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I “Interações medicamentosas potenciais dos anti-hipertensivos: uso perigoso entre idosos” por Pablo Mibielli Frederico Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências, na área de Epidemiologia em Saúde Pública. Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Suely Rozenfeld Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Guacira Corrêa de Matos Rio de Janeiro, março de 2012. II Esta dissertação, intitulada “Interações medicamentosas potenciais dos anti-hipertensivos: uso perigoso entre idosos” apresentada por Pablo Mibielli Frederico foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Edais Pepe Prof.ª Dr.ª Dóra Chor Prof.ª Dr.ª Suely Rozenfeld – Orientadora principal Dissertação defendida e aprovada em 29 de março de 2012. III RESUMO Introdução - Devido à idade avançada os idosos frequentemente apresentam múltiplas patologias e necessitam fazer uso de mais de um medicamento, estando assim, sujeitos a interações medicamentosas indesejadas que podem resultar em eventos adversos e ineficiência do tratamento medicamentoso. Esse trabalho tem como objetivos caracterizar e identificar fatores associados às potenciais interações medicamentosas relacionadas ao uso de anti-hipertensivos em idosos. Métodos – O estudo tem por base um inquérito, com amostra de idosos (com 60 anos ou mais de idade) residentes no Rio de Janeiro, beneficiários da Previdência Social (DATAPREV), realizado em 2003. Foram analisados os dados buscando identificar o uso simultâneo de anti-hipertensivos com outras substâncias que tenham potencial para causar efeitos indesejados. Foram selecionados os anti-hipertensivos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais e as interações medicamentosas a partir do livro Drug Interaction Facts. Resultados e discussão – Cinquenta e três por cento da amostra de 577 indivíduos, eram usuários de anti-hipertensivos. Desses, 31% usavam substâncias que, com elevado grau de evidência científica, interagem com os anti-hipertensivos, podendo causar eventos adversos. Os entrevistados que utilizam 5 ou mais medicamentos tiveram chance 6,52 vezes maior de exposição a interação medicamentosa potencial, quando comparados aos usuários de 4 ou menos medicamentos; os internados no último ano tiveram chance 2,66 vezes maior, quando comparados aos que não sofreram internação hospitalar; e os indivíduos referindo estado de saúde muito ruim ou ruim tiveram chance 2,33 vezes maior, quando comparados aos que referem estados de saúde bom ou muito bom. O conhecimento das interações medicamentosas é importante para a utilização racional dos medicamentos e para melhora da qualidade da prescrição, principalmente em idosos, pois sua ocorrência pode prejudicar o tratamento de doenças importantes como a hipertensão arterial. Palavras-chave: interação medicamentosa potencial, idosos, anti-hipertensivos. IV ÍNDICE DE CONTEÚDOS Páginas INTRODUÇÃO 1 ESTUDOS DE UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS 1 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS 4 A POPULAÇÃO IDOSA E O USO DE MEDICAMENTOS 7 HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS): tratamento 9 EPIDEMIOLOGIA DAS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS – frequência, medicamentos envolvidos e fatores de risco IM em pacientes hospitalizados IM em pacientes ambulatoriais IM na área cardiovascular 12 13 13 14 JUSTIFICATIVAS 16 OBJETIVOS 17 SUJEITOS E MÉTODOS 18 RESULTADOS 25 DISCUSSÃO 44 SUGESTÔES 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55 ANEXO 1 – Questionário domiciliar – Parte C – Uso de medicamentos ANEXO 2 – Parecer nº 79/02 do Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/FIOCRUZ ANEXO 3 – Anti-hipertensivos e interações medicamentosas potenciais selecionadas V ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROS Páginas Figura 1. Relação entre erros de medicação, eventos adversos relacionados a medicamentos e eventos adversos em potencial 02 Quadro 1. Classificação da pressão arterial para indivíduos acima de 18 anos 09 Figura 2. Fluxograma para o tratamento da hipertensão arterial, segundo a “VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão” 10 Quadro 2. Classes de fármacos anti-hipertensivos e alguns fármacos 11 Quadro 3. Classificação por níveis de gravidade e evidência científica, segundo Tatro 21 Figura 3. Distribuição da amostra formada por aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 36 Quadro 4. Interações potenciais entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 41 VI ÍNDICE DE GRÁFICOS Páginas Gráfico 1. Distribuição por nº de fármacos utilizados, segundo o sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 29 Gráfico 2. Distribuição por nº de fármacos utilizados, segundo a idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 30 Gráfico 3. Proporção de usuários de anti-hipertensivos, por sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 31 Gráfico 4. Proporção de usuários de anti-hipertensivos, por idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 31 Gráfico 5. Proporção de indivíduos utilizando um ou mais anti-hipertensivos concomitantes, por sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 32 Gráfico 6. Proporção de indivíduos utilizando um ou mais anti-hipertensivos concomitantes, por idade,entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 32 Gráfico 7. Distribuição dos indivíduos segundo nº de interações potenciais, por sexo e idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 37 Gráfico 8. Interações potenciais mais frequentes, por sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 42 Gráfico 9. Interações potenciais mais frequentes, por idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 42 VII ÍNDICE DE TABELAS Páginas Tabela 1. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo variáveis demográficas, sociais e de saúde, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 26 Tabela 2. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo presença de doenças cardiovasculares auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 27 Tabela 3. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo presença de outras doenças auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 28 Tabela 4. Perfil de utilização dos anti-hipertensivos estudados, por sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 34 Tabela 5. Perfil de utilização dos anti-hipertensivos estudados, por idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 35 Tabela 6. Caracterização dos participantes sujeitos a interações, segundo variáveis demográficas, sociais e de saúde, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 38 Tabela 7. Caracterização dosparticipantes sujeitos a interações, segundo presença de doenças cardiovasculares auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 39 Tabela 8. Caracterização dos participantes sujeitos a interações, segundo presença de outras doenças auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 40 Tabela 9. Fatores associados à exposição às interações medicamentosas potenciais 43 1 INTRODUÇÃO Os avanços tecnológicos no campo da produção dos medicamentos, sua crescente utilização pelas populações e as limitações de conhecimento a respeito da segurança dos fármacos trouxeram reconhecimento de que os medicamentos, além de ajudar no restabelecimento da saúde, também podem causar danos. Essa constatação vai ao encontro de uma antiga definição grega para phármakon, que é o que pode trazer tanto o bem como o mal, manter a vida ou causar a morte (Weatherall, 1990). A definição acima traz embutida a noção de risco presente na utilização de medicamentos. O risco diz respeito à probabilidade de ocorrência de um evento ou desfecho desfavorável na utilização de tecnologias, e outros procedimentos nas intervenções em saúde (Guilam, 2006). Dessa forma, esforços têm sido direcionados no sentido de descrever, organizar e disponibilizar informações que contribuam para aumentar a segurança na utilização de medicamentos. Uma das estratégias adotadas para direcionar a produção do conhecimento tem sido o desenvolvimento dos estudos de utilização. ESTUDOS DE UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS Os estudos de utilização de medicamentos têm sido foco de interesse desde a década de 1960. Nessa época, esse tipo de estudo tinha pouca inserção na área acadêmica e era pouco discutido pelas autoridades em saúde pública (Gama, 2008). A OMS define utilização de medicamentos como comercialização, distribuição, prescrição e uso de medicamentos na sociedade, considerando as consequências médicas sociais e econômicas (WHO, 2003). 