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SOLUÇÃO DE CONFLITOS JURÍDICOS Eduardo Zaffari Os diversos tipos de negociação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir negociação e como é utilizada na atualidade. Explicar os diversos tipos de negociação. Exemplificar casos em que se aplicam os tipos de negociação. Introdução Negociamos diariamente, desde o momento em que acordamos, quando temos que definir quem levará as crianças à escola, por exemplo, até a noite, quando temos que definir o que comer no jantar. Nos ambientes profissionais, temos que negociar quem fará o que, quando e como. A negociação faz parte do cotidiano — negociamos o tempo todo, mesmo que de forma inconsciente. Negociar poderá importar em ganhos recíprocos ou perda de uns em detrimento de outros. São tipos de negociação não excludentes, mas que dependerão do interesse dos envolvidos na construção de uma relação mais ou menos duradoura. Neste capítulo, você vai estudar o que é negociação e vai verificar como ela está presente na atualidade. Você também vai identificar os dois tipos de negociação, o que lhe permitirá optar pela forma mais adequada em cada situação. Por fim, você vai analisar dois casos de negociação conforme os tipos aprendidos, verificando uma relação em que há um ganha–perde e outra em que há um ganha–ganha. Negociação hoje Conforme Bacellar (2017, p. 168): [...] negociação é um processo e uma técnica destinada a resolver diretamente divergências de interesses e percepções que tem por objetivo criar, manter ou evoluir um relacionamento baseado na confiança, gerando ou renovando compromissos múltiplos e facilitando a formulação de opções e proposições para um acordo ou de novos acordos. A negociação também pode ser conceituada como uma comunicação bidirecional concebida para chegar a um acordo, quando existentes interesses opostos, para que se obtenham benefícios mútuos. Trata-se de uma técnica em que se busca convergir interesses para que ambos os negociadores obtenham o que lhes interessa. Ao contrário do que se poderia pensar, não se necessita a perda de uma parte para que a outra obtenha êxito. Tratada como ciência por alguns, a negociação está presente nas relações pessoais e profissionais. Em um mundo cada vez mais interligado, a habili- dade de saber resolver conflitos se tornou uma necessidade para todos que pretendem ter sucesso profissionalmente ou nas suas relações privadas. Não há quem não negocie durante grande parte do seu dia. Mas para que todos possam obter benefícios dessa prática diária, o aprendizado dos tipos de negociação e das suas principais técnicas é de grande auxílio. Nas relações pessoais, é comum que os filhos negociem com os seus pais, desde tenra idade, quando um bebê chora pelo colo materno, ou quando, mais tarde, quando criança e adolescente, o filho pede a autorização dos seus responsáveis para se divertir com os amigos. Casais negociam onde vão morar e quais serão os seus planos e as suas metas para o futuro. No campo profissional, a negociação é habitual e, para alguns, como vendedores e compradores, é obrigatória. Uma promoção, um aumento de salário ou a concessão de banco de horas devem ser negociados. Em algu- mas profissões, como as profissões de corretores de imóveis, representantes comerciais, advogados, compradores e vendedores, a negociação é uma arte que deve ser exercitada diariamente. Os profissionais que se destacam são aqueles que aprendem e praticam as técnicas corretas para que hajam ganhos mútuos, permitindo que todos os envolvidos mantenham os laços que os unem. O aparecimento de conflitos, às vezes, não pode ser resolvido pelos en- volvidos, seja pelo desconhecimento das técnicas adequadas de resolução do conflito, seja pelo rompimento da comunicação. Quando o conflito está Os diversos tipos de negociação2 deflagrado e surge o impasse, o Poder Judiciário é chamado para decidir a quem deve ser atribuído o bem disputado pelos litigantes. Ocorre que a burocracia e a morosidade do Judiciário, aliadas ao crescimento geométrico das demandas judiciais, apontam que esse meio não tem sido suficiente para a pacificação social. