleta com o mundo esportivo, sempre construindo novas formas de habitá-lo. Com esse intuito, apresentamos a atitude fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty como sendo essa referência metodológica, por acreditar que esse viés de pensamento está diretamente ligado ao modo como compreendemos o fenômeno pesquisado, a saber: numa perspectiva corporal e estética associada à educação dos sentidos. A Fenomenologia não é um método fechado ou algo exterior, onde o pesquisador vai buscar respostas em algum lugar ou em algum objeto. Ao contrário, ela é um constante recomeçar, um movimento que parte da experiência vivida e do mundo para se pensar o fenômeno estudado. Trata-se de uma atitude de pensamento ancorada na vida, que visa compreender as coisas15, colocando o conhecimento como centro das experiências vividas. Uma atitude que não propõe a explicação definitiva dos fenômenos, mas um “chegar às coisas mesmas” pela descrição, anterior a qualquer formulação científica, abstrata ou tradicional. O que significa considerar que, antes de qualquer realidade objetiva, há um indivíduo que a vivencia; antes da objetividade, há um mundo preestabelecido; e, antes de todo conhecimento, há uma vida que o fundamenta. O foco de sua atenção é centralizado no desvelamento da experiência vivida, interrogando-a, para tentar compreender a dimensão sensível do mundo, procurando manter o rigor. Não o da precisão numérica, mas um caminho reflexivo sempre aberto a novos diálogos e novos questionamentos. Para tal, ela ancora-se na experiência vivida, penetrando na facticidade que é histórica, social e subjetiva. Uma referência para o conhecimento revelado pelos sentidos que fundam a existência individual e coletiva do “ser no mundo” como uma dimensão à qual ele 15 Sobre o termo coisa, Merleau-Ponty afirma: “A coisa, portanto [...] é um nó de propriedades, das quais cada uma é dada se a outra o for, um princípio de identidade. Aquilo que a coisa é, ela o é por arranjo interno, plenamente, sem hesitação, sem fissura: ou tudo ou nada. É o por si ou em si, num desdobramento exterior, que as circunstâncias permitem e não explicam. É objeto, quer dizer, expõe- se diante de nós por virtude sua, e precisamente porque está condensada em si mesma”. In: MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009, p.158. 25 não deixa de se situar, ademais, “o homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 6). Porém, esse relato do mundo, do tempo e do espaço vivido, não pretende construir ou reconstruir o real, mas descrevê-lo a partir do campo perceptivo16. Nesse caso, nosso olhar sobre o fenômeno esportivo. Assim, sendo a percepção uma atitude corpórea, ela sempre se faz em torno do núcleo do sensível, pela sintonia dada no corpo, pelo seu movimento fruidor e, ao mesmo tempo, aberto, em que perceber: “[...] se opõe a imaginar, não é julgar, é apreender um sentido imanente ao sensível antes de qualquer juízo” (MERLEAU- PONTY, 2011, p. 63). Tendo como pressupostos básicos a noção de percepção, a relação de imanência entre sujeito e objeto, a facticidade e as experiências vividas, a Fenomenologia de Merleau-Ponty põe em suspensão o mundo natural, sem romper com o seu vínculo. Para isso, recorre a três momentos, que ocorrem de forma inseparável: a descrição, a redução e a compreensão. É pertinente destacarmos o papel da percepção, da consciência e do sujeito no ato da descrição. A descrição, como apreciação, relata o percebido na percepção, no fundo onde esta se dá, sem fazer julgamentos ou avaliações, mas apontando para o percebido, descrevendo o sentido e a experiência como vivida pelo sujeito, para visualizar, de modo, compreensivo, a realidade (BICUDO, 2000). Logo, a necessidade da redução fenomenológica como artifício para que possamos alcançar os objetivos pretendidos, ainda que não se possa esquecer que a maior característica da redução fenomenológica é que esta nunca é completa, especialmente, pela relação homem-mundo. Assim, sabendo que essa familiaridade nunca será totalmente rompida, e que se deve sempre partir do princípio de que: O maior ensinamento da redução é a impossibilidade da redução completa [...] Se fôssemos o espírito absoluto, a redução não seria problemática. Mas porque, ao contrário, nós estamos no mundo, já que o mesmo nossas reflexões têm lugar no fluxo temporal que elas procuram captar (MERLEAU- PONTY, 2011, p. 10-11). 