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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Curso de Medicina Disciplina de Semiologia Neurológica Eliézer da Cunha Rodrigues Paralisia de Bell Conforme você passa o dia, pense em como você interage com outras pessoas. Você fala com eles, sim; mas, embora seja uma forma de comunicação muito direta, você também usa vários outros métodos menos óbvios - ainda menos conscientes - para comunicar suas opiniões e emoções regularmente. Uma das maneiras mais importantes de nos comunicarmos não verbalmente é pela expressão facial. O erguer de uma sobrancelha, o enrugamento do nariz ou a leve pontada no canto da boca podem nos dizer muito: se estivermos prestando atenção, notamos essas pequenas mudanças e interpretamos não apenas o que elas indicam sobre as pessoas com quem estamos interagindo, mas também o que eles indicam em relação ao seu comportamento para conosco e às relações que se formam entre nós. Com relação à expressão facial, há um nervo de vital importância que nos permite participar dessa forma de comunicação e é apropriadamente chamado de nervo facial. Embora seja de fato responsável pela inervação dos músculos da expressão facial, o nervo facial é uma estrutura complexa que contém muitos tipos de fibras com uma variedade de funções, incluindo motoras, sensoriais e autonômicas. A Paralisia de Bell, popularmente conhecida como paralisia facial, é um frequente diagnóstico de paralisia facial e a mais frequente mononeuropatia (ou seja, a mais frequente condição que afeta um único nervo periférico ou craniano). Acometendo cerca de 150 mil brasileiros por ano, esse distúrbio atinge, justamente, o nervo facial. 1. Apresentação clínica Antes de tudo, é preciso saber que a Paralisia de Bell é periférica, e não central. Enquanto a paralisia facial central compromete o primeiro motoneurônio (que sai do giro pré-central em direção ao núcleo do nervo facial), a paralisia facial periférica se caracteriza pelo comprometimento do segundo motoneurônio (lesão do núcleo ou do nervo facial propriamente). ● Paralisia Facial Central → Compromete o primeiro motoneurônio, que sai do giro pré-central em direção ao núcleo do nervo facial. ○ Etiologia vascular, tumoral ou traumática; ○ Plegia ou paresia do quadrante inferior contralateral da face (o quadrante superior da face não fica paralisado, pois recebe inervação do motoneurônio homolateral); ○ Hipertonia e hiperreflexia (contrações involuntárias/espasmos) da musculatura paralisada - esse mesmo fenômeno acontece em AVEs ou lesões medulares, devido à etiologia comum de lesão do neurônio motor superior; ● Paralisia Facial Periférica → Comprometimento do segundo motoneurônio (lesão do núcleo do nervo facial ou do nervo facial propriamente) ○ Etiologia idiopática (desconhecida), alérgica, autoimune, virótica, choque térmico, entre outras; ○ Plegia de toda a hemiface homolateral à lesão; ○ Hipotonia e hiporreflexia. Retomando, então, a Paralisia de Bell é uma desordem aguda do nervo facial que provoca parcial ou completa paralisação dos músculos da face homolaterais à lesão. UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Curso de Medicina Disciplina de Semiologia Neurológica Eliézer da Cunha Rodrigues Normalmente, começa com sintomas de dor na região da mastóide. É importante enfatizar a apresentação clínica aguda da PB, ou seja, o fato de que esse distúrbio se apresenta “de uma hora pra outra''. Se a assimetria facial e a paralisia muscular forem processos graduais, o mais provável é que estejam ocorrendo em virtude de uma formação tumoral que, como consequência secundária, compromete a estrutura do nervo facial. Embora geralmente se resolva em semanas ou meses, a paresia/paralisia facial pode provocar severa insuficiência oral e incapacidade de fechar as pálpebras em alguns casos, resultando em lesões oculares potencialmente permanentes. Como no caso de Mauro, a paralisação do músculo triangular (cuja função é a elevação da pálpebra superior) pode provocar o ressecamento ocular - devendo o paciente utilizar colírio para manter a superfície ocular úmida. Apesar de, na maioria dos casos, os sintomas desaparecerem aos poucos, em aproximadamente 25% dos casos a assimetria facial pode persistir, variando de moderada a grave. Isso, logicamente, prejudica a qualidade de vida dos pacientes. Além dos supracitados, são comuns: 1. Apagamento dos sulcos da face no lado comprometido e acentuação dos traços no lado sadio; 2. Lagoftálmico: incapacidade de ocluir os olhos, devido à plegia do músculo orbicular dos olhos; 3. Epífora: escorrimento de lágrimas (crocodile tears) devido à plegia do