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem apontado que o investimento realizado no Poder Judiciário não tem sido suficiente para atender ao crescente número de processos judiciais. O crescimento geométrico do estoque de pro- cessos judicias decorre da melhoria do acesso ao Judiciário, do incremento de informações sobre os direitos e deveres, bem como da dificuldade comunicativa que permite o rompimento dos relacionamentos. A obra mais importante sobre o acesso à Justiça, em que são abordadas as ondas de acesso ao Judiciário, seus obstáculos e os meios de superar tais obstáculos para a obtenção de resolução de conflitos é Acesso à Justiça, de Mauro Cappelletti. Foi a obra que inspirou a criação dos Juizados Especiais Cíveis no Brasil. Considerando que as decisões judiciais não pacificam, mas apenas atribuem o bem da vida a quem o juiz determinar, servindo muitas vezes para acirrar os ânimos ainda mais, desenvolveu-se uma política nacional de resolução adequada de conflitos, conforme a Resolução nº. 125, de 29 de novembro de 2010, do CNJ. Reconheceu-se que: [...] a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em progra- mas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças (BRASIL, 2010, documento on-line). Na Resolução, a partir da qual se implementou no País uma política de resolução consensual de conflitos, estipulou-se a necessária capacitação dos mediadores e conciliadores com as modernas técnicas de negociação. Na matriz curricular, necessária para os profissionais que atuarão no reesta- belecimento da comunicação e busca pelo acordo, constam as disciplinas de: 3Os diversos tipos de negociação axiomas da comunicação; comunicação verbal e não verbal; escuta ativa; comunicação nas pautas de interação e no estudo do inter-relacionamento humano; moderna teoria do conflito; técnicas básicas de negociação (barganha de posições, separação de pessoas de problemas, concentração em interesses, desenvolvimento de opções de ganho mútuo, critérios objetivos, melhor alternativa para acordos negociados); técnicas intermediárias de negociação (estratégias de estabelecimento de rapport, transformação de adversários em parceiros, comunica- ção efetiva, além de técnicas de recontextualização, identificação das propostas implícitas, afago, espelhamento, produção de opção, acon- dicionamento das questões e interesses das partes, teste de realidade). Segundo Spengler (2017, p. 30), a importância do preparo dos mediadores (e conciliadores, obviamente) se dá porque o mediador, no lugar “[...] de se posicionar em local superior às partes, se encontra no meio delas, partilhando de um espaço comum e participativo, voltado para a construção do consenso num pertencer comum”. Distribuíram-se por todo o País Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS), com profissionais capacitados e habilitados para a resolução adequada dos conflitos. Igualmente, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu que os processos judiciais deverão estimular a autocomposição dos conflitos, mesmo durante o seu trâmite. O art. 3º da Lei nº. 13.130, de 2 de março de 2015, prescreve expressamente o dever de estímulo à composição: § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defenso- res públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (BRASIL, 2015, documento on-line). Os diversos tipos de negociação4 Os diversos tipos de negociação A técnica da negociação poderá ser de diferentes formas,a depender da ex- periência dos negociadores e dos objetivos de cada um. As diferentes formas poderão ser empregadas de forma simultânea ou sucessiva, dependendo do perfi l dos envolvidos. Métodos como a inversão de papéis, o silêncio, a escuta ativa e a geração de opções (SPENGLER, 2017) são alternativas que permitem aos negociadores chegarem a um consenso. Basicamente dois tipos de negociação são preconizados como forma, não sendo excludentes — pode-se utilizar mais de um — e sendo utilizados conforme os objetivos dos negociadores envolvidos. O primeiro método é a negociação distributiva, em que os negociadores competem pela distribuição de um determinado interesse. Nessa forma, há o ganho de um lado dos negociantes e a respectiva perda do outro. Há um determinado valor fixo pretendido, que os negociadores competem entre si para a obtenção, visto que existiriam escassas possibilidades de expansão desse valor. Ocorre a chamada negociação de soma zero. Há situações em que a perda do outro não deve significar “nenhum ganho”, mas “ganho menor” em relação aos demais negociadores. Observe, entretanto, que não se necessita que o valor fixo constitua uma determinada quantidade de dinheiro. Qualquer bem da vida poderá consistir em um valor fixo, posto