2 Os estudos envolvendo utilização de medicamentos atendem a diversos objetivos, dentre eles: descrição de padrões de uso; constatação de variações nos perfis terapêuticos; avaliação de efeitos de medidas de intervenção; estimativa de exposição individual a medicamentos; detecção de sinais da má utilização; levantamento das necessidades de medicamento, entre outros propósitos (Melo, 2006). Inseridos no contexto do processo de utilização de medicamentos existem alguns termos para classificar efeitos indesejáveis que os medicamentos podem causar no organismo humano. A publicação Preventing Medications Errors traz as definições e a Figura 1 ilustra as relações entre os termos (Institute of Medicine of National Academies, 2006). Figura 1. Relação entre erros de medicação, eventos adversos relacionados a medicamentos e eventos adversos em potencial. Os erros de medicação são definidos como qualquer evento evitável que, de fato ou potencialmente, provoque o uso inadequado de medicamento. Esses erros podem ser relacionados a práticas profissionais, processos, sistemas, incluindo prescrição, dispensação, administração, monitoramento, entre outros (Institute of Medicine of the National Academies, 2006). 3 Os eventos adversos relacionados a medicamentos são definidos como qualquer dano ou lesão causado ao paciente pela intervenção da equipe de saúde relacionada aos medicamentos (Institute of Medicine of the National Academies, 2006). A definição de um comitê de peritos em segurança e qualidade dos cuidados à saúde da OMS (SP-SQS, 2005) é semelhante: evento adverso a medicamento é qualquer dano ocorrido ao paciente durante a terapia medicamentosa e resultante de cuidado apropriado, ou de cuidado indevido ou sub-ótimo. Os eventos adversos em potencial são aqueles nos quais o erro ocorreu, mas não houve dano ao paciente por ter ocorrido em condições específicas ou pe lo fato de o erro ter sido interceptado e corrigido antes que houvesse dano. Apesar de não chegar a trazer problemas para o paciente, a identificação desse tipo de evento é importante na avaliação de risco da terapia (Institute of Medicine of the National Academies, 2006). Os eventos adversos relacionados a medicamentos podem ser evitáveis, quando o dano é resultado de erros em qualquer estágio do processo de utilização, ou não evitáveis, quando o dano provocado pela utilização de medicamento não é conseq uência de erro como, por exemplo, nos casos de alergia em pacientes sem histórico de alergia (Institute of Medicine of the National Academies, 2006). Os eventos adversos não evitáveis são também denominados reações adversas, definidas pela OMS como qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se manifeste após a administração do medicamento, em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico, tratamento de uma enfermidade ou modificação da função fisiológica (Institute of Medicine of the National Academies, 2006). 4 Entre os eventos evitáveis, que podem comprometer a qualidade da assistência à saúde, estão as interações entre fármacos. Elas podem ser devidas a erros que não atingiram o paciente ou a eventos com danos (preveníveis ou não). INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Apesar da recomendação de priorizar a utilização de um único medicamento para o tratamento das enfermidades, em muitos casos, e por diversos motivos, faz-se necessário o uso de dois ou mais medicamentos concomitantemente, o que traz a possibilidade de interação entre eles. Uma interação medicamentosa (IM) de desfecho trágico e bem documentada na literatura ocorreu em 1984 na cidade de Nova Iorque, nos EUA, quando um jovem de 18 anos, usuário de fármacos inibidores da monoaminoxidase, foi medicado com meperidina ao dar entrada no setor de emergência e, em poucas horas, veio a falecer devido à depressão do sistema nervoso central (Asch, 1998). Embora as IM, em sua maioria, repercutam negativamente no estado clínico do paciente, elas também podem ser benéficas. Como exemplo, há o antagonismo específico do diazepam com o flumazenil, o segundo sendo antagonista competitivo dos benzodiazepínicos no sistema nervoso central. A interação reverte os efeitos sedativos do diazepam. Há também a associação de sulfametoxazol com trimetoprima, ambos inibidores da mesma via de síntese de DNA em microorganismos, mas que atuam em pontos diferentes reduzindo o risco de resistência bacteriana (Rang, 2001). Nies define interação medicamentosa potencial como a possibilidade de um medicamento alterar a intensidade do efeito farmacológico de outro medicamento administrado concomitantemente. O resultado da interação pode ser o aumento ou a 5 diminuição dos efeitos de um ou ambos os medicamentos, ou o aparecimento de um novo efeito não observado na administração de um dos medicamentos isolados (Nies, 1996). A maioria dos estudos sobre IM investiga o potencial para interações, possivelmente pela dificuldade de se obter comprovação da ocorrência de interação em amostras significativas. Por outro lado, o estudo das interações potenciais possibilita uma análise do risco ao qual a população estudada está sendo exposta. As interações podem ser classificadas quanto ao mecanismo de ação em: farmacodinâmicas e farmacocinéticas. Interações farmacodinâmicas ocorrem quando dois fármacos fazem suas ligações no mesmo receptor, ou quando eles têm efeitos aditivos ou inibitórios devido à atividade em diferentes receptores no organismo. Frequentemente, as substâncias, além de seus efeitos primários, apresentam um ou mais efeitos secundários que podem resultar em interações. Como exemplo, muitos anti-histamínicos e antidepressivos tricíclicos são potentes antagonistas muscarínicos (Nies, 1996). Os mecanismos farmacocinéticos das IMs ocorrem quando asações de um fármaco alteram o perfil de absorção, distribuição, metabolismo ou excreção de um segundo fármaco. O resultado pode ser aumento ou diminuição na concentração da substância no local de ação (Nies, 1996). Os fármacos administrados concomitantemente podem ainda interagir de modo físico-químico antes de alcançar o sítio de ação (interações farmacêuticas). Como exemplo, Ca2+ e outros íons metálicos presentes em antiácidos são quelados pela tetraciclina, no trato gastrintestinal, formando um complexo que não é absorvido (Nies, 1996). Muitos fármacos se ligam extensivamente à albumina plasmática e às glicoproteínas. Apenas substâncias não ligadas têm capacidade para penetrar nos diferentes 6 tecidos. Substâncias com muita afinidade por tais proteínas inibem a ligação de outras fazendo com que estas fiquem mais disponíveis para atuar nos tecidos, provocando um aumento na sua atividade farmacológica (Nies, 1996). Por exemplo, a fenilbutazona desloca a warfarina de seus locais de ligação à albumina, prolongando o tempo de protrombina. O resultado desta IM é o aumento do potencial hemorrágico do anticoagulante (Rang, 2001). Com relação ao metabolismo de fármacos, as interações podem provocar aumento ou diminuição da quantidade de substância disponível para ação, pela inibição ou indução da metabolização das mesmas. Esse tipo de interação pode ocorrer entre dois fármacos, entre fármaco e componente da dieta ou entre fármaco e substância química, como álcool e fumaça de cigarro (Nies, 1996). Para a maioria dos casos, a principal via de metabolismo responsável pelas IMs é a de oxidação da fase I, mediada pela atividade das enzimas do citocromo P450. Como exemplo, a cimetidina é inibidora do citocromo P450 e provoca aumento da atividade farmacológica da amiodarona enquanto a rifampicina é indutora e provoca aceleração do metabolismo de contraceptivos orais (Rang, 2001). As substâncias também podem provocar alterações na excreção renal e tal capacidade depende da interação entre elas e o sítio ativo de transporte. Como exemplo, a probenecida é inibidora da secreção tubular renal de penicilinas, cefalosporinas, dapsona, indometacina, metotrexato, sulfinpirazona e zidovudina (Aronson, 2006). Um sub-grupo populacional de alto risco para ocorrência de IM é formado pelos pacientes idosos, que frequentemente utilizam muitos medicamentos concomitantemente, têm diversas comorbidades , redução da função hepática e renal, e dificuldade em manter o status nutricional adequado (Mallet, 2007). 7 A POPULAÇÃO IDOSA E O USO DE MEDICAMENTOS A população mundial, e também a brasileira, vem envelhecendo de forma rápida, desde o início da década de 1960. O aumento da população idosa vem sendo associado com a transição demográfica que, teoricamente, é orientada por três postulados centrais. O primeiro diz respeito à diminuição da mortalidade provocada pelo progresso técnico; o segundo, à mudança cultural dos hábitos reprodutivos, onde há retardamento dos casamentos e maior controle da fecundidade pelos casais; e, o terceiro, à influência do crescimento econômico no processo de queda da fecundidade. Essas transições afetam significativamente, e de forma direta, a estrutura etária da população (Chaimowicz, 1997). O estatuto do idoso define a população idosa como aquela formada por pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, e ainda garante a eles prioridade com relação à formulação de políticas públicas, ao atendimento preferencial e individualizado nos serviços, tanto públicos como os privados, dentre outros aspectos (Brasil, 2003a). A idade avançada não implica, necessariamente, em diminuição na condição de saúde. Porém, observa-se um número maior de indivíduos com fragilidades e vulnerabilidades nesse estrato da população do que nos indivíduos adultos. Ta l fato pode ser explicado pela diminuição nas reservas fisiológicas, redução da homeostase, alterações nos mecanismos inflamatórios e imunológicos, presença de comorbidades e utilização de muitos medicamentos (Spinewine, 2007). No Canadá, estimou-se que 44% das prescrições no ano de 2005 eram direcionadas a idosos (Mallet, 2005). O envelhecimento modifica o funcionamento do organismo de maneira altamente variável, tornando a seleção apropriada da farmacoterapia um processo complexo e desafiador. A população idosa apresenta uma alta variabilidade interindividual em relação à saúde, à doença e aos níveis de perda de capacidade para atividades cotidianas. Essa 8 heterogeneidade traz grandes dificuldades, para os prescritores, com relação às decisões a serem tomadas no momento da prescrição. Dessa forma é comum encontrar, para essa faixa etária, prescrições inapropriadas, ou seja, medicamentos não prescritos quando necessários, mais fármacos prescritos do que necessário e medicamentos prescritos erroneamente (Spinewine, 2007) Assim, a idade do paciente constitui fator importante para a ocorrência de eventos adversos relacionados a medicamentos. Além dos processos farmacocinéticos e farmacodinâmicos de absorção, distribuição, metabolização e excreção alterados, a existência de comorbidades e as dificuldades com relação à prescrição apropriada predispõem os idosos à IM (Rissato, 2005). 