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Vitória Karoline Ferreira de Souza – Medicina UFMS/CPTL – Turma 5 1 BASES BIOLÓGICAS DA PRÁTICA MÉDICA IV – FARMACOLOGIA FISIOPATOLOGIA DA ENXAQUECA Pensando então incialmente na enxaqueca... Basicamente, quando pensamos em enxaqueca pressupõe-se na existência de apenas cefaleia, porém a enxaqueca compreende uma série de fenômenos que envolvem uma certa frequência de ocorrência e alterações fisiológicas. Sabe-se que existe uma hipersensibilidade sensorial antes da cefaleia acontecer, que pode ser de várias modalidades diferentes, desde alterações significativas em gustação, olfato, embora as mais comuns seja audição e principalmente visão. Esses sintomas que precedem a cefaleia são chamados de AURA. Teremos então, a fase de cefaleia propriamente dita que pode ou não ser acompanhada de náusea e vomito. Em geral, na enxaqueca é muito comum que se tenha náusea e vomito acompanhando a dor intensa. Além disso, a enxaqueca conta com uma incidência relativamente grande, cerca de 10-15%, acometendo mais mulheres do que homens. Sempre que ocorre uma distribuição diferente entre os sexos pensa-se que talvez possa haver alguma participação hormonal que induz a uma crise de enxaqueca. Independente dos motivos que causam, pois isso não é tão certo e pode variar de uma pessoa para outra, acredita-se que ocorre uma inflamação neurogênica com vasodilatação marcada, em especial nas meninges e em tecido intracerebral e edema. Tudo isso, vasodilatação + edema, tende a causar compressão de tecidos que responde na maioria dos casos com a relação de dor. Deve-se lembrar ainda, que o cérebro propriamente dito não é capaz de sentir dor, não se tem nociceptor no cérebro, mas essa vasodilatação e edema quando acometem principalmente a meninge se tornam responsáveis pela sensação de dor. Na enxaqueca, além das alterações encefálicas, a ocorrência de alterações no controle gástrico, o que se torna bem importante quando falamos da farmacologia. Por exemplo, durante uma dor de cabeça simples ou até mesmo uma enxaqueca (ocorrência de forma mais clara), ocorre uma inibição do esvaziamento gástrico e uma demora maior para absorção de droga. Isso se dá, pois, quando o esvaziamento gástrico é retardado, as drogas ingeridas por via oral ficam aprisionadas no estomago por mais tempo. Pensando que a absorção do fármaco ocorre no intestino, quanto mais o mesmo permanece no estomago, mais ela demora para ser absorvida e maior é o risco de ser degradada e ter uma fração passível de absorção ainda menor. Isso é um problema grande! Por isso é bastante comum, que durante uma crise de enxaqueca, sejam administrados fármacos procinéticos que facilitem a movimentação no TGI, como por exemplo a meto-clopramide para aumenta o esvaziamento gástrico e consequentemente melhorar a absorção de drogas. Percebam, esses fármacos não são “antienxaquecosos”, são apenas adjuvantes usados tanto para controle de náusea e vomito, quanto para facilitar o aspecto cinético do uso de fármacos antienxaqueca. • CAUSAS: Agora falando da fisiopatologia da enxaqueca... existem várias causas possíveis que já foram determinadas (genética, ambiental, dieta, etc), mas não é todo mundo que tem enxaqueca por conta de uma dessas causas especiais. Existe uma causa genética de enxaqueca familiar muito clara e muito bem estabelecida, chamada de migrânea Enxaqueca & Labirintite Vitória Karoline Ferreira de Souza – Medicina UFMS/CPTL – Turma 5 2 BASES BIOLÓGICAS DA PRÁTICA MÉDICA IV – FARMACOLOGIA hemiplégica familial (FHM). Essa FHM é uma canalopatia de canais de Ca++ voltagem dependentes (lembrar que esses canais do tipo voltagem dependentes, na pré-sinapse permite o influxo de Ca++ que vai desengatilhar a exocitose) por isso, quando se tem uma canalopatia como essa, ocorre alterações que podem tanto facilitar quanto reduzir a neurotransmissão, depende