músculo horner; 4. Sinal de Bell: quando o indivíduo tenta fechar os olhos, a plegia do músculo orbicular dos olhos faz com que o globo ocular desvie para fora e para cima 5. Ageusia: perda da gustação nos 2/3 anteriores da língua; 6. Sincinesia: a tentativa de contrair um músculo do rosto faz com que outros músculos se contraiam também (principal causa: terapia inadequada) 2. Epidemiologia Afeta indivíduos das mais distintas idades e de ambos os sexos, com incidência anual de cerca de 20 casos a cada 100.000 indivíduos. O pico de incidência se estabelece nos indivíduos com idade entre 15 e 40 anos, havendo recorrência da doença em 8,3% dos indivíduos. O prognóstico da doença é bastante positivo: 71% das pessoas têm recuperação completa, 25% recuperação parcial, 4-5% ficam com sequelas permanentes (estando esses últimos casos, normalmente, associados à episódios traumáticos, doenças autoimunes, dentre outros). Esse prognóstico, contudo, depende do tempo em que a recuperação começa. Se a recuperação se inicia: ● 1ª semana: 88% de chance de recuperação completa; ● Entre a 1ª e a 2ª semana: 83% de chance de recuperação completa; ● Entre a 2ª e a 3ª semana: 61% de chance de recuperação completa. 3. Métodos diagnósticos O diagnóstico da Paralisia de Bell é feito por eliminação clínica cuidadosa de outras etiologias potenciais de paralisia/paresia facial, como: trauma, neoplasias, problemas congênitos ou sindrômicos, paralisia/paresia facial pós-cirúrgica ou infecção por herpes-zóster UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Curso de Medicina Disciplina de Semiologia Neurológica Eliézer da Cunha Rodrigues e doença de Lyme. Ademais, deve-se considerar para diagnóstico a natureza "aguda" ou de "início rápido" da PB (dado que a paralisia/paresia atinge grau máximo de gravidade em menos de 72 horas após o início da manifestação clínica), além do fato de que esse diagnóstico não abrange paralisias faciais recorrentes. 4. Fisiopatologia A literatura atual carece de uma etiologia precisa para a PB, mas acredita-se que essa esteja associada com a reativação do vírus herpes simplex do tipo 1 nos gânglios do nervo facial (7º NC), que emerge da ponte e, a partir desse ponto, segue um complicado caminho, dando origem a seis segmentos: intracraniano, meatal, labiríntico, timpânico, mastoideo e extratemporal. Devido a essa via extensa e complicada, o facial é mais suscetível à paralisia do que outros nervos do corpo. A lesão nervosa pode ser consequência de: ● Neuropraxia: bloqueio de condução nervosa por comprometimento da bainha de mielina (o axônio e o endoneuro se mantêm íntegros); o prognóstico é positivo, com recuperação de 1-6 meses; ● Axonotmese: interrupção da condução nervosa por comprometimento do axônio e da bainha de mielina (o endoneuro se mantém íntegro); se divide em duas fases: ○ Degeneração walleriana: desintegração do axônio e quebra da bainha de mielina; ○ Reinervação: regeneração da continuidade entre o axônio e o seu órgão terminal, que foram separados pela degeneração axonal; Prognóstico: a recuperação pode durar de meses à anos, dependendo da gravidade da lesão e do tratamento por fisioterapia. ● Neurotmese: perda da continuidade de todo o tronco nervoso por comprometimento do axônio, da bainha de mielina e do endoneuro. A recuperação é muito difícil, uma vez que são raros os neurônios que sobrevivem a alterações neuronais retrógradas. É necessáriaabordagem cirúrgica. *Endoneuro: caminho que guia o crescimento do axônio, que é induzido por fatores neurotróficos 5. Tratamento Glicocorticóides, fármacos antiretrovirais, vitamina B12 (precursor da bainha de mielina), intervenção cirúrgica e fisioterapia (os trabalhos que tematizam o assunto ainda são precários). 6. Sintomas/alterações do exame neurológico típico e técnica de exame utilizada para detectar a doença A avaliação é simples: deve-se pedir que o paciente movimente os músculos da mímica facial. Então, por exemplo: ● Levante a sobrancelha (músculo frontal); UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Curso de Medicina Disciplina de Semiologia Neurológica Eliézer da Cunha Rodrigues ● Aproxime as duas sobrancelhas (corrugador do supercílio); ● Feche os olhos, de forma lenta e forte (músculo orbicular dos olhos em suas duas porções); ● Levante o ângulo superior e sorria mostrando os dentes (músculo zigomático); ● Sorria sem mostrar os dentes (músculo risório); ● Faça bico com a boca (músculo orbicular da boca); ● Deprima o lábio inferior (músculo depressor do lábio inferior); ● Deprima o ângulo inferior da boca (músculo depressor do ângulo da boca);
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