9 A HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTEMICA (HAS): tratamento No Brasil, a hipertensão arterial sistêmica é uma das principais doenças crônicas. Este agravo à saúde é caracterizado por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA) e tem origem reconhecidamente multifatorial. O Quadro 1 mostra a classificação da pressão arterial para indivíduos acima de 18 anos. Quadro 1. Classificação da pressão arterial para indivíduos acima de 18 anos. * Pressão normal-alta ou pré-hipertensão. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010. Inquéritos realizados em cidades brasileiras nas últimas duas décadas apontam prevalência de HAS, na população geral, em torno de 30%. Porém, essa porcentagem aumenta para 50% se considerarmos a população idosa, na faixa composta por indivíduos entre 60 e 69 anos, alcançando 75% em indivíduos acima de 70 anos. O avançar da idade, então, tem uma relação direta com a elevação de PA, e é considerado um importante fator de risco para a doença (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010). A HAS pode ser controlada, dependendo da gravidade, da elevação nos valores da PA e do risco individual, por mudança no estilo de vida ou pelo tratamento medicamentoso. A mudança no estilo de vida abrange situações de menor risco pessoal e menores elevações 10 de PA, e envolve medidas para controle do peso e mudanças nos padrões de alimentação, com ingestão de ácidos graxos insaturados, fibras, proteínas de soja, redução no consumo de sal e de álcool; regularidade na prática de atividade física; combate ao tabagismo; técnica de respiração lenta; e o controle do stress psicossocial (Sociedade Brasileira Cardiologia, 2010). O tratamento medicamentoso, por sua vez, é adotado em situações de maior risco individual e maiores aumentos na PA, e é muito diversificado. Estão disponíveis, segundo o documento “VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão” da Sociedade Brasileira de Cardiologia, sete classes de fármacos anti-hipertensivos, envolvendo mais de dez mecanismos de ação diferentes. E, dependendo do estágio de gravidade da doença, a monoterapia não é suficiente, e pode ser necessário associar até três medicamentos, como mostra a Figura 2. Figura 2. Fluxograma para o tratamento da hipertensão arterial, segundo a “VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão”. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010. 11 O Quadro 2 apresenta as sete classes de fármacos com respectivos exemplos de substâncias comumente comercializadas, mostrando a diversidade de opções terapêuticas. Quadro2. Classes de fármacos anti-hipertensivos e alguns fármacos. Diuréticos Inibidores adrenégicos Bloqueadores dos canais de cálcio Tiazídicos Ação central Fenilalquilaminas Clortalidona Metildopa Verapamil Hidroclorotiazida Clonidina Benzotiazepinas Indapamida Betabloqueadores Diltiazem Alça Atenolol Diidropiridinas Bumetanida Metoprolol Anlodipino Furosemida Propranolol Nifedipino Poupadores de potássio Alfabloqueadores Nitrendipino Amilorida Doxazosina Felodipino Espironolactona Prazosina Inibidores da ECA* Vaso dilatadores diretos Bloqueadores do receptor at1 Captopril Hidralazina Losartana Enalapril Minoxidil Valsartana Ramipril Inibidor direto de renina Candesartana Lisinopril Alisquireno Irbesartana Perindopril * Enzima conversora de angiotensina. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010. São, também, diversas as possibilidades de associações entre fármaços. Um trabalho realizado na cidade de São Paulo sobre o uso de anti-hipertensivos mostrou que as classes de medicamentos mais utilizados foram os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), diuréticos, betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio. E as associações mais frequentes foram diurético e inibidor da ECA, diurético e betabloqueador, inibidor da ECA e bloqueador de canal de cálcio, inibidor da ECA e betabloqueador (Souza, 2006). 12 EPIDEMIOLOGIA DAS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS – frequência, medicamentos envolvidos e fatores de risco A frequência de IM em diferentes populações ou estudos é muito variável. Alguns fatores que podem explicar as diferenças são: o local da pesquisa (ambulatório, hospital); as classes terapêuticas envolvidas; as características da amostra investigada (idade, sexo, estado fisio- patológico, tipo de alimentação); o modo de administração dos medicamentos (dose, via, intervalo e sequência da administração); os hábitos dos profissionais quanto às prescrições e o uso irracional de medicamentos (Secoli, 2001). Com relação aos fatores associados, análises multivariadas apontaram número de medicamentos utilizados (Janchawee, 2005; Doubova, 2007; Secoli, 2010; Bacic-Vrca, 2010) e doenças relacionadas ao sistema cardiovascular (Doubova, 2007; Secoli, 2010) como fatores preditores da ocorrência de interações medicamentosas potencias. Com relação à idade, a associação é observada em estudos com a população geral, porém naqueles com participantes de 60 anos ou mais de idade a associação não é significativa (Secoli, 2010; Bacic-Vrca, 2010). Na análise multivariada de Carter (2002), que incluiu a interação entre idade e número de medicamentos utilizados, o efeito da idade foi minimo em pacientes recebendo poucos medicamentos mas foi notável nos indivíduos utilizando mais medicamentos. Fatores como nível de escolaridade, saúde auto-referida, hospitalização nos últimos meses e consultas médicas nos últimos meses também já foram estudados em população acima de 50 anos de idade porém não foi identificada associação entre eles e a ocorrência de interação medicamentosa (Secoli, 2010; Doubova, 2007). 13 IM em pacientes hospitalizados Num hospital universitário na Suissa, as prescrições, de admissão e de alta, de pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca foram analisadas. Oitenta e seis por cento da amostra tinha idade igual ou superior a 65 anos. O número de medicamentos prescritos na alta (8) foi significativamente maior que o de medicamentos prescritos na admissão (6). Foram encontradas IM potenciais em 68% dos pacientes na admissão e em 89% dos pacientes na alta (Straubhaar, 2006). No hospital geral de Vitória da Conquista foi conduzido um estudo retrospectivo em prescrições de pacientes de 18 anos ou mais que permaneceram no hospital por período superior a 24 horas. Trinta e sete por cento dos pacientes estavam sujeitos a IM potencial e dentre os cincos pares de interação mais comuns dois deles envolviam medicamentos que atuam no sistema cardiovascular (Moura, 2009). Em relação aos idosos, no Hospital Israelita Albert Einstein, localizado em São Paulo, foram identificadas 705 IMs potenciais numa amostra de 155 pacientes hospitalizados, resultando em, aproximadamente, quatro interações por paciente. Destas, 28% eram graves e 72% moderadas e as consequências mais frequentes foram aumento do risco de sangramento e hipoglicemia ou hiperglicemia (Locatelli, 2007). IM em pacientes ambulatoriais Num hospital universitário na Tailândia, as prescrições de pacientes ambulatoriais, de todas as idades, com dois ou mais medicamentos foram analisadas e 27,9% delas continham, ao menos, uma IM potencial. Dentre os cincos pares de interação mais comuns 14 dois deles envolviam medicamentos que atuam no sistema cardiovascular (Janchawee, 2005). No norte da Itália, os registros clínicos de pacientes ambulatoriais de todas as idades foram analisados retrospectivamente e 4,7% dos participantes (16037) estavam expostos a IM potencial. Nesse estudo apenas interações de alta relevância clínica (gravidade elevada e evidência bem documentada) foram selecionadas. Mais de 80% dos med icamentos envolvidos nas interações atuam no sistema cardiovascular, sendo a digoxina o de maior frequência. Diuréticos, amiodarona, varfarina, verapamil e inibidores da enzima conversora de angiotensina estavam também frequentemente envolvidos (Magro, 2008). Um inquérito domiciliar com idosos residentes em São Paulo mostrou que 26% (1035 idosos) usavam medicamentos envolvidos em IMs potencialmente perigosas. Foi observado