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1 Beatriz Machado de Almeida Gastroenterologia – Diarreia – Aula 8 Diarreia Definições e classificações • Sintoma, não uma doença. Pode significar uma doença, então faz parte, mas não é uma. • Aumento na frequência das evacuações (o que é normal?): está indo mais vezes fazer o cocô. Ir mais de 3x/dia já é considerado diarreia, mas é importante considerar o que é o normal do paciente, pois isso é muito individual. Se for um paciente constipado, que vai 2x/semana ao banheiro, ir todos os dias já pode ser considerado um padrão de diarreia. • Aumento na fluidez das fezes: mesmo que não aumente a quantidade, se aumentar a fluidez (líquidas ou semi sólidas), já é suspeito. O intestino secreta e, principalmente, absorve, então qualquer aumento de secreção ou diminuição da absorção pode levar a diarreia por aumento da fluidez. • Peso das fezes????? Acima de X g por dia, mas isso não é muito prático. É complexo, fora do contexto do estudo clínico da diarreia. • Aguda X crônica: aguda → até 4 semanas; crônicas → > 4 semanas OU Aguda → 14 dias; persistente → acima de 14 dias; crônica → > 4 semanas. A aguda pode ser subdividida em persistente. • A maioria das diarreias agudas são infecciosas, por vírus ou bactérias, e elas habitualmente se resolvem em 7 dias, se durar mais, pensar em protozoários, parasitas... • Alta X baixa: Existe diferença clínica e etiológica entre elas. ❖ Diarreia alta: Delgado. Se o colón está preservado, a absorção que está afetada. Mesmo que o colón esteja absorvendo, se o delgado está com problema, vai chegar muita água no colón que não vai conseguir absorver. Serão poucas dejeções volumosas, porque o grosso está funcionando, então ele consegue amenizar um pouco, então são 4-5x/dia, mas com muito líquido; não tem tenesmo (pois não tem inflamação no reto), não tem muco nem sangue. ❖ Diarreia baixa: Colón. O delgado está funcionando e absorve muito líquido; como o colón não está funcionando direito, o indivíduo vai várias vezes ao dia, > 10x/dia, mas sempre pouco volume; pode ter sangue, muco, tenesmo, porque os agentes que costumam infectar essa região gastam de fazer inflamação. MAIS CASSIFICAÇÕES • Mecanismo fisiopatológico: Osmótica, secretora, exsudativa e motora. • Apresentação clínica: Aquosa, esteatorreia (disabsortiva) e inflamatória. Diarreia osmótica • Presença de substância osmoticamente ativa pouco absorvida na luz intestinal. ❖ Retenção de água na luz para manter osmolaridade intraluminal. • Manitol, sorbitol, lactulose, íons de Mg e fosfato. • Ingestão de dissacarídeos na ausência da dissacaridase apropriada. Chocolates diets são adoçados com sorbitol, então pode gerar diarreia osmótica. Preparação para colonoscopia com manitol pode gerar diarreia osmótica. ❖ Intolerância a lactose: o indivíduo não tem a dissacaridase (não tem a lactase) e por isso pode fazer uma diarreia osmótica, porque fica lactose para ser digerida/fermentada. • Melhora com o jejum. • Distensão abdominal se tiver a substância osmoticamente ativa no lúmen intestinal. • Flatulência: causada pela fermentação do carboidrato não absorvido no intestino grosso. • Baixo pH fecal: o manitol, sorbitol, essas substâncias baixam o ph. • Aumento da osmolaridade fecal e gap osmótico. Pode ser medido nas fezes. • Ausência de leucócitos fecais ou sangue nas fezes, pois não há inflamação. • Esteatorreia → casos com má absorção intestinal. • É muito difícil de ter osmótica pura. EX.: Na DC tem uma destruição da mucosa, o que leva a perda da lactase e não absorção da lactose, mas também não absorve mais nada, faz síndrome de má absorção, portanto, esteatorreia também; faz diarreia osmótica e disabsortiva. Diarreia secretora • Transporte desordenado de eletrólitos. O paciente tem um desbalanço entre a absorção e secreção, ele deixa de absorver. 