16 A experiência perceptiva é o campo primordial da relação do homem enquanto ser-no-mundo. É o que denominou de facticidade do mundo em relação às produções entalistas, na medida em que "tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. O universo da ciência é construído sobreo mundo-vivido [...]” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 3). 26 A redução põe em evidência a intencionalidade da consciência voltada para o mundo, distanciando a realidade como a concebe o senso comum, fazendo aparecer o que é essencial no objeto e percebendo como se produz o sentido do fenômeno, por meio da percepção e da descrição. Sendo, portanto, uma síntese unificadora e provisória, e não a compreensão comum que usualmente se tem. A compreensão ampliada da intencionalidade proposta por Merleau-Ponty (2011) se distingue da intelectualização, que se limita à natureza imutável. A intencionalidade é uma relação dialética onde surge o sentido, ela torna possível o contato da percepção com o mundo, em que a consciência se vê no mundo agindo, realizando operações e atribuindo significado aos objetos. Nessa direção, para transitar nos conceitos da Fenomenologia, enfatizamos como trajeto metodológico neste trabalho a narrativa do mundo vivido e a apreciação estética de filmes no sentido de constituir um diálogo com destaque para as cenas significativas a partir da ideia de complementaridade, e não de hierarquia entre a minha experiência vivida e as produções fílmicas. Com relação à narrativa, considero minha experiência como atleta de handebol, cuja visibilidade nesta pesquisa pode ser dada através de fotografias de treinos e de competições nacionais e internacionais. Como atleta, conheci o handebol ainda na adolescência, inicialmente na escola17. Posteriormente, as boas performances em competições regionais em nível escolar levaram-me à seleção norte-rio-grandense, que me possibilitou participar de competições nacionais, e a partir disso, ter a oportunidade de ser atleta profissional, contratada pelo Clube de Regatas Vasco da Gama18 e pela Seleção Brasileira de handebol19. Com o retorno a Natal, sem filiação e desenvolvendo outras atividades, fiquei, um pouco afastada das quadras. Mas, durante a realização desta pesquisa, com o intuito de sentir e incorporar novamente as sensações vividas no mundo esportivo, 17 Instituto Sagrada Família, situada no município de Natal, no bairro do Alecrim. 18 Clube esportivo situado no município do Rio de Janeiro no qual permaneci, no período de 2000 a 2002, como atleta profissional de handebol. 19 Iniciei minha experiência na Seleção Brasileira de handebol em 1997, na categoria cadete, permanecendo até 2002, na categoria juvenil. Na seleção, participei de diversos campeonatos como torneios, sul-americano e Pan-americano, em diversas cidades do Brasil e diferentes países da América do Sul e da Europa. 27 retornei ao handebol a fim de reviver situações que poderiam balizar meus pensamentos para esta escrita. Convidada para jogar no Centro Universitário FACEX, em 2011, voltei a atuar em competições nacionais, desta vez, nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs)20. Nessa competição, dialoguei com as demais jogadoras, anotei falas, registrei minhas impressões diárias, fiz fotografias e fui fotografada. Essa experiência desencadeou lembranças de fatos ocorridos em momentos anteriores vividos no esporte. Com isso, passei a perceber a importância das situações do jogo e delimitei minha narrativa às experiências vividas em quadra, evocadas pelas experiências dessa competição. Parti das minhas relações construídas com os elementos que compõem o esporte, ou seja, a quadra, os companheiros de equipe, os adversários, o resultado final, as técnicas e as regras do jogo. Por meio desses elementos surgiram os elementos estéticos como tempo-espaço do corpo em quadra, o olhar no contexto esportivo, contato com o adversário, a vitória e a derrota – leveza e peso, e, gesto técnico – a potência criativa do corpo. Inicio narrando minhas experiências em jogo, numa perspectiva existencial, desvelando o vivido, relevando sentimentos, e, ao mesmo tempo, construindo e reconstruindo através do meu campo perceptual da narrativa, o esporte na minha existencialidade como experiência estética e educativa. Benjamin (2012), filósofo alemão, tinha a experiência como centro de sua filosofia, e a narrativa, como um acontecimento infinito, no qual é possível refletir a experiência humana. Para o autor, a narrativa é uma dimensão existencial do homem, pois, de certa maneira, o ato de contar e ouvir uma experiência envolve um eu-outro-mundo, uma relação de intersubjetividades, dada pela articulação de um passado com o presente, apoiado por uma situação que expressa a profusão de sentidos que constituem o ser na sua existencialidade, isso porque, segundo Benjamin (2012, p. 230), “quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia” . 