também que idosos com hipertensão, diabetes e problemas de coração tem maior chance de estarem expostos a interações (Secoli, 2010). IM na terapia cardiovascular Em prescrições de usuários do programa norte americano Medicaid, com mais de 30 anos de idade, utilizando anti-hipertensivos e com 4 ou mais medicamentos não tópicos prescritos, estimou-se utilização média, por paciente, de 2 anti-hipertensivos e 7 medicamentos de outras classes. Os usuários de diuréticos poupadores de potássio, comparados aos usuários de outros tipos de anti-hipertensivos, apresentaram maior probabilidade (37,4%) de ter IM potencial de alta relevância clínica (Carter, 2002). Na Croácia, foram entrevistados 265 pacientes idosos ambulatoriais com hipertensão arterial, recebendo 2 ou mais medicamentos. Foram observadas 215 interações 15 distintas e 90,6% da amostra estava sujeita a interação potencial. Cinquenta e um por cento das IMs potenciais envolviam anti-hipertensivos (Bacic-Vrca V, 2010). No norte da Palestina, nas prescrições de 876 pacientes ambulatoriais com doença cardiovascular e em uso de um ou mais anti-hipertensivos, foram encontrados 433 pares de IM potencial. Os usuários de beta-bloqueadores, comparados aos usuários de outros anti- hipertensivos, tiveram a maior porcentagem (31,1%) de IM potenciais (Sweileh, 2005). No Japão, o estudo de uma coorte de indivíduos hipertensos, ainda não tratados, subdivididos em usuários e não usuários de anti- inflamatórios não esteróides, aferiu a pressão arterial sistólica na linha de base, e após 2 meses de tratamento para hipertensão arterial. Entre os usuários de anti- inflamatórios não esteroidais a pressão arterial foi, na segunda medida, maior (diferença ajustada de 2,88mmHg) que entre os não usuários, mostrando uma atenuação significativa da efetividade dos agentes anti-hipertensivos pela co-administração de anti- inflamatórios não esteróides (Ishiguro, 2008). Os resultados dos trabalhos citados e demais estudos encontrados na literatura devem ser interpretados com muita cautela. Existe variação nas definições e nas classificaçõesdos níveis de relevância clinica, devido às diferentes fontes usadas para detectar interações medicamentosas. As bases de dados sobre IM não são específicas para subgrupos populacionais, como o dos idosos. Muitas IM potenciais não levam a efeitos clínicos e, por outro lado, eventos adversos relacionados a IM podem não ser reconhecidos, sendo com frequência atribuídos às comorbidades (Mallet, 2007). 16 JUSTIFICATIVAS É comum, principalmente em determinados grupos populacionais, encontrar indivíduos recebendo tratamento medicamentoso para múltiplas patologias, prescritos por profissionais de diferentes especialidades. A comunicação entre esses profissionais é, por vezes, muito limitada e não há quem coordene e possa retirar duplicações, redundâncias entre medicamentos ou prevenir interações entre fármacos. Esse contexto favorece o uso simultâneo de vários fármacos (polifarmácia) de maneira inapropriada. Uma consequência importante é a ocorrência de IM que, frequentemente, encontra-se relacionada a eventos adversos que, por sua vez, são reconhecidos como importante problema de saúde pública. Insucesso terapêutico e danos aos pacientes são os desfechos que podem ser provocados por IM. As estimativas, embora muito variáveis, mostram altas proporções de indivíduos sujeitos a IM potencial, principalmente se hospitalizados. A idade avançada representa um fator de risco importante para ocorrência de IM. Pacientes geriátricos apresentam mudanças significativas no organismo, como alterações na distribuição da água, na massa muscular e na gordura corporal, assim com na função hepática e renal que podem afetar a biodisponibilidade e comprometer a metabolização dos medicamentos, aumentando sua meia-vida (t½) e a duração do efeito farmacológico. Na atualidade, as IMs têm se constituído em importante objeto de investigação e são escassos os trabalhos sobre IM em pacientes idosos não hospitalizados. Estudos de utilização de medicamentos podem ser importante fonte de informação sobre potenciais eventos adversos relacionados às IMs, uma vez que os dados estão disponíveis, e usualmente são coletados de forma padronizada. Esse estudo retoma as informações obtidas em um inquérito realizado no Rio de Janeiro e pretende abordar o tema das IMs em idosos. 17 OBJETIVOS Geral Estudar as potenciais interações medicamentosas relacionadas ao uso de anti-hipertensivos, em idosos. Específicos Selecionar e descrever, com base na literatura, as interações medicamentosas e os seus possíveis eventos adversos, relacionadas ao uso de anti-hipertensivos. Estimar a prevalência de interações potenciais entre os medicamentos usados por uma amostra de beneficiários do INSS, acima de 60 anos de idade. Identificar fatores associados à ocorrência de interações medicamentosas na amostra estudada. 18 SUJEITOS E MÉTODOS Origem dos dados e população de estudo Trata-se de um estudo de utilização de medicamentos, realizado a partir de informações obtidas do inquérito Perfil de Utilização de Medicamentos por Aposentados Brasileiros (Brasil, 2003b). Foram selecionados indivíduos, para entrevistas domiciliares e postais, de idosos com 60 anos ou mais de idade, vinculados ao Regime Geral de Previdência Social do INSS/MPAS. O inquérito foi realizado em 2003, nas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Dos 456.628 aposentados, residentes no Rio de Janeiro, foi selecionada pelo DATAPREV, com base em seu cadastro de beneficiários, uma amostra aleatória simples, considerando-se nível de 95% de confiança e taxas de resposta de 75%. Inicialmente foram sorteados 800 indivíduos e devido a perdas inevitáveis, como falecimento e mudança para endereços não localizados, a amostra original foi acrescida de 100 indivíduos (Brasil, 2003b). Os questionários para entrevista domiciliar contavam com três blocos de perguntas. Um deles sobre características sociais e demográficas do indivíduo: data de nascimento, sexo, tipo de moradia, pessoas residentes no domicílio e escolaridade. Outro, sobre indicadores das condições de saúde e uso de serviços de saúde: percepção da própria saúde; incapacidade para realizar atividades de rotina por problemas de saúde nas duas últimas semanas; número de internações hospitalares no ano anterior; queixas quanto à qualidade do atendimento médico; história de doenças diagnosticadas por algum profissional de 19 saúde; utilização de plano de saúde; pagamento e fornecimento de medicamentos por plano de saúde. E um terceiro bloco abordando o uso de medicamentos: uso regular; independência para o uso no dia-a-dia; gastos com medicamentos no último mês; identificação e caracterização dos medicamentos utilizados nas duas últimas semanas; duração do uso dos mesmos; origem da prescrição; local de obtenção; maior problema encontrado quando da necessidade do medicamento; apresentação do comprovante de uso do medicamento; interrupção do uso (Anexo 1). A coleta de dados foi feita por graduandos em farmácia, treinados segundo um Manual de Instrução para Aplicação do Questionário Domiciliar (Brasil, 2003b). As informações foram organizadas em banco de dados utilizando programas específicos e a classificação dos medicamentos foi feita segundo o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas/DEF e a classificação Anatomical Therapeutic Chemical Classification System/ATC (Brasil, 2003b). O inquérito foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Anexo 2). Foram garantidos sigilo e confidencialidade das informações por meio de carta assinada pela Coordenação Regional do Projeto, e consentimentos livres e esclarecidos foram obtidos dos participantes. Definição de interações medicamentosas (IM) e seleção dos pares de fármacos Será considerada a seguinte definição de IM potencial: possibilidade de um medicamento alterar a intensidade do efeito farmacológico de outro medicamento administrado concomitantemente. O resultado da interação pode ser o aumento ou a diminuição dos efeitos de um ou de ambos os medicamentos, ou o aparecimento de um 20 novo efeito não observado na administração de um dos medicamentos isolados (Nies, 1996). Serão consideradas apenas as IMs que possam provocar desfechos adversos aos pacientes. A seguir, as fontes bibliográficas a partir das quais foram definidos os critérios para seleção dos anti-hipertensivos e os respectivos fármacos que interagem com cada um deles. Anti-hipertensivos (AH) - a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) foi a referência para selecionar os anti-hipertensivos a serem estudados. A RENAME é um importante instrumento para assistência farmacêutica, construído com base nas necessidades nacionais, que busca englobar fármacos com segurança e eficácia terapêutica comprovada (Brasil, 2010b). Os anti-hipertensivos selecionados a partir da RENAME pertencem a seis classes diferentes, e são os seguintes: espironolactona e hidroclorotiazida (diuréticos); atenolol, metildopa, metoprolol e propranolol (bloqueadores adrenérgicos); anlodipino e verapamil (bloqueadores de canais de cálcio); hidralazina e nitroprusseto de sódio (vasodilatadores diretos); captopril e enalapril (inibidores da enzima conversora de angiotensina) e losartana potássica (antagonista de receptores de angiotensina). Fármacos que interagem com os AH - foram selecionados os fármacos com os quais os antihipertensivos listados na RENAME interagem, e que podem causar danos aos pacientes ou ineficácia do tratamento. O critério para seleção das IMs envolveu nível de evidência e gravidade do dano. A fonte de informação foi o Drug Interaction Facts (Tatro, 2011) que classifica as interações em cinco níveis de evidência e três de gravidade. Níveis de evidência: Estabelecida: provada ocorrência em estudos controlados.Provável: muito provável, porém não provado clinicamente. 