2 Beatriz Machado de Almeida Gastroenterologia – Diarreia – Aula 8 ❖ Absorção reduzida (Na), secreção ativa (cloreto e bicarbonato). • Causa mais comum: infecções, seja toxina, seja a própria bactéria ou vírus. Esses, impedem o intestino de absorver corretamente os íons e eletrólitos ou estimula a secreção, mantendo ou levando junto a água para o lúmen. Diarreia aquosa. • Produção excessiva de hormônios e secretagogos. Causas raras. • Gastrina (gastrinoma), síndrome carcinoide (produção de serotonina, prostaglandinas, calcitonina), VIPomas... VIP: peptídeo vasoativo intestinal, produzido pelo próprio intestino e com várias ações no controle do metabolismo do intestino delgado e grosso, inclusive estimulando a peristalse. VIPoma é um tumor neuroendócrino benigno que produz VIP de forma autônoma. Todos esses (gastrinoma, VIPoma...) são tumores que produzem hormônios que estimulam o TGI. Diarreia motora • Aceleração do trânsito intestinal. Qualquer coisa que estimule o trânsito intestinal pode fazer uma diarreia motora. P. ex. qualquer coisa ingerida que tenha uma substância osmótica pode estimular o trânsito intestinal, podendo fazer uma diarreia tanto motora quanto osmótica. ❖ Doenças funcionais; ❖ Doenças metabólicas; ❖ Doenças endócrinas: hipertireoidismo; hormônio tireoidiano estimula a peristalse. Diarreia exsudativa • Invasão/lesão da mucosa. • Exsudação de células inflamatórias: presença de pus (leucócitos), sangue, muco. • Disenteria. • Diarreia inflamatória tem mecanismo exsudativo. Definição de diarreia inflamatória: “As características clínicas consistem em evacuações em pequena quantidade, com muco, pus e sangue, associadas a cólicas no abdome inferior, urgência fecal, tenesmo e puxos (contrações perineais intensas acompanhando o tenesmo; alguns autores consideram puxo sinônimo de tenesmo), febre e perda ponderal.” • E voltamos para as classificações... Apesar do mecanismo fisiopatológico, na clínica, muitas vezes o que se tem é uma mistura de mecanismos. Ou seja, nem toda diarreia exsudativa vai ter necessariamente muco e sangue, às vezes pode ser alta, pode ser motora. Assim como uma diarreia disabsortiva pode muitas vezes ser secretora e outras vezes ser exsudativa. A inflamatória também pode ser uma combinação de várias coisas. Exemplo: na doença celíaca existe uma destruição da mucosa e consequentemente destruição da dissacaridase, o que leva a acúmulo da lactose no intestino, substância osmoticamente ativa. Como houve destruição da mucosa pode haver um grau de exsudação do ID sem necessariamente ter muco, sangue ou pus. É possível também ter um certo grau de secretora e se manifestar clinicamente como aquosa. Fisiopatologia • A diarreia é um processo complexo que raramente envolve apenas um mecanismo. • Um único agente pode ter diferentes efeitos. • Diarreia osmótica ou secretora puras: raro. • Cólera. ❖ Grande estímulo à secreção, altera a motilidade, toxinas que alteram a permeabilidade da membrana, faz um monte de coisas ao mesmo tempo. • Doenças inflamatórias intestinais: Crohn e RCU... ❖ Destruição da mucosa, produção de secretagogos pelo sistema imunológico, dow regulation de canais e bombas (afetando a absorção). • Resumindo até aqui: Existem várias formas de classificar. Só é útil se for auxiliar na abordagem diagnóstica/ terapêutica. Não existe classificação perfeita. Combine as classificações de acordo com o paciente. Diarreias agudas Etiologia INTOXICAÇÃO ALIMENTAR ❖ Substâncias químicas ou toxinas pré formadas que estavam contaminando o alimento. 3 Beatriz Machado de Almeida Gastroenterologia – Diarreia – Aula 8 ❖ Dor abdominal periumbilical, náusea, vômito, diarreia muitas vezes aquosa; não costuma ser disenteria; sem características inflamatórias, sem febre, sem rebaixamento do estado geral. Geralmente diarreia alta. ❖ Poucas horas após ingestão. ❖ Auto limitada,não precisa de tratamento. ❖ Staphylococcus aureus é a mais comum dentre as várias bactérias que podem fazer isso. ROTAVÍRUS: era a mais comum. ❖ Agente viral mais comum. Principalmente crianças. ❖ Febre baixa, vômito. ❖ Diarreia aquosa volumosa (principalmente em criança) – risco de desidratação. Diarreia secretora. No adulto não costuma ser volumosa, mas pode vir com uma febre baixa e vômito. OBS.: Se febre, pensar mais em infecção que intoxicação. Em países desenvolvidos a causa mais comum de diarreia são os vírus. SHIGELLA ❖ Causa mais comum de diarreia bacteriana. Em países em desenvolvimento e subdesenvolvido, é a mais comum. ❖ Diarreia invasiva – mucosa colônica. ❖ Disenteria: cólicas, diarreia