20 Competição realizada em 2011, na cidade de Campinas-SP, de 3 a 13 de novembro. Participaram do evento 194 instituições de ensino superior, sendo oito modalidades (atletismo, basquete, futsal, handebol, judô, natação, vôlei e xadrez), disputadas por mais de três mil atletas-estudantes vindos dos 26 estados e do Distrito Federal. Na referida competição, nos consagramos campeãs na modalidade handebol feminino da 1ª divisão. 28 No estudo O narrador (2012) Benjamin examina as narrativas de Nikolai Leskov21 e elabora importantes reflexões sobre o ato de narrar. O autor, ao refletir alguns elementos próprios dos relatos orais presentes em certas narrativas marcados pela violência e pelos absurdos da Primeira Guerra aponta possíveis causas da falência da arte de narrar. Para ele, a faculdade de intercambiar experiências começa a desaparecer com o rápido desenvolvimento do capitalismo, o qual foi distanciando os grupos humanos, fazendo com que as gerações e as ações de experiência entrassem em declínio. Entretanto, afirma a importância da narrativa exatamente por ela refletir a experiência humana, ser uma forma de comunicação, e principalmente, manter as tradições e as conservarem. Nesse contexto, o sentido da vida dito na narração não se encerra, mas perpassa o tempo e se reconstrói à medida em que é narrada, aproximando os ouvintes da experiência vivida tal como ela é, contada pelo narrador. Isto porque, ela mantém os valores e percepções presentes na experiência narrada, conservando e desenvolvendo o sentido da vida. Em outras palavras: “O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros” (BENJAMIN, 2012, p. 217). A partir do pensamento de Benjamin, compreende-se que a narrativa não se interessa em transmitir, informar ou explicar as coisas, mas mergulha na vida do narrador, retirando dela o vivido, o existencial, levando a experiência vivida a uma maior amplitude. E isso supõe uma dimensão fenomenológica, ou seja, a experiência do homem no mundo, imbuída pelas relações, afetos e valores de uma vida que reflete e transcende o mundo em que ele está envolvido. Mundo aberto, não acabado, mas profundo em sentidos, como são as histórias narradas e o homem em sua existencialidade. Segundo o autor, O narrador pode: recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador infunde a sua substância mais íntima também naquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira (BENJAMIN, 2012, p. 221). 21 Escritor russo do século 19 cujas narrativas sobre os camponeses interessam a Benjamin (2012, p. 213). 29 Nesse pensamento corpóreo, mutável, narrativo e descritivo, o corpo embala- se no ritmo daquilo quer se quer conhecer, surgindo assim a compreensão em conjunto com a interpretação: Observa-se que a compreensão só se torna possível quando o pesquisador [...] assumeo resultado da redução como um conjunto de asserções significativas para ele, pesquisador, mas que aponta para a experiência do sujeito, isto é, que aponta para a consciência que este tem do fenômeno. A esse conjunto de asserções denomina-se, aqui, unidades de significados (MARTINS, 1992, p. 60). Desse modo, o mundo dado da consciência é sempre a intencionalidade, não pertencendo nem ao sujeito nem ao objeto, mas como uma vinculação homem- mundo, ou seja, um modo de pensar na constituição do objeto de conhecimento na consciência, expresso na vida. Para tanto, como horizonte de expressão para o estudo social do esporte, buscamos produções cinematográficas que tratassem sobre o esporte no Laboratório de Imagens do Corpo e da Cultura de Movimento (VER)22. Dentre tantas possibilidades, escolhemos os filmes “Olympia”, um documentário23lançado na Alemanha, em 1938; e “Invictus”, um longa metragem produzido nos Estados Unidos, em 2009. Enfatizamos que a escolha por essas produções se deu intencionalmente por elas traduzirem aproximações estreitas