21 Suspeita: pode ocorrer, existem bons dados, mas são necessários mais estudos. Possível: pode ocorrer, mas os dados são muito limitados. Improvável: duvidoso, ausência de evidência de efeito clínico. Níveis de gravidade: Leve: incômodo ou efeito pequeno. Moderada: deterioração do estado do paciente. Elevada: risco de vida ou dano permanente. Para esse estudo foram selecionadas apenas as interações correspondentes aos níveis 1 e 2 (Quadro 3) e elas são apresentadas no Anexo 3. Quadro 3. Classificação por níveis de gravidade e evidência científica, segundo Tatro*. Níveis Gravidade Documentação 1 Elevada Suspeita ou > 2 Moderada Suspeita ou > 3 Leve Suspeita ou > 4 Elevada / Moderada Possível 5 Leve Possível Todos os níveis Improvável * Tatro DS. Drug Interaction Facts. Missouri: Wolters Kluwer Health; 2011. Preparo do banco de dados Foram utilizados nesse estudo dois bancos de dados, um combinando informações sobre características socias e demográficas, e indicadores das condições de saúde e uso de serviços de saúde e outro apenas com informações relacionadas a medicamentos. Dos fármacos AH listados na RENAME, foram encontrados, no banco de medicamentos, os seguintes princípios ativos, após ajustes nos nomes químicos: espironolactona, hidroclorotiazida, atenolol, cloridrato de propranolol, tartarato de 22 metoprolol, succinato de metoprolol, metildopa, besilato de anlodipino, cloridrato de verapamil, cloridrato de hidralazina, captopril, maleato de enalapril e losartana potássica. Apenas o nitroprussiato de sódio não foi utilizado por nenhum dos participantes nos 15 dias que antecederam a entrevista domiciliar. O banco de medicamentos continha informação sobre cada princípio ativo utilizado em linhas diferentes e dessa forma cada participante da amostra, nesse banco, ocupava uma ou mais linhas dependendo da quantidade de princípios ativos utilizados. Para relacionar as informações contidas nos dois bancos de dados foi necessário horizontalizar o banco de medicamentos de forma que cada participante ocupasse apenas uma linha. Apartir desse ponto foram criadas variáveis para cada par de interação a ser estudado e também uma variável para o total de interações encontradas em cada participante. Essas variáveis foram inseridas no banco de informações sócio-demográficas para que fossem realizadas as análises. Unidade de análise e variáveis do estudo Foram consideradas duas unidades de análise, os participantes e os medicamentos. Com relação aos participantes foram utilizadas as seguintes variáveis: - Sexo, nas categorias masculino e feminino. - Idade, nas categorias indivíduos de 60 a 74 anos e indivíduos de 75 anos ou mais. - Escolaridade, nas categorias até primeiro grau incompleto; e primeiro grau completo e mais. - Tipo de moradia: nas categorias mora só ou não mora só. 23 - Número de medicamentos, nas categorias usuários de 1 a 4 medicamentos e usuários de 5 ou mais. Também foi utilizada uma segunda categorização: não usuários de medicamentos; usuários de 1 medicamento; usuários de 2 a 5; usuários de 6 a 10; e usuários 11 ou mais medicamentos. - Internação hospitalar no último ano, nas categorias sim e não. - Consultas médicas nos últimos 12 meses, nas categorias 1 a 5 consultas e 6 ou mais. - Estado de saúde auto referido, nas categorias muito bom ou bom; regular; e muito ruim ou ruim. - Possui plano de saúde, nas categorias sim e não. - Esteve de cama nos últimos 12 dias, nas categorias sim e não. - Doenças auto-referidas nas categorias sim e não: pressão alta; infarto; angina; ataque do coração; derrame; diabetes; artrite, artrose ou reumatismo; asma; bronquite; depressão; problemas de audição; e problemas de visão. - Usuários de anti-hipertensivos, nas categorias sim e não. A variável também foi categorizada em usuários de 1 anti-hipertensivo; 2 anti-hipertensivos; e 3 ou mais. - Expostos a interação medicamentosa, nas categorias sim e não; e também nas categorias 1 e 2 ou mais interações. Os pares de interação medicamentosa potencial encontrados na amostra foram analisados individualmente. Análise de dados Os seguintes indicadores com relação aos participantes foram definidos: - número de participantes em uso de anti-hipertensivos/total de participantes 24 - número de participantes com risco de interações/total de participantes - número de participantes com risco de interações/total de usuários de anti-hipertensivos Com relação aos medicamentos, foi definida a frequência de cada par individual de interação. Foi estimada a proporção de entrevistados que usam anti-hipertensivos e, entre eles, a proporção dos usuários sujeitos à interação. A seguir, foram identificadas as possíveis associações entre a variável desfecho e as variáveis explicativas (independentes). A variável desfecho foi uso simultâneo, ou não, de anti-hipertensivos com fármacos capazes de causar danos por interação medicamentosa. As variáveis independentes estudadas foram: sexo, idade, escolaridade, consultas médicas, internações, número de medicamentos usados, pessoas na residência, participação em plano de saúde, estado de saúde auto-referido, acamado nos últimos 15 dias e variáveis relacionadas a comorbidades. Na análise bivariada, os dados foram apresentados como frequências absolutas e relativas, e as diferenças entre as proporções comparadas por meio do teste 2, com 95% de significância estatística. Para a análise multivariada, a variável “número de medicamentos utilizados” foi selecionada, uma vez que é apontada, de forma consistente na literatura, como variável relevante; além disso, no presente estudo, ela se associou, significativamente, à ocorrência de IM na análise bivariada. As “doenças cardiovasculares” não foram cogitadas, uma vez que o estudo refere-se às interações entre fármacos anti-hipertensivos, supostamente usados por indivíduos com algum problema cardiovascular. Ainda com base na literatura consultada, a “idade” não foi considerada para modelagem estatística. Ademais, a amostra estudada é relativamente homogênea no que se refere à idade e, na análise não ajustada, a 25 variável não apresentou associação estatística com interações potenciais entre fármacos. As “internações hospitalares no ano anterior” e a “saúde auto-referida” foram incluídas por estarem fortemente associadas às interações na análise bivariada (p<0,001). Optou-se por empregar a regressão logística, apropriada para desfechos binários, sendo o método de estimação do ajuste do modelo a máxima verossimilhança. Os procedimentos de preparo do banco de dados e das análises foram realizados em SPSS 17. RESULTADOS População de estudo Do total de 900 entrevistas previstas (800 da amostra inicial e 100 da amostra adicional), 70,7% da amostra efetiva (816) foram entrevistados (Brasil, 2003b). A amostra foi composta por 577 indivíduos, com predominância do sexo feminino (61%) e com média de idade de 72 anos, variando de 60 a 94 anos. Mais da metade dos participantes (64,1%) referiram ter doenças diretamente relacionadas ao sistema cardiovascular (pressão alta, infarto, angina, ataque do coração ou derrame) e a porcentagem aumenta para 66,4% se o diabetes for considerado. Do total de participantes, 261 (53,3%) faziam uso de algum agente anti- hipertensivo. A proporção de usuários de anti-hipertensivos foi maior: entre os com até primeiro grau incompleto (49,4% vs 38,8% entre os com primeiro grau completo e mais); entre os que utilizaram 5 medicamentos ou mais (66,7% vs 34,8% entre os que utilizaram de 1 a 4 medicamentos); entre os que sofreram internação hospitalar no último ano (63,3% vs 42,4% entre os que não sofreram internação hospitalar no último ano); entre os que fizeram 6 ou mais consultas médicas noúltimo ano (54,3% vs 39,2% entre os que fizeram 26 de 1 a 5 consultas médica nos últimos 12 meses) e entre os que referiram um estado de saúde muito ruim ou ruim (61,4% vs 34,4% entre os que referiram saúde muito boa ou boa). Foram descritas acima apenas diferenças significativas (p<0,05, tabela 1). Tabela 1. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo variáveis demográficas, sociais e de saúde, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Usuários de anti- hipertensivos N(%) Não usuários de anti-hipertensivos N(%) P valor Sexo Masculino Feminino 93 (41,3) 168 (47,7) 132 (58,7) 184 (52,3) 0,132 Idade 60 – 74 anos ≥ 75 anos 162 (44,8) 99 (46,0) 200 (55,2) 116 (54,0) 0,762 Escolaridade Até primeiro grau incompleto Primeiro grau completo e mais 176 (49,4) 85 (38,8) 180 (50,6) 134 (61,2) 0,013 Mora só Sim Não 42 (39,6) 218 (46,4) 64 (60,4) 252 (53,6) 0,206 Número de medicamentos utilizados 1 - 4 5 ou mais 135 (34,8) 126 (66,7) 253 (65,2) 63 (33,3) < 0,001 Internação hospitalar no ultimo ano Sim Não 50 (63,3) 210 (42,4) 29 (36,7) 285 (57,6) 0,001 Consultas médicas nos últimos 12 meses 1 – 5 6 ou mais 135 (39,2) 125 (54,3) 209 (60,8) 105 (45,7) < 0,001 Estado de saúde auto-referido Muito bom ou bom Regular 88 (34,4) 126 (52,3) 35 168 (65,6) 115 (47,7)22 (38,6) < 0,001 27 Muito ruim ou ruim (61,4) Possui plano de saúde Sim Não 102 (41,1) 158 (48,3) 146 (58,9) 169 (51,7) 0,086 Esteve de cama nos últimos 15 dias Sim Não 31 (50,8) 230 (44,6) 30 (49,2) 286 (55,4) 0,354 Segundo a presença de doenças cardiovasculares auto-referidas, observa-se que a proporção de usuários de anti-hipertensivos referindo doenças cardiovasculares foi maior do que os que não referiram (p<0,05), com exceção da variável ataque do coração, que não apresentou diferença significativa entre as categorias (tabela 2). Já na tabela 3, que se refere à presença de outras doenças auto-referidas, a proporção de usuários de anti-hipertensivos referindo diabetes; artrite, artrose ou reumatismo e problemas de visão, foi maior do que os que não referiram (p<0,05). Tabela 2. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo presença de doenças cardiovasculares auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Usuários de anti- hipertensivos N(%) Não usuários de anti-hipertensivos N(%) P valor Pressão alta Sim Não 244 (70,7) 17 (7,4) 101 (29,3) 214 (92,6) < 0,001 Infarto Sim Não 25 (67,6) 235 (43,7) 12 (32,4) 303 (56,3) 0,018 Angina Sim Não 38 (59,4) 223 (43,6) 26 (40,6) 288 (56,4) 0,025 Ataque do coração Sim Não 20 (58,8) 241 (44,5) 14 (41,2) 301 (55,5) 0,175 Derrame 28 Sim Não 29 (63,0) 230 (43,6) 17 (37,0) 298 (56,4) 0,030 Tabela 3. Caracterização dos usuários de anti-hipertensivos, segundo presença de outras doenças auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Usuários de anti- hipertensivos N(%) Não usuários de anti-hipertensivos N(%) P valor Diabetes Sim Não 69 (70,4) 191 (40,0) 29 (29,6) 286 (60,0) < 0,001 Artrite, artrose ou reumatismo Sim Não 133 (54,3) 126 (38,4) 112 (45,7) 202 (61,6) < 0,001 Asma Sim Não 10 (43,5) 251 (45,4) 13 (56,5) 302 (54,6) 0,651 Bronquite Sim Não 21 (47,7) 239 (45,1) 23(52,3) 291 (54,9) 0,867 Depressão Sim Não 52 (52,0) 208 (44,0) 48 (48,0) 265 (56,0) 0,245 Problemas de audição Sim Não 59 (46,8) 202 (44,9) 67 (53,2) 248 (55,1) 0,614 Problemas de visão Sim Não 204 (49,8) 57 (34,3) 206 (50,2) 109 (65,7) 0,002 29 Utilização de medicamentos Os participantes utilizavam em média 3,7 fármacos (intervalo: 0-24). A distribuição por número de fármacos utilizados é apresentada nos gráficos 1 e 2, por sexo e por idade, respectivamente. Para ambos os sexos, observa-se maior proporção de usuários que utilizavam de 2 a 5 fármacos, seguido de usuários de 6 a 10 fármacos; em ambos os grupos a proporção de mulheres é maior do que a dos homens (p<0,05). A diferença observada entre as faixas etárias não foi estatisticamente significativa (p>0,05). 30 Os gráficos 3 e 4 comparam as proporções de usuários de anti-hipertensivos com o restante da amostra, por sexo e por idade, respectivamente. As mulheres e os mais jovens (60 a 74 anos) utilizaram mais fármacos, tanto entre os usuários de anti-hipertensivos como no restante da amostra. Mas as diferenças por sexo e por idade, entre os estratos, não é significativa (p>0,05). 31 Aproximadamente 27% da população estudada usa um único fármaco para o controle da pressão arterial. Os gráficos 5 e 6 comparam a distribuição do número de anti- 32 hipertensivos usados por idade e sexo, respectivamente, e mostram que conforme aumenta o número de anti-hipertensivos utilizados diminui o número de usuários. Há maior proporção de mulheres e indivíduos de 60 a 74 anos fazendo uso de anti-hipertensivos nos 3 sub-grupos analisados, mas as diferenças não foram significativas (p>0,05). 33 Quanto ao perfil de utilização dos anti-hipertensivos agrupados por classe de medicamentos, entre os diuréticos, os bloqueadores adrenérgicos, os bloqueadores de canal de cálcio e os inibidores da enzima conversora de angiotensina os fármacos mais utilizados foram, respectivamente, a hidroclorotiazida (93,1%), o atenolol (57,9%), o anlodipino (81,3%) e o enalapril (65,3%). A RENAME inclui apenas um antagonista de receptores de angiotensina, a losartana potássica que foi utilizada por 7 participantes, e entre os vaso dilatadores diretos apenas a hidralazina foi utilizada por 7 participantes (tabela 4). Na tabela 4 observa-se maior utilização de anti-hipertensivos pelas mulheres, com exceção do bloqueador adrenérgico metoprolol, e a tabela 5 mostra que os indivíduos de 60 a 74 anos fazem maior utilização de anti-hipertensivos com exceção do diurético, espironolactona, e o bloqueador de canal de calcio, verapamil. 34 Tabela 4. Perfil de utilização dos anti-hipertensivos estudados, por sexo, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (n=261) Classes de anti- hipertensivos Homens n ( %) Mulheres n ( %) Total de usuários* n ( %) Diuréticos (n= 116) - Espironolactona - Hidroclorotiazida - Combinação dos fármacos da classe 4 (44,4) 31 (28,7) 0 4 (55,6) 76 (71,3) 1 9 (7,8) 108 (93,1) Bloqueadores adrenérgicos (n= 95) - Atenolol - Propranolol - Metoprolol - Metildopa - Combinação dos fármacos da classe 16 (29,1) 9 (32,1) 2 (66,7) 5 (45,5) 0 39 (70,9) 19 (67,9) 1 (33,3) 6 (54,5) 0 55 (57,9) 28 (29,5) 3 (3,2) 11 (11,6) Bloqueadores de canal de cálcio (n= 32) - Anlodipino - Verapamil - Combinação dos fármacos da classe 10 (38,5) 1 (16,7) 0 16 (61,5) 5 (83,3) 0 26 (81,3) 6 (18,8) Vasodilatadores diretos (n= 7) - Hidralazina - Nitroprussiato de sódio 3 (42,9) 0 (0) 4 (57,1) 0 (0) (100) 0 (0) Inibidores da enzima conversora da angiotensina(n= 150) - Captopril - Enalapril - Combinação dos fármacos da classe 21 (38,6) 35 (36,7) 1 31 (61,4) 58 (63,3) 4 57 (38,0) 98 (65,3) Antagonista de receptores de angiotensina (n= 7) - Losartana potássica 3 (42,9) 4 (57,1) 7 (100) * Há indivíduos em uso de dois ou mais fármacos, de diferentes classes e/ou na mesma classe, e por isso os totais superam o número de participantes. 35 Tabela 5. Perfil de utilização dos anti-hipertensivos estudados, por idade, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=261) Classes de anti- hipertensivos 60 a 74 anos (%) 75 anos ou + (%) Total de usuários* n ( %) Diuréticos (n= 116) - Espironolactona - Hidroclorotiazida - Combinação dos fármacos da classe 2 (22,2) 68 (63,0) 0 6 (77,8) 39 (37,0) 1 9 (7,8) 108 (93,1) Bloqueadores adrenérgicos (n=95) - Atenolol - Propranolol - Metoprolol - Metildopa - Combinação dos fármacos da classe 41 (74,5) 17(60,7) 2 (66,7) 7 (63,6) 0 14 (25,5) 11 ( 39,3) 1 (33,3) 4 (36,4) 0 55 (57,9) 28 (29,5) 3 (3,2) 11 (11,6) Bloqueadores de canal de cálcio (n= 32) - Anlodipino - Verapamil - Combinação dos fármacos da classe 16 (61,5) 3 (50,0) 0 10 (38,5) 3 (50,0) 0 26 (81,3) 6 (18,8) Vasodilatadores diretos (n= 7) - Hidralazina - Nitroprussiato de sódio 5 (71,4) 0 (0) 2 (28,6) 0(0) 7(100) 0 (0) Inibidores da enzima conversora da angiotensina (n=150) - Captopril - Enalapril - Combinação dos fármacos da classe 35 (66,7) 56 (60,2) 3 17 (33,3) 37 (39,8) 2 57 (38,0) 98 (65,3) Antagonista de receptores de angiotensina (n= 7) - Losartana potássica 5 (71,4) 2 (28,6) 7 (100) * Há indivíduos em uso de dois ou mais fármacos, de diferentes classes e/ou na mesma classe, e por isso os totais superam o número de participantes. 36 Interações medicamentosas A figura 3 apresenta a distribuição da amostra, conforme os subgrupos de usuários de medicamentos. Ela é composta por 577 indivíduos, 84,9% usuários de medicamentos. Dentre esses, 53,3% estavam fazendo uso de anti-hipertensivos. Entre os usuários de anti- hipertensivos, 31,0% estavam sujeitos à interação medicamentosa potencial (IMP). E nesse grupo, 74,1% estavam sujeitos a 1 interação, 17,3% a 2 interações e 8,6% a 3 interações. Considerando o total da amostra (577 indivíduos) a razão de participantes sujeitos a IMP relacionada ao uso de anti-hipertensivos foi de 14,0%. Figura 3. Distribuição da amostra formada por aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003. 