que bens imateriais ou pretensões — o direito de visitar um filho, por exemplo — poderão ser bens negociáveis. Nesse caso, o ganho de um poderá acarretar a perda do outro — ou seja, um pai ganhar o direito de passar mais dias com o seu filho implica que a mãe passará menos tempo com a criança. Essa forma de negociação, a distributiva, advém do conceito aristotélico, constante na obra Ética a Nicômaco, de justiça distributiva, em que “deve se dar a cada um o que é seu”, ou seja, um ganhará e outro perderá (ou não ganhará) o ganho do outro (ARISTÓTELES, 1991). Nessas negociações distributivas, o bom negociador atenta muito à primeira proposta que fará, pois ela costuma determinar o âmbito de negociação no qual os negociadores gravitarão as suas margens de negociação. Informar ao outro 5Os diversos tipos de negociação negociador o motivo que determina a venda de um bem, por exemplo, poderá fragilizar a posição do negociador que vende (caso ele precise do dinheiro para pagar custos com uma doença, por exemplo). Em contrapartida, conhecer a motivação do outro poderá consistir em vantagem competitiva nessa espécie de negociação, pois será possível determinar as margens de proposta para obrigar a outra parte a negociar. O segundo método, chamado negociação integrativa, consiste na nego- ciação em que todas as partes cooperam para obter o máximo de vantagens para ambos, aliando esforços para que surja um acordo que atenda aos inte- resses de todos os negociadores. Nesses casos, buscam-se soluções em que surjam ganhos para todos, em um resultado de soma maior do que zero. Na negociação integrativa, o conhecimento dos interesses fundamentais de cada parte permitirá que se obtenham soluções criativas, que permitam ganhos de todos e uma relação negocial duradoura. A negociação se divide em cinco fases, conforme a Escola de Harvard: preparação, criação, negociação, fechamento e reconstrução. Para o sucesso de cada negociação, salienta-se que se deve observar cada uma dessas fases de forma rigorosa, posto que todas são importantes para o desenvolvimento do acordo. Recomendam-se, nesse método de negociação, as técnicas preconizadas pela Escola de Harvard, importante centro que desenvolveu as mais impor- tantes táticas negociais da atualidade. Segundo essas técnicas, deve-se buscar um resultado de ganha–ganha, por meio da busca de benefícios mútuos, observando-se quatro diretrizes básicas, conforme leciona Tartuce (2018): desassociar as pessoas dos problemas; enfocar os interesses, e não as posições das partes; criar opções que resultem em ganho mútuo; reiterar critérios objetivos para ponderação das opções criadas. Segundo a política nacional de resolução adequada de conflitos, constante na Resolução CNJ nº. 125/2010, busca-se implementar, por meio da conciliação e da mediação, uma negociação integrativa, em que os ganhos múltiplos possam restaurar os laços afetivos e pacificar os envolvidos. Constata-se pelo princípio Os diversos tipos de negociação6 da busca de consenso que este se relaciona com a necessidade de cooperação entre as partes e a não competitividade. Segundo Tartuce (2018, p. 219): [...] verifica-se uma situação cooperativa quando um participante do processo, ligado de forma positiva a outro, comporta-se de maneira a aumentar suas chances de alcançar o objetivo, aumentando com isso também a chance de que o outro o faça. O mediador e todos os envolvidos no procedimento deverão atuar de forma contributiva para que se possa reestabelecer a comunicação e o diálogo, com um ambiente propício ao consenso. Observe que, mesmo que não cheguem ao consenso quanto à solução, poderão as partes criar um ambiente de comuni- cação que lhes oportunize, em outro momento, uma composição. Os principais desenvolvedores das técnicas negociais da Escola de Harvard são os professores Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, cujas extensas bibliografias têm orientado mundialmente quem trabalha com negociação ou quem pretende aprofundar-se no tema. Casos em que se aplicam os tipos de negociação Observe sempre os elementos indispensáveis para uma boa negociação, que consistem nas suas fases. Na fase de preparação, o bom negociador faz uma check-list de todas as opções possíveis de serem pactuadas e dos requisitos necessários para a sua pactuação, preparando-se ou consultando a efetiva possibilidade. Na fase de criação de valor, as partes deverão envidar esforços para a criação de vantagens que ultrapassem a soma-zero, ou seja, que um perca para o outro ganhar. Já na fase de negociação, serão distribuídas as vantagens que os envolvidos encontraram para que todos saiam satisfeitos. A fase de fechamento é o momento em que a negociação chegará ao seu fi nal, com a decisão sobre a melhor alternativa. E, por fi m, na fase de reconstrução, os negociadores reconstruirão o relacionamento que possa ter sofrido algum desgaste no processo de negociação. Não se deve jamais ignorar a última fase, pois ela consolidará a satisfação como sentimento nos negociadores. Veremos a seguir dois exemplos de negociação. 