do tipo da mutação. Já foram determinados vários pontos de mutação no canal de Ca++. Na imagem acima temos a estrutura do canal de Ca++ observada em 2D, onde sempre que se tem formação de uma espécie de “cruz”, identifica-se os locais de existência de mutação. Inclusive uma dessas mutações acontece em uma das alças transmembrana relacionada com o sensor dependente de voltagem, que é justamente aquela porção do canal que contém aminoácidos carregados que vão sofrer alteração de conformação frente alteração de voltagem e permitir a abertura do canal. Então, alterações em especial nesse sensor podem fazer com que o canal se torne mais ativo ou menos ativo, o que parece ser uma das principais causa da depressão alastrante cortical, que está por trás da enxaqueca nessa condição genética. As pessoas que possuem este tipo de condição apresentam crise que pode durar 3 dias com uma frequência bem grande podendo haver repetição de crise na mesma semana, ou seja, pode passar a semana inteira em crise. Além disso, a crise pode ser tão intensa e envolver um padrão de ativação tão alterado ao ponto de causar algumas sequelas, como a ataxia cerebelar progressiva. Essa ataxia vai além de envolver os sintomas recorrentes da enxaqueca tende a comprometer o equilíbrio e perda de controle motor. Existe uma parcela maior de pessoas que parece ter uma enxaqueca relacionada a fatores neuroinflamatórios e alteração em aspectos vasodinâmicos, ou seja, resultante da alteração na vascularização intracraniana tanto encefálica, mas principalmente meníngea. Esse tipo de cefaleia é composto por 3 fases importantes, sendo explicitas no gráfico abaixo onde o fluxo sanguíneo cerebral corresponde ao traçado vermelho. 1. Fase premonitória: está fase não está estabelecida no gráfico, mas tende a acontecer até 2h antes de uma crise. Em geral, essa fase pode passar batido para algumas pessoas. Normalmente ocorre algum tipo de alteração sutil que pode se apresentar como “alteração de humor de maneira brusca”. Logo, o individuo que apresenta crises recorrentes, começa a reconhecer está primeira fase justamente pela oscilação de humor. Não necessária precisa ser alteração de humor, uma vez que, isso varia de acordo com a região encefálica está acometida. 2. Fase de aura: corresponde justamente ao que foi dito no começo dessa aula. A aura corresponde a sintomas ou exacerbações sensoriais caracterizada por uma vasoconstrição intracerebral brusca. Coincide com início da fase de aura o pico de vasoconstrição e redução do fluxo cerebral. Essa fase dura pouco tempo, no máximo 1h, mas quando o individuo se encontra na mesma já se sabe que enxaqueca é algo recorrente. A primeira fase pode até passar batido, mas essa não, uma vez que se tem hipersensibilidade sensorial, fotofobia, alterações/distorções do campo visual, pontos aparecendo no campo visual. Frisamos bem em campo visual porque é um sintoma muito recorrente dentro da aura, mas também pode ser gustativa, olfatória. Essas duas fases juntas corresponde a fase prodrômica, porque elas precedem a fase de dor, principal na enxaqueca. 3. Vasodilatação meníngea “rebote”: não se sabe exatamente o motivo, mas a vasoconstrição inicial é seguida por uma vasodilatação rebote, então, Vitória Karoline Ferreira de Souza – Medicina UFMS/CPTL – Turma 5 3 BASES BIOLÓGICAS DA PRÁTICA MÉDICA IV – FARMACOLOGIA 4. numa tentativa de contrabalancear a perda sanguínea cerebral, existem mecanismos compensatórios que levam a vasodilatação. E é justamente essa vasodilatação que causa compressão de tecidos gerando dor e aspectos inflamatórios (já que na inflamação, alguns mediadores inflamatórios induzem a vasodilatação). Logo, enquanto perdurar a vasodilatação, perdurará a cefaleia. Portanto, já fica subentendido que, controlando os aspectos vasodinâmicos talvez consiga-se ter melhorcontrole da crise de enxaqueca. ENVOLVIMENTO