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DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 1 EPILEPSIA Epilepsia é uma doença neurológica crônica e em muitos casos progressiva com relação aos distúrbios cognitivos, freqüência e gravidade dos eventos críticos, caracterizada por crises epilépticas recorrentes, afetando aproximadamente 1% da população mundial. Para o diagnóstico de epilepsia é necessário que o indivíduo tenha apresentado duas ou mais crises nos últimos 12 meses sem evidências de insultos agudos como febre, ingestão de álcool ou intoxicação por drogas ou abstinência. A incidência deste distúrbio neurológico em uma determinada população varia de acordo com a idade, sexo, raça, tipo de síndrome epiléptica e condição socioeconômica. Em países desenvolvi dos, a incidência corrigida pela idade varia de 20 a 70/100.000 pessoas/ano. Nestes países estima-se que a prevalência de epilepsia seja em torno de 0,5%, e que 5% a 7% da população apresentem pelo menos uma crise epiléptica ao longo da vida. Estima-se que a prevalência da doença seja ainda maior em países em desenvolvimento. Na América Latina, a prevalência de epilepsia é de 1,5 a 2%. A doença é caracterizada por um estado de hiperatividade dos neurônios e circuitos cerebrais, capaz de gerar descargas elétricas sincrônicas anormais, podendo se manifestar de formas diversas, desde descargas interictais eletroencefalográficas até surtos prolongados das mesmas cursando com crises epilépticas isoladas ou, em casos mais graves, assumindo a forma de estado de mal eletrográfico e/ou clínico, condição caracterizada por crise epiléptica isolada prolongada ou por crises repetidas a curtos intervalos. A descarga interictal corresponde, no nível celular, a descargas paroxísticas sincronizadas de determinada população neuronal, representadas por surtos de potenciais de ação Conceitos : A epilepsia não é uma entidade singular, havendo uma certa variação nadefinição dos termos crises convulsivas, epilepsia e síndrome epiléptica. Por conta disso, uma definição precisa de ambos os termos é importante para uma adequada comunicação entre profissionais de saúde, legisladores, educadores e para a segurança no trabalho. Assim, atualmente as seguintes definições são utilizadas: Crise convulsiva: é uma atividade elétrica anormal, a qual gera sinais e sintomas específicos – como abalos musculares. • Crise provocada: é uma crise epiléptica decorrente de uma causa imediata identificada, como distúrbio metabólico, intoxicação aguda, abstinência de drogas sedativas ou insulto neurológico agudo. Deve existir uma relação temporal entre o desencadeante e a crise, geralmente, nos últimos 7 dias. Entre 1 e 10% da população terá uma crise provocada na sua vida. • Crise não provocada: quando não há uma causa conhecida para a crise, após investigação clínica, laboratorial e de imagem. • Epilepsia: é uma doença cerebral crônica causada por diversas etiologias e caracterizada pela recorrência de crises epilépticas não provocadas. • Síndrome Epiléptica: Uma síndrome epiléptica se refere a um conjunto de características incluindo tipos de crises, EEG e características de imagem, que tendem a ocorrer juntas. FISIOPATOLOGIA Estudos com microeletrodos intraneuronais demonstraram que a geração dos surtos de potenciais de ação envolve mecanismos sinápticos próprios de alguns neurônios, entre eles, os neurônios piramidais grandes - localizados principalmente no hipocampo e no neocórtex. Além disso, como fatores associados, temos que canais de cálcio e de potássio lentos permitem uma despolarização celular prolongada. Alguns mecanismos sinápticos podem interferir na liberação de neurotransmissores, que duram vários milissegundos na fenda sináptica. A desregulação desses neurotransmissores e o bloqueio da ação GABA permite a geração de surtos de potenciais de ação descontrolados. Durante a atividade repetitiva ictal a concentração de potássio aumenta no meio extracelular e modifica o potencial de equilíbrio desse íon, de tal forma que as correntes de saída enfraquecem e não são mais efetivas repolarização da membrana. Nessa fase também há aumento da acetilcolina que reduz ainda mais a condutância do potássio, prolongando o efeito excitatório. Células