7Os diversos tipos de negociação Negociação distributiva A Companhia de Refrigerantes Ltda., fornecedora de bebidas gasosas para diversas empresas de fast-food, estava sendo oferecida ao mercado em razão dos frequentes litígios familiares entre os sócios, que vinham difi cultando a sua administração. Os dois sócios, Pedro e João, que também eram irmãos, não conseguiam mais dialogar. O preço de mercado da empresa, segundo a avaliação dos seus contadores, importava em 25 milhões de reais, dos quais 16 milhões serviriam para pagar dívidas em atraso. Interessada na compra, e pretendendo ter o domínio de todo o processo de logística e fornecimento, a rede de fast-food Lanches do Brasil Ltda. resolveu adquirir a Companhia de Refrigerantes Ltda. Um intermediário, então, aproximou os interessados para o início das negociações. Na primeira reunião, João e Pedro, acompanhados do seu contador, encon- traram-se com os representantes da Lanches Brasil e informaram o preço da Companhia de Refrigerantes e as condições em que pretendiam receber o valor. A compradora, que pesquisara o valor das dívidas da Companhia de Refrige- rantes antes da reunião, iniciou fazendo uma proposta de dezesseis 16 milhões de reais em parcelas anuais, durante o período de 5 anos. Imediatamente os dois irmãos, Pedro e João, começaram a discutir entre si, demonstrando a sua dificuldade de relacionamento. A reunião se encerrou devido aos ânimos acirrados entre os irmãos. O representante da Lanches Brasil telefonou no dia seguinte ao contador da Companhia de Refrigerantes e descobriu que os irmãos nãodialogavam há tempo. Na reunião seguinte, a compradora disse que não se interessava mais pela Companhia de Refrigerantes e que já estava em adiantada fase de negociação com outra empresa de bebidas, argumento ardiloso para pressionar os dois irmãos. Desesperados em razão das dívidas acumuladas, os dois irmãos voltaram a discutir na frente do representante da compradora. No dia seguinte, João encaminhou uma proposta de venda à Lanches Brasil no valor de 22 milhões de reais. Pedro, por sua vez, sem consultar o irmão, encaminhou uma proposta de venda para a Lanches Brasil no valor de 17 milhões de reais. A Lanches Brasil respondeu formalmente aceitando a proposta de 17 milhões de reais, obrigando os irmãos a aceitarem o preço sob pena de execução. Nessa negociação, que se pode caracterizar como distributiva, a falta de diálogo entre os irmãos demonstrou a falta de prévia preparação entre os vende- dores, que não se preocuparam em estabelecer a sua margem de preço mínima e as condições de pagamento. Igualmente, durante a fase de negociação, os irmãos não dialogaram entre si para responder à investida da compradora de forma Os diversos tipos de negociação8 única, fragilizando-se e perdendo grande valor na venda da sua companhia. Os vendedores também não se informaram sobre a real necessidade da compradora em adquirir uma empresa de bebidas. Praticamente nada receberam. Por sua vez, os representantes da compradora prepararam, informando-se sobre as dívidas da empresa de bebidas, bem como sobre os reais motivos da venda. Mantiveram-se firmes na sua investida de compra e aproveitaram-se da fragilidade de relacio- namento entre os sócios da empresa adquirida. Negociação integrativa No falecimento de Tereza, esta deixou em herança, para as suas duas fi lhas, Flávia e Paula, e o seu fi lho autista, Marcelo, um apartamento que estava alu- gado. A renda de aluguel era recebida por Flávia, que cuidava do irmão autista. Passando por difi culdades fi nanceiras por ter sido demitida recentemente da clínica de fi sioterapia onde trabalhava, Paula ajuizou uma ação judicial em face de Flávia e de Marcelo para receber a sua parte do aluguel. Ao receber a ação judicial para análise, o juiz