DA 5HT NA ENXAQUECA A serotonina está bastante envolvida com a fisiopatologia da enxaqueca, e existem alguns motivos que confirmam essa participação, por exemplo: • Foi observado que pacientes com enxaqueca apresentam uma redução da concentração de serotonina no plasma durante crises, mostrando que talvez, a serotonina seja consumida em maior quantidade. • Adicionalmente, esses pacientes apresentam aumentos dos metabólitos de serotonina na urina após uma crise, o que acaba confirmando a primeira ideia. • E por fim, alguns fármacos/substâncias/comportamentos que aumentam a liberação de serotonina, podem induzir farmacologicamente uma crise de enxaqueca em alguém sensível. Embora sempre lembremos da serotonina no cérebro, ela está muito mais presente no nosso organismo no TGI e depois no plasma. Então, ela tem uma presença muito grande nas plaquetas, desempenhando papel de hemostasia por trabalhar tanto na indução de agregação plaquetária e vasoconstrição. Chamando atenção para a vasoconstrição, devemos pensar que aquela fase inicial de vasoconstrição que causa a aura pode ter a serotonina por trás. As plaquetas possuem transportadores de serotonina, assim como os neurônios, e esses transportadores são de altíssima afinidade, sendo observado que em pacientes com enxaqueca, o mecanismo de controle na liberação de serotonina plaquetária parece estar alterado. Isso reforça a ideia de que a serotonina está envolvida com a enxaqueca (não sendo exclusivamente só ela, mesmo os fármacos tendo-a como alvo farmacológico). Com isso, sabe-se hoje que existem vários receptores de serotonina com participação importante na enxaqueca, por exemplo: • Os receptores do tipo 5HTD1 parecem estar envolvidos na vasoconstrição inicial, que causa a aura. • Enquanto que os receptores do tipo 5HT2A parece ser relacionado com a vasodilatação rebote, que causa dor associada com a etapa mais tardia da enxaqueca. • Além disso, possuímos os receptores do tipo 5HT3 que além de induzir/facilitar a sensibilização da dor também está envolvida com mecanismos de indução de náusea e vomito. Então se olharmos só para a serotonina, até conseguimos delinear um mecanismo fisiopatológico serotoninérgico para explica a enxaqueca. Descrição do esquema: Dependendo do tipo de enxaqueca que o paciente apresenta, a mesma pode apresentar alguma lesão vascular/processo que requer uma alteração hemostática ou não, induzida por alguma substância ou estimulo físico, químico. De qualquer forma, isso parece se relacionar com uma liberação aumentada de serotonina, mesmo que transitória. A curto prazo essa liberação de serotonina tem efeitos rápidos mediados pelos receptores 5HT1, que em Vitória Karoline Ferreira de Souza – Medicina UFMS/CPTL – Turma 5 4 BASES BIOLÓGICAS DA PRÁTICA MÉDICA IV – FARMACOLOGIA vasos principalmente do encéfalo e da meninge, se relacionam com a vasoconstrição rápida responsável pelo momento de aura. Em situações em que o paciente apresenta alteração hemostática, a serotonina liberada pode atuar como facilitador de agregação plaquetária formando trombos (pouco recorrente, mas acontece naqueles que de alguma forma apresentam predisposição a formação de trombos) que causam redução do fluxo sanguíneo. Esses trombos tendem a ser pequenos, não sendo capaz de gerar um AVE, mas microtrombos formados devidos a predisposição do indivíduo. Até que se tenha mecanismos fibrinolíticos para controlar a situação, é natural que o organismo tende contrabalancear essa perda de fluxo. A própria liberação de serotonina e participação neuroinflamatória vão ativar mecanismos de vasodilatação, chamando a atenção para receptores do tipo 5HT2A que permite a produção de NO (vasodilatador potente) favorecido por um endotélio integro; e fatores inflamatórios que induzem a vasodilatação. Embora a vasodilatação vise a recuperação do fluxo que foi perdido, ocorrerá uma