com a temática e com os objetivos aqui propostos. Mesmo sendo de séculos distintos, ambos trazem contribuições relevantes para refletirmos o fenômeno esportivo. Isto porque, sem fugir da espetacularização e das demandas estruturais do esporte, apontam para o seu conhecimento na perspectiva de deslocamento do ético para o estético, ancorando-se na valoração de referências sensíveis, lúdicas e autônomas partilhada pelo vínculo e pela experiência corporal do atleta com o mundo esportivo. Os filmes analisados, “Olympia”, da diretora alemã Leni Riefenstahl, que retrata os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, ocorridos em pleno regime nazista, e “Invictus”, dirigido por Clint Eastwood, que retoma a história da equipe sul-africana 22 Laboratório instalado no Departamento de Educação Física da UFRN e é integrante do Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento (ESTESIA). 23 Olympia é composto por duas partes, a saber: Parte 1 – Festa do Povo, e Parte 2 – Festa da beleza. 30 de rúgbi e sua chegada à final da Copa do Mundo, no ano 1995, trazem o poder ideológico e a dimensão ontológica do corpo como perspectiva de entrelaçamento do pessoal com o cultural, o que possibilita, na complexidade da relação corpo e mundo, reinterrogar o vivido. Destacamos que nossa análise sobre os filmes encontra-se descrita nos anexos e que, na perspectiva de termos uma visão geral películas, consideramos em cada ficha de análise: a técnica cinematográfica (argumento geral do filme, foco narrativo, cenário e figurino, trilha sonora, fotografia e câmera), sobre o corpo e a cultura de movimento neles apresentados, e, ainda, as palavras-chaves encontradas24. Assim, realizamos uma apreciação estética das obras tendo como fator preponderante o entrelaçamento do contexto tratado com meu mundo vivido, destacando “cenas significativas” de cada filme nas quais fosse possível identificar aspectos relacionados aos elementos estéticos e educativos do esporte. Assim nos aproximamos de imagens e diálogos da nossa intencionalidade com o fenômeno pesquisado, no sentido de que muitos aspectos poderiam ser analisados, sendo necessário se fixar naquelas que atendessem as nossas questões de pesquisa. A partir desse processo destacamos três temas para discussão: a sensibilidade, as emoções e o paradoxo do jogo. É pertinente destacarmos que nos aproximamos do conceito de “cenas significativas” desenvolvido por Bicudo (2000) em suas pesquisas, no intuito de compreendermos o agir com rigor em pesquisas que fazem uso de filmes como um meio de registro. O termo foi apresentado como possibilidade metodológica nas referências de pesquisas qualitativas. O autor apresenta a cena como um recurso metodológico que parte do pensamento de que a compreensão da mesma possibilita vários sentidos possíveis. As “cenas significativas” são as unidades de significado. Logo, elas não seguem ditames impostos, marcando um encadeamento linear dos sujeitos, não sendo, portanto, um fragmento, mas uma possibilidade de compreensão do fenômeno, um modo de poder revelar o sentido percebido na experiência vivida. 24 Essas fichas de análises são utilizadas pelo Laboratório de Imagens do Corpo e da Cultura de Movimento (VER) e foram gentilmente cedidas pela coordenação para a nossa pesquisa. 31 As cenas transpõem as estruturas lineares de início, meio e fim, transitando umas pelas outras, complementando-se, dialogando e se redefinindo por meio dos sentidos e significações dados na apreciação estética, afinal, “[...], participar da criação de um objeto estético é também criar a si mesmo, é poder retornar sempre a um começo repleto de horizontes ilimitados e poder apreender a simbiose entre vários fenômenos da existência” (PORPINO, 2011, p. 113). Diante disso, os sentidos e os significados perceptíveis se definem, se desfazem e se refazem diante dos múltiplos olhares possíveis, a partir da experiência vivida de cada apreciador e da constante reatualização feita no momento da apreciação. Destarte, a experiência estética na narrativa e na apreciação fílmica se faz na complexidade da relação entre corpo e mundo, levando em consideração a reversibilidade dos sentidos e sua capacidade de reinterrogar o vivido. Nessa direção, para compor esta escrita25, organizamos a seguinte estrutura textual: a introdução e a metodologia são nomeadas, respectivamente de, entrando em quadra e regras