encaminhou o processo para o Centro de Mediação da comarca, para a tentativa de reestabelecimento do diálogo e a solução do litígio. A mediação, entre os meios alternativos de resolução de conflitos, é a melhor opção para o reestabelecimento de comunicação quando os litigantes têm laços familiares, de amizade, ou vizinhança, os quais serão necessários no futuro. Construindo uma alternativa ao litígio, as partes se sentem protagonistas e responsáveis. Marcada a primeira sessão de mediação, encontraram-se as duas irmãs na presença de um mediador judicial. Explicada a forma de mediação, Paula explicou que vinha enfrentando sérias dificuldades financeiras pela perda do seu emprego e que estava vivendo do seguro-desemprego, sem qualquer condição de pagar o aluguel do apartamento em que residia. Explicou que entendia ter direito a 1/3 do aluguel do bem deixado em herança e que esse dinheiro per- mitiria que ela pagasse o aluguel do local onde morava. Afirmou, ainda, que não tinha outros familiares e reiterou que necessitava do dinheiro do aluguel. 9Os diversos tipos de negociação Flávia, então, explicou que cuidava do irmão autista há muitos anos sem contar com a ajuda da irmã e que o valor que recebia de aluguel do bem deixado pela mãe servia para pagar as despesas de sustento do irmão e da cuidadora. Afirmou, ainda, que a ação judicial proposta por Paula era uma ofensa à memória da mãe e que não queria mais conversar com a sua irmã em razão disso. O mediador, então, pediu para realizar uma sessão particular com Paula, de 20 minutos, para depois ter igual tempo de conversa com Flávia. Ciente de que as dificuldades alegadas pelas irmãs eram difíceis de resolver sem o diálogo, o mediador pediu para que Paula falasse um pouco da irmã e questionou como ela achava que a irmã cuidasse do irmão doente. Indagou, também, quanto ela achava que a irmã gastava para pagar os honorários da cuidadora. Em resposta, ela afirmou que crianças autistas precisam de cuidados especiais, pois as suas dificuldades não lhes permitem administrar a própria vida. Reconheceu que o custo era alto, pois, na clínica em que havia trabalhado, os pais tinham muita dificuldade para pagar a mensalidade, o que levou à redução de custos e à sua dispensa, inclusive. Lamentou, então, não ter muito contato com o irmão, mas que acreditava que era bem cuidado, pois tinha notícias por amigos de que estava se desenvolvendo dentro do esperado. Em sessão particular com Flávia, o mediador perguntou como Paula se organizava financeiramente e se tinha algum emprego estável. Indagou, ainda, como era o relacionamento da irmã com o irmão e há quanto tempo não se encontravam. Flávia respondeu que Paula era uma pessoa adequada, que costumava ficar longos períodos nos seus empregos, e que aparentava ser competente. Acreditava que a irmã se organiza bem financeiramente, pois nunca soube de qualquer dívida dela. Ao ser perguntada pelo mediador sobre os motivos da ação, afirmou que provavelmente a irmã havia se desesperado ante a sua realidade financeira e, em vez de conversar com a irmã, preferiu ajuizar uma ação judicial, possivelmente por vergonha. Na segunda sessão conjunta, o mediador sugeriu que as irmãs contas- sem as suas impressões uma sobre a outra e falassem dos sentimentos que achavam que a outra estivesse sentindo. Tanto Paula quanto Flávia disseram que acreditavam que a outra irmã estava sofrendo, cada uma à sua maneira. Houve recíproco reconhecimento das dificuldades. O mediador, então, ques- tionou o que as irmãs acreditavam que a outra deveria fazer para resolver o problema. Paula afirmou que Flávia deveria passar mais tempo com Marcelo, para que o afeto pudesse auxiliar ainda mais no desenvolvimento do irmão, e que deveria pensar em uma forma de reduzir o custo da cuidadora, para que sobrasse dinheiro. Flávia sugeriu que Paula buscasse um lugar mais barato Os diversos tipos de negociação10 para a sua moradia e que buscasse, o quanto antes, uma ocupação, para que não se sentisse desocupada, prejudicando a autoestima. Diante das afirmações, Flávia perguntou a Paula se esta não gostaria de entregar o seu apartamento para a redução do valor do aluguel e se não gostaria de morar, ao menos por um período, junto com ela e o irmão. Paula afirmou que apenas aceitaria o convite se pudesse substituir a cuidadora, cuidando do irmão, para que a irmã reduzisse o custo de mantença do irmão e para que se sentisse útil