compressão de tecidos e indução de dor (uma etapa rápida de aura e vasoconstrição e outra etapa mais lenta que demora acontecer de vasodilatação e indução de dor). RACIONAL TERAPÊUTICO: ANTIENXAQUECOSOS Dessa forma, existem alguns fármacos que poderiam atuar em uma dessas vias. Começamos pensando na liberação de serotonina... a gente tem a atuação em receptores 5HT2A causando vasodilatação mediada por NO, então, se antagonizarmos esse 5HT2 consequentemente reduziríamos a vasodilatação/fase de dor. Essa é uma classe possível, porém não falaremos dela, porque basicamente o único fármaco dessa classe está sem registro no Brasil. Frente a vasodilatação, temos os agonistas de receptores 5HT1 que poderiam atuar (já que 5HT2 causa vasodilatação). Lembrem que a ativação 5HT1 causa uma vasoconstrição que inclusive é a causa da aura, mas usando um agonista 5HT1 no momento da vasodilatação, conseguiríamos reduzir esse processo induzindo vasoconstrição. Além disso, receptores do tipo 5HT1 parecem estar envolvidos com a sensibilização da dor e liberação de neuropeptídeos e fatores específicos que atuam na neuroinflamação. Então atuando via ativação de 5HT1 pode- se ter diminuição dos componentes neuroinflamatórios e que facilitam a dor. Por fim, como a neuroinflamação é um dos fatores importantes também na produção de mediadores inflamatórios (prostaglandinas, cininas), isso tanto sensibilizando terminais nervosos para dor quanto vasodilatação, pode-se usar antiinflamatórios não esteroidais para reduzir o componente inflamatório. É claro que se olharmos o esquema ao lado, ele está bem tendencioso para agonistas 5HT1, justamente porque parece atuar em várias frentes diferentes. Não é atoa que um dos fármacos mais usados são agonistas 5HT1 (principalmente 5HT1B e 5HT1D mais presente em vasos). 1. Alcaloides de Ergot e derivados Apesar de serem fármacos antigos, hoje em dia ainda apresenta uso bem importante. Esses alcaloides de ergot são derivados de um fungo conhecido como Claviceps purpurea, uma espécie de parasita do centeio que gera essa estrutura preta. Esse esporão do centeio gera uma série de alcaloides que em geral conseguem atravessar a barreira hematoencefalica e gerar efeito psicotrópicos, por isso, por muito tempo o centeio contaminado por esse fungo era fonte de intoxicações também. A gente tem ergotamina como sendo o principal alcaloide de ergot. Parecida com a ergotamina (adição de bromocriptina) temos o ácido lisérgico (adição dietilamida do ácido lisérgico), mais conhecido Vitória Karoline Ferreira de Souza – Medicina UFMS/CPTL – Turma 5 5 BASES BIOLÓGICAS DA PRÁTICA MÉDICA IV – FARMACOLOGIA como LSD, e só a partir dai imagina-se quais são os possiveis efeitos associados ao uso dessas substancias que apresentam estruturas parecidas. Tanto a ergotamina quanto seus analogos, tendem a ter efeitos semelhantes a de um agonistas 5HT1 com um perfil que pode acompanhar antagonismo 5HT2. Então percebam que para o perfil de tratamento da enxaqueca isso é exatamente o que se quer: um agonista 5HT1 que causa vasocontrição com um antagonista 5HT2 que reduz a vasodilatação. Mas alem disso, a ergotamina consegue estabelecer efeitos em outros locais que incluem receptores de dopamina, noradrenalina e serotonina. Esses fármacos tendem a ter efeito analgésico só para enxaqueca, não funcionando para outro tipo de dor a não ser de componente vascular. Além disso, apresentam pouca seletividade justificada por atuar em vários receptores e vias de transmissão que faz com que o efeito dele seja mais impressivel colaborando para uma gama de efeito indesejavéis. Por isso até, esses alcaloides de ergot estão em desuso, basicamente só um deles é usado para enxaqueca hoje em dia e nem é o farmaco de primeiraescolha, apenas como opção para aqueles que não respondem bem aos outros tratamentos.
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