gliais contribuem para o clearance extracelular, facilitando a recapitação dos neurotransmissores e, assim, contribuindo para reduzir o efeito epileptogênico. Sendo assim, podemos dizer que cinco são os principais fatores envolvidos na epileptogênese: • Eventos intrínsecos da membrana de determinadas células; • O grau de desinibição da população neuronal • Presença de circuitos recorrentes excitatórios • Modulação da concentração de íons transmissores no espaço intercelular • Presença de interações elétricas entre os neurônios Outras vezes não se identifica um fator causal para a crise epiléptica, em que muitos desses pacientes não voltarão a ter crises. Por outro lado, alguns indivíduos apresentam crises epilépticas espontâneas recorrentes e são, portanto, considerados epilépticos. DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 2 QUADRO CLÍNICO As crises epilépticas cursam com graus diferentes de envolvimento muscular. O evento motor consiste de um aumento ou diminuição da contração muscular, o que define um fenômeno positivo e negativo, respectivamente. O aumento da contração muscular pode ser do tipo tônico (significando contração muscular mantida com duração de poucos segundos a minutos), clônico (cada contração muscular é seguida de relaxamento, originando abalos musculares sucessivos) ou mioclônico (contrações musculares muito breves, semelhantes a choques). Diminuição da contração muscular caracteriza as mioclonias negativas e as crises atônicas. Enquanto nas primeiras há interrupção da contração muscular tônica por menos de 500ms, nas crises atônicas ocorre perda ou diminuição abrupta do tono muscular por dois ou mais segundos. As crises epilépticas cursam com graus diferentes de envolvimento muscular. O evento motor consiste de um aumento ou diminuição da contração muscular, o que define um fenômeno positivo e negativo, respectivamente. O aumento da contração muscular pode ser do tipo tônico (significando contração muscular mantida com duração de poucos segundos a minutos), clônico (cada contração muscular é seguida de relaxamento, originando abalos musculares sucessivos) ou mioclônico (contrações musculares muito breves, semelhantes a choques). Diminuição da contração muscular caracteriza as mioclonias negativas e as crises atônicas. Enquanto nas primeiras há interrupção da contração muscular tônica por menos de 500ms, nas crises atônicas ocorre perda ou diminuição abrupta do tono muscular por dois ou mais segundos. CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES CONVULSIVAS Crise de Início Focal São definidas como crises bem localizadas ou mais difusamente distribuídas, iniciadas em redes neurais limitadas a apenas um hemisfério cerebral, podendo originar-se também em estruturas subcorticais. As crises focais podem ser classificadas de acordo com a percepção. Percepção é operacionalmente definida como conhecimento de si mesmo e do ambiente. A avaliação da percepção é um marcador substituto pragmático, usado para determinar se o nível de consciência está ou não afetado. Durante uma crise focal perceptiva, a consciência estará intacta. Percepção especificamente refere-se à consciência durante a crise, e não ao fato do paciente ter ou não percebido a ocorrência da crise. Se a percepção do evento está comprometida em qualquer parte da crise, então a crise deve ser classificada como crise focal com comprometimento da percepção ou disperceptiva. De uma forma prática, temos que compreenderque uma crise focal com comprometimento da percepção implica na habilidade da pessoa – que teve a crise - de verificar se a consciência permaneceu intacta. SE LIGA! Ocasionalmente crises podem produzir uma amnesia epiléptica transitória com percepção preservada, mas para a classificação destas crises seria necessária uma documentação excepcionalmente clara feita por observadores. A classificação básica das crises também permite a classificação em crises com sintomas de início motor e início não motor (por exemplo, sensorial). Existe ainda uma categoria especial de tipo de crise, que é a crise focal evoluindo para tônico-clônica bilateral. A ocorrência desse tipo de crise é comum e importante, apesar de refletir mais um padrão ictal de propagação do que um tipo