até achar um novo emprego. Assim, pactuaram as duas irmãs que iriam morar juntas, para que ambas reduzissem o custo mensal, melhorando as condições de atenção ao irmão doente e restabelecendo os laços familiares rompidos em razão da ação. Encerrou-se, assim, a mediação e a ação judicial entre as irmãs. Esse exemplo de negociação integrativa demonstra como é possível, por meio, das adequadas técnicas de negociação, ante a necessidade de manuten- ção dos laços familiares rompidos pela ausência de comunicação, chegar-se ao acordo de ganho mútuo. As duas irmãs restabeleceram a comunicação e desenvolveram, por meio da técnica de inversão de valores, um acordo com benefícios para ambas e, ainda para o irmão doente, que receberá atenção com ganho afetivo real. 1. A negociação, como técnica, envolve diferentes etapas, as quais são fundamentais. Aponte as cinco etapas da negociação. a) Aperto de mãos, criação, negociação, fechamento e reconstrução. b) Preparação, criação, conversas habituais, fechamento e reconstrução. c) Preparação, criação, negociação, fechamento e despedida. d) Preparação, criação, negociação, fechamento e reconstrução. e) Preparação, imposição de posição, negociação, fechamento e reconstrução. 2. Assinale a alternativa correta. a) Há negociaçãoapenas nas relações comerciais, pois as demais são baseadas no afeto. b) Nas relações pessoais, não se pode dizer que há negociação, pois a confiança impediria a negociação. c) O reconhecimento da negociação no dia a dia, mesmo nas relações pessoais, traz ganho pessoal e profissional a quem compreende e negocia. 11Os diversos tipos de negociação d) Não se deve aprender a negociar, pois isso é para comerciantes, apenas. e) Não existem técnicas para se aprender a negociar. 3. No curso de formação de mediadores e conciliadores do Poder Judiciário, constam técnicas de negociação que devem ser aprendidas para o bom desempenho do encargo. Assinale a alternativa que apresenta algumas dessas técnicas . a) Imposição de posições; separação de pessoas de problemas; concentração em interesses; desenvolvimento de opções de ganho mútuo; critérios objetivos. b) Barganha de posições; separação de pessoas de problemas; concentração em interesses; desenvolvimento de opções de ganho mútuo; critérios objetivos. c) Barganha de posições; mistura de pessoas e problemas; concentração em interesses; desenvolvimento de opções de ganho mútuo; critérios objetivos. d) Barganha de posições; separação de pessoas de problemas; concentração apenas em posições; desenvolvimento de opções de ganho mútuo; critérios objetivos. e) Barganha de posições; separação de pessoas de problemas; concentração em interesses; desenvolvimento de opções de ganho apenas para uma das partes; critérios objetivos. 4. Nas negociações distributivas: a) a primeira proposta não interessa muito. b) expor os próprios motivos reforça a empatia. c) conhecer os motivos do outro não auxilia muito. d) interessa apenas o próprio motivo. e) expor o próprio motivo fragiliza quem expõe. 5. Nas negociações integrativas: a) o conhecimento dos interesses servirá para que se criem alternativas para o fechamento do negócio. b) há sempre um ganha- perde de soma zero. c) interessa apenas o ganho de um dos negociadores. d) as posições são mais importantes que os interesses. e) deve-se focar apenas em posições. Os diversos tipos de negociação12 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco: poética. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os pensadores, v. 2.). Disponível em: <http://portalgens.com.br/portal/images/stories/ pdf/aristoteles_etica_a_nicomaco_poetica.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2017. BACELLAR, R. P. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2016. BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. BRASIL. Resolução CNJ nº. 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus. br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em: 2 jul. 2018. SPENGLER, F. M. Mediação de conflitos: da teoria à prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. TARTUCE, F. Mediação nos conflitos civis. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Leituras recomendadas BRASIL. Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Diário Oficial [da] República Federa- tiva do Brasil, Brasília, DF, 27 set. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. 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