do jogo; os três capítulos são denominados de primeiro tempo, intervalo e segundo tempo, em alusão à estrutura de um jogo de handebol. No primeiro tempo – a experiência do jogar (capítulo 1), a experiência estética do corpo no esporte tem como referência a narrativa de minha experiência e a linguagem corpórea como elemento sensível no mundo esportivo. Neste capítulo, pautamos nossa reflexão a partir de alguns autores como Merleau-Ponty, Calvino e Serres, com o intuito de pensarmos sobre o sensível, os saberes e as técnicas corporais como dados significativos para uma educação sensível, manifesta nas criações e aprendizagens tecidas nas experiências vividas do atleta com os elementos esportivos. No intervalo: o jogo como devaneio (capítulo 2), fizemos um diálogo da prática esportiva com as narrativas cinematográficas que tematizam o esporte, a saber: “Olympia” e “Invictus”. Assim, por meio de autores como Merleau-Ponty, Benjamin, Elias e Mauss foi possível fazer um diálogo epistemológico, entrelaçando os conceitos de jogo, catarse-mimese e técnicas corporais a partir da apreciação 25 Nossa reflexão transita da 1ª pessoa do plural para a 1ª pessoa do singular, sobretudo, no capítulo 1. Parte em que narro acontecimentos do meu mundo vivido no esporte. 32 fílmica, como conhecimentos necessários para pensarmos o esporte no contexto social. No segundo tempo – Esporte: a educação como jogo (capítulo 3), apresentamos o jogo para compreensão da prática esportiva como experiência estética e educativa. Tal compreensão se configura, no âmbito esportivo, por meio do mover do corpo e das suas criações, aprendidos pelo educar do jogo. Um aprender que imprime-se sobre o corpo do atleta e se constitui como conhecimento aberto e sensível da experiência vivida no mundo. Encaminhamos a discussão a partir de Schiller, Merleau-Ponty e Elias considerando o jogo estético, a intencionalidade do movimento, o corpo como obra de arte e o papel social do esporte, na perspectiva de pensá-lo como manifestação cultural sempre aberto à criação de sentidos e possibilidades de significados. PrimeiroTempo A experiência do jogar 34Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento rememorado é sem limites, pois é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois. Walter Benjamin 35 Neste capítulo, o foco da discussão é a prática esportiva como potencializadora de um conhecimento sensível, que se manifesta nos processos corporais, do corpo em movimento, revelado pela sensibilidade do atleta em quadra. Para isso, considera-se a experiência estética do corpo no esporte, tendo como referência o meu mundo vivido e a linguagem corpórea como campo da experiência sensível26 no mundo esportivo. Trago cinco elementos estéticos para essa compreensão: tempo-espaço do corpo em quadra, o olhar no contexto esportivo, contato com o adversário, a vitória e a derrota e gesto técnico, como uma forma de apresentar argumentos teóricos consistentes sobre eles, para compreender o esporte por meio de uma estética que envolve o atleta e configura a experiência educativa. Para fundamentarmos nossa discussão, Merleau-Ponty se faz um pensador importante, por trazer o sensível como uma realidade constitutiva do homem e do conhecimento. Outros pensadores também foram utilizados, como Serres e Calvino, para podermos compreender que, a profusão dos sentidos encontrados na experiência do corpo no esporte são dimensões que lhes servem de suporte. Para Merleau-Ponty (2011), é o sensível que afeta o homem, chega aos sentidos e recebe destaque, revelando a impossibilidade de distinção eu-outrem, eu- mundo, sentiente e sensível, pois, conforme o autor, “uma certa maneira de ser no mundo que se propõe a nós de um ponto do espaço, que nosso corpo retoma e assume se for capaz, e a sensação é literalmente uma comunhão” (MERLEAU- PONTY, 2011, p. 286). Ao centralizar sua reflexão na crítica às análises empiristas e intelectualistas que dão ao corpo à ideia de transmissor de mensagens, como um sistema físico de estímulos definidos por propriedades físico-químicas, o filósofo explica que o sensível não é definido como um efeito imediato de um estímulo exterior, em que o aparelho sensorial desempenha o papel da transmissão, mas uma condição humana modelada pelo contexto do mundo, uma via dupla – condução-codificação – que, sem separação, alude todo o corpo em sentido: “O sensível é aquilo que se 26 Em suas reflexões Merleau-Ponty (1989) busca compreender o homem a partir da sua experiência vivida, abrindo um imenso leque da relação do homem com seu corpo, com a cultura e com o mundo vivido. E, sobre isso ele esclarece que: “A partir do momento em que reconheci que minha experiência, justamente enquanto minha, abre-me para o que não é eu, que sou sensível ao mundo e ao outro, todos os seres que o pensamento objetivo colocado à distância aproximam-se singularmente de mim (MERLEAU-PONTY, 1989, p. 136). 