37 Foram observados 26 pares diferentes de interação, totalizando 110 interações em 81 indivíduos, sendo 23 de gravidade elevada, nível 1 (20,9% das interações) e 87 de gravidade moderada, nível 2 (79,1% das interações). O gráfico 7 mostra a distribuição de indivíduos segundo número de IMP, por sexo e idade. Mulheres de 60 a 74 anos formaram o grupo mais sujeito a IMP, enquanto que o grupo menos sujeito foi o de homens de 75 anos ou mais. Embora no estrato de 2 ou mais interações o número de indivíduos seja notadamente menor, o perfil de distribuição dos indivíduos sujeitos a IMP permanece semelhante entre os estratos. A tabela 6 caracteriza os participantes sujeitos a IMP, segundo variáve is demográficas, sociais e de saúde. A proporção de indivíduos sujeitos a IMP foi maior: entre os que usaram 5 ou mais medicamentos (31,2% vs 5,7% entre os que usaram 4 ou menos); entre os que afirmaram ter sido hospitalizados no ano anterior (31,6% vs 11,1% entre os 38 demais); entre os que realizaram 6 ou mais consultas médicas nos últimos 12 meses (21,3% vs 9,3% entre os que realizaram 5 ou menos consultas); entre os que consideram seu estado de saúde muito ruim ou ruim (28,1% vs 7,8% entre os que consideram seu estado de saúde muito bom ou bom); e entre os acamados nos últimos 15 dias (29,5% vs 12,2% entre os demais). As diferenças descritas foram significativas (p<0,05). Tabela 6. Caracterização dos participantes sujeitos a interações, segundo variáveis demográficas, sociais e de saúde, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Sem interação n(%) Com interação n(%) P valor Sexo Masculino Feminino 195 (86,7) 301 (85,5) 30 (13,3) 51 (14,5) 0,697 Idade 60 – 74 anos ≥ 75 anos 311 (85,9) 185 (86,0) 51 (14,1) 30 (14,0) 0,964 Escolaridade Até primeiro grau incompleto Primeiro grau completo e mais 301(84,6) 193 (88,1) 55 (15,4) 26 (11,9) 0,231 Mora só Sim Não 95 (89,6) 400 (85,1) 11 (10,4) 70 (14,9) 0,227 Número de medicamentos utilizados 0 - 4 5 ou mais 366 (94,3) 130(68,8) 22 (5,7) 59 (31,2) < 0,001 Internação hospitalar no último ano Sim Não 54 (68,4) 440 (88,9) 25 (31,6) 55 (11,1) < 0,001 Consultas médicas nos últimos 12 meses 1 – 5 6 ou mais 312 (90,7) 181 (78,7) 32 (9,3) 49 (21,3) < 0,001 39 Estado de saúde auto-referido Muito bom ou bom Regular Muito ruim ou ruim 236 (92,2) 201 (83,4) 41 (71,9) 20 (7,8) 40 (16,6) 16 (28,1) < 0,001 Possui plano de saúde Sim Não 219 (88,3) 276 (84,4) 29 (11,7) 51 (15,6) 0,180 Esteve de cama nos últimos 15 dias Sim Não 43 (70,5) 453 (87,8) 18 (29,5) 63(12,2) < 0,001 A caracterização dos participantes sujeitos a IMP, segundo presença de doenças cardiovasculares auto-referidas é apresentada na tabela 7. Observa-se que a proporção de participantes sujeitos à IMP foi maior entre os que referiram doenças cardiovasculares e as diferenças em todas as variáveis analisadas foram significativas (p<0,05). A tabela 8, que caracteriza os usuários segundo outras doenças auto-referidas, mostra que a proporção de participantes sujeitos à IMP foi maior (p<0,05) apenas entre os que referiram diabetes (30,6% vs 10,5%). Tabela 7. Caracterização dos participantes sujeitos a interações, segundo presença de doenças cardiovasculares auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Sem interação n(%) Com interação n(%) P valor Pressão alta Sim Não 269 (78,0) 226 (97,8) 76 (22,0) 5 (2,2) < 0,001 Infarto Sim Não 22 (59,5) 472 (87,7) 15 (40,5) 66 (12,3) < 0,001 Angina Sim Não 44(68,8) 450 (88,1) 20 (31,3) 61 (11,9) < 0,001 Ataque do coração Sim Não 22 (64,7) 473 (87,3) 12 (35,3) 69 (12,7) 0,001 40 Derrame Sim Não 29 (63,0) 465 (88,1) 17 (37,0) 63 (11,9) < 0,001 Tabela 8. Caracterização dos participantes sujeitos a interações, segundo presença de outras doenças auto-referidas, entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Características Sem interação n(%) Com interação n(%) P valor Diabetes Sim Não 68 (69,4) 427 (89,5) 30 (30,6) 50 (10,5) < 0,001 Artrite, artrose ou reumatismo Sim Não 209 (85,3) 283 (86,3) 36 (14,7) 45 (13,7) 0,740 Asma Sim Não 22 (95,7) 473 (85,5) 1 (4,3) 80 (14,5) 0,361 Bronquite Sim Não 37 (84,1) 457 (86,2) 7(15,9) 73 (13,8) 0,582 Depressão Sim Não 84 (84,0) 408 (86,3) 16 (16,0) 65 (13,7) 0,605Problemas de audição Sim Não 103 (81,7) 392 (87,1) 23 (18,3) 58 (12,9) 0,285 Problemas de visão Sim Não 347 (84,6) 148 (89,2) 63 (15,4) 18 (10,8) 0,339 O quadro 4 apresenta os principais pares de IMP observados em pelo menos 3 indivíduos da amostra. As classes de fármacos anti-hipertensivos encontrados nas interações foram os inibidores da enzima conversora de angiotensina, os bloqueadores adrenérgicos e os diuréticos. Os pares de IMP mais frequentes na amostra foram enalapril e ácido acetilsalicílico (4,3%), captopril e ácido acetilsalicílico (2,9%) e atenolol e ácido 41 acetilsalicílico (2,9%). Identificou-se, também, um par de IMP envolvendo dois agentes anti-hipertensivos, espironolactona e captopril (0,9%). Quadro 4. Interações potenciais* entre aposentados com 60 anos de idade ou mais, Município do Rio de Janeiro, 2003 (N=577) Pares de fármacos Consequência clínica** Frequência na amostra n (%) Maleato de enalapril e ácido acetilsalicilico Redução do efeito hipotensivo e vasodilatador. 25 (4,3) Captopril e ácido acetilsalicilico Redução do efeito hipotensivo e vasodilatador. 17 (2,9) Atenolol e ácido acetilsalicilico Efeitos anti-hipertensivos dos betabloqueadores podem ser atenuados pelos salicilatos. 17 (2,9) Maleato de enalapril e cloridrato de amilorida Elevação da concentração sérica de K+ em pacientes de risco. 6 (1,0) Cloridrato de propranolol e acído acetilsalicilico Efeitos anti-hipertensivos dos betabloqueadores podem ser atenuados pelos salicilatos. 6 (1,0) Espironolactona e captopril Elevação da concentração sérica de K+ em pacientes de risco. 5 (0,9) Espironolactona e digoxina Diurético pode atenuar o efeito inotrópico positivo da digoxina. Digoxina pode ser aumentada no soro. 4 (0,7) Hidroclorotiazida e digoxina Disturbios eletrolíticos induzidos pela tiazida podem predispor a arritimias induzidas pelos digitálicos. 4 (0,7) Hidroclorotiazida e furosemida Ambos os grupos tem efeitos sinérgicos que podem resultar em diurese profunda e sérias anormalidades eletrolíticas. 3 (0,5) * Consideradas as identificadas em, no mínimo, três participantes. ** Fonte: Tatro DS. Drug Interaction Facts. Missouri: Wolters Kluwer Health; 2011. A distribuição dos 3 pares de IMP mais frequentes, por sexo e idade, é apresentada nos gráficos 8 e 9, respectivamente. Nos 3 pares o número de mulheres sujeitas a IMP é maior que o número de homens e no par captopril e ácido acetilsalicílico essa diferença foi menos acentuada, mas não houve diferença significativa entre os estratos (p>0,05). Com relação aos grupos etários, indivíduos de 60 a 74 anos estavam aparentemente mais sujeitos 42 à IMP nos 3 pares mais frequentes. Porém só foi encontrada diferença significativa entre as faixas etárias com relação ao par captopril e ácido acetilsalicílico (p<0,05). 43 A tabela 9 apresenta os resultados da análise multivariada. Os fatores associados à exposição às Interações Medicamentosas Potencias (IMP) incluídos no modelo de regressão logística foram: número de medicamentos utilizados, internação hospitalar no último ano e estado de saúde auto-referido. Indivíduos utilizando 5 ou mais medicamentos tiveram chance 6,52 vezes maior de exposição a IMP, quando comparados aos usuários de 4 ou menos medicamentos; os internados no último ano tiveram chance 2,66 vezes maior, quando comparados aos que não sofreram internação hospitalar; e os indivíduos referindo estado de saúde muito ruim ou ruim tiveram chance 2,33 vezes maior, quando comparados aos que referem estados de saúde bom ou muito bom. Tabela 9. Fatores associados às interações medicamentosas potenciais Variáveis OR bruta (95% IC) OR ajustada (95% IC) Nº de medicamentos utilizados 0 – 4 5 ou mais 1,0 7,55 (4,45 – 12,81) 1,0 6,52 (3,66 – 11,63) Internação hospitalar no último ano Não Sim 1,0 3,70 (2,14 – 6,42) 1,0 2,66 (1,42 – 4,97) Estado de saúde auto-referido Muito bom ou bom Regular Muito ruim ou ruim 1,0 2,35 (1,33 – 4,15) 4,60 (2,21 – 9,62) 1,0 1,26 (0,67 – 2,35) 2,33 (1,03 – 5,24) 44 DISCUSSÃO Na amostra composta por 577 indivíduos acima de 60 anos de idade, beneficiários da Previdência Social e residentes no Rio de Janeiro, 84,9% (490 indivíduos) são usuários de medicamentos e nesse grupo 53,3% são usuários de anti-hipertensivos. Desses últimos, 31,0% usam substâncias que, com elevado grau de evidência científica, interagem com os anti-hipertensivos, podendo causar eventos adversos. O estudo tem como pontos positivos ter abordado um tema pouco tratado entre nós e de difícil abordagem. Isso decorre de o uso concomitante de fármacos gerar possíveis múltiplas combinações, nem todas com evidências científicas estabelecidas para sustentar provas de ocorrência de interações. Além disso, os estudos existentes podem não abranger as diferentes posologias empregadas. Para ilustrar, o uso de ácido acetil salicílico em comprimidos de 350mg parece atenuar o efeito vasodilatador do enalapril e outros efeitos dependentes de prostaglandinas por mais de 24 horas (Hall, 1992). Entre as limitações, ressalta-se o fato de o estudo se basear em informação obtida do paciente em entrevista. Ainda que tendo sido solicitado aos entrevistados comprovação de uso do medicamento, com apresentação de receita médica, bula ou embalagem, é possível que a informação sobre exposição aos fármacos tenha sofrido algum viés. Entretanto, se ocorreu, possivelmente foi no sentido da omissão de uso por problemas de lembrança. A correção do sub-registro tornaria os valores das estimativas mais extremos. Outra limitação relaciona-se ao fato de o estudo ter utilizado informação auto- referida pelos participantes, e não a partir dos registros dos tratamentos farmacológicos com base em prontuários médicos. Sendo assim, não se pode garantir que os medicamentos envolvidos em IMP foram, de fato, utilizados concomitantemente, dentro do período recordatório de 15 dias. Mas a comparabilidade das estimativas dos diferentes inquéritos 45 não é prejudicada, uma vez que os mesmos costumam adotar procedimento e período recordatório semelhantes. Entre os usuários de anti-hipertensivos, 31,6% utilizavam apenas 1 medicamento e conforme o aumento do número de fármacos anti-hipertensivos utilizados, o número