específico de crise. Crise de Início Generalizado As crises de início generalizado são definidas como crises iniciadas em algum local de uma rede neuronal, com rápido envolvimento de redes distribuídas bilateralmente. São divididas em crises motoras e não motoras (ausência). O grau de percepção não é utilizado como classificador para crises generalizadas, já que a maioria dessas crises (embora não todas) estão associadas a alteração da percepção. Crises motoras Para ser definida como generalizada, a atividade motora deve ser bilateral desde o início, mas na classificação básica o tipo de atividade motora não precisa ser especificado. Nos casos em que o início da atividade motora bilateral é assimétrica, pode ser difícil determinar se a crise tem início focal ou generalizado baseado apenas na semiologia. Crises não motoras As crises não motoras de início generalizado ou crises de ausência apresentam-se com súbita parada da atividade e da percepção. Crises de ausência tendem a ocorrer em indivíduos jovens, seu início e final são mais abruptos e geralmente são acompanhadas de automatismos menos complexos DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 3 do que aqueles observados nas crises focais com comprometimento da percepção. Crise de Início Desconhecido Na crise de início desconhecido o indivíduo ou informantes não conseguem caracterizar o início da crise, apenas informam desconhecimento. Uma crise de início desconhecido ainda pode apresentar algumas evidências que a define como crise com características motoras (ex. tônico--clônica) ou não motora (ex. parada comportamental). Uma posterior reclassificação em crises de início focal ou generalizado é possível. QUADRO CLÍNICO Algumas manifestações motoras que o paciente pode apresentar, são: • Automatismos: movimentos estereotipados (Ex: mastigação); • Atônica: perda do tônus muscular; • Tônica: hipertonia muscular; • Clônica: abalos rítmicos focais; • Mioclônica: abalos focais breves e irregulares (semelhante a um susto). Sendo que paciente que tem mioclonia geralmente não a percebe; • Hipercinética: movimentos rápidos; • Espasmos epilépticos: (Ex: flexão e extensão dos braços e flexão do tronco). Como manifestações não-motoras que o paciente pode apresentar, temos: • Autonômico: palago. • Cognitivo: alteração de linguagem, sensação de dejavu, incerteza; • Emocional: ansiedade, medo extremo; • Sensitivo: parestesia, hipoestesia; • Parada comportamental: indivíduo parado com olhar vago. TIPOS DE EPILEPSIA Epilepsia Generalizada A Epilepsia Generalizada é caracterizada pela apresentação de atividade de complexos de espícula- onda generalizados no EEG. Indivíduos com epilepsias generalizadas podem apresentar um conjunto de diferentes tipos de crises que incluem: crises de ausência, mioclônicas, atônicas, tônicas e tônico-clônicas. O diagnóstico é feito com base nos dados clínicos, corroborados pelo achado de descargas interictais típicas no EEG. Dentro do grupo das epilepsias generalizadas existe um subgrupo bem reconhecido e comum, o das Epilepsias Generalizadas Idiopáticas (EGI). As EGI são representadas por quatro síndromes epilépticas bem estabelecidas: • Epilepsia Ausência da Infância, • Epilepsia Ausência Juvenil, • Epilepsia Mioclônica Juvenil • Epilepsia com Crises Tônico-clônicas No entanto, atualmente, este grupo de síndromes pode ser definido como Epilepsias Generalizadas Genéticas (EGGs), quando o clínico conta com evidências suficientes para esta classificação. Tais evidências são retiradas de pesquisas clínicas meticulosas sobre a herança destas síndromes em estudos hereditários e não significa que mutações genéticas específicas tenham sido identificadas. A intenção de remover o termo “idiopático” da Classificação das Epilepsias foi sugerida porque sua definição era: sem etiologia conhecida ou suspeitada exceto por uma possível predisposição hereditária. Porém, a descoberta crescente da participação de genes envolvidos em várias epilepsias, fez com que o enquadramento no novo termo fosse sugerido. Epilepsia Focal As Epilepsias Focais incluem distúrbios unifocais e multifocais envolvendo apenas um hemisfério. Uma variedade de tipos de crises epilépticas pode ser encontrada incluindo: crises focais perceptivas, crises