36 apreende com os sentidos, mas nós sabemos agora que este com não é simplesmente instrumental, que o aparelho sensorial não é um condutor, que mesmo na periferia a impressão fisiológica se encontra envolvida em relações antes consideradas como centrais” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 32). Na concepção de Merleau-Ponty (2011), o sensível não pode ser pensado como respostas codificadas dos órgãos dos sentidos e a sensação um estímulo físico que se esquiva. Pois os processos corporais entendidos como elementares, provenientes do corpo, e superiores, vistos como mentais, mantêm relações que não são ordenadas fisiologicamente, mas movimentos de um constante interpretar entre o objeto e o sujeito da percepção. Logo, a qualidade do sensível e as determinações do percebido imbricam-se, imprimindo certa atitude ao corpo e um engajamento dele com o mundo: A função do organismo na recepção dos estímulos é, por assim dizer, a de "conceber" uma certa forma de excitação. Portanto, o "acontecimento psicofísico" não é mais do tipo da causalidade "mundana", o cérebro torna- se o lugar de uma "enformação" que intervém antes mesmo da etapa cortical, e que embaralha, desde a entrada do sistema nervoso, as relações entre o estímulo e o organismo. A excitação é apreendida e reorganizada por funções transversais que a fazem assemelhar-se à percepção que ela vai suscitar (MERLEAU-PONTY, 2011, p.114). O sensível excede seu significado elementar; o sensorial isolado. Por meio da atitude corpórea o estímulo arrebata as emoções, as reações fisiológicas e todo o ser, levando o homem a um movimento de busca, de entrega, assim como ocorre entre o pintor e o quadro, um conjunto de relações, estímulos sensoriais que constitui um todo: O pintor deve ser transpassado pelo universo e não querer transpassá-lo [...] o que chamam inspiração deveria ser tomado ao pé da letra: há realmente inspiração e expiração do Ser, respiração no Ser, ação e paixão tão pouco discerníveis que não se sabe mais quem vê e quem é visto, quem pinta e quem é pintado (MERLEAU-PONTY, 2004b, p. 22). Nessa perspectiva, o sensível mais do que aquilo que se vê, se ouve ou se toca, é aquilo que, ao se ver, ouvir ou tocar, conduz ao objeto, faz ser transpassados por ele, assim como o pintor com o quadro, o bailarino com a dança, o atleta com o esporte. 37 Por isso, considera-se pertinente para se pensar o fenômeno pesquisado o sujeito que percebe e dá sentido ao ser-no-mundo, como fonte significativa para refletimos a dimensão do sensível no esporte. Convém trazer neste momento a minha experiência vivida no esporte, no seu fazer estético, no fazer e refazer do corpo, pelos quais minha vida tem significação. Assim, no corpo sensível das experiências vividas é que, enquanto atleta reinstalo-me no cenário esportivo para embarcar na experiência estética do corpo no esporte. E, retornando à minha memória, busco expressar as palavras silenciadas e os sentidos que atravessam as múltiplas facetas e as inúmeras significações que nele subjazem. Retomar essa experiência estética foi um meio de acessar um mundo de imagens, uma infinidade de lembranças enraizadas no corpo, uma transfiguração temporal em que, misturada pelo presente e pelo passado, fui transportada a um porvir de cores, de sons, e de acontecimentos que estão penetrados nas esferas do ontológico e na expressividade do meu ser. Olhar minhas fotografias no esporte possibilitou reinstalar-me na experiência esportiva, revivê-la no meu corpo quando jogo, interrogando-a novamente para poder acessar elementos contidos em sua estética. Abrigado por outros corpos, pelo tecido do universo que lhe é constituído e pelo mundo esportivo, meu corpo vai se configurando por intermédio dessa experiência, uma vida e um mundo. Ao transportar-me através dessas imagens, encontro-me aberta ao esporte e às sutilezas por ele