aquosa com muco e sangue. Causa tanta inflamação que o colón não consegue absorver, perdendo água também, isso por uma característica dela mesmo. ❖ Febre, anorexia, mal estar. SALMONELLA ❖ Cernes e ovos; ❖ Diarreia infecciosa invasiva – mucosa ileal e colônica ❖ Febre inicial e diarreia (10 dias). Quadro mais arrastado; ❖ Vômitos, dor abdominal, toxemia. ESCHERICHIA COLI ❖ Flora intestinal. Mutações originam as cepas patogênicas. Por ter várias cepas, pode fazer uma diarreia aquosa, invasiva... ❖ E. coli enterotoxigênica – toxinas LT e ST. ❖ E. coli enteropatogênica – destruição de vilosidades. ❖ E. coli entero-hemorrágica – toxina de Shiga: Síndrome hemolítica urêmica. ❖ E. coli enteroinvasiva – invasão de células do cólon: Disenteria. ❖ E. coli enteroagregativa – biofilme. Fisiopatologia incerta. Norovírus está se tornando a causa mais comum de diarreia viral aguda. O rotavírus está perdendo o posto devida à vacina. Lembrar que protozoários e parasitas também são causas de diarreia aguda que geralmente é aquosa. Investigação das diarreias agudas • História clínica: ❖ Início dos sintomas, ingestão de alimentos suspeitos, uso de medicamentos que possam levar ao quadro. ❖ Número de dejeções, aspecto das fezes, presença de muco ou sangue. ❖ Sintomas associados: febre, dor abdominal, náuseas e vômitos. ❖ Sinais de desidratação. FUNDAMENTAL! Pesquisar sempre 2 coisas: (1) sinais de diarreia inflamatória, febre, muco, sangue, estado grave; (2) desidratado. A primeira é a clássica diarreia pelo rotavírus. A segunda é a diarreia da cólera. • Apresentação clínica bastante semelhante, independente do agente causador • Inflamatória X não inflamatória: isso muda a conduta. 4 Beatriz Machado de Almeida Gastroenterologia – Diarreia – Aula 8 DIARREIA INFLAMATÓRIA • Bactérias invasivas ou produtoras de citocinas, parasitas – íleo e colón. • Quadro mais grave. • Ruptura de mucosa, com perda de líquido, hemácias e leucócitos. • Diarreia com muco e sangue, dor abdominal, febre, tenesmo. Mesmo que não seja uma diarreia inflamatória é preciso se perguntar se o paciente está desidratado, pois também muda a conduta. DIARREIA NÃO INFLAMATÓRIA ❖ Vírus e bactérias produtoras de enterotoxinas. ❖ Intestino delgado. ❖ Não há destruição de epitélio. ❖ Diarreia secretora. ❖ Fezes aquosas, de grande volume, sem muco ou sangue. ❖ Cólica menos intensa. ❖ Pode haver perda importante de volume, então ele pode estar muito desidratado. • Exame físico: ❖ Dor leve difusa à palpação; ❖ RHA aumentados; ❖ Sinais de desidratação. • Sinais de alarme: taquipneia, febre alta, hipotensão, pulsos filiformes. • RHA diminuídos, massas, sinais de irritação peritoneal: Investigar outras condições, p. ex. tumor intestinal... outro problema que pode cursar com diarreia. Exames complementares • Não são necessários para a maior parte dos casos. Se o paciente estiver bem, mesmo diante de uma diarreia inflamatória, se o paciente jovem, sem fatores de risco, hidratado, em BEG, não é necessário exames complementares. • Bioquímica básica se desidratação: hemograma, eletrólitos, função renal. • Análise das fezes em casos selecionados: se internação, diarreia inflamatória com outros fatores de risco, idosos, outras comorbidades, imunossuprimidos, desidratação, sinais de gravidade, paciente que não melhora. ❖ Cultura: tem bactérias que não são vistas na cultura, por isso tem que especificar. ❖ Pesquisa de toxinas: staphylos, clostridium, PCR de vírus. ❖ Parasitas, não só parasitológico de fezes, mas também pesquisa à fresco. ❖ Osmolaridade fecal é mais importante nas diarreias crônicas, quando trata e não melhora. Tratamento • HIDRATAÇÃO! De preferência via oral; se essa via não for possível, venosa. • Nutrição adequada. • Antidiarreicos: se for inflamatória, nunca!!! Se for uma diarreia aquosa, o paciente está bem, até pode. • Antibióticos empírico em pacientes selecionados. ❖ Doença grave: p. ex. febre alta, mal estado geral, sinal de sepse, sangue nas fezes. ❖ Diarreia Inflamatória: 10-15 dejeções ao dia, fazer ATB. ❖ Fatores individuais do paciente: idoso, com comorbidades, institucionalizados. ❖ Azitromicina, ciprofloxacino, por 3-5 dias.
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