focais disperceptivas ou com comprometimento da percepção, crises focais motoras e não motoras e crises focais evoluindo para crises tônico-clônicas bilaterais. O EEG interictal tipicamente mostra descargas epileptiformes focais, mas o diagnóstico deve ser feito com base nos dados clínicos, corroborado pelos achados de EEG. Existem várias epilepsias focais autolimitadas, as quais tipicamente têm início na infância. A epilepsia autolimitada mais comum é a epilepsia com descargas centrotemporais. Epilepsia benigna Com o aumento do reconhecimento do impacto das epilepsias sobre a vida de um indivíduo, tem havido considerável preocupação que o uso do termo benigno subestime esta sobrecarga. Assim, benigno como um descritor para uma epilepsia é substituído tanto por autolimitado como farmacorresponsivo, cada um dos quais substituindo diferentes componentes do significado de benigno • Autolimitado: se refere à possível resolução espontânea da síndrome. • Farmacorresponsivo: significa que as crises da síndrome epiléptica provavelmente serão controladas com o uso de fármacos antiepilépticos apropriados. Os termos maligno e catastrófico não devem ser mais utilizados, eles foram removidos do léxico da epilepsia por suas conotações sérias e devastadoras. Epilepsia Combinada DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 4 A Epilepsia Combinada ocorre quando um mesmo paciente apresenta tanto crises focais, como crises generalizadas. O diagnóstico de ambos os tipos de crises é feito com bases clínicas, corroborado pelas descargas no EEG. Registros ictais são úteis, mas não essenciais. O EEG interictal pode mostrar tanto espícula-onda generalizada como descargas epileptiformes focais, mas atividade epileptiforme não é exigida para o diagnóstico. Exemplos comuns nos quais ambos os tipos de crises estão presentes são as síndromes de Dravet e de Lennox- Gastaut. Síndrome de Dravet e Síndrome de Lennox-Gastaut A Síndrome de Dravet corresponde a uma epilepsia genética da infância caracterizada por crises resistentes a fármacos, muitas vezes induzida por febre e que frequentemente resulta na deterioração cognitiva e motora. Já a Síndrome de Lennox-Gastaut corresponde a um tipo raro de epilepsia da infância, caracterizada por crises que aparecem sem febre e são resistentes a fármacos. É acompanhada de disfunções cognitivas, atraso do desenvolvimento neurológico e psicomotor. Epilepsia de tipo desconhecido O termo “desconhecido” é usado para denotar a situação na qual sabe-se que o paciente tem epilepsia, mas o clínico é incapazde determinar se o tipo de epilepsia é focal ou generalizado porque há pouca informação disponível. Isto pode ocorrer por várias razões. Pode não haver acesso ao EEG ou os estudos de EEG são não informativos, por exemplo, normais. Se o(s) tipo(s) de crise(s) são desconhecidos, então o tipo de epilepsia também será desconhecido por razões similares, embora os dois possam não ser sempre concordantes. Por exemplo, o paciente pode ter tido crises tônico- clônicas simétricas sem características focais e registros EEG normais. Assim, o início das crises é desconhecido e a pessoa tem um tipo de epilepsia desconhecido. SÍNDROME EPILÉPTICA Uma síndrome epiléptica se refere a um conjunto de características incluindo tipos de crises, EEG e características de imagem, que tendem a ocorrer juntas. Frequentemente tem características dependentes da idade tais como idade de início e remissão (quando aplicável), desencadeadores de crises, variação diurna e algumas vezes prognóstico. ESTADO DE MAL EPILÉPTICO O Estado de Mal Epiléptico é definido como como a presença de duas ou mais crises sem a completa recuperação da consciência entre elas ou uma crise com mais de 30 minutos de duração. No entanto, sabe-se que crises com mais de 5-10 minutos de duração têm baixa probabilidade de cessarem espontaneamente. Adicionalmente, estudos experimentais e clínicos demonstram que crises não controladas predispõem o cérebro a crises de mais difícil controle. Por isso, do ponto de vista operacional, crises que persistem após 5 minutos são consideradas e tratadas como estado epiléptico. Essa situação caracteriza emergência médica e segundo alguns estudos, sua mortalidade pode chegar a 