reveladas. Um mundo atado ao meu corpo. Sentidos Fotografia 01: Infinidade de lembranças Fonte: Arquivo da autora (1998) 38 entrelaçados que foram impressos em minha vida. Afinal, a experiência vivida imprime sentidos e é instituída por essa relação, permitindo ao vivido uma significação no mundo. Há um verdadeiro entrelaçamento do meu ser com o mundo esportivo, o qual se relaciona com a minha forma de compreender as coisas e de me envolver com elas. Isto porque, a compreensão é eminentemente corporal, e se dá a partir das experiências vividas, do contato do corpo, com os outros e também com o mundo (MERLEAU-PONTY, 2011). O esporte sempre despertou meus sentidos e minhas emoções. A princípio irrefletidos, mas mesmo assim, na medida em que eu ia me envolvendo, as sensações e tudo que o envolvia criavam laços em mim cada vez mais nítidos, mais fortes e existenciais. Ao longo de dezenove anos como atleta, as sensações reverberadas, o sensível e o emocional experimentados através do esporte, são sentidos quesempre tiveram fortes significações em minha existência. Uma existência em que o esporte não aparece como um objeto distante, mas como mundo em que habito, pautado pela fluidez do movimento do esporte e da vida. Vivenciar o esporte como atleta é poder senti-lo e compreendê-lo com um sentido singular, que se manifesta no corpo. E, para nós atletas, ele nem sempre possui o mesmo significado que o demando ou o padronizado pela mídia, pela política ou pela sociedade. Isto porque, vivê-lo é habitá-lo, descobri-lo através de suas nuances, suas formas, seus sons e suas faces, é projetar horizontes que estão ancorados no corpo e em seus movimentos, os quais se fundem, adquirindo um sentido existencial, uma abertura que: “[...] supõe que o mundo seja e permaneça horizonte, não porque minha visão o faça recuar alem dela mesma, mas porque de alguma maneira, aquele que vê pertence-lhe e esta nele instalado” (MERLEAU- PONTY, 2009, p. 101). Desse modo, experienciar o handebol intensamente, em treinos, competições, viagens, vitórias, derrotas, gritos, alegrias, tristezas, dores e sacrifícios diversos, nos mistos de sentimentos e acontecimentos proporcionados por ele, tornou-o indispensável em minha vida, sendo ainda uma referência de sucesso pessoal e de formação educacional. O esporte mudou minha existência e me fez sentir emoções que eu jamais senti em outras experiências. Foi nas quadras que descobri, por exemplo, que 39 minhas sensações mais íntimas eram reveladas, ascendendo e reascendendo muitas vezes, o prazer e a dor, a alegria e a tristeza, a ansiedade e a serenidade, a emoção e a frieza, o sorriso e o choro, num vínculo paradoxal. Na prática esportiva os sentidos são sempre provisórios e inacabados, tendo no corpo sua abertura para o sensível. A experiência estética possibilitada pela presença corporal do atleta transpõe qualquer determinação ou definição prévia para ele, constituindo-se, portanto, em um mesmo contexto, uma experiência sempre renovada. “É a ciência do corpo humano que nos ensina, posteriormente, a distinguir nossos sentidos. A coisa vivida não é reconhecida ou construída a partir dos dados dos sentidos, mas se oferece desde o início como centro de onde estes se irradiam” (MERLEAU-PONTY, 2004b, p. 130). É a partir das experiências vividas que o homem aprende sobre si e sobre seus sentidos, aprendendo, ao mesmo tempo, o mundo através deles. Os sentidos do corpo não se realizam por determinações externas entre eles, mas se faz espontaneamente entre os elementos envolvidos, quando algo é significativo, os sentidos são aguçados e a existência humana é transformada. Pelas sensações do corpo vivo o esporte e, em seus movimentos, entrego-me ao mundo e ao universo do sensível. Essa experiência ocorre no corpo, na sua relação com o mundo e com o outro. Na perspectiva do filósofo Merleau-Ponty (2004b), o sujeito da experiência estética é um sujeito que é corpo, que escreve sua história nele e por meio dele. Logo, faz a sua história por meio de tudo aquilo que vive e sente. O corpo que se movimenta no esporte, se refaz a cada instante, revelando, a cada experiência vivida, um novo mundo de sentidos e significados. Assim, compreendo-o como fenômeno em que a experiência estética é vivida. Em cada sensação, expressão, gesto ou comunicação vivida nele, adquiro e produzo saberes que dão sentido à minha existência. Não por representação ou por determinação, mas pela experimentação sensível do corpo, pelo movimento por vezes indeterminado, pelo gesto imprevisível e pelo fazer e refazer de cada experiência vivida. Nesse pensamento, compreendo que o esporte disponibiliza uma profundeza de sentidos, presente nos corpos dos atletas, que nos possibilita compreendê-lo a partir de sua relação com a estética e a educação, permitidas pelas diversas significações vividas no jogar. 