de indivíduos diminui. Tal resultado foi semelhante ao encontrado por Carter (2002), no qual participantes utilizando anti-hipertensivos, com média de 61,2 anos de idade, usuários de 1 anti-hipertensivo somavam 37,7% e o número usuários diminui com o aumento de agentes anti-hipertensivos utilizados. Mas, Sweileh (2005), em trabalho realizado na Palestina, com participantes usuários de anti-hipertensivos, também com média de 61,2 anos de idade, observou a maior porcentagem de indivíduos utilizando 2 anti-hipertensivos (43,7%) seguido dos usuários de 3 (25,8%) e em terceiro lugar os usuários de 1 medicamento (22,1%). Diferentes hábitos de prescrição provavelmente podem ser um dos motivos da diferença observada. Carter (2002) e Sweileh (2005) observaram a frequência de uso de classes de anti- hipertensivos. Para ambos, entre as três classes mais utilizadas estavam os inibidores da enzima conversora de angiotensina, os beta-bloqueadores adrenérgicos e os bloqueadores de canal de cálcio. Já no presente estudo, entre as três classes mais utilizadas as duas primeiras também foram encontradas por nós, seguida dos diuréticos, e depois pelos bloqueadores de canal de cálcio. Dessa forma pode-se considerar, apesar da diferença observada, que os achados dos estudos apontam para uma mesma direção mostrando que determinados aspectos do perfil de utilização de anti-hipertensivos permanecemsemelhantes, apesar de se tratar de estudos realizados em países que podem ter práticas prescritivas diferentes. Todas as substâncias listadas acima são indicadas para o tratamento 46 em idosos. Os beta-bloqueadores adrenérgicos devem ser usados com cautela nesse grupo, uma vez que o risco de efeitos adversos é maior (Brasil, 2010a). A metildopa consta na RENAME como de uso restrito para o tratamento da hipertensão na gravidez, e é também considerada medicação potencialmente inapropriada, pelo critério de Beers (nivel mais alto de severidade), para uso em idosos, podendo causar bradicardia e depressão nessa população (Fick DM, 2003). Ainda assim, dentre os 261 idosos usuários de anti-hipertensivos, 11 (4,2%) utilizavam o fármaco metildopa. Quanto às diferenças entre os sexos, os resultados de Secoli (2010), Carter (2002) e Doubova (2007) coincidem com nossos. Nenhum deles sugere haver diferenças entres homens e mulheres com relação à frequência de IMP. Com relação ao papel do número de medicamentos em uso, como preditor para as IMP, os resultados convergem entre si, e com os nossos. Os achados dos autores citados indicam que o número de medicamentos utilizados pode ser visto como um fator preditor para exposição a IMP, independente das diferenças na idade dos participantes dos estudos: acima de 30 anos (Carter, 2002); mais de 50 anos (Doubova, 2007); 60 anos ou mais (Secoli, 2010). Tais resultados são esperados uma vez que quanto maior o número de fármacos utilizados concomitantemente maior a possiblidade de haver interação entre eles. Os resultados desta análise apontam no mesmo sentido e reforçam esta questão que já é considerada bem estabelecida na literatura. Também está claro na literatura sobre interações medicamentosas na população geral que, com o avançar da idade, a probabilidade de exposição à IMP também cresce. Porém, quando apenas indivíduos com 60 anos ou mais são incluídos no estudo, como neste trabalho e no de Secoli (2010), não há diferença significativa com relação a presença de IMP entre os sub-grupos de idosos de 60 até 74 anos e o de idosos de 75 anos ou mais, 47 apesar do presente estudo ter observado uma aparente utilização de medicamentos mais intensa por parte dos idosos até 74 anos de idade (p>0,05). Na análise bivariada, os participantes com morbidades relacionadas ao sistema cardiovascular, como pressão alta e infarto, e diabetes, estão mais propensos à exposição à IMP. O observado vai ao encontro dos achados de Doubova (2007), onde os grupos de indivíduos com doenças cardiovasculares ou com disturbios endócrinos, alimentares ou metabólicos estavam mais sujeitos a IMP. Secoli (2010) também encontrou resultados concordantes ao observar que hipertensão, problemas de coração e diabetes eram fatores de risco associados a IMP. A maioria das morbidades consideradas pelos estudos como preditoras de interação entre os fármacos são doenças crônicas e assim envolvem tratamento medicamentoso contínuo, frequentemente envolvendo múltiplos fármacos. Dessa forma seria esperado esse tipo de relação entre as doenças crônicas e as IMP, principalmente em população idosa que, além das alterações de parâmetros farmacocinéticos causadas pela idade, estão sujeitos às alterações funcionais provocadas pelas próprias doenças crônicas, o que os deixa mais propensos a ocorrência de eventos adversos relacionados a medicamentos. Na análise multivariada, o fato de o entrevistado ter sido internado no ano anterior e referir pior saúde associou-se às interações entre os fármacos antihipertensivos, o que diverge dos achados de Secoli (2010). Características da população e das interações estudadas podem explicar as diferenças entre os estudos; rever a literatura pode ajudar a compreender o papel dessas variáveis. Os resultados da análise multivariada confirmaram aqueles da análise bivariada. O número de medicamentos permaneceu fortemente associado, embora com valores um pouco menores após o ajuste (OR= 7,6 vs 6,5). 48 Dentre os 577 participantes do estudo, 14,0% estavam sujeitos à IMP relacionada ao uso de anti-hipertensivos e quando considerados apenas os usuários de anti-hipertensivos, a prevalência sobe para 31,0%. Secoli (2010), em trabalho semelhante com população idosa residente na cidade de São Paulo, porém englobando interações que envolvem não só anti- hipertensivos mas todos os fármacos utilizados, estimou que 26,5% dos participantes estavam sujeitos a IMP e considerando o grupo de usuários de dois ou mais medicamentos a prevalência subiu para 54,9%. As diferenças entre as estimativas do nosso estudo e o de Secoli (2010) podem ser explicadas pela quantidade de interações pesquisadas em cada trabalho e pelas diferenças entre as fontes de informação utilizadas para identificar as interações, suas consequências e sua gravidade. Aqui, foi empregado o Drug Interaction Facts enquanto Secoli (2010) utilizou Micromedex. No entanto, seria esperada frequência maior de interações num estudo que incluísse número maior de pares de interações a serem pesquisados, como foi o caso do estudo citado acima (Secoli, 2010). As fontes de informação sobre IMP utilizadas podem influenciar as estimativas e explicar as diferenças encontradas na literatura sobre o tema. Mas, mesmo empregando a mesma fonte, pode haver diferenças nos critérios escolhidos. Para ilustrar, Magro (2008) utilizou, assim como nós, o livro Drug Interaction Facts como fonte de informação para seleção de interações. Essa base divide as interações em cinco categorias de relevância clinica, mas Magro (2008) considerou apenas as interações classificadas na categoria 1 (relevância clinica mais elevada) e assim encontrou uma prevalência de 4,7% numa amostra incluindo apenas usuários de medicamentos. Já aqui foram selecionadas interações classificadas nas categorias 1 e 2. Dessa forma, apesar de a fonte de informação ser a mesma, ao confrontar resultados, esse tipo de observação deve ser feita, pois o número de interações selecionadas varia muito e influência de maneira importante as estimativas. 49 Espera-se frequência maior de interações quando um número maior de interações é pesquisada. Quando são comparados estudos realizados a partir de fontes diferentes de informação, a preocupação deve ser ainda maior visto que não se conhece o grau de concordância entre elas; ou seja, deve-se levar em consideração que as interações incluídas variam conforme a fonte, assim como a maneira como são classificadas com relação à relevância clinica em cada uma delas. Vitry (2006) selecionou 50 fármacos e listou as interações entre eles segundo quatro fontes de informação diferentes. Das interações classificadas com nivel de significancia 1 e 2 no Drug Interaction Facts, 14,6% não estavam incluidas no Micromedex, e entre as interações comuns às duas fontes de informação, 33% das classificadas como de gravidade elevada no Micromedex foram classificadas como de gravidade moderada no Drug Interaction Facts. Outra situação para ilustrar as divergências que podem ocorrer entre as fontes de informação, diz respeito à interação entre a espironolactona e os anti- inflamatórios. Segundo o Formulário Terapêutico da Rename, o ácido acetilsalicilico e os anti- inflamatórios não-esteroidais (AINES) podem reduzir o efeito da espironolactona (Brasil, 2010a). Entretanto, na busca por interações entre espironolactona e AINES, em Aronson (2006), observa-se que alguns deles, em especial a indometacina e o ácido mefenâmico, inibem a excreção de canrenone, que é um metabólito ativo da espironolactona. Já o Tatro (2011) não refere interações entre espironolactona e AINES, exceto com o ácido acetilsalicílico, porém com gravidade menor, portanto excluído do presente estudo. Dessa forma, mesmo considerando a existência de fontes confiáveis como o Micromedex, excluímos
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