20%, portanto, qualquer crise que dure cinco minutos ou mais deve ser tratada agressivamente. São etiologias relacionadas com esse quadro: • Má aderência ao tratamento; • Lesão estrutural; • Metabólica (hipo ou hipernatremia e hipo ou hiperglicemia); • Tóxica; • Uso ou overdose de drogas e sín- dromes de abstinência; • Sepse. Tratamento: • Benzodiazepínico (Diazepam EV – inicialmente com 10mg e aumenta para 20mg se não houver melhora). • Anticonvulsivante (Fenitoína EV15-20mg/Kg). • Sedação (Midazolam, Propofol ou Pentobarbital). CRISE NÃO EPILÉPTICA PSICOGÊNICA As crises não epilépticas (CNEP) são definidas como crises, ataques ou acessos recorrentes que podem ser confundidos com epilepsia, devido à semelhança das manifestações com- portamentais, mas que dela diferem por não serem consequentes de descargas elétricas cerebrais anormais. As crises psicogênicas não epilépticas apresentam alterações no motor e sinais e sintomas sensórios, autonômicos e/ou cognitivos, mas diferentemente da epilepsia, não são causadas por atividade epileptiforme ictal. Em contraste com a crise epiléptica, que é uma manifestação de descargas excessivas e hipersincrônicas no cérebro, as crises não epilépticas psicogênicas possuem bases e causas psicológicas. O diagnóstico incorreto da CNEP leva ao tratamento inadequado da epilepsia presumida, com risco significativo de lesão iatrogênica, morbidade e custo para os pacientes e para o sistema de saúde. Vários estudos documentaram que são comuns erros de diagnóstico resultantes de interpretações errôneas da história dos pacientes ou de eletroencefalografia (EEG). As características que mais sugerem crises psicogênicas são: longa duração, curso flutuante, movimentos dessincronizados, movimentos pélvicos, movimentar a cabeça de um lado para o outro, olhos fechados, ictal crying (que consiste na vocalização tônica expiratória prolongada da laringe ou vocalização clônica gutural profunda) e recuperação de memória. DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 5 TRATAMENTO O tratamento das epilepsias é dotado da possibilidade de uso de uma gama de fármacos, sendo fonte de estudo até os dias atuais. A determinação do tipo específico de crise e da síndrome epiléptica do paciente é importante, uma vez que os mecanismos de geração e propagação de crise diferem para cada situação, e os fármacos anticonvulsivantes agem por diferentes mecanismos que podem ou não ser favoráveis ao tratamento. Na escolha do tratamento do paciente, existem alguns importantes pilares que devem ser levados em conta, são eles: • Deve-se priorizar a qualidade de vida do paciente, o controle de crise e tentar utilizar aquele fármaco com menos efeitos adversos. • Se possível, priorizar uma monoterapia, em mínima dose efetiva até dose máxima tolerada, diminuindo assim os efeitos adversos, possíveis interações medicamentosas e facilitando a adesão terapêutica. • Se for necessário, deve ser realizada a associação de medicamentos, evitando fármacos com interações complexas, mecanismo de ação diferentes e evitar o uso de mais de três fármacos. • O que deve ser considerado ne escolha do medicamento? Deve- -se considerar o espectro de ação, efeitos adversos, interação com outros fármacos, teratogenicidade, custo e a opinião do paciente. FÁRMACOS ANTIEPILÉPTICOS Historicamente, os fármacos antie-pilépticos (FAEs) podem ser classificados em três gerações. A primeira geração compreende aqueles comercializados entre 1857 e 1958 e inclui o brometo de potássio, o fenobarbital e várias moléculas derivadas da estrutura dos barbitúricos, como a fenitoína, a primidona, a trimetadiona e a etossuximida. A segunda geração inclui fármacos como a carbamazepina, o valproato e os benzodiazepínicos, introduzidos entre 1960 e 1975, quimicamente diferentes dos barbitúricos. Apenas após 1980, passaram a ser comercializados compostos da terceira geração, constituída por fármacos descobertos pelo “desenvolvimento EPILEPSIA 21 racional”, como a progabida, a gabapentina, a vigabatrina e a tiagabina, bem como por outras ainda descobertas de forma acidental, como a lamotrigina e o topiramato. Neste momento, testemunha-se o desenvolvimento de FAEs de quarta geração. Agora, iremos explorar algumas características dos principais