40 Tempo-espaço do corpo em quadra Todos os esportes têm dimensões específicas e um tempo próprio a ser seguido. A constatação parece óbvia e de fato é. Há um tempo e um espaço para que ele aconteça. As linhas delimitam a superfície a ser utilizada e o cronômetro indica o seu andamento. São elementos fixos, controlados por um conjunto de árbitros27 especializados para atuar e manter toda “ordem” e “forma” do seu decorrer. Em alguns esportes esses elementos são relativamente “curtos” e “pequenos”, como no caso do atletismo e da natação, em outros, relativamente “longos” e “grandes”, como nos esportes coletivos e automobilísticos, mas todos marcados e regidos por delimitações e temporalidades próprias. No caso do handebol, a estrutura da partida revela na existência dessa organização interna uma duração determinada para a partida e uma limitação para os espaços que serão preenchidos. A partida é realizada no interior de uma quadra retangular previamente delimitada. Oficialmente, suas dimensões são estas: 40 metros de comprimento e 20 metros de largura, existindo, em cada extremidade, uma área de gol, que compreende, na sua amplitude máxima, 6 metros a partir da linha de fundo. Nesse espaço, chamado a área do gol, a princípio só pode ser utilizada pelos goleiros, sendo punidos os demais jogadores que a invadirem. As partidas são realizadas em um período de tempo relativamente longo. Uma partida oficial dura 1 hora, sendo esta dividida em dois tempos iguais de 30 minutos, com um intervalo de 10 minutos entre eles. Nesse esporte é possível ao atleta viver tempos diferentes em um mesmo espaço: o do próprio ato da partida que, conforme dito, divide-se em dois momentos, e é onde desencadeiam-se as jogadas e criam-se as movimentações; e o intervalo, 27 Cada esporte tem um conjunto de arbitragem própria. No handebol, além dos dois árbitros que atuam diretamente no jogo, controlando as ações que possam fugir das regras, existem dois mesários na lateral da quadra, o secretário e o cronometrista. O secretário tem como função fazer a súmula da partida, computando todas as estatísticas do jogo (cartões, gols, faltas etc.). Já o cronometrista, que possui um cronômetro, é quem controla o tempo da partida, interrompendo-o todas as vezes que os árbitros ou técnicos (pedido de tempo) solicitarem. 41 compreendido como período de descanso, de troca de jogadores e de possíveis orientações técnicas. São tempos distintos de um mesmo cenário que se comunicam. Logo, pode- se considerar os movimentos realizados como uma inter-relação dos elementos da partida (espaço, tempo, bola, quadra e jogadores), visto que eles se ligam ao tempo como dependente direto do que é acionado no corpo. Ou seja, não há como separar, no esporte, tempo-espaço e corpo. Posto que, ambos compõem as ações dos atletas em quadra e a forma como eles habitam este lugar. Percebo que esses fatores formam uma atmosfera em que habito desde os meus 11 anos. O corpo já não é o mesmo desse tempo. A agilidade parece estar reduzida, os arremessos gradativamente menos potentes, as dores multiplicaram-se e as fragilidades técnicas/táticas/físicas estão mais aparentes. Entretanto, a experiência que habita o corpo ao longo desses anos ainda suplanta proezas como as dos momentos áureos da adolescência, recuperando percepções somente sentidas em quadra, as quais justificam a minha permanência no esporte para me sentir mais feliz, mais viva e mais humana, semelhante ao que diz Merleau-Ponty (2011, p. 321): “Meu corpo toma posse do tempo [...] ele faz o tempo em lugar de padecê-lo”. Por isso, não experiencio o tempo e o espaço de modo cronológico e físico simplesmente. Vivo-os no fluxo das minhas ações e vou habitando pela extensão do meu corpo, experiências que ele vivencia e que ele mesmo mede. Desse modo, meus movimentos não se configuram somente como um deslocamento no tempo e no espaço, mas é um mover
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