FAES utilizados, entre elas: mecanismo e espectro de ação, interação medicamentosa, função psiquiátrica, teratogênese, dose mínima efetiva até máxima tolerada e efeitos adversos. FENOBARBITAL Este fármaco possui largo espectro de ação com efetividade similar à de outros fármacos anticonvulsivantes. É seguro e disponível em apresentações orais e parenterais. Seu principal mecanismo de ação é o prolongamento da abertura dos canais de cloro, dos receptores GABAA e consequente hiperpolarização da membrana póssináptica. O fenobarbital também pode bloquear os canais de sódio e potássio, reduzir o influxo de cálcio présináptico e, provavelmente, reduzir as correntes mediadas pelo glutamato. Apresenta rápida absorção por via oral, porém uma meia-vida de eliminação longa (2 a 7 dias), apesar de ser fracamente ligado às proteínas (20%-50%). As principais desvantagens são seus efeitos colaterais, principalmente na área cognitiva, o que limita seu uso tanto em crianças quanto em idosos. Não é adequado tentar a substituição de fenobarbital em pacientes bem controlados, a menos que seu uso esteja associado a efeitos adversos inaceitáveis. A retirada deve ser feita em dosagens muito pequenas e por longo período de tempo devido ao risco de crises por abstinência. Doses elevadas devem ser evitadas (em adultos, dose máxima de 300 mg/dia). O fenobarbital ainda é largamente utilizado na prática clínica, por apresentar eficácia equivalente à de fenitoína no tratamento em monoterapia tanto de crises focais como nas generalizadas. Indicação: • Tratamento de crises focais e generalizadas de pacientes de qualquer idade, inclusive recém-nascidos. Mecanismo de ação: gabaérgica Espectrode ação: focais / tônico clônica generalizada (TCG) Interação medicamentosa: indutor enzimático Função psiquiátrica: efeito negativo Teratogênese: D- evidência de risco fetal Dose: 100 a 200 mg Efeitos adversos: ataxia, tontura, sonolência, disartria, fadiga, cefaleia, irritabilidade, vertigem, nistagmo e depressão. ÁCIDO VALPROICO Apresentações: • Valproato de sódio • Ácido valproico: Depakene e Depakene ER (liberação prolongada) • Divalproato de sódio: Depakote e Depakote ER (liberação prolongada) Mecanismo de ação: ação gabaérgica, bloqueio do canal de cálcio tipo T e bloqueio do canal de sódio. Espectro de ação: amplo (focais/ generalizada). Interação medicamentosa: inibidor enzimático. Função psiquiátrica: efeito positivo. Teratogênese: D – evidência de risco fetal (cognitivo e estrutural) Dose: 500 a 3000 mg Efeitos adversos: náusea, cefaleia, aumento do tempo de sangramento, trombocitopenia, tremor, alopecia, astenia, sonolência, diplopia, tontura, dispepsia, zumbido, nistagmo, vômitos e diarreia. Obs: é também utilizado como estabilizador de humor Indicação: Monoterapia e terapia adjunta de pacientes com mais de 10 anos de idade e com qualquer forma de epilepsia. FENITOÍNA Mecanismo de ação: bloqueador do canal de sódio Espectro de ação: crises focais / TCG Interação medicamentosa: indutor enzimático Função psiquiátrica: Efeito negativo DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 6 Teratogênese: D – evidência de risco fetal Dose: 100-300 mg Efeitos adversos: ataxia, tontura, sonolência, disartria, nistagmo, atrofia cerebelar, bradicardia, bloqueio de condução (apenas com infusão rápida), hipertrofia gengival e anemia megaloblástica. Obs: única droga disponível por via endovenosa. Indicações: • Tratamento de crises TCG, focais complexas, ou combinação de ambas, em crianças, adolescentes e adultos; • Prevenção e tratamento de crises epilépticas durante ou após procedimento neurocirúrgico; • Tratamento das crises tônicas, próprias da síndrome de Lennox-Gastaut. CARBAMAZEPINA A carbamazepina é um iminodibenzil que inibe os disparos neuronais corticais repetitivos, sustentados e de alta frequência através do bloqueio dos canais de sódio voltagem-dependente. Também possui uma discreta ação anticolinérgica. Sua eficácia foi avaliada em duas revisões sistemáticas. Compararam carbamazepina e fenobarbital em monoterapia. Em quatro diferentes ensaios, incluindo 684 participantes, o estudo não encontrou diferenças entre esses dois fármacos na remissão de crises por 12 meses, nem no tempo de aparecimento da primeira crise. O fenobarbital é menos tolerado do que a carbamazepina. Outro estudo comparou a carbamazepina com a lamotrigina e encontraram maior eficácia da carbamazepina e melhor tolerância à lamotrigina em epilepsias focais e generalizadas. Esta revisão sistemática estudou cinco ensaios, com 1.384 pacientes. Indicações: • Monoterapia ou terapia adjuvante de crises focais, com ou sem generalização secundária; • Crises TCG em pacientes com mais de um ano de idade. É uma droga de baixo custo! O que pode facilitar a adesão terapêutica. Espectro de ação: crises focais / TCG Interação medicamentosa: indutor enzimático Função psiquiátrica: efeito positivo Dose: 400 a 1200 mg Efeitos adversos: ataxia, tontura, sonolência, náuseas e vômitos OXCARBAZEPINA Mecanismo de ação: bloqueador do canal de sódio Espectro de ação: crises focais / TCG Interação medicamentosa: indutor enzimático fraco Função psiquiátrica: efeito positivo Teratogênese: sem dados (é utilizada em gestantes) Dose: 600 a 1800 mg Efeitos adversos: tontura, ataxia, cefaleia, náuseas, nistagmo, sonolência, alteração da marcha, tremor, dor abdominal, fadiga, vertigem, anormalidades visuais LAMOTRIGINA Mecanismo de ação: bloqueador do canal de sódio Espectro de ação: amplo (focais e generalizadas) Interação medicamentosa: não tem efeito no citocromo P450, mas seus níveis são influenciados por inibidores ou indutores Função psiquiátrica: efeito positivo Teratogênese: C – uso com cautela Dose: 200 a 600 mg Efeitos adversos: tontura, diplopia, cefaleia, ataxia, turvação visual, rinite, sonolência, alergia e rash cutâneo. Obs: Ao aumentar a dose, deve ser feito progressivamente de 25mg em 25 mg. Se o paciente estiver usando inibidor enzimático, esse aumento deve ser realizado de 12,5 em 12,5 mg. Indicações: • Monoterapia para crises focais com ou sem generalização secundária em pacientes com mais de 12 anos de idade em situações de intolerância ou refratariedade a medicamentos de primeira linha; • Monoterapia para crises primariamente generalizadas em pacientes com mais de 12 anos de idade em situações de intolerância ou refratariedade a medicamentos de primeira linha; • Terapia adjuvante para crises focais em pacientes mais de 2 anos de idade; • Terapia adjuvante para crises generalizadas da síndrome de Lennox-Gastaut, em pacientes com mais de 2 anos de idade. TOPIRAMATO Mecanismo de ação: bloqueador do canal de sódio, gabaérgica, antagonista do receptor de AMPA/Kinase Espectro de ação: amplo (focais e generalizadas) Interação medicamentosa: não tem efeito no citocromo P450 Função psiquiátrica: efeito negativo Teratogênese: D – evidência de risco fetal Dose: 200 a 400 mg Efeitos adversos: redução de bicarbonato sérico, tontura, fadiga, ataxia, nervosismo, parestesia, lentificação psicomotora, visão anormal, anorexia, confusão, alteração de memória, náuseas, alteração da fala e dificuldade de na realização de cálculos. Obs: por ser um fármaco com grande quantidade de efeitos adversos, não é tão bem tolerado! Indicações: • Monoterapia para crises focais ou primariamente TCGs em pacientes mais de 10 anos de idade com intolerância ou refratariedade a outros medicamentos de primeira linha; • Terapia adjuvante para crises focais, primariamente generalizadas ou crises associadas com a síndrome de Lennox-Gastaut em pacientes mais de dois anos de idade. LEVETIRACETAM DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 7 Mecanismo de ação: ligação com proteína SV2A (vesícula sináptica), impedindo que o neurotransmissor alcance a fenda sináptica, ou seja, atua na condução sináptica Espectro de ação: amplo (focais e generalizadas) Interação medicamentosa: não tem efeito no citocromo P450 Função psiquiátrica: efeito negativo Teratogênese: C – uso com cautela Dose: 1 a 3g Efeitos adversos: astenia, cefaleia, HAS, sonolência, fadiga, anorexia, fraqueza, tosse, depressão e irritabilidade. Obs: É um fármaco mal tolerado do ponto de vista psiquiátrico (muitos efeitos negativos) e possui um elevado custo. CLOBAZAM O principal sítio de ação dos benzodiazepínicos é um receptor pós-sináptico do ácido gamaaminobutírico (GABA), o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Ao ligar-se aos receptores GABAA, o clobazam, como todos os benzodiazepínicos, aumenta a frequência de aberturas destes receptores, aumentando, assim, o índice de correntes inibitórias no cérebro. O clobazam é rapidamente absorvido pelo trato digestivo, atingindo picos de concentração máximos no sangue em cerca de 90 minutos. A meia-vida é longa (em torno de 20 horas). Este fármaco é fortemente ligado às proteínas séricas (cerca de 85% das moléculas). Suas principais vantagens são a alta eficácia, o rápido início de ação e a boa tolerabilidade. Possíveis desvantagens são o desenvolvimento de tolerância em 40% dos casos e potenciais problemas relacionados à sua retirada (abstinência). Em revisão sistemática, incluindo 196 pacientes, concluiu que o clobazam como agente anticonvulsivante adjuvante pode reduzira frequência de crises nas epilepsias focais. No entanto, o estudo não define que tipo de paciente poderá se beneficiar mais com o fármaco, nem o período de tempo em que o benefício se manterá. Indicações: • Terapia adjuvante para crises parciais e generalizadas refratárias; • Terapia intermitente (por exemplo, crises catameniais). RECOMENDAÇÕES DA ILAE Baseadas apenas em evidências de eficácia e efetividade, para escolha de fármacos anticonvulsivantes são as seguintes: • Adultos com epilepsia focal → carbamazepina, fenitoína e ácido valproico; • Crianças com epilepsia focal →carbamazepina; • Idosos com epilepsia focal → lamotrigina e gabapentina; • Adultos e crianças com crises TCG, crianças com crises de ausência, epilepsia rolândica e epilepsia mioclônica juvenil → nenhuma evidência alcançou níveis A ou B de recomendação. Mas usualmente são utilizados: ácido valproico (1a escolha), lamotrigina e etossuximida. CRITÉRIOS PARA TROCA DE MEDICAMENTO (MANUTENÇÃO DE MONOTERAPIA) Assegurada a adesão ou nível sérico (quando disponível) recomenda-se a troca de medicamentos nas seguintes situações: • Intolerância à primeira monoterapia em doses adequadas; • Falha no controle ou presença de exacerbação de crises. CRITÉRIOS PARA O USO DE ASSOCIAÇÃO MEDICAMENTOSA Poderá haver associação de medicamentos nos seguintes casos: • Controle inadequado de crises com duas monoterapias sequenciais; • Paciente de alto risco para agravamento de crises, definido por epilepsias generalizadas sintomáticas, quando em uso de anticonvulsivante de espectro estreito. Há evidências de sinergismo entre o ácido valproico e a lamotrigina, quando utilizados em combinação no tratamento de crises focais e generalizadas. Há, também, evidências de que o uso de carbamazepina em combinação com lamotrigina pode favorecer o aparecimento de efeitos adversos neurotóxicos devido a interações farmacodinâmicas adversas. CRITÉRIOS DE INTERRUPÇÃO DO TRATAMENTO POR FALHA DE TRATAMENTO O período de avaliação da resposta será de 3 meses com o tratamento em doses máximas, após o que, caso não haja resposta, um segundo medicamento será adicionado ao esquema terapêutico. POR REMISSÃO DAS CRISES O paciente é considerado livre de crises quando elas não ocorrerem por pelo menos 2 anos, em vigência de tratamento com dose inalterada neste período. Pacientes com crises após este período são considerados refratários. MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO O tempo de tratamento da epilepsia é, em geral, imprevisível. Há duas situações em que ele pode ser interrompido, como falamos logo acima: por falha do tratamento ou por remissão completa das crises. O período de reavaliação é de 3 meses. Na reavaliação, o médico verificará eficácia e segurança do tratamento. A resposta ao tratamento deve ser avaliada com base DISTÚRBIOS SENSORIAIS, MOTORES E DA CONSCIÊNCIA – EPILEPSIA Raquel Rogaciano 8 na redução do número de crises, bem como na tolerabilidade, levando em consideração os efeitos adversos, especialmente os cognitivos e comportamentais. Sugere-se elaboração de um diário de crises contendo doses do medicamento em uso, descrição das crises e efeitos colaterais. REFERÊNCIAS NITRINI, R.; BACHESCHI, L.A. A neurologia que todo médico deve saber. São Paulo: Editora Atheneu, 2003. YACUBIAN, E.M.T., et al. Tratamento medicamentoso das epilepsias